Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0362/14.2BEVIS 0345/18
Data do Acordão:10/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ADMISSÃO
Sumário:Atenta a relevância social fundamental da questão decidenda, justifica-se a admissão de recurso excepcional de revista de acórdão do TCA no qual se convoca a interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor.
Nº Convencional:JSTA000P23772
Nº do Documento:SA2201810240362/14
Data de Entrada:03/28/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21 de Dezembro de 2017, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, de 9 de Maio de 2017, que julgara procedente a oposição deduzida por A…………., com os sinais dos autos, à execução fiscal n.º 2542201001010930, instaurada no Serviço de Finanças de Lamego contra a sociedade “B…………, Lda.” e contra si revertida por dívidas de IRS- Retenção na fonte do ano de 2008, no valor de 2.340,00 €, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
1. O presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
2. Efetivamente, o acórdão em recurso contradiz a jurisprudência do STA vertida em diversos acórdãos, entre os quais o acórdão de 17.12.2014, processo 01199/13.
3. O art. 23.º, n.º 2 da LGT prevê que a AT deve, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário e ainda que não esteja definido com precisão o valor da insuficiência, reverter a execução contra os responsáveis subsidiários.
4. O art. 23.º, n.º 7 do mesmo diploma estende esse dever de reversão aos casos em que haja declaração de insolvência e tenha sido solicitada a avocação dos processos ao abrigo do art. 181.º, n.º 2 do CPPT.
5. Da conjugação das citadas normas decorre que, da declaração de insolvência da pessoa colectiva, emergem fortes indícios de insuficiência de bens penhoráveis.
6. Em caso de insolvência da devedora originária, e no que ao requisito da “fundada insuficiência de bens penhoráveis” diz respeito, só não deverá ser efectivada a reversão, se existirem elementos nos autos que, comprovadamente, demonstrem a existência de bens penhoráveis da devedora originária suficientes para fazer face às quantias exequendas reclamadas nos respectivos processos executivos, como será o caso de existirem bens hipotecados a favor da Fazenda Nacional.
7. Se assim não fosse, a utilidade prática do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT seria totalmente nula.
8. Ao decidir em sentido contrário, o acórdão em recurso violou o disposto no n.º 2, 3 e 7 do art. 23.º da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Ex.ªs suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências.


2 – Contra-alegou o recorrido, nos termos de fls. 228 a 234 dos autos, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista dos autos mas não emitiu parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão recorrido:
A) Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lamego, referente à sociedade B………….., Lda., constam, entre outras, as seguintes inscrições:

FACTO: DESIGNAÇÃO DE GERÊNCIA
GERENTE: A…………
DATA:20040331
[…]
N.º 8 Ap. 06/20050128
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: ACÇÃO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA.
REQUERENTE: “B…………, LDA”.
PEDIDO: A adopção de medidas de recuperação.
GESTOR JUDICIAL: C………….
COMISSÃO DE CREDORES: MEMBROS EFECTIVOS – Banco ……….., S.A., presidida por D………….., e Banco …………, S.A. MEMBRO SUPLENTE: - E…………., Ld.ª
Foi proferido despacho de prosseguimento da acção, transitado em julgado em 11/10/2004.
[…] N.º 9 Ap. 01/20060308
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA.
CAUSA: Decisão judicial.
[…] – cfr. fls. 33/37 dos autos.

