Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0164A/04
Data do Acordão:11/13/2007
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA
Sumário:I - O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.
II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte.
III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.
IV - O nº 1, do artigo 161º do CPTA não viola os citados princípios constitucionais, não violando também, o princípio da igualdade.
V - A situação que o legislador pretendeu tutelar com o citado nº 1 do artº 161º prende-se de alguma maneira, com razões de justiça material, visando obviar a possíveis disparidades, consubstanciadas em status diferenciados resultantes, em relação a alguns particulares, da não impugnação atempada de actos, com conteúdo decisório perfeitamente igual e que tenham definido a mesma situação jurídica, assim também fazendo valer o princípio da igualdade de tratamento das mesmas situações jurídicas.
Nº Convencional:JSTA00064675
Nº do Documento:SAP200711130164A
Data de Entrada:07/05/2007
Recorrente:COMIS DE INSCRIÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC 1 SUBSECÇÃO DO CA PROC164/04.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO / EXECUÇÃO DE JULGADO.
Área Temática 2:DIR CONST - GARANTIAS ADMI.
Legislação Nacional:CPTA02 ART161 ART48 ART38.
CONST ART2 ART13.
CPA91 ART141 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC45497/B DE 2004/06/22.; AC STA PROC35484 DE 2001/09/26.; AC STA PROC195/05 DE 2006/12/15.; AC TC 231/94 DE 2004/03/09.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL DIREITO ADMINISTRATIVO VOLIV 1988 PAG227.
MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG1371-1373.
RUI MACHETE DICIONÁRIO DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG291.
RUI MACHETE O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO O CASO JULGADO NOS RECURSOS DIRECTOS DE ANULAÇÃO 1973 PAG132.
JORGE MIRANDA DIREITO CONSTITUCIONAL TOMOIV PAG248.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A COMISSÃO DE INSCRIÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, inconformada com a decisão proferida na 1ª Subsecção deste Supremo Tribunal que nos autos para EXTENSÃO DOS EFEITOS (art. 161º do CPTA), requerido por A… e outros, determinou “que na esfera jurídica dos requerentes se produzam os mesmos efeitos que o acórdão do Pleno da 1ª Secção, de 5-7-05, proferido no processo 0164/04 projectou na esfera jurídica dos respectivos beneficiários”, recorreu para o Pleno da 1ª Secção, formulando as conclusões seguintes:
1. O acórdão recorrido incorreu em deficiente aplicação aos factos;
2. Desde logo, deveria ter procedido à desaplicação “in casu” da norma contida no art. 161º do CPTA, porquanto a mesma não está conforme à Constituição da República Portuguesa;
3. Com efeito, são violados os princípios do Estado-de-Direito, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança e o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente, nos artigos 2º e 13º da Constituição;
4. A opção tomada pelo legislador viola, intoleravelmente, a confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações administrativas e nos seus efeitos;
5. Além disso, traduz um benefício concedido em favor dos que perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal para tanto fixado, tratando-se, pois, de forma desigual face àqueles particulares;
6. Ao contrário do que considerou o tribunal “a quo”, o art. 161º mais não é, em termos materiais, do que a atribuição a quem já não o tinha, do direito, do direito de impugnar, pois esse particular, que vê assim, “ressuscitado” o seu direito de acção, poderá por essa via, ver automaticamente produzidos na sua esfera jurídica os mesmos efeitos que veria caso tivesse impugnado atempadamente o acto desfavorável e tivesse obtido vencimento;
7. A argumentação oferecida pelo acórdão recorrido para sustentar a constitucionalidade da norma respectiva, assim, a questão de um prisma estritamente forma, não atendendo à materialidade das razões que apontam, ao contrário, para a inconstitucionalidade da norma;
8. Por outro lado, e independentemente da posição tomada quanto à conformidade do art. 161º do CPTA andou mal o acórdão recorrido ao considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva previsão da norma;
9. O art. 161º está pensado para se aplicar nos casos em que foram praticados actos administrativos com vários destinatários, e não, como é o caso, actos administrativos distintos;
10. Ao não dar razão à aqui recorrente, procedeu, o acórdão recorrido a uma errada interpretação e aplicação do art. 161º, do CPTA.
