Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01103/13
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IRC
ISENÇÃO
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA
ESTABELECIMENTO DE ENSINO PARTICULAR
SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Sumário:I – A isenção de IRC prevista no artº 10º, nº 1 do CIRC tem como destinatários as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
II – Deste modo, não se inserem no âmbito de previsão desta norma os estabelecimentos de ensino particular que, por se enquadrarem nos objectivos do Sistema Nacional de Educação gozem das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública (nos termos do disposto na Lei n.º 9/79, de 9 de Março), mas não detenham essa qualidade, e que anteriormente gozavam de isenção dos impostos enumerados na Lei n.º 2/78, de Janeiro, revogada pelo Dec.-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro.
Nº Convencional:JSTA00069254
Nº do Documento:SA22015061701103
Data de Entrada:06/17/2013
Recorrente:A.........
Recorrido 1:SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CIRC ART10 N1 N2.
DL 460/77.
L 9/79 ART3 N2.
L 2/78 ART7 N1 N2.
L 151/99 ART1 E ART2 ART9 N1.
DL 260-D/81 ART7 N2.
EBF ART54.
L 8/89 ART4 CC.
CONST ART103 ART165.
LGT ART11 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC023115 DE 1999/04/21.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - APONTAMENTOS AO IRC ALMEDINA PAG85 PAG55.
SÉRGIO VASQUES - MANUAL DE DIREITO FISCAL ALMEDINA 2011 PAG310-311.
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
1 – O A…………., vem recorrer para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de fevereiro de 2013, que negou provimento ao recurso interposto da decisão do Secretário de Estado de Assuntos Fiscais que o qual, por delegação de poderes de sua Excelência o senhor Ministro das Finanças, lhe negou o pedido de isenção de IRC, formulado ao abrigo do artº 10º, nº 2 do CIRC.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. O n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) dispõe que as escolas particulares e as escolas cooperativas, quando ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública e, consequentemente, são abrangidas pela Lei n.º 2/78 de 17 de janeiro, o qual regulava especificamente o regime das isenções fiscais aplicáveis às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa e foi entretanto sucessivamente substituído pelo constante do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro (com a expressa indicação de que todas as remissões feitas em diplomas legais para a Lei n.º 2/78 se deveriam considerar feitas para as disposições correspondentes desse Decreto-Lei), e pela Lei n.º 151/99, que actualizou o regime das regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública.
B. Em face desta sucessão de regimes relativos aos benefícios fiscais concedidos às pessoas colectivas de utilidade pública, dúvidas não restam que a referência do n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79 à Lei n.º 2/78 deve hoje considerar-se feita à Lei n.º 151 /99.
C. Ora, uma vez que a alínea e) do artigo 1° deste último diploma estabelece que pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública a isenção de IRC, a ser reconhecida nos termos e condições do respectivo Código, dúvidas não restam que o direito à isenção a reconhecer tem fundamento legal directo no disposto no n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março — é essa norma que, de forma inequívoca, por remissão expressa para a Lei n.º 2/78, de 17 de Fevereiro (e, logicamente, para todas as que, em sua revogação, a vieram substituir), atribui às escolas particulares integradas no SNE a específica prerrogativa de aceder aos benefícios fiscais privativos das pessoas colectivas de utilidade pública em sentido próprio.
D. Ou seja, no nosso caso, o reconhecimento previsto no n.º 2 do artigo 10° do Código do IRC é um mecanismo que não serve a aplicação da alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo (como acontece por regra) mas sim a da alínea e) do artigo 1° da Lei n.º 151/99. Esta é que é a fonte directa da possibilidade de obtenção da isenção — e não a alínea c) do n.º 1 do artigo 10° do Código do IRC —, razão pela qual o Instituto não necessita de ser uma pessoa colectiva de mera utilidade pública.
E. O SEAF até poderia ter indeferido o pedido de isenção: teria, no entanto de o fazer com base em argumentos relativos a uma qualquer não qualificação da actividade do Instituto para efeitos do benefício; nunca o poderia fazer — como fez — com sustento no facto de aquele não se enquadrar no escopo subjectivo da alínea c) do n.º 2 do artigo 10° do Código do IRC.
F. A Lei n.º 2/78, de 17 de Fevereiro, não atribui às escolas particulares as prerrogativas genéricas de que gozam as pessoas colectivas de utilidade pública; bem ao invés, o que o legislador pretendeu foi justamente atribuir-lhes — e de forma expressa — uma particular prerrogativa em matéria de benefícios fiscais. De resto, só essa intenção explica a referência ao diploma que, à época, regulava os benefícios fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública — conforme vimos, tal referência deve considerar-se hoje efectuada para o diploma sucessivo actualmente vigente: a Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro.
G. Assim, independente de qualquer consideração acerca do conteúdo (expresso ou incito) do artigo 10° do Código do IRC, a verdade é que as escolas particulares que se enquadrem nos objectivos do SNE — como é o caso do estabelecimento de ensino do ora Recorrente — podem beneficiar de isenção de IRC ao abrigo de disposições legais avulsas, o n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, e a alínea e) do artigo lº do Decreto-Lei n.º 151/99, de 14 de Setembro, devendo para isso cumprir os trâmites que o Código do IRC prevê para o efeito, isto é, solicitar o respectivo reconhecimento ao abrigo do n.º 2 do seu artigo 10º.
H. O Instituto é, por conseguinte, desde a apresentação do requerimento indicado como doc. n.º 1, titular do direito legalmente protegido à isenção de IRC, cujo não reconhecimento mantém o SEAF e o MF numa ilegal situação de omissão.
I. Quanto muito, deveria o despacho do SEAF ter sido julgado ilegal, por, ao justificar o indeferimento do pedido do Recorrente com base no facto de este não se enquadrar na alínea c) do n.º 2 do artigo 10° do Código do IRC, incorrer num erro de fundamentação.
J. O Acórdão recorrido deve, nesta medida, ser revogado.»