B) Em 18/03/2004, B……….. e F………….., na qualidade de gerentes, em representação da sociedade comercial B…………, Lda., outorgaram uma procuração a favor de A…………, aqui oponente, conferindo-lhe “todos os poderes de gerência e de representação social da sociedade, integrados no âmbito da competência de gerência” – cfr. fls. 50/52 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Em 27/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária, os sócios da sociedade B…………., Lda., tendo sido lavrada a ata n.º 7, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
“[…]
1. – Deliberar sobre a nomeação de gerente (s), em virtude da gerente F………….., se pretender apartar da sociedade.
2. – Discussão e votação da proposta para que seja requerido um Processo Especial de Recuperação, nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/98, de 20.10 e do Decreto-lei n.º 316/98, de 20.10.
Tomou a presidência da assembleia o sócio B………….
Seguidamente, passou-se de imediato ao ponto 1 da Ordem de trabalhos e uma vez que a gerente F……………, se pretendeu apartar foi decidido por unanimidade, que a partir desta data fosse nomeado como único gerente o sócio B…………. ….
Passando ao ponto 2 e último, o Presidente começou por referir que existia na empresa a perfeita consciência de que esta sociedade está a atravessar graves dificuldades de tesouraria e com prejuízos nas obras em curso. Ora, os factos e circunstâncias descritos deixam antever que dentro de curtíssimo prazo esta sociedade vai entrar em situação de incumprimento generalizado perante os credores, por falta de capacidade financeira e também por falta de crédito, pois a sociedade está impossibilitada para fazer face à generalidade das obrigações que antes foram contraídas perante terceiros, nomeadamente fornecedores e instituições financeiras. Isto posto, o presidente da assembleia pôs à votação a proposta contida no segundo e último ponto da ordem de trabalhos, que foi aprovada por unanimidade. […] – cfr. fls. 21 dos autos.

D) Em 29/03/2004, deu entrada no Tribunal Judicial de Lamego, o processo especial de recuperação de empresa apresentado pela sociedade devedora originária, que aí correu seus termos no 2.º Juízo, sob o n.º 244/04.6TBLMG – cfr. fls. 22/28 dos autos.
E) E) Em 31/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária os sócios da sociedade B…………., Lda., tendo sido lavrada a ata n.º 8, da qual se extrai o seguinte:
[…]
1. Deliberar sobre a renúncia de gerência do sócio gerente Senhor B…………, em virtude deste ter apresentado uma carta datada de ontem, dirigida à sociedade, na qual pretende afastar-se da gerência da sociedade.
2. Deliberar sobre a nomeação de um gerente para a sociedade, nos termos do número três do artigo quarto do pacto social;
3. Deliberar sobre a remuneração a pagar ao gerente a nomear, nos termos do número dois do citado artigo e pacto;

Tomou a presidência da assembleia a sócia F…………..
Seguidamente passou-se à discussão do ponto um da ordem de trabalhos e, uma vez que o gerente B………… pretende renunciar à gerência, foi decidido por unanimidade que, a partir desta data, deixa de exercer a gerência da Sociedade.
Passou-se de seguida à discussão do segundo ponto, tendo o sócio B…………. proposto que seja nomeado o trabalhador da Empresa Senhor A…………, casado, natural da freguesia de Santa Cruz, concelho de Coimbra e residente na Rua ………., número onze, terceiro esquerdo em Lamego, para exercer o cargo de gerente, com dispensa de caução, uma vez que o mesmo te vindo a desempenhar funções de procurador da gerência, e deliberado por unanimidade nomear para o cargo o atrás identificado A………...
Por último deliberaram os sócios por unanimidade, fixar a remuneração ilíquida do gerente A…………, em dois mil e quinhentos euros mensais, com direito ao uso de qualquer viatura da Empresa e respectivo combustível. […] – cfr. fls. 29 dos autos.
F) Com data de 02/04/2004, foi remetido à Conservatória do Registo Comercial de Lamego um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta,

“A…………., casado, solicitador com escritório em Lamego, na qualidade de gerente da sociedade comercial “B…………, Lda.”, com sede no …..…………., freguesia de Várzea de Abrunhais, Lamego, C.F. ………., vem requerer a V. Ex.ª se digne conceder-lhe a desistência da apresentação 02, em 23/02/04, em virtude de ter sido indevidamente requerida […]”. – cfr. fls. 63 dos autos.

G) Em 28/10/2004, no âmbito do processo especial de recuperação de empresa foi proferido despacho judicial, do qual se extrai o seguinte:

“Nos termos do art.º 39º do CPEREF, o tribunal pode, em qualquer momento, a requerimento da comissão de credores, ou depois de ouvido o seu parecer, substituir o gestor judicial ou alterar os sus poderes (…).

