Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:082/18
Data do Acordão:06/06/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IRS
PERMUTA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - Estamos face a um contrato de permuta quando uma parte declarou ceder aos restantes outorgantes, certos lotes de terreno devidamente identificados, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, estes outorgantes declararam ceder à contraparte um terreno rústico inscrito na matriz predial nº 4 da mesma freguesia.
II - Apesar de as partes terem declarado não haver diferença de valores entre os bens permutados uma parte comprometeu-se a assumir as despesas do processo de permuta amigável e "a, no caso do prédio rústico vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização" -.
III - Este contrato de permuta admite a possibilidade de vir a constituir-se uma obrigação de constituição futura e incerta - entregar 50% do valor obtido com a rentabilização do imóvel – se a rentabilização do prédio vier a ocorrer.
IV - O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda - artigo 939º -.
V - A realidade que lhe está subjacente são duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não é dinheiro, mas sim o bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades.
VI - A prestação futura e incerta que veio a ocorrer e foi objecto de tributação decorre ainda do carácter sinalagmático do contrato de permuta não assumindo qualquer natureza indemnizatória.
Nº Convencional:JSTA000P23382
Nº do Documento:SA220180606082
Data de Entrada:01/26/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............ E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro
. 29 de Abril de 2017

Julgou procedente a impugnação judicial e em consequência, anulou o acto de liquidação n.º 2009 5000026519, referente a IRS do ano de 2007 e condenou a Administração Tributária a restituir aos impugnantes a quantia de 4.799,52 € e a pagar-lhes os respetivos juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito a favor dos mesmos.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo
Tribunal Administrativo:

A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no âmbito do processo de Impugnação judicial nº 337/10.0BEAVR, deduzida por A…………, e B…………, contra o ato liquidação n.º 2009 5000026519, referente a IRS de 2007, no montante de 4.460,32 €, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta sentença sob recurso fez uma errada apreciação dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, traduzido numa errada interpretação e aplicação do direito, tendo violado a alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, devendo, por esse motivo, ser revogada, com as legais consequências.

2. Com efeito, atendendo ao teor da escritura de permuta celebrada em 22/12/1993 e à quitação a que se referem as alíneas A) e C) da fundamentação de facto, torna-se patente que, no caso presente, a importância atribuída pelo Município de Vagos tem a natureza de uma compensação atribuída à impugnante pelo facto de o artigo rústico nº 4 ter sido rentabilizado e a mesma beneficiar dessa rentabilização por se tratar de uma ex-proprietária daquele prédio.

3. Efetivamente, como se extrai da alínea A) da fundamentação de facto, o contrato celebrado entre a impugnante e o Município de Vagos em que aquela se obrigou a ceder a sua quota-parte do artigo rústico nº 4 em troca de receber a sua quota-parte de vários lotes de terreno, previa uma compensação no caso do mencionado prédio rústico vir a ser rentabilizado.

4. Assim, não sendo a impugnante nem os restantes herdeiros, proprietários do imóvel à data em que é atribuída a quantia que decorre da sua rentabilização, tal quantia só pode ser justificada como uma forma de compensar os seus ex-proprietários pelo facto de, por força do aludido contrato de permuta, terem ficado privados da potencial rentabilização [cf. alíneas A), B), C) da fundamentação de facto].

5. A importância recebida é um acréscimo do património, pois corresponde a uma compensação que visa beneficiar ex-proprietários e que é provocada por uma rentabilização do artigo rústico nº 4 do qual estes já não são proprietários [cf. alíneas A), B), C) da fundamentação de facto].

6. Não podendo nunca ser entendida, como defende o Tribunal a quo, como sendo um pagamento pelo Município de Vagos relativo ao contrato de permuta, porquanto a contrapartida atribuída aos outorgantes ao abrigo do contrato de permuta se encontra indicada nesse contrato como sendo a atribuição dos lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Gafanha da Boa Hora, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483, 1484, 1485 e 1488, aliás como deriva da alínea A) da fundamentação de facto.