Os requerentes responderam defendendo a manutenção do acórdão, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:
1. O acórdão recorrido aplicou correctamente o direito aos factos;
2. O art. 161º do CPTA está conforme à Constituição da República Portuguesa, não violando os princípios do estado de direito, quer na protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança e o princípio da igualdade regulados nos artigos 2º e 13º da Constituição;
3. Sendo, aliás, uma exigência constitucional, na estrita observância do princípio da igualdade, art. 13º da CRP e do princípio da legalidade, na observância do art. 266º e seguintes, em especial o disposto no art. 266º, n.º 2 da CRP;
4. O acórdão recorrido decidiu correctamente ao considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva previsão do art. 161º do CPTA;
5. O acto administrativo notificado aos recorridos é, em tudo igual ao disposto naqueles já impugnados, tratando-se de forma, apenas se tendo alterado a data, a notificação e identificação dos seus destinatários.
Dada vista simultânea aos Ex.mos Adjuntos, o processo foi submetido ao Pleno da 1ª Secção para julgamento.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
O acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
a) Os requerentes solicitaram junto da ATC a sua inscrição como Técnicos Oficiais de Contas (TOC), nos termos que constam dos documentos de fls. 101/106, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
b) Contudo, a sua inscrição foi recusada por não terem apresentado “3 cópias autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações modelo 2 do IRSA ou certidão por cópia dessas declarações, emitida pela Direcção Distrital e Finanças competente, de onde conste a assinatura do candidato, o número de contribuinte e a designação da entidade a que respeitam as ditas declarações, referentes aos exercícios compreendidos entre os anos de 1989 a 1994 inclusive, cuja data de apresentação não seja posterior a 17 de Outubro de 1995” – cfr. Os documentos de fls. 107/188, que aqui se dão por reproduzidos;
c) Os requerentes não impugnaram contenciosamente os actos de recusa a que se alude em b);
d) Os requerentes solicitaram, em 2-6-06, à ATOC a extensão dos efeitos das decisões que identificam, nos termos dos documentos de fls. 119-146 e 244-247, cujo teor aqui se dá por reproduzido, concluindo o seu pedido de inscrição da CTOC, como TOC;
e) Porém, não obtiveram qualquer resposta àquele seu pedido;
f) O TAF de Braga, por sentenças transitadas em julgado, indeferiu as providências cautelares formuladas pelos aqui requerentes, B…, A…, C…, D… e E… – cfr. docs. De fls. 172-228, que aqui se dão por reproduzidos;
2.2. Matéria de direito
A recorrente insurge-se contra o acórdão da subsecção por entender que o art. 161º do CPTA é inconstitucional e, se assim não for entendido, por não se verificarem os requisitos aí previstos para se declarar a extensão de efeitos de uma decisão judicial, ou seja, por não estar em causa uma sentença anulatória de um acto plural.
Vejamos cada uma das questões.
2.2.1. Inconstitucionalidade do art. 161º do CPTA
A recorrente retoma, no recurso, os argumentos que esgrimira na acção e que o acórdão não acolheu. O acórdão recorrido, em suma, entendeu que o art. 161º do CPTA não violava os princípios da segurança inerente ao Estado de Direito (art 2º) e da igualdade (art. 13º, ambos da Constituição). A recorrente insiste na tese oposta, vendo no referido artigo uma intolerável violação da confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações jurídicas (violação da protecção da segurança jurídica) e ainda a violação da igualdade, na medida em que o preceito em causa traduz um “favor dos que perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal… tratando-os de forma desigual face aqueles que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados”.
i) Principio da segurança jurídica
O art. 161º do CPTA, sob a epígrafe “extensão dos efeitos da sentença” permite que os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável possam ser estendidos a outras pessoas que “se encontrem na mesma situação jurídica” A redacção do preceito é a seguinte: “Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outra que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado”. .
É verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável – e que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem jurídica – pode vir a ser inutilizada, por aplicação do art. 161º do CPTA. Mas essa destruição dos efeitos, não obstante o “caso decidido”, não significa uma intolerável quebra da confiança na estabilidade das relações jurídicas inerente a um Estado de Direito.
