Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:016/10.9BELRS 0884/17
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
PRAZO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Os elementos constitutivos do direito a juros indemnizatórios, nos termos do no art.º 43º, nº 1, da LGT, são: (i) a existência de erro em acto de liquidação de tributo; (ii) que esse erro seja imputável aos serviços; (iii) que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e (iv) que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.
II - No caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, visto que que tanto a determinação da matéria colectável como a liquidação do imposto são efectuadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços.
III – Todavia, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passa a ser imputável à AT depois de eventual indeferimento da pretensão deduzida pelo contribuinte.
IV - Tendo a Recorrida dado entrada, em 15.07.2009, de reclamação graciosa do acto tributário de retenção na fonte de 10% sobre os dividendos distribuídos e tendo a mesma sido objecto de indeferimento em 16.12.2009, os juros indemnizatórios são devidos desde essa data.
Nº Convencional:JSTA000P27580
Nº do Documento:SA220210428016/10
Data de Entrada:03/09/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ BV
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso no Tribunal Central Administrativo Sul, visando a revogação da sentença de 30-04-2020, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação intentada por A………… BV, melhor sinalizada nos autos, e anulou a decisão proferida pela Autoridade Tributária relativa à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português, S.A., identificado nos autos, no montante de €596.329,94, e condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

“1) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por “A………… BV.”, Sociedade não residente devidamente constituída ao abrigo das lei holandesas, com sede em ………, ………., nos Países Baixos com o número de identificação fiscal português ………, anteriormente denominada por “B……… BV” e que em 19.11.2011, incorporou por fusão a sociedade de direito holandês denominada “A……… HOLDING NV”, contra a decisão proferida pela Autoridade Tributária relativa à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português, S.A. (doravante “BCP”), a 15 de Junho de 2007, no montante de €596.329,94 (quinhentos e noventa e seis mil, trezentos e vinte e nove euros e noventa e quatro cêntimos), anulando, em consequência, a retenção na fonte de imposto impugnada e condenando a Fazenda Pública na sua restituição e ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito.
2) Considerou o Tribunal a quo que padecendo as retenções na fonte sobre os dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português, S.A. de vício de violação de lei, as mesmas são o resultado de erro imputável ao serviço, condenando a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à emissão da respetiva nota de crédito.
3) Não se colocando em causa que possa haver lugar a juros indemnizatórios, discordamos, no entanto, do momento a partir do qual são devidos os mesmos, e, consequentemente, do momento a partir do qual devem ser contabilizados os referidos juros indemnizatórios a favor da ora Impugnante, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 43.º e 100.º da LGT.
4) Tendo o Tribunal a quo considerado que esse momento coincidia com o do pagamento do imposto operado pelo substituto tributário através do mecanismo de retenção na fonte, discorda a Fazenda Pública, considerando que será de chamar à colação, para determinação do início do prazo a partir do qual são devidos juros indemnizatórios, os meios de reação de que lançou mão a ora Recorrida.
5) Entendeu o Tribunal recorrido que o direito a juros indemnizatórios pela ora Recorrida resulta diretamente do disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, discriminando o que designa por al. b) do n.º 1 do art.43.º da LGT que, mediante leitura da sentença ora recorrida se entende ser o segmento “erro imputável aos serviços”.
6) Os elementos constitutivos do direito a juros indemnizatórios, nos termos do no art.º 43º, nº 1, da LGT, são, a existência de erro em ato de liquidação de tributo, que esse erro seja imputável aos serviços, que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.
7) Acontece que, no caso de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta, está, em princípio, afastada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, uma vez que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços.
8) No entanto, e citando o Acórdão do STA, de 06.12.2017, no âmbito do processo n.º 0926/17, relatora a Exma. Juíza Conselheira Dulce Neto, disponível em www.dgsi.pt, “o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”.