A fls. 2540, veio o Sr. gestor nomeado, requerer a sua substituição, alegando se encontrar sobrecarregado com tarefas de formação e consultadoria que o afastariam do cabal desempenho das suas funções no âmbito do presente processo.
Ouvida comissão de credores, não foi feita qualquer oposição, não tendo igualmente sido manifestada qualquer oposição à nomeação do Sr. Dr. C………… (devidamente inscrito na lista oficial).
Face a todo o exposto, e com vista a evitar maiores delongas, defiro a requerida substituição, passando doravante a exercer funções de Gestor Judicial o Sr. Dr. C…………..”. – cfr. fls. 30/32 dos autos.

H) Com data de 08/05/2005, foi remetido à Direção de Finanças de Viseu um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta,

“Conforme combinado ontem, tenho a honra de remeter a V. Ex.ª a fotocópia do Ofício n.º 7103 do Serviço de Finanças de Lamego, do qual constam as informações sobre dívidas a pagar aos serviços de Finanças de Lamego.
Em pedido verbal e pessoal ao Sr. Chefe de Finanças de Lamego, no mês de Dezembro de 2004, comprometeu-se o mesmo a indicar as dívidas desta empresa ao Fisco até ao dia 07 de Janeiro, mas, até esta data nada recebemos.
Muito gratos ficaríamos se, no mais curto espaço de tempo, nos fosse resolvida esta situação […].” – cfr. fls. 59 dos autos.

I) Com data de 16/05/2007, foi remetido ao Serviço de Finanças de Lamego um requerimento apresentado em nome da sociedade devedora originária, dele constando a assinatura do oponente, sobre o carimbo da empresa, com a indicação “O Gerente”, e do qual consta:

“B…………, Lda., sociedade comercial por quotas com sede no …………., freguesia da Várzea de Abrunhais, concelho de Lamego, c.f. …………, vem requerer a V. Ex.ª se digne mandar certificar se, relativamente ao veículo pesado de mercadorias, marca DAF modelo TE 47 W335, matrícula EX, existe Imposto de Circulação em Dívida, atendendo a que não se encontra em circulação e, em caso afirmativo, se sobre a mesma viatura consta qualquer auto de notícia activo por infracção ao Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem, no âmbito do art.º 11.º do mesmo Regulamento. […]” – cfr. fls. 60 dos autos.

J) Em 08/07/2010, o Serviço de Finanças de Lamego instaurou contra a sociedade comercial B…………, Lda., NIPC ……….., com sede no ………. – Várzea de Abrunhais, ……… Várzea de Abrunhais, Lamego, o processo de execução fiscal n.º 2542201001010930, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS-retenções na fonte de dezembro de 2008, no montante de 2.340,00 € - cfr. fls. 1 do PEF apenso aos autos.

K) Entre 31/03/2004 e 01/03/2010, para efeitos de pagamento de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, o oponente esteve enquadrado como membro de órgão estatutário. – cfr. fls. 53 dos autos.

L) Por sentença de 29/01/2014, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 819/13.2 TBLMG, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lamego, tendo sido nomeado Administrador de Insolvência ……….. – cfr. fls. 44/45 dos autos.

M) Em 21/02/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Lamego emitiu projeto de reversão, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“[…]
PROJECTO DA REVERSÃO
Fundamentos de emissão central
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante dos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais. […]”.
- fls. 2 do PEF apenso aos autos.

N) O oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de reversão por ofício datado de 23/02/2014. – cfr. fls. 5 verso do PEF apenso aos autos.

O) Em resposta, o oponente apresentou o requerimento constante de fls. 3/5 do PEF apenso aos autos.