7. Assinale-se também neste segmento que a importância paga foi qualificada pela própria entidade pagadora como "indemnização", como decorre explicitamente dos termos consignados no recibo de quitação que aqui se cita "os herdeiros (…) declaram-se totalmente ressarcidos e indemnizados" [cf. alínea C) da fundamentação de facto].

8. Mais se sublinhe, como constante na informação que suporta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que a quantia recebida não pode ser entendida como integrante da contrapartida recebida pela celebração do contrato de permuta, pois são realidades distintas a escritura de permuta, celebrada em 1993, e o negócio celebrado posteriormente em 2007, que se traduziu no recebimento de uma indemnização.

9. Na realidade, na situação em apreço e atento o elenco dos factos provados, a quantia que foi atribuída à impugnante em 2007 não corresponde ao valor que foi atribuído ao prédio cedido pelos impugnantes e os outros herdeiros, antes consubstancia uma compensação por o prédio do qual eles são ex-proprietários se ter rentabilizado.

10. Por conseguinte, atento o elenco dos factos provados [cf. alíneas A), B, C) da fundamentação de facto], a resposta à questão suscitada nos presentes autos, a de saber qual a natureza da quantia recebida pelos impugnantes, não pode assim ser outra senão a de que se trata de uma indemnização recebida autonomamente ao contrato de permuta, razão pela qual, no nosso entender, a sentença decidiu mal ao considerar que a quantia aqui em causa tem a natureza de contrapartida atribuída ao abrigo do contrato de permuta e que, em consequência, não tem a natureza de indemnização não se aplicando o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS.

11. Entendeu o Tribunal a quo que o artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS abrange apenas as "indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais".

12. Note-se, no entanto, que o artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do CIRS prevê a tributação das indemnizações como rendimento da categoria G.

13. E como escreve José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, p. 254, são três os tipos de indemnizações tributáveis como rendimentos da categoria G: as indemnizações por danos não patrimoniais, as por danos emergentes não comprovados e as por lucros cessantes.

14. Como defende José Guilherme Xavier de Basto a sujeição de somas recebidas a título de indemnização a imposto de rendimento depende de tais somas poderem ser qualificadas como rendimento.

15. Como é sabido a tributação em IRS assenta na conceção de rendimento acréscimo, pelo que para que as indemnizações sejam tributadas é necessário que tais somas constituam "acréscimos patrimoniais líquidos" que, portanto, sejam suscetíveis de ser gastas sem dano do património inicial (vd. José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, p. 253).

16. Nessa medida, constituem incremento patrimonial líquido as indemnizações por lucros cessantes, pois que substituem apenas outros incrementos patrimoniais líquidos que foram impedidos pelo ato lesivo constitutivo da responsabilidade; ganhos que, então, a terem tido lugar, teriam sido tributáveis em sede de IRS.

17. Chegados aqui, no caso dos autos, perante a tese que aqui se defende devidamente apoiada nos factos provados, de que a importância atribuída aos impugnantes foi paga a título de indemnização, deverá manter-se a liquidação de IRS impugnada pois a esfera patrimonial dos impugnantes sofreu um incremento patrimonial, e como tal deve ser tributada, tendo por isso a sentença sub judicio incorrido em erro de julgamento por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS.

Requereu que seja concedido provimento ao recurso, e revogada a decisão recorrida.

Os recorridos, em suporte da sentença recorrida apresentaram contra-alegações que culminam com as seguintes conclusões:


A) A sentença agora recorrida pela FN considerou (e bem) verificar-se erro nos pressupostos de facto, por parte da Administração Tributária (AT), quando considerou a quantia recebida pelos Impugnantes de € 15.022,13 (quinze mil e vinte e dois euros e treze cêntimos) na sequência da escritura de permuta de bens imóveis, celebrada com a Câmara Municipal de Vagos em 22/12/1993, não sujeita a IRS, categoria G enquanto incrementos patrimoniais (indemnização por danos não patrimoniais), nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 9º do C.I.R.S..

B) A quantia recebida, dada a sua natureza, não se enquadra no preceituado na alínea b), do n.º 1, do artigo 9º do C.I.R.S., uma vez que o montante recebido resulta directa e necessariamente de negócio de permuta dos imóveis, nos termos do qual os Impugnantes alienaram um imóvel rústico adquirido antes de 1/01/1998, alienação essa concretizada por permuta realizada em 1993, não obstante o facto da Câmara Municipal de Vagos vir a pagar os montantes acordados apenas em 2007.