9) Ora, a Recorrida deu entrada, em 15.07.2009, no serviço de finanças de Lisboa-8 de reclamação graciosa do ato tributário de retenção na fonte de 10% sobre os dividendos distribuídos pelo banco BCP [ponto M) dos factos dados como provados], tendo a mesma sido objeto de indeferimento e notificada à impugnante, através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009 [ponto N) dos factos dados como provados],
10) Pelo que se entende que os juros indemnizatórios são devidos, não desde a data de pagamento do ato tributário de retenção na fonte, como entendeu o Tribunal a quo, mas desde o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela ora Recorrida, e notificado à mesma através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009.
11) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de se ter fixado como data de início de juros indemnizatórios a data de pagamento do ato tributário de retenção na fonte, e não a data do indeferimento da reclamação graciosa, em violação do disposto no art.º 43.º n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT.
12) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra o ora Recorrente.
Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença na parte recorrida, como é de Direito e Justiça.

A recorrida A………… BV apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:

A) Bem andou o Tribunal a quo ao ter decidido pela procedência da impugnação judicial e condenado a AT ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data da retenção na fonte até ao pagamento da nota de crédito;
B) A Fazenda Pública interpôs recurso da douta decisão do Tribunal a quo por entender que a mesma padecia de erro de julgamento na parte em que esta considerou que os juros eram devidos desde a data em que ocorreu a retenção na fonte. Ou seja, a Fazenda Pública não questiona a ilegalidade do ato tributário mas apenas o momento a partir do qual são devidos juros;
C) Assim, e considerando o objeto do recurso, tal como fixado pela Recorrente nas suas alegações, estamos perante uma questão exclusivamente de Direito, pelo que o Tribunal competente em razão da hierarquia será a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e não a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, verificando-se, assim, a exceção de incompetência absoluta em razão da hierarquia;
D) No que se refere aos juros indemnizatórios, e como entendeu (e bem) o Tribunal o quo, os mesmos são devidos desde a data de pagamento do ato tributário de retenção na fonte e não desde o indeferimento da reclamação graciosa como alegado pela Fazenda Pública;
E) Com efeito, e não obstante o ato de retenção na fonte não ter sido praticado pela AT, tendo sido deduzida reclamação graciosa e tendo a AT indeferido a mesma, aquele ato foi administrativizado;
F) Por esse motivo, na esteira de jurisprudência constante dos tribunais superiores a este respeito, verifica-se existir in casu erro imputável aos serviços e, por conseguinte, deve a AT ser condenada, como foi, ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data em que ocorreu a retenção na fonte e pagamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.2 da LGT;
G) A obediência que a AT deve à lei comporta que seja desaplicada uma norma inconstitucional sempre que a mesma implique a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e diretamente aplicáveis, como sucede in casu;
H) Resulta claro dos autos que a ilegalidade da liquidação não decorre de qualquer "informação do contribuinte" mas tão-somente do vício da lei, lei essa que foi criada pelo Estado e que seria sempre executada pelo seu "braço" aplicador da lei - a AT, o que significa que se o dever de liquidar o imposto não tivesse sido transferido das competências da AT (onde pertence por natureza) para um substituto tributário, o ato de retenção ilegal teria sido praticado nos mesmos exatos termos;
I) Assim sendo, exige o princípio da igualdade que os danos causados à Recorrida sejam indemnizados desde o momento em que o ato de liquidação (retenção na fonte) foi praticado.
J) A AT deveria ter desaplicado o regime acima referido e, não o tendo feito, incorreu em erro imputável aos serviços que determina que sejam pagos juros indemnizatórios desde a data do ato de retenção sobre os dividendos até à data da nota de crédito, computados à taxa de 4% sobre o valor do capital retido ilegalmente.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a sentença recorrida manter-se, com a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do ato de retenção até à data da nota de crédito, com as demais consequências legais.”


Por Decisão Sumária de 09/01/2021 foi decidido declarar o Tribunal Central Administrativo Sul incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e competente, para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


Remetidos os autos ao STA e notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta louvou-se no parecer emitido pelo Ministério Público, no TCAS, que se pronunciou no sentido do provimento do recurso e que se transcreve na parte que interessa:

“(…) A retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português, S.A. reporta-se a 15 JUNHO 2007.
A Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro e, posteriormente, a Lei nº 82-C/2014, de 31 de Dezembro, procederam à reforma do regime de tributação das sociedades, alterando o CIRC, ambicionando promover a sua simplificação, a redução das obrigações declarativas e a reestruturação da política fiscal internacional de Portugal. Introduziu-se o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica, nos termos do princípio da territorialidade - o regime de Participation Exemption de carácter universal.
Com caráter horizontal, passa a abranger não só os lucros e reservas distribuídas, como também as mais e menos-valias realizadas com a transmissão onerosa de partes sociais. Verificava-se um tratamento fiscal discriminatório não consentido quando o rendimento percebido por sociedades não residentes estivesse sujeito a uma taxa de retenção na fonte não aplicável às sociedades residentes e essa maior tributação não possa ser neutralizada, por aquelas estarem isentas de imposto no Estado de residência e, como tal, impedidas de recuperar o imposto retido.
Será de anular a retenção na fonte efetuada à entidade não residente quando tenha ficado provado que essa maior tributação de entidade não residente não pode ser neutralizada, em concreto, por via da convenção celebrada entre os Estados para evitar a dupla tributação. Se aquela estiver isenta de imposto no Estado de residência e, como tal, impedida de recuperar o imposto retido.
Contudo a AT limita o objeto do recurso ao início da obrigação de JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
Analisando a questão dos juros, não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga.
Quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito v.g. ART 61º CPPT.
Isto é, não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime dos artsº. 100º / 102º da LGT complementado com o do artº. 61.º do CPPT, é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de moraº, toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
Não há lugar a juros indemnizatórios, nos casos em que a anulação não é motivada por erro imputável aos serviços, pois quando é esta a razão da anulação há sempre lugar a juros indemnizatórios (art. 43.º, n.º 1, da LGT).
Devidos desde o erro dos serviços, salvo melhor opinião.
Inexistindo novos argumentos ou questões a apreciar, concluímos que a mui douta DECISÃO deverá ser revista.
Pelo exposto sinteticamente aliás tomamos posição no sentido de que O RECURSO MERECERÁ PROVIMENTO.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na sentença recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A)
A impugnante é uma sociedade não residente de direto Holandês denominada por A………… BV.”, devidamente constituída ao abrigo das leis holandesas, com sede em ………, ………, nos Países Baixos com o número de identificação fiscal português ………, anteriormente denominada por “B………… BV” e que em 19.11.2011, incorporou por fusão a sociedade de direito holandês denominada “A………… HOLDING NV”, conforme certificado de fusão de fls. 258 dos autos;
B)
Em 17.03.2008 foi certificado pela Administração Fiscal Holandesa – Amesterdão que a ora impugnante é:
«(…)
a) Uma sociedade abrangida pelo conceito do artigo 2.º da Diretiva do Conselho de 23 de Julho de 1990 sobre o sistema comum de tributação aplicável às sociedades mães/sociedades filhas de deferentes Estados Membros (90/435/EEC), alterada pela Diretiva do Conselho 2003/123/EC, de 22 de dezembro de 2003 (doravante: Diretiva do Conselho)
b) É residente nos países Baixos para fins fiscais e, de acordo com uma convenção de dupla tributação celebrada com Estado Terceiro, não é considerada, para fins fiscais como sendo residente fora da Comunidade;
c) É sujeito a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nos Países Baixos sem possibilidade de opção ou isenção» (vennootshapsbelasting in the Neetherlands);
(cfr. declaração emitida pela Administração Fiscal de Amesterdão de fls. 83 dos autos)
C)
A Autoridade Tributária competente dos Países Baixos (Gezien en Akkoord) emitiu declaração com o seguinte teor:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)»
(cfr. declaração emitida pela Administração Fiscal de Amesterdão de fls. 935 do SITAF)
D)