2 – Foram apresentadas contra alegações pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em representação do Ministério das Finanças, com as seguintes conclusões:
«1) O Acórdão recorrido prima por excelência de decisão e qualidade de argumentação e configura os factos de forma irrepreensível aplicando a lei — os artigos 10º, nº1, alínea c) do CIRC, o artigo 54° do EBF — aos mesmos factos numa interpretação que respeita e acolhe o seu espírito.
2) Contrariamente ao alegado pelo R. não foi feita pelo acórdão recorrido errónea aplicação ao caso dos autos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 10° do CIRC, nem deve o acórdão recorrido ser revogado por ter incorrido num erro de fundamentação.
3) Sobre a matéria é perfeitamente esclarecedor o Acórdão 21-04-1999, proferido no Recurso nº 23115, tendo-se aí chegados à conclusão de que as entidades como o A. não beneficiando do reconhecimento ministerial da utilidade pública, não se enquadram juridicamente na abrangência material do nº1, al. c) do artigo 10º CIRC, nem tal abrangência lhes advém de quaisquer outras disposições legais.
4) A previsão normativa apenas contempla, no que se reporta à alínea c) do dispositivo transcrito, as pessoas colectivas de utilidade pública e não, como pretende o A., as pessoas colectivas de interesse público.
5) O A. não logrou comprovar nos autos que obteve o reconhecimento de utilidade pública, pelo que não se mostra verificado e preenchido o pressuposto legalmente estabelecido para efeitos de lhe poder a vir ser reconhecida a peticionada isenção de IRC.
6) Para as entidades como o A., que não tivessem beneficiado de tal reconhecimento, entendeu o legislador atribuir-lhes o benefício decorrente do artigo 54° do EBF e que se traduzia na sujeição dos seus rendimentos, para efeitos de IRC, à taxa reduzida de 20%.»

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, com a seguinte fundamentação que, na parte mais relevante, se transcreve:
«Em inteira concordância com a entidade demandada, entendemos que o recurso não merece provimento.
De facto, da factualidade apurada resulta claro que o recorrente não é uma pessoa colectiva de utilidade pública, nos termos do DL 460/77, antes se tratando de uma pessoa colectiva de interesse público, enquanto escola particular integrada no SNE.
Enquanto tal, goza dos benefícios fiscais referidos no artigo 10º c) da lei 151/99, de 14 de Setembro por via do artigo 3.º/2 da Lei 9/79, de 10 de Março, mas não da isenção de IRC.
De facto, como resulta do artigo 10.º/l/c) do CIRC, apenas gozam da isenção de IRC as pessoas colectivas de utilidade pública, como tal reconhecidas nos termos do DL 460/77, o que não é, manifestamente, o caso do recorrente.
Tanto assim é que o artigo 54. ° da EBF estatui uma redução da taxa de IRC aos rendimentos dos estabelecimentos de ensino integrados no sistema educativo, como é o caso do recorrente.
Ora, se o recorrente estivesse e isento de IRC — e não está — não faria qualquer sentido que existisse uma norma a determinar a redução da taxa de IRC!
Aliás, situação idêntica à, ora, em apreciação já foi analisada pelo STA, que conclui, exactamente, no sentido do douto acórdão recorrido (acórdão do STA, 21 de Abril de 1999, proferido no recurso nº 23.115, cujo sumário se encontra disponível no sitio da internet www.dgsi.pt).
O acórdão recorrido não merece, pois, censura.
Termos em que, salvo melhor juízo, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se o acórdão recorrido na ordem jurídica.»

4 – Colhidos os vistos cumpre decidir.

