Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0580/12 |
Data do Acordão: | 10/31/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | DESPACHO DE REVERSÃO GERÊNCIA DE FACTO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO ILEGITIMIDADE |
Sumário: | I - Sendo o efectivo exercício de funções pressuposto da responsabilidade subsidiária prevista no artigo 24.° da LGT, em face do disposto na parte final do nº 4 do artigo 23.° da mesma lei é necessário que do despacho de reversão conste a alegação de que o pretenso responsável exerceu efectivamente o cargo. II - Não será, contudo, necessário, que constem do despacho de reversão os factos concretos nos quais a Administração fiscal fundamenta a sua alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gestor, pois que um “non liquet” relativamente a essa questão será necessariamente valorado contra a administração tributária, dada a inexistência de presunção legal relativa a tal exercício. |
Nº Convencional: | JSTA00067886 |
Nº do Documento: | SA2201210310580 |
Data de Entrada: | 05/24/2012 |
Recorrente: | A...... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF PENAFIEL |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL. |
Legislação Nacional: | LGT98 ART23 N4 ART74 N1 ART77 ART70 ART22 N4. CPA91 ART123 N2 ART125 ART214. CONST76 ART268 N3 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 — A………, com os sinais dos autos, recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 4 de Outubro de 2011, que julgou improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.° 3565-2007/01005480, originariamente instaurada contra a B………, Lda., por dívidas de IRC do exercício de 2002 no valor de 165.72,69, para o que apresentou as seguintes conclusões: 1) Por aplicação das disposições conjugadas dos arts. 22º, nº 4, 23°, nº 4 e 70º da LGT, é possível constatar que com vista à fundamentação da decisão de reversão da execução contra o obrigado subsidiário, deverá a entidade decisora: i) de forma objectiva, e fundamentada demonstrar na própria decisão a qualidade de administrador de facto do oponente, invocando factos que demonstrassem o exercício efectivo do cargo; ii) apurar o grau de insuficiência do património da devedora originária, para satisfação da dívida tributária; iii) determinar de forma exacta o montante pelo qual o revertido será responsabilizado em sede de reversão. 2) Da fundamentação da decisão que determinou a reversão contra o alegante, emerge o seguinte (cfr. al. G) da matéria de facto dada como provada): “Não havendo bens da executada que respondam pelo pagamento da dívida, verificam-se assim as condições previstas no n.º 2 do art. 153.º do Código de Procedimento e Processo Tributário para a chamada à execução dos responsáveis subsidiários de acordo com a legislação vigente aquando dos cargos e o momento da constituição de responsabilidade, contra estes a execução (…). 1. Relativamente ao facto tributário: 1.1. O facto que está na génese de todas as certidões ocorreu na vigência da Lei Geral Tributária (LGT), assim, nos termos da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 24.º, os gerentes e administradores são subsidiariamente responsáveis pelas dívidas da sociedade mediante prova de culpa da insuficiência do património da sociedade, por parte da Fazenda Nacional. 2. Relativamente à obrigação de pagamento: 2.1. Verifica-se que a obrigação de pagamento ocorreu na vigência da LGT, assim, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artº 24º, os gerentes e administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de gestão em pessoas colectivas ou equiparadas, serão subsidiariamente responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos da constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente temos que é (são) (solidariamente) responsável (eis) pelo pagamento das seguintes importâncias por dívidas de IRC: (...). A……… responde pelo pagamento de € 165.172,69 relativo ao período da sua gerência.” 3) Da nota de citação, por via do qual se comunica a decisão de reversão ao aqui Alegante, apenas consta que: “Não havendo bens da executada que respondam pelo pagamento da dívida, verificam-se assim as condições previstas no n.° 2 do art. 153.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) para a chamada à execução dos responsáveis subsidiários de acordo com a legislação vigente a quando do seu exercício do cargo e o momento da constituição de responsabilidade, revertendo contra estes a execução” 4) A A.F., apurou o grau de insuficiência patrimonial da devedora originária, pois que, efectuadas as diligências necessárias conclui-se pela inexistência de património societário. 