Em 28 de Março de 2003 a sociedade “B………… B.V.”, adquiriu 19.024.014 ações nominativas no capital social do Banco Comercial Português, SA. à «C………… Hellenic Life Insurence Company, SA.», pela quantia de €43.945.472,34, conforme Relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 5 junto com a PI)
E)
Em 28 de Março de 2003 a sociedade “B………… B.V.”, adquiriu 1.217.849 ações nominativas na capital social do Banco Comercial Português, SA à «C………… Property and Casualy Insurence Company, SA.», pela quantia de €2.813.231.19, conforme relatório da Auditoria, datado de 09.04.2009, sendo esta sociedade regularmente constituída sob as leis da Grécia;
(cfr. doc. n.º 5 junto com a PI)
F)
Em 31 de Março de 2003 a sociedade “B………… B.V.” adquiriu 36.404.897 ações nominativas por subscrição em aumento de capital social do BCP, pelo valor de €36.404.897, conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 5 junto com a PI)
G)
No período entre 4 de junho de 2003 e 26 de junho de 2003, a “B………… B.V.” alienou 20.000.000 de ações nominativas no capital do BCP, conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 5 junto com a PI)
H)
As transmissões acima referidas correspondem, em 18 de março de 2009 a um valor de aquisição mínimo de 20 milhões de euros (€20.000.000), conforme relatório da Auditoria, datado de 02.04.2009;
(cfr. doc. n.º 5 junto com a PI)
I)
Em 6.3.2009, o Banco Comercial Português SA., efetuou declaração como seguinte teor:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. Doc. N.º 4 junto com a PI)
J)
Em 15.06.2007, o Banco Comercial Português, SA, contribuinte n.º 501.525.882, procedeu à distribuição de dividendos aos seus acionistas, relativos às ações identificadas pelo Código PTBCP0AM0007, no montante de €0.048 por ação, na conta ………, na qual a empresa A………… HOLDING NV era titular, de 124.235.405 ações, auferindo o rendimento bruto de €4.770.639,55, que foi objeto de retenção na fonte à taxa de 20%, no montante de €1.192.659,89 ao abrigo da CDT entre Portugal/Holanda”;
(cfr. doc. n.º 2 e 3 junto com a PI)
K)
Na mesma data e pela mesma entidade, foi a impugnante informada de que foi devolvido pela Administração Fiscal, ao abrigo da Convenção de Eliminação da Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda, através de reclamação, o montante de €596.392,95, correspondente à correção da taxa de retenção na fonte para 10%;
(cfr. doc. n.º 3 junto com a PI)
L)
O banco BCP informou a impugnante que, o montante de €596.392,95 correspondente à retenção na fonte efetiva de 10% foi incluído no montante total de imposto sobre o rendimento, pago às Autoridades Fiscais Portuguesas, em 20.07.2007;
(cfr. doc. n.º 3 junto com a PI)
M)
Em 15.07.2009, a impugnante deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8 de reclamação graciosa do ato tributário de retenção na fonte de 10% sobre os dividendos distribuídos pelo banco BCP, com os fundamentos que se dão por reproduzidos;
(cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e fls. 2 do processo de reclamação graciosa junto aos autos)
N)
A reclamação referida no ponto anterior foi objeto de indeferimento com os fundamentos que se dão por reproduzidos e notificada à impugnante, através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009;
(cfr. doc. n.º 1 junto com a PI e fls. 2 do processo de reclamação graciosa junto aos autos).
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação referente a retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco BCP, tendo condenado a AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito, padece de erro de julgamento, decorrente da circunstância de se ter fixado como data de início de juros indemnizatórios a data de pagamento do acto tributário de retenção na fonte, e não a data do indeferimento da reclamação graciosa, em violação do disposto no art.º 43.º n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT.
Examinemos.
Como ficou patenteado nas conclusões recursórias, a AT limita o objecto do recurso ao início da obrigação de juros indemnizatórios exprobrando o julgamento do Tribunal a quo segundo o qual as retenções na fonte sobre os dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português, S.A. enfermam de vício de violação de lei que derivado de erro imputável ao serviço, por isso condenando a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à emissão da respectiva nota de crédito.