P) Em 03/04/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho de reversão, com o seguinte teor:
DESPACHO
1. Nos presentes autos em que é devedor originário a firma B………….., Lda, NIPC ……….. foi emitido projecto de decisão de reversão central atendendo à determinação da insuficiência de bens da devedora originária (art.° 23/2 e 3 da LGT) decorrente de situação líquida negativa (SLN) em face de insolvência declarada pelo tribunal e exercício de gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.° 24/1/b da LGT) no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da AT e gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão.

2. A dívida exequenda nestes autos é referente a IRS, retenções na fonte dos períodos de Dezembro de 2008, com prazo de pagamento voluntário a 20-01-2009, ascende a € 2.340,00 (dois mil, trezentos e quarenta euros) encontrando-se melhor discriminada no quadro infra e identicamente fazendo parte integrante da citação prevista no n°3 do art. 191° do CPPT.

3. O eventual revertido foi notificado para exercer o direito de audição na sequência de ofício entregue no respectivo domicílio fiscal e nesse seguimento, por petição com entrada n° 2014E000952709 neste SF a 17-03-2014, considerando-se tempestiva por força do exposto no art. 60° da LGT, veio o eventual revertido referir sintecticamente os seguintes aspectos:

- Resultante da acta n° 8 de 31-03-2004, o interessado é nomeado gerente, mas sendo procurador da gerência desde 18.03.2004.

- No seguimento do processo especial de recuperação, situação de gerência aceite até nomeação de gestor judicial.

- Releva processo de inquérito participado pela Seg. Social, resultando no seu arquivamento relativo a dívidas do período 01/2008 a 07/2009.

- Alega a não verificação da insuficiência patrimonial do devedor principal.

4. Em virtude do por ele exposto, requer a extinção do presente projecto de reversão.

5. Atendendo ao referido pelo eventual revertido, no que respeita à verificação da insuficiência patrimonial do principal devedor, o mesmo está em situação de insolvência decretada em 29-01-2014 e não se verificando ainda a graduação de créditos.

6. Neste prosseguimento e atendendo ao identicamente referido pelo eventual revertido quanta à existência de bens obstar à reversão (articulado 15°) e tendo em conta insolvência decretada, informa-se que a Lei 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o OE para 2012, procedeu a alterações ao n° 7 do art. 23° da LGT, passando a prever a possibilidade de reversão nas situações de insolvência. Neste contexto e atento o disposto no ofício circulado 60091 de 27-07-2012 e estando declarada a insolvência do devedor originário, foi apreciada a possibilidade de reversão das presentes dívidas, efectivando-se o projecto de reversão indicado no ponto 1, fundamentado perante os indícios de insuficiência de bens emergentes da declaração de Insolvência do devedor originário, constituindo pressuposto da responsabilidade subsidiária, em face do exposto no n° 2 do art. 23° da LGT, cumprindo-se de igual modo a notificação de exercício do direito de audição prévia, nos termos do n°4 do art. 23° do mesmo diploma, contrariando por esta via o exposto no articulado da petição do revertido (cfr. 15°), e até porque, e em conformidade com o preceituado na al. b) do n° 2 do art. 153° do CPPT, existe fundada insuficiência de bens.

7. Bens esses apreendidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, como resulta do exposto no ponto 5 da decisão de insolvência decretada pelo TJ Lamego, 2° juízo.

8. Ainda neste seguimento os créditos da FN foram apresentados em sede de insolvência, nos termos do n°4 do art. 129° do CIRE, bem como em face do art. 146° desse diploma.

9. Prosseguindo o âmbito da reversão e atenta a sua natureza, ficam sujeitos a este procedimento, entre outros, os administradores que exerçam funções de administração e gestão, e tendo em conta o facto gerador da responsabilidade em face da exposto do n° 1 do art. 24° da LGT.

10. Neste propósito importará ter em conta que o eventual revertido à data da constituição e vencimento das dívidas era gerente da sociedade, exercida no período de 31-03-2004 a 01-03-2010, data que efectivou a renúncia a essa mesma gerência, pela Ap. 59120100131.