5) A A. F. também aquilatou do “quantum” de dívida cuja responsabilidade poderia imputar ao responsável subsidiário. 6) Ao contrário de quanto inculca a decisão “a quo”, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do acto de reversão da execução fiscal que o alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária. 7) Em momento algum a A.F., enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que o alegante no prazo legal de pagamento das dividas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária. 8) É precisamente neste ponto que a decisão em recurso se encontra ferida de ilegalidade, na medida em que, ao contrário de quanto considerou nos pontos 9 e 10 do acervo probatório, em momento algum são invocados ou descritos factos demonstrativos do exercício efectivo da gerência por parte do aqui alegante, postergando, assim, o dever de prova (cfr. art. 74.°, n.º 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23.º n.° 4 e 77.º da LGT). 9) A concretização da gerência de facto por parte do Alegante surge apenas em sede de contestação à oposição, onde a Fazenda Pública (cfr. pontos 17 e 19), alega e documenta a concretização de tais actos por parte do Alegante. 10) A fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efectuada no momento bem que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a A.F. em momento posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa. 11) Uma fundamentação, realizada à posteriormente à comunicação da decisão ao sujeito administrado, não satisfaz os requisitos do dever geral de fundamentação, como é evidente, uma vez que o destinatário do acto não fica a saber que factos concretos determinaram a reversão. 12) As razões que o Tribunal “a quo” alegou na sua decisão para justificar a improcedência da oposição à execução, não constam da motivação do acto. 13) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 268º, n.° 3 da CRP, arts. 214.º, 125° e 123.º, n.° 2 do CPA e arts. 22.º, n.° 4, 23.° n.° 4 e 70.° da LGT. Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA! 2 - Não foram apresentadas contra-alegações. 3 - Por Acórdão de 29 de Março de 2012 (de fls. 189 a 194 dos autos) o Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente para o efeito este Supremo Tribunal, para quem os autos foram remetidos precedendo pedido nesse sentido. 4 - O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal remeteu para o parecer do Ministério Público no TCA Norte, que defende que o recurso não merece provimento. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. - Fundamentação - 5 - Questão a decidir É a de saber se o despacho que ordenou a reversão da execução contra o ora recorrente está ou não suficientemente fundamentado. 6 - Matéria de facto Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos: 1.º - Em 12.02.2007 foi instaurado pelo Serviço de Valongo — 2., Ermesinde, o processo de execução fiscal n.º 3565200701005480 contra a B………, Lda, NIPC: ………, por dívidas de IRC do ano de 2002. 2.º - Não foram encontrados bens pertencentes à executada originária — cfr. informação do serviço de Finanças de Valongo — 2, Ermesinde, de fls. 41 dos autos. 3.º - O Ora Oponente desde 18.11.2002 e até à data da elaboração da informação por parte do serviço de Finanças de Valongo-2, Ermesinde, constou como gerente. 4 ° - Em 06.11.2008 foi proferido projecto de reversão contra o oponente, na qualidade de responsável subsidiário. 5.º - Em 10.11.2008, foi enviada notificação por carta registada para audição prévia, a qual foi recebida em 11.11.2008. 6.° - Em 05.03.2009 e, na ausência do exercício do direito de audição, foi proferido despacho de reversão contra o ora Oponente - cfr. doc. de fls. 22 dos autos. 7.º - O mesmo foi citado em 12.03.2009. 8.° - O ora Oponente após a sua assinatura na qualidade de sócio gerente da originária devedora, na outorga da escritura de compra e venda aos 30 de Novembro de 2006, no Cartório Notarial de Matosinhos, para venda de um imóvel, em nome da sociedade — cfr. doc. de fls. 49 a 53 dos autos. 9.° - O ora Oponente encontrava-se inscrito na Segurança Social, no período a que respeitam as dívidas, tendo sido entregues declarações de remunerações na qualidade de Membro de órgão Estatutário (MOE), cfr. doc. de fls. 54 a 57 dos autos. 10.º - Foi remunerado entre Novembro de 2002 e Dezembro de 2008. 7 — Apreciando. 7. 