A recorrente AT diverge desse ponto de vista – de que esse momento coincidia com o do pagamento do imposto operado pelo substituto tributário através do mecanismo de retenção na fonte – sustentando que será de chamar à colação, para determinação do início do prazo a partir do qual são devidos juros indemnizatórios, os meios de reacção de que lançou mão a ora Recorrida.
Dúvidas não se põem de que o tribunal recorrido perfilhou o entendimento de que o direito a juros indemnizatórios pela ora Recorrida advém directamente do disposto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, diferenciando o que designa por al. b) do n.º 1 do art.43.º da LGT o segmento que abrange o “erro imputável aos serviços”.
Ora, sendo anulada a liquidação, ainda que por via da procedência de impugnação judicial, a AT deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (art. 100º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no supra transcrito art. 43º da LGT, norma que, não alterando o direito de indemnização, permite ao contribuinte lesado um meio processual de obter mais facilmente (embora, eventualmente, não completamente), o seu direito à indemnização (a especificação e previsão, nestes normativos, bem como no art. 61º do CPPT e noutras normas dos diversos Códigos Tributários) dos casos em que há direito a juros indemnizatórios «terá de ser entendida não como uma designação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração Tributária nem como uma limitação do dever indemnizatório da Administração, mas como uma indicação de situações em é que de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade daquela Administração pela ocorrência do mesmo.» Daí que o art. 43° apenas estabelece «um meio expedito e, por assim dizer, automático, de indemnizar o lesado. Independentemente de qualquer alegação e prova dos danos sofridos, ele tem direito à indemnização ali estabelecida, traduzida em juros indemnizatórios nos casos incluídos na previsão». (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., anotações 3 e 12 ao art. 61º, pp. 527/528 e 556.)
Todavia, da combinação do disposto nos nºs. 1 a 3 do mesmo normativo, igualmente decorre diferença temporal relativamente ao termo a quo do pagamento de juros indemnizatórios (não serão devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços), diferença que, conforme destaca o Jorge Lopes de Sousa, aparenta radicar em entendimento legislativo no sentido de que «há culpa do contribuinte na formação dos prejuízos derivados do acto ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor». (in “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais - Notas Práticas”, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 71.)
Por assim ser, no caso, a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só terá de ser reconhecida a partir do momento em que se forma o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir do momento em que, pela primeira vez, a AT se teve de pronunciar “sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos” e omitiu esse dever, deixando que se formasse indeferimento tácito. (Ob. Cit., pág. 52 e a jurisprudência aí referida.)
Portanto, à guisa de conclusão afeiçoada ao caso concreto, são elementos constitutivos do direito a juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43º, nº 1, da LGT, a existência de erro em ato de liquidação de tributo, que esse erro seja imputável aos serviços, que a existência do erro tenha sido determinada em reclamação graciosa ou impugnação judicial, e que dele tenha resultado pagamento de dívida em montante superior ao legalmente devido.
In casu, tratando-se de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta, fica arredada a possibilidade de existência de erro imputável aos serviços, na medida em que não só a determinação da matéria colectável como também a liquidação do imposto são operadas pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços.
Evocando a doutrina derramada no Acórdão do STA, de 06.12.2017, processo n.º 0926/17, disponível em www.dgsi.pt, “o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”.
Portanto, a lei determinou que a delonga da AT para decidir a reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte, se superior a um ano e a menos que lhe não seja imputável, é passível de censura, revelando culpa da AT, a justificar o direito de indemnização ao contribuinte, mediante a atribuição de juros.
Nas palavras emprestadas ainda por Jorge Lopes de Sousa, a ponderação de culpas do contribuinte (que deu origem à liquidação que se revelou indevida) e da AT (na demora injustificada da decisão da reclamação graciosa), num juízo em tudo paralelo ao prescrito pelo art. 570.º, n.º 1, do Código Civil, levou o legislador a considerar que, decorrido o prazo de um ano sem que a reclamação graciosa esteja decidida, a culpa da AT excede a do contribuinte e justifica, a partir desse momento, que se lhe imponha a obrigação de pagar juros indemnizatórios.