11. Tocante à questão do arquivamento do inquérito participado pela Seg. Social relativo a dívidas de Janeiro de 2008 a Julho de 2009, a dai resultante o seu arquivamento, não poderá este SF tomar por analogia esse mesmo arquivamento, porquanto as dívidas em questão nos presentes autos se reportarem a outros períodos de tributação, nem tão pouco ser do conhecimento deste SF dos elementos que consubstanciaram a instauração desses autos, para além do facto de estarem junto a outros autos de execução que correm demais termos neste SF, em concreto o processo de execução 2542200101002040 e apensos, elementos que concretizam uma prática de actos e procedimentos de gestão por parte do eventual revertido, elencados nos pontos subsequentes.

12. Atento o exposto e prosseguindo a tramitação processual e verificado o exercício de gerência de direito e de facto do responsável, durante o período das dívidas e analisado o termo do prazo de pagamento das mesmas ter-se-á presente a informação fáctica consubstanciada noutros autos de execução (2542200101002040 e apensos), em que também o referido SP figura como revertido, designadamente:

- Procuração outorgada no CN Lamego em 18-03-2004, em que os então gerentes aí melhor identificados nomeiam mandatário ou procurador da sociedade o já identificado SP, dando-lhe efectivos poderes de gerência e de representação social da mesma sociedade, de forma a praticar os actos elencados nas categorias numeradas de 1 a 24 da referida procuração, junto a fls. 38 a 40.

- Print informático da Segurança Social, junto a fls. 110, verificando o enquadramento como membro de órgão estatutário entre 01-03-2004 a 01-03-2010 e procedendo a contribuições por essa figura

- Fotocópia do teor da matrícula da referida sociedade da Conservatória de Registo Comercial de Lamego, junta a fls. 112 a 116, indicando a gerência a cargo do já mencionado SP A…………, desde a data de 31-03-2004, com renúncia a essas funções de gerente em 01-03-2010 (Ap. 59120100331).

- Requerimento dirigido ao Sr. Gestor Judicial da sociedade datado de 01-03-2010, respeitante à rescisão do contrato de trabalho, informando da decisão de renúncia ao mandato de gerente, junto a fls. 161.

Igualmente e por consulta à IES, consistindo numa obrigação declarativa de natureza fiscal, contabilística e estatística comunicando informação das contas do principal devedor perante diversas entidades (Banco Portugal, AT, Conservatórias e INE), verifica-se que referente aos períodos de tributação 2004, 2005 e 2006, o representante da empresa aí identificado é o SP revertido nestes autos, comprovando-se, por esta via, o exercício de representatividade legal do devedor principal.

De igual modo e constando a informação nos anteriores autos já referidos, verifica-se que o eventual revertido praticava actos de gerência, mesmo após a nomeação do gestor judicial por despacho de 28-10-2004, contrariando o por si exposto no articulado n° 7 do exercício de audição prévia, informação concretizada em:

- Requerimento dirigido à Direcção de Finanças de Viseu de 08-05-2005 relativo a informações de dívidas da sociedade a este SF, em que o reconhecido SP assina na qualidade de gerente do devedor originário, junto a fls. 125.

Requerimento dirigido a este SF de 16-05-2007 relativo a Informações dívidas de imposto de circulação de uma viatura em nome da sociedade, em que o supradito SP assina na qualidade de gerente do principal devedor, junto a fls. 127.

- Acta n° 8 da sociedade lavrada em 31-03-2004 em que o supradito SP é nomeado gerente, fixando-lhe uma remuneração líquida de € 2.500,00 mensais, permitindo igualmente uso de qualquer viatura da empresa e respectivo combustível, cfr. fls. 135.

13. Deste modo, verifica-se que de facto o SP sobredito, exercia de direito e de facto funções de gerência no principal devedor, dado que os elementos atrás elencados consubstanciam no exercício dessas funções.