O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional 17/84, que o cidadão deve “poder prever a intervenções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. (…) Deve poder confiar em que a sua actuação seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as consequências juridicamente relevantes.” Ora, a introdução na ordem jurídica do art. 161º, do CPTA não é uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas situações) do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre admitiram – como veremos - hipóteses em que o caso decidido não gozava de total protecção
Como é sabido, nem sequer os actos favoráveis, constitutivos de direitos, não impugnados têm essa protecção, pois podem ser revogados com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano – cfr. art. 141º, 1, do CPA. Por outro lado, a ilegalidade dos actos inimpugnáveis (consolidados) como hoje decorre do art. 38º, 1, do CPTA pode ser posta em causa e, portanto, reconhecida. O art. 7º do Dec. Lei 48.051, ainda em vigor, também permite a discussão da ilicitude de actos administrativos consolidados, mostrando que um acto ilegal não impugnado pode levar à condenação da Administração pelos danos causados a terceiros com a prática desse acto.
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, pág. 227 defendia – desde há muito – a eficácia “erga omnes” de algum tipo de sentenças anulatórias, tudo dependendo do seu fundamento: “terão eficácia erga omnes se forem baseadas em fundamentos objectivos, e eficácia inter partes se baseadas em fundamentos subjectivos”. MARCELLO CAETANO Manual de Direito Administrativo, II, pág. 1371-1373. defendia que a anulação de um acto divisível por fundamentos objectivos, isto é por razões independentes das condições pessoais seja de quem for, tinha eficácia “erga omnes”. RUI MACHETE Dicionário de Direito Administrativo, p. 291 também refere como se dá conta no Acórdão deste Supremo Tribunal de 22-6-2004, proferido no processo 45497/B “que na delimitação do caso julgado anulatório de acto administrativo encontra-se a ideia de que sob pena de contradição insanável, o mesmo acto não pode ser perante a mesma ordem jurídica, simultaneamente nulo para uns e válido para outros.” No seguimento da posição que defendeu in “O Contencioso administrativo, o caso julgado nos recursos directos de anulação”, Coimbra, 1973, pág. 132 e seguintes. Ou seja, adverte o autor, casos haverá em que a estabilização dos efeitos de um acto consolidado seria uma pura contradição (o acto era e não era válido ao mesmo tempo).
Na jurisprudência deste Supremo Tribunal sempre se reconheceu haver efeitos “extra-processuais” das sentenças anulatórias, como se pode ver, por exemplo, no acórdão deste tribunal, de 26/09/2001 recurso 35.484, citado no acórdão de 15-12-2006, proferido no processo 195/05: “os efeitos extra-processuais desse caso julgado obstam a que, em processos judiciais que tenham por objecto actos atinentes à mesma relação material controvertida, venham a ser proferidas decisões incompatíveis com o decidido», já que, «valem aqui as razões de impedir que o tribunal seja colocado em situação de ter de contradizer ou reproduzir decisão anterior que justificam o caso julgado (n.º 2 do art. 497.º do CPC)”.
O art. 161º do CPTA insere-se, assim, num entendimento mais geral que permitia, em determinados casos negar protecção ao “caso decidido”, aceitando que actos não impugnados, e já inimpugnáveis, possam vir a ser destruídos. A existência de um entendimento claro (na lei, na doutrina e na jurisprudência) permitindo a inutilização da estabilidade assente no “acto inimpugnável” – anulado por razões objectivas - mostra que o art. 161º do CPTA não introduziu na ordem jurídica qualquer perturbação (intolerável) da confiança na Ordem Jurídica.