C) A prestação recebida em 2007 há de reportar-se exclusivamente ao negócio de permuta de imóveis efectuado em 1993, nos termos do qual se convencionou uma condição (positiva) e que se veio a verificar - no caso "do artigo 4º vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização”.

D) Assim em cumprimento do compromisso assumido por via daquela condição aposta na escritura de permuta de 22/12/1993, o Município de Vagos pagou "aos herdeiros C…………, A………… e D………… a importância de 90.132,78, correspondente a 1/5 dos 50 % a que todos os herdeiros têm direito" e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente "ressarcidos e indemnizados" por parte do Município de Vagos.

E) Dúvidas não restam que, quer em forma, quer em substância, o negócio em causa é o de permuta de bens imóveis, em que a prestação e contraprestação correspondem à transmissão (onerosa) de bem imóveis, sendo que no caso concreto, uma das contraprestações ficou sujeita a uma condição a qual significou um aumento de determinado valor a receber, uma vez verificada essa condição positiva.

F) Por outro lado, os Impugnantes nesse negócio de permuta alienaram um imóvel rústico adquirido antes de 1/01/1998, como tal esta operação, em qualquer caso não estaria sujeita a tributação/imposto, mormente por não se enquadrar no preceituado da alínea b), do n.º 1, do artigo 9º do C.I.R.S..

G) A quantia erradamente tributada em causa corresponde assim ao cumprimento diferido, do contrato de permuta de 1993, dele fazendo parte, pelo que não pode ser sujeita a tributação, tal como seria se tal quantia tivesse sido recebida naquele ano de 1993, na medida em que se trata de parte da retribuição do contrato de alienação de direitos reais sobre imóveis que, como se referiu beneficia do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, inexistindo qualquer negócio novo em 2007.

H) A operação de alienação do imóvel rústico adquirido antes de 01/01/1998, por efeito do contrato de permuta realizado entre os Impugnantes e a Câmara Municipal de Vagos, em 1993 sempre se trata de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis não sujeita a tributação/imposto, pelo que, também por esta razão, haveria erro na qualificação do facto tributário, o que determina a respectiva anulação.

I) Ainda e em qualquer caso, a quantia recebida não configura nem tem natureza de qualquer indemnização, antes fazendo parte da retribuição pela contraprestação dos alienantes mediante e nos termos do referido contrato de permuta de 1993, isto porque é inequívoco e manifesto que existe um nexo de causalidade entre o pagamento pelo Município de Vagos (em 2007) e o contrato de permuta (1993) justamente porque essa quantia paga é contrapartida da permuta pelo facto de, posteriormente, se ter vindo a verificar a rentabilização do imóvel rústico alienado em 1993 pelos Impugnantes, inexistindo qualquer negócio novo em 2007.

J) É assim evidente que não está em causa o pagamento de uma indemnização por qualquer dano causado pelo Município de Vagos aos direitos dos Impugnantes, assim como é igualmente evidente que, além de não existir dano patrimonial, também não existe dano não patrimonial, de natureza espiritual, ideal ou moral.

K) Também não se retira dos factos dados como provados qual pudesse ser o dano (moral ou outro) supostamente ressarcido pela "indemnização" em causa, relacionado com o contrato de permuta de 1993, dano esse, no entanto ocorrido em 2007.

L) Inexistindo indemnização por danos, não patrimoniais ou outros, por erro na qualificação do facto tributário, é inaplicável o disposto da alínea b), do n.º 1, do artigo 9º do C.I.R.S..