Saliente-se que segundo o EPGA, analisando a questão dos juros, não há cumulação de juros moratórios e indemnizatórios relativamente ao mesmo período de tempo, não se pode justificar uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga. É que quando há lugar a juros indemnizatórios, eles cobrem todo o período que vai desde o pagamento indevido até à emissão da nota de crédito v.g. ART 61º CPPT.
Equivale isso a dizer que não pode haver lugar a cumulação de juros indemnizatórios e moratórios relativamente ao mesmo período de tempo, a interpretação que permite compatibilizar o regime dos artsº. 100º/102º da LGT complementado com o do artº. 61.º do CPPT, é a de que, quando há lugar a juros indemnizatórios, não tem aplicação o regime dos juros de mora, toda a dívida de juros é paga a título de juros indemnizatórios.
E, na verdade e mais uma vez decalcando Jorge Lopes de Sousa, no art. 61.º do CPPT «fixam-se os prazos em que devem ser pagos os juros indemnizatórios e os termos inicial e final da respectiva contagem, mas estes prazos têm de ser entendidos em consonância com o direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT» (Ob. cit., volume I, anotação 14 ao art. 61.º, pág. 557.).
Ainda segundo o mesmo autor «Poderia aventar-se, numa interpretação conjugada do n.º 5 do art. 63.º do CPPT (n.º 3 na redacção inicial) com a alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT que, também quando houver lugar a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, «os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito».
No entanto, essa hipotética solução seria incongruente, pois o que resulta desta alínea c) é que não há lugar a juros indemnizatórios (isto é, considera-se legislativamente não se estar perante uma privação indevida da quantia paga, que é o suporte da atribuição do respectivo direito) se a revisão do acto tributário não demorar mais de um ano a contar do respectivo pedido. Por isso, quando passa a haver direito a juros indemnizatórios, este tem como causa directa uma demora da administração tributária que se considera censurável, que provoca prolongamento da falta de disponibilidade da quantia paga pelo contribuinte que passa a considerar-se ilegítima. Assim, estando o direito a juros indemnizatórios conexionado com a privação indevida da quantia paga, só se pode justificar a atribuição do direito relativamente ao período de tempo em que legalmente se considera que essa indisponibilidade passou a ser indevida» (Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., volume I, anotação 14 b) ao art. 61.º, nota de rodapé com o n.º 963, pág. 559).
Em concordância com tal interpretação e dado que, no caso, a impugnante só em 15.07.2009 deu entrada no serviço de finanças de Lisboa-8 de reclamação graciosa do acto tributário de retenção na fonte de 10% sobre os dividendos distribuídos pelo banco BCP [ponto M) dos factos dados como provados], tendo a mesma sido objecto de indeferimento e notificada à impugnante, através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009 [ponto N) dos factos dados como provados], os juros indemnizatórios são devidos, não desde a data de pagamento do acto tributário de retenção na fonte, como entendeu o Tribunal a quo, mas desde o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela ora Recorrida, e notificado à mesma através do ofício n.º 108348 de 16.12.2009.
Havemos, pois, de concluir que a respectiva tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só deverá ser reconhecida a partir dessa data.
Ocorrendo um erro de julgamento, resultante da circunstância de se ter fixado como data de início de juros indemnizatórios a data de pagamento do acto tributário de retenção na fonte, e não a data do indeferimento da reclamação graciosa, em violação do disposto no art.º 43.º n.º 1 da LGT e 61.º do CPPT, a sentença recorrida, não pode, nesta parte, manter-se, pois que os mesmos são devidos apenas a partir de 16.12.2009, data em que foi notificado à ora Recorrida, o indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.

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3.- Decisão:

Nestes termos acorda-se em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento até à emissão da nota de crédito, julgando-se agora que os mesmos são devidos apenas a partir do indeferimento da reclamação graciosa ocorrido em 16.12.2009, até integral pagamento da quantia de €596.329,94 e apenas nessa medida se condenando a Fazenda Pública.

Custas pela recorrida, na proporção do respectivo decaimento com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do R.C.P., correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.

Lisboa, 28 de Abril de 2021. – José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.