Não tem, pois, razão de ser a crítica ao preceito em causa, pois o mesmo não veio introduzir qualquer perturbação inaceitável na estabilidade dos actos administrativos inimpugnáveis.
ii) Princípio da igualdade
O acórdão recorrido considerou que o preceito em causa não violava o princípio da igualdade: “Não se vê, assim, (diz o acórdão) em que medida é que o princípio constitucional da igualdade postule que, numa situação como a definida no questionado artigo 161º do CPTA aos aludidos Particulares, que não tenham acedido à via judicial, esteja vedada à já referida extensão dos efeitos, tanto mais que, aqui, ou seja, no âmbito de aplicação do artigo 161º do CPTA não se trata, como já se salientou, de permitir a impugnação contenciosa do acto de recusa de inscrição, não sendo, por isso, particularmente pertinente, a este nível, trazer à lide o regime da aceitação do acto, prevista no artigo 56º do CPTA, não comportando, no caso em apreço, o citado artigo 161º qualquer pretensão anulatória do acto de recusa. Ou seja, o referido princípio constitucional não constitui impedimento a que o órgão legiferante tivesse editado a norma em causa, nos termos e com o seu preciso conteúdo, não se detectando, aqui, um qualquer arbítrio legislativo, traduzido na hipotética clara falta de apoio constitucional para a diferenciação ou não diferenciação efectuada pela citada medida legislativa. Em suma, o Legislador não deu tratamento jurídico diferente a situações semelhantes, na exacta medida em que tudo se situa ao nível dos efeitos do julgado anulatório ou daquele que tenha reconhecido uma situação jurídica favorável, não tendo, por isso, sido desrespeitado o comando contido no artigo 13º da CRP.
A nosso ver é de manter o acórdão. A argumentação da recorrente relativamente à violação do princípio da igualdade é de resto “perversa”, pois a razão de ser da extensão de efeitos do caso julgado regulada, no art. 161º do CPTA é precisamente a de dar tratamento substancialmente igual a quem se encontra na mesma “situação jurídica”. Não se entende, também, o argumento da recorrente quando acusa o acórdão de ter encarado questão num prisma “estritamente formal” (conclusão 7ª). O art. 161º, 1, do CPTA, exige como requisito da extensão dos efeitos do julgado que estejamos perante a “mesma situação jurídica”, pretendendo, desse modo, que situações jurídicas materialmente semelhantes venham a ser reguladas, na prática, do mesmo modo. Não é uma visão “estritamente formal”, sendo pelo contrário uma visão que privilegia a igualdade.
O princípio da igualdade, nos termos do art. 13º da Constituição proíbe discriminações decorrentes dos índices (sexo, raça, etc.) aí definidos, onde não se encontra a “não interposição do recurso contencioso”. Fora dos casos expressamente proibidos de discriminação, só existe violação do princípio da igualdade quando estivermos perante descriminações arbitrárias ou manifestamente injustificadas cfr. JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, Tomo IV, pág. 248 e jurisprudência do TC aí citada e, em especial, o Acórdão n.º 231/94, de 9 de Março, DR 1ª Série - A, n.º 98, de 28 de Abril de 1994, pág. 2056 e 2057 “ (…) a essência da aplicação do princípio da igualdade encontra o seu ponto de apoio na determinação dos fundamentos fácticos e valorativos da diferenciação jurídica consagrada no ordenamento. O que significa que a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica.” Trata-se, hoje, de um entendimento pacífico e consolidado - cfr, por todos, Acórdãos nº 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., págs. 133 e segs., nº 309/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol., págs. e segs., nº 191/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., págs. 239 e segs., nº 303/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., págs. 65 e segs., nº 468/96, Diário da República, II série, de 13 de Maio de 1996, e, mais recentemente, nº 1186/96, Diário da República, II série, de 12 de Fevereiro de 1997, e nº 1188/96, Diário da República, II série, de 13 de Fevereiro de 1997. Não é arbitrário, nem manifestamente injustificado atribuir efeitos extra-processuais a uma sentença anulatória com fundamento na identidade das situações jurídicas em causa. O princípio da igualdade, interpretado em termos materiais, não é violado, antes pelo contrário, é densificado em todos os casos em que a ordem jurídica dê tratamento materialmente igual àqueles que, como se diz, no art. 161º do CPTA se encontram, “na mesma situação jurídica”.
É assim, a nosso ver, manifesto que não se verifica a violação do princípio da igualdade.
2.2.2. Requisitos de aplicação do art. 161º, 1 do CPTA.
No recurso a recorrente insurge-se contra o acórdão na parte em que se entende que art. 161º, 1 do CPTA é aplicável a situações como a dos presentes autos. A requerida já sustentara a mesma tese na Subsecção, pretendendo que o preceito em causa tem como um dos seus pressupostos de aplicação a existência de um acto administrativo plural.