M) Assim considerando os factos assentes e dados como provados pela sentença na fundamentação de facto, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que houve erro na qualificação do facto tributário, considerando-o ilegal e, em consequência, determinando a sua anulação.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso, suportado nos seguintes argumentos:
«1.A quantia de € 90 132,78 paga em 2007 pelo Município de Vagos aos herdeiros de C………… tem a natureza de mais-valia, constituindo um acréscimo ao valor de realização do terreno rústico alienado nos termos do contrato de permuta celebrado em 22 dezembro 1993, embora com diferimento temporal (factos provados A) / C)
Tendo o terreno rústico alienado sido adquirido por via hereditária em 1986, as mais-valias obtidas não estão sujeitas a tributação por força de norma transitória, na medida em que a aquisição se verificou antes do início da vigência do CIRS e a mais-valia resultante da alienação de prédio rústico não estava anteriormente sujeita a Imposto de mais-valias (art. 5º nº 1 DL nº 442-A/88, 30 novembro; art. 44º nº 1 al. a) CIRS)
2.Em consequência, a quantia controvertida não assume a natureza de indemnização, por inexistência de danos não patrimoniais, danos emergentes não comprovados ou lucros cessantes a compensar, sendo de recusar a sua qualificação como incremento patrimonial (art. 9º nº 1 al. b) CIRS).»

Mostram-se provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A) Em 22/12/1993, no Notário Privativo da Câmara Municipal de Vagos, foi celebrada a escritura de "permuta" na qual consta que essa Câmara Municipal cede ao outros outorgantes ("família …………"), incluindo os agora impugnantes (terceira e décimo segundo), os lotes de terreno inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Gafanha da Boa Hora, Ílhavo, sob os artigos nºs 1481, 1482, 1483, 1484, 1485 e 1488, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares cedem à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial nº 4 da mesma freguesia, não havendo diferença declarada de valores, comprometendo-se esta entidade pública a assumir as despesas deste processo de permuta amigável e "a, no caso do artigo 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização" - fls. 11/21 dos autos.

B) Em 22/06/2007 o Município de Vagos vendeu 3 lotes de terreno, correspondentes a parte do artigo rústico n.º 4 acima referido, pelo valor de € 901.327,80 - fls. 22 dos autos.

C) Em 2007 e em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, o Município de Vagos pagou "aos herdeiros C…………, A………… e D………… a importância de 90.132,78, correspondente a 1/5 dos 50% a que todos os herdeiros têm direito" e os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente "ressarcidos e indemnizados" por parte do Município de Vagos - fls. 21 dos autos.

D) Por comunicação eletrónica de 12/03/2008, o também herdeiro e irmão da impugnante A………… solicitou à Direção de Finanças de Aveiro informação em tempo útil sobre a eventual sujeição a IRS da quantia recebida e, em caso afirmativo, em que campo da declaração de rendimentos haverá de ser mencionada, esclarecendo que "por habilitação de herdeiros por morte de meu pai em 1986, a minha mãe "couberam-lhe" 2/3 dos € 90.132,78 e aos filhos, eu, D………… e minha irmã A…………, 50% a cada um do restante 1/3" - fls. 23/24 dos autos.

E) Por ofício n.º 16576, de 26/08/2008, a Direção de Serviços do IRS da DGCI respondeu que "Em referência ao e-mail relacionado com o assunto em epígrafe, informa-se que, de acordo com o estabelecido no nº 1, alínea b), do artigo 9º do Código do IRS, constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.

F) No caso, atendendo a que a questão se coloca quanto à indemnização recebida e adveniente do acordo celebrado entre as partes aquando da alienação do prédio rústico, posteriormente loteamento, ocorrida em 1993, encontra-se a mesma sujeita a tributação em sede de IRS nos ternos da alínea b), nº 1, do artigo 9º do Código do IRS, pelo que deverá o sujeito passivo e os demais herdeiros fazer constar no anexo G da declaração modelo 3 do IRS do ano de 2007, a referida indemnização nas respectivas quotas-partes" - fls. 25 dos autos.