1 Da alegada falta de fundamentação do despacho de reversão A sentença recorrida, a fls. 123 a 142 dos autos, julgou improcedente a oposição deduzida pelo ora recorrente, considerando que não se verificava o vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, porquanto resulta do despacho de reversão que o mesmo apresenta a fundamentação de facto e de direito devida, pois no mesmo se diz, que o ora Oponente exerceu, de facto; o período de gerência está delimitado e as dívidas estão determinadas. Sendo à Fazenda Pública, como titular do direito de reversão da executada contra o responsável subsidiário que cumpre fazer prova da gerência como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária, constata-se que fundamentou de facto e de direito esse despacho de tal forma que se constata que o Oponente o conheceu e o compreendeu perfeitamente (cfr. sentença recorrida, a fls. 140 e 141 dos autos). Discorda do decidido o recorrente, alegando que ao contrário de quanto inculca a decisão “a quo”, não resulta de nenhum excerto da fundamentação do acto de reversão da execução fiscal que o alegante, no período a que se reportam as dívidas em execução, ou no período em que correu o prazo para pagamento voluntário, exerceu de facto funções de gerente da sociedade devedora originária, pois que em momento algum a A.F., enuncia, e elenca todo um conjunto de factos, que pela sua configuração, demonstrem de forma cabal que o alegante no prazo legal de pagamento das dívidas em execução, de facto, representava perante terceiros, que dava orientações a entidades subordinadas, ou que se assumia direitos e obrigações em nome da devedora originária, sendo precisamente neste ponto que a decisão em recurso se encontra ferida de ilegalidade na medida em que, ao contrário de quanto considerou nos pontos 9 e 10 do acerto probatório, em momento algum são invocados ou descritos factos demonstrativos do exercício efectivo da gerência por parte do aqui alegante, postergando, assim, o dever de prova (cfr art. 74.º, n.° 1 da LGT) a par do dever geral de fundamentação (cfr. arts. 23.º n° 4 e 77.°da LGT). Ora, a fundamentação da decisão tem de ser contemporânea, no sentido de que, deve ser efectuada no momento bem que a mesma é comunicada ao sujeito passivo administrado, não podendo a A.F. em momento posterior, no sentido de colmatar um lapso ou erro de procedimento, vir fundamentar uma decisão que já produziu efeitos na esfera de actuação do sujeito passivo, e com base na qual, exerceu a sua defesa, daí que entenda que foram violados os artigos 268.º, n.° 3 da CRP, arts. 214.º, 125° e 123.º n.° 2 do CPA e arts. 22.º n.° 4, 23.° n.º 4 e 70.º da LGT. Vejamos. É manifesto que não há no despacho de reversão cuja fundamentação é sindicada nos presentes autos a invocação de factos concretos nos quais a Administração tributária alicerce a alegação relativa ao efectivo exercício de funções por parte do ora recorrente, alegação esta que, embora constante do despacho de reversão, quase surge despercebida, resultando tão só da referência ao período da sua gerência ou a quando do seu exercício do cargo. Por outro lado, resulta claramente do disposto no n.° 4 do artigo 23.° da Lei Geral Tributária (LGT) que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» (sublinhados nossos). Ora, um dos pressupostos da responsabilidade tributária prevista no artigo 24.° da LGT é o exercício efectivo de funções no período de tempo a que respeita a dívida revertida, daí que não pode a Administração tributária deixar de alegar no próprio despacho de reversão que o efectivo exercício do cargo se verificou no período considerado. Não nos parece porém, ao contrário do alegado, que seja necessário que do despacho de reversão constem os factos concretamente identificados nos quais a Administração tributária fundamenta a sua convicção relativa ao efectivo exercício de funções, pois que em causa não está uma acusação em matéria sancionatória e persistindo dúvida acerca do efectivo exercício de funções o “non liquet” não poderá deixar de ser valorado contra a Administração fiscal, que invoca o direito a responsabilizar o gerente, pois que inexiste presunção legal no sentido de que o gerente de direito exerça de facto as suas funções, daí que não possa seriamente defender-se que a não invocação no despacho de reversão de tais factos possa comprometer a defesa do responsável subsidiário. No caso dos autos, encontra-se no despacho de reversão alegação quanto à gerência de facto. Também os elementos careados para o processo pela Administração tributária fundaram a convicção do julgador de que o efectivo exercício de funções se verificou, pelo que julgou improcedente a oposição. O assim decidido, nenhuma censura merece, sendo de confirmar o julgado recorrido e julgar improcedente o presente recurso. - Decisão - Custas pelo recorrente. Lisboa, 31 de Outubro de 2012. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro - Dulce Neto. |