A sua tese foi refutada por não se ver qualquer elemento interpretativo permitindo a interpretação restritiva do preceito. “Aliás – argumenta o acórdão – a própria alusão que é feita no mencionado n.º 2 aos processos “no domínio do funcionalismo público e no âmbito dos concurso” é, manifestamente exemplificativa, só assim se justificando o uso do termo “nomeadamente”, que antecede tal alusão, o que não pode deixar de significar que se possa equacionar extensão dos efeitos de sentença, ainda que fora de tal tipo de processos”.
A recorrente limita-se a discordar, reassumindo a tese de que é pressuposto deste preceito e, portanto, da extensão de efeitos da sentença que se trate de actos administrativos e plurais, invocando a seu favor COLAÇO ANTUNES, Cadernos de Justiça Administrativa, 43, pág. 18. Este autor, efectivamente, entende que “…na situação em apreço hão-de tratar-se de actos com destinatário plural ou indeterminado, pois, de outra forma, estar-se-ia a alargar os referidos efeitos não só subjectivamente – o que foi pensado pelo legislador – mas também objectivamente, o que permitiria a anulação de outros actos que não o que constitui objecto da acção impugnatória”.
A nosso ver é de sufragar inteiramente a tese do acórdão.
Desde logo, pelo argumento literal denunciando que as situações aí referidas são meramente exemplificativas. Tal significa que o pressuposto de aplicação do artigo é o facto dos interessados se encontrarem na “mesma situação jurídica”. A pluralidade de destinatários num acto plural é, sem dúvida, um caso onde os interessados podem estar em situação jurídica idêntica (desde que a anulação se não funde em motivos subjectivos) mas não se vislumbram razões para ser a única hipótese legalmente prevista no art. 161º, 1, do CPTA. Na verdade, o que determinou a opção do legislador foi a possibilidade da extensão dos benefícios decorrentes da reposição da legalidade a todos os prejudicados com a prática de um acto ilegal. Não se compreenderia, assim, sem uma indicação clara nesse sentido (como argumentou e bem o acórdão) que ficassem fora do âmbito da extensão situações materialmente idênticas, só porque não estávamos perante um acto plural… Como um acto plural se pode decompor em tantos actos singulares quantos os seus destinatários, a aplicabilidade do art. 161º, 1, do CPTA dependeria, afinal, da opção do autor do acto em emitir um ou vários actos iguais.
Depois, o artigo permite também a extensão de efeitos de uma sentença que “reconheça uma situação jurídica favorável”, onde pode não existir qualquer acto administrativo, o que inviabiliza a tese restritiva defendida pela recorrente.
Finalmente, um dos pressupostos da extensão de efeitos do julgado é a existência de três sentenças proferidas em processos seleccionados segundo o disposto no art. 48º do CPTA – cfr. art. 161º, 2, do CPTA. Ora, nos termos do art. 48º do CPTA, podem ser seleccionados casos que “digam respeito à mesma relação jurídica material, ou ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididas com base na aplicação das mesmas normas a idênticas situações de facto”. Podem, como decorre do preceito, agrupar-se processos não que tenham por objecto o mesmo acto plural. Se a sentença proferida nos termos do art. 48º do CPTA, em processos seleccionados, pode ver os seus efeitos estendidos, não teria grande sentido proibir a extensão dos efeitos dessa decisão a casos idênticos aos que constavam dos processos seleccionados (onde poderia estar, como vimos, processos que não tenham como objecto o mesmo acto plural).
A melhor solução é, assim, a acolhida no acórdão.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Novembro de 2007. – António Bento São Pedro (relator) – Fernando Manuel Azevedo Moreira – José Manuel Silva Santos Botelho – Rosendo Dias José – Maria Angelina Domingues – Luís Pais Borges – João Manuel Belchior – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Adérito da Conceição Salvador dos Santos – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Cândido de Pinho – António Políbio Ferreira Henriques – Fernanda Martins Xavier e Nunes – José António de Freitas Carvalho – Edmundo António Vasco Moscoso.