G) Em 24/05/2008, os impugnantes entregaram declaração modelo 3 do IRS do ano 2007, da qual resultou a liquidação n.º 2009 5000026519, no valor de 4.460,32 €, e o valor a pagar, após estorno da liquidação anterior, de 4.799,52 €, a pagar até 22/12/2008, e pago nessa data - fls. 26/31 dos autos e 22/28 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

H) Em 17/04/2009 os impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Ílhavo, reclamação graciosa contra o ato a liquidação mencionado na alínea que antecede - cfr. fls. 2/9 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

I) A reclamação graciosa foi indeferida com fundamento no entendimento de que ocorreram dois factos distintos, a escritura de permuta, de que resultou um ganho fora do campo de sujeição do IRS, e outro negócio celebrado em 2007, de que resultou a indemnização em causa nos autos, que já não é parte do valor atribuído ao prédio rústico (artigo nº 4) cedido à Câmara Municipal de Vagos - cfr. fls. 78 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso aos autos.

J) Em 07/10/2009 os impugnantes interpuseram recurso hierárquico, relativamente ao qual não foi proferida decisão no prazo de 6 meses - processo de recurso hierárquico apenso aos autos.

K) Em 08/03/2010 foi apresentada, por via postal sob registo, a petição inicial da presente impugnação no Serviço de Finanças de Ílhavo - cfr. fls. 3 dos autos.
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Questão objecto de recurso:
- Natureza jurídica do montante recebido da CM.