14. Em face do apresentado e relativamente à questão da prática da gerência de direito e de facto do revertido ..., NIF ……….., tendo em conta que o argumentado pelos articulados no exercício de audição prévia, não consubstanciam em algo de novo, no sentido de alterar o projecto de decisão, dado que é inegável o exercício de administração/gerência por parte deste, afirmando o próprio no seu direito de exercício de audição (cfr. articulados 1 a 7), ressalvando que já desempenhava funções de gerente por força de procuração outorgada em 18-03-2004, aliás, anterior à nomeação como gerente.

15. Tendo presente o exposto, constatada a insuficiência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto no art. 153°, n.° 2, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO, contra o subsidiário responsável ..., NIF………., anteriormente identificado nos termos do artigo 23° e aI b) do n° 1 do art 24°, ambos da Lei Geral Tributária, pela quantia exequenda em dívida nestes autos, sendo-lhe imputada a dívida descrita no ponto 2 do presente documento, dado que a falta de pagamento é-lhe atribuível, atendendo que o prazo de pagamento ou entrega da prestação terminou em período de exercício do seu cargo de gerência.

16. A decisão funda-se na presunção legal de culpa, do gerente acima identificado, função que exerceu efectivamente, traduzindo-se esta, na prática de actos reveladores da administração da executada, e que contribuíram para o estado falimentar da responsável principal, baseada em informações oficiais que o interessado não contrariou.

17. Os períodos de vigência da legislação invocada, e que antes se expressaram, vigoram não só para o período a que respeita a dívida, como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento.

18. Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do artigo 160° do CPPT, tendo em atenção o disposto no artigo 191°, n.° 3 do mesmo Código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.° 5 do artigo 23º da LGT).

Averbamentos necessários.

- cfr. fls. não numeradas do PEF apenso aos autos.

C) O oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, em 07/04/2014 – cfr. fls. não numeradas do PEF apenso aos autos.


5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto e admitido para este STA como recurso de revista excepcional (cfr. requerimento de interposição e despacho de fls. 235 dos autos), havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
No caso dos autos, cremos justificar-se o conhecimento do recurso, em razão da relevância social fundamental da questão a decidir.
O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgara procedente a oposição deduzida por um responsável subsidiário de uma sociedade declarada insolvente, no entendimento de que a AT não demonstrara, como lhe competia “a verificação do pressuposto da reversão respeitante à fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, previsto no art. 23.º/2 da LGT”. O acórdão recorrido, fundando-se em jurisprudência anterior do mesmo Tribunal, conclui, em síntese, que a declaração de insolvência da sociedade não permite, sem mais, que se conclua pela insuficiência do património da devedora originária para efeitos de reversão da execução.
Está em causa nos autos a interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor, que a AT parece querer presumir em caso de insolvência do devedor originário.
Trata-se de questão nunca expressamente tratada por este STA, daí que seja abusiva a alegação da recorrente no sentido que o acórdão do TCA contraria a jurisprudência deste Supremo Tribunal, e que vem merecendo do TCA-Norte resposta uniforme em sentido desfavorável à leitura dos preceitos que a AT pretende fazer valer.
Ora, é manifesto que situação dos autos, nos seus aspectos essenciais, apresenta contornos indiciadores de que a solução que venha a ser acolhida pelo STA pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, para além de que se trata manifestamente de questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
A admissão da revista não envolve nenhum pré-juízo sobre a bondade do decidido pelo TCA. Pretende, apenas, permitir ao STA que tome posição na querela pois que, não existindo sobre a concreta questão decidenda pronúncia do STA, mas tendo já sido decididas questões próximas da convocada nos presentes autos, questões essas de enorme relevo social num país com um tecido empresarial com as características do nosso, a pronúncia do STA sobre a questão afigura-se como constituindo um contributo importante no sentido da maior segurança jurídica - quer da actuação do Fisco, quer dos particulares-, contribuindo deste modo para a paz social.

O recurso será, pois, admitido.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso excepcional de revista.

Custas a final.

Lisboa, 24 de Outubro de 2018. – Isabel Marques da Silva (relatora) – António Pimpão – Dulce Neto.