Como resulta da matéria provada, em 22/12/1993, foi celebrada a escritura de "permuta" na qual consta que a Câmara Municipal declarou ceder a outros outorgantes, incluindo os agora impugnantes, certos lotes de terreno devidamente identificados, no valor global de 15.000.000$00 e, em contrapartida, os outorgantes particulares cedem à Câmara Municipal o terreno rústico inscrito na matriz predial nº 4 da mesma freguesia. As partes declararam nesse contrato não haver diferença de valores. Porém a Câmara Municipal comprometeu-se a assumir as despesas deste processo de permuta amigável e "a, no caso do artigo 4 vir a ser rentabilizado, reverter a favor dos segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo primeiro outorgantes cinquenta por cento dessa rentabilização" -.
Estamos face a um contrato de permuta em que uma das partes além da prestação que realizou imediatamente se comprometeu ainda a realizar uma outra prestação futura e incerta – entregar 50% do valor obtido com a rentabilização do imóvel que recebeu por força deste contrato, se viesse a verificar-se qualquer rentabilização.
O contrato de permuta não tem actualmente regulamentação no Código Civil, apresentando-se como um contrato atípico, inominado, oneroso, a que são aplicáveis, com as devidas adaptações, as normas da compra e venda - artigo 939º -. Será talvez o mais antigo contrato estabelecido entre humanos desde tempos imemoriais em que, na ausência de dinheiro, apenas a troca de bens permitia obter o que o outro possuía e nos faltava. Guardou essa característica de troca de bens que Código de Seabra tipificou no artigo 1592º com a designação de “escambo” ou “troca”, apresentando-se actualmente com um uso renovado ao nível do mercado imobiliário. A realidade que lhe está subjacente são duas compras e vendas recíprocas e de sinal contrário, de bens ou de direitos, em que a contraprestação não é dinheiro, mas sim o bem alienado pela contraparte integradas num mesmo contrato, um único acordo de vontades. A regulamentação própria do contrato de compra e venda não lhe é adequada quanto às regras que são efeito necessário da existência de preço, aqui inexistente.
O contrato em análise tem a particularidade de a prestação a que se obrigou a Câmara Municipal ter sido realizada em parte, ou totalmente no momento da celebração do contrato ficando dependente de um evento futuro e incerto – rentabilização do imóvel que recebeu - a existência e o conteúdo da obrigação de fazer os anteriores proprietários do imóvel participantes na proporção de metade do que conseguisse obter com a rentabilização do imóvel.
Esta prestação futura e incerta que veio a ocorrer e foi objecto de tributação decorre ainda do carácter sinalagmático deste contrato, onde a cada uma das transmissões correspondeu uma inversa aquisição que deriva precisamente da alienação feita pelo outro contraente, e veio adiante acrescer a repartição do valor obtido com a rentabilização do imóvel permutado pelos impugnantes como se se tratasse de um acerto a posteriori do valor dos bens permutados que, no momento da celebração do contrato foi considerado equivalente, mas logo admitido por ambas as partes que poderia não ser efectivamente equivalente. Face ao disposto no art.º 399.º do Código Civil “é admitida a prestação de coisa futura sempre que a lei não a proíba”, nada obstando a que a permuta possa ter por prestação a entrega de um bem futuro. O efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis ocorreu no momento da celebração do contrato, enquanto que a existência e o conteúdo da obrigação de entrega de um valor monetário surge como uma condição futura e incerta e a propriedade desse valor só se transmitirá quando e se o bem efectivamente existir – art.º 408.º n.º 2 do Código Civil.
Quer o efeito real da transmissão do direito de propriedade sobre os imóveis quer a aquisição pelos impugnantes deste montante monetário ocorrem como efeito do contrato de permuta e configuram as prestações recíprocas estabelecidas nele pelas partes, ainda que uma fosse actual e determinada e outra futura e incerta, no exercício da liberdade contratual das partes conformarem o contrato, art.º 405.º Código Civil.
A expressão «os referidos herdeiros deram quitação declarando-se totalmente "ressarcidos e indemnizados" por parte do Município de Vagos» do valor que este pagou em cumprimento do compromisso assumido na escritura de permuta de 22/12/1993, não tem a virtualidade de converter aquele pagamento numa indemnização ou de lhe retirar a natureza jurídica de prestação devida por força do contrato de permuta. Tratou-se de um ajuste sobre o valor dos bens declarado no contrato de permuta e que, nesse mesmo momento se admitia que não fosse equivalente.
Assim, a sentença recorrida fez um adequado enquadramento jurídico dos factos provados ao considerar que não estava face ao pagamento de uma indemnização enquadrável no disposto no art.º 9.º, n.º 1, a) do CIRS dizendo: «(…) Esta norma abrange apenas as “indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais”.
Resulta dos artigos 562º e 563º do Código Civil (CC) que “indemnização” é a compensação pelo dano causado, resultante da “responsabilidade civil”
Qualquer que seja o escopo preciso que, em definitivo, se deva assinalar à responsabilidade civil, é inquestionável que esta visa, fundamentalmente, a reparação do dano, juridicamente entendido como a diminuição duma situação favorável que estava protegido pelo Direito. A responsabilidade civil depende tenazmente da existência de dano: a supressão deste assume-se, por isso, como o seu escopo primordial.
A lei não define o dano não patrimonial. Doutrinariamente o conceito é recortado pela negativa. O dano diz-se não patrimonial quando a situação vantajosa lesada tenha natureza espiritual; o dano não patrimonial é o dano insuscetível de avaliação pecuniária, reportado a valores de ordem espiritual, ideal ou moral; é o prejuízo que não atinge em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo.
Diferentemente do que acontece com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos ofendidos em consequência do facto. – Cfr. Ac. TRC de 16/9/2017, procº 597/11.0TBTNV.C1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/c5914b1ca2252b4d80257d5b003907cc?OpenDocument.
Ora, é manifesto que a própria AT admite que existe um nexo de causalidade entre o pagamento pelo Município da Vagos e o contrato de permuta, de tal modo que se pode dizer que essa quantia paga é “contrapartida – da permuta - pelo facto de, posteriormente, se ter vindo a verificar a rentabilização do mesmo”.
Logo, é evidente que não está em causa o pagamento de uma indemnização por qualquer dano causado pelo Município de Vagos ao direito do Impugnante. É ainda mais evidente que, além de não existir dano patrimonial, também não existe dano não patrimonial, de natureza espiritual, ideal ou moral.
A AT não indica, e não se vislumbra, qual o dano moral, supostamente ressarcido pela “indemnização” em causa, relacionado com o contrato de permuta de 1993, mas ocorrido em 2007.
Ora inexistindo indemnização por danos não patrimoniais, por erro na qualificação do facto tributário, é inaplicável o disposto no artigo 9º, nº 1, al. b), do CIRS e, tendo o ato tributário sob impugnação sido praticado com esse fundamento, conclui-se que o mesmo é ilegal e deve ser anulado”.

Não enferma, pois, a sentença recorrida dos vícios que lhe vinham atribuídos impondo-se a sua integral confirmação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 6 de Junho de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) - António Pimpão – Francisco Rothes.