5 – O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1- O A……… é uma associação particular de educação sem fins lucrativos que se dedica exclusivamente a promover a cultura, tradições e costumes britânicos, mantendo um estabelecimento educacional - já centenário - (a A………) destinado à instrução e educação de crianças e jovens entre os 4 e os 18 anos e à sua preparação para os exames de admissão a escolas britânicas e para a entrada em universidades nacionais e internacionais;
2- São associados do Instituto os pais e/ou os tutores dos alunos do referido estabelecimento de ensino, o qual é por eles administrado sem recebimento de qualquer remuneração ou outra contrapartida, e nos resultados do qual não têm os mesmos qualquer interesse de natureza patrimonial;
3- O Autor foi fundado em 1894 pela comunidade britânica então residente no Porto;
4- Inerente à prossecução da sua actividade lectiva, o Instituto promove junto dos seus alunos a cultura e a história britânicas, designadamente na disciplina de História Universal, no entanto, também como parte integrante do seu programa curricular, é promovida anualmente uma série de actividades cívicas e culturais relacionadas com a história, as tradições e os costumes britânicos (onde se incluem, nomeadamente, concertos de cantos de Natal, diversas exposições de arte, um festival anual de música e teatro, diversas iniciativas de angariação de fundos para fins de caridade, o programa de acção e serviço comunitário do “International Baccalaureate”, o “Harvest Festival” e a semana dos veteranos da Grande Guerra — “Poppy Week”).
5- O Autor estabelece ocasionalmente protocolos de cooperação com outras entidades para a divulgação da língua e da cultura britânicas, bem como para a organização de actividades desportivas e culturais, como são os casos dos protocolos firmados com o “……….” do Porto e com o “……..& ………..”;
6- No sentido de promover o intercâmbio com outras comunidades e culturas presentes no Norte do país, nomeadamente a portuguesa, a holandesa, a sueca e a norte-americana, tem o Instituto realizado e acolhido nas suas instalações inúmeras iniciativas de índole cultural, como exposições, seminários, palestras ou debates;
7- O estabelecimento de ensino tutelado pelo Instituto (a OBS) é reconhecido pelo Ministério da Educação como uma escola particular abrangida pelos objectivos do SNE, assim como os respectivos planos de estudo são, de acordo com a mesma entidade, equivalentes aos do ensino oficial português, e beneficia das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública, cfr. doc. n.º 4, 5 e 6;
8- Em virtude desse reconhecimento, a OBS goza também de redução da Taxa Social Única, cfr. doc. n.º 6;
9- Em 21/03/2005, o autor requereu ao Ministro das Finanças a isenção de IRC ao abrigo do disposto no art. 10°, n.º 2 do CIRC, cfr. PA apenso,
10- Por despacho datado de 19/07/2007, o SEAF indeferiu tal pretensão, nos termos constantes de fls. 17 a 26 dos autos, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

6. A questão objecto do presente recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento o acórdão recorrido que julgou improcedente a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido por parte do SEAF, absolvendo a entidade demandada do pedido, no entendimento de que a isenção de IRC prevista no artigo 10.º do CIRC tem como pressuposto o prévio reconhecimento da utilidade pública do sujeito passivo, nos termos do DL 460/77.

O acórdão recorrido considerou que isenção de IRC prevista no artº 10º, nº 1 do CIRC, na redacção em vigor à data em que foi requerida, tem como destinatários as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, as instituições particulares de solidariedade social e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
No prosseguimento de tal discurso argumentativo, concluiu a decisão sindicada que, não se enquadrando o autor, e ora recorrente, naquele grupo de entidades a quem foi reconhecida, nos termos legais, a utilidade pública, não se enquadra juridicamente na abrangência material daquele art. 10, n.° 1, nem tal abrangência lhes advém de outras disposições legais, nomeadamente das Lei n.° 9/79, n.° 2/78 ou 151/99.

Contra o assim decidido insurge-se o recorrente alegando em síntese que o n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) dispõe que as escolas particulares e as escolas cooperativas, quando ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública e, consequentemente, são abrangidas pela Lei n.º 2/78 de 17 de Janeiro, o qual regulava especificamente o regime das isenções fiscais aplicáveis às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa e foi entretanto sucessivamente substituído pelo constante do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro (com a expressa indicação de que todas as remissões feitas em diplomas legais para a Lei n.º 2/78 se deveriam considerar feitas para as disposições correspondentes desse Decreto-Lei), e pela Lei n.º 151/99, que actualizou o regime das regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública.
Mais argumenta que, uma vez que a alínea e) do artigo 1° deste último diploma estabelece que pode ser concedida às pessoas colectivas de utilidade pública a isenção de IRC, a ser reconhecida nos termos e condições do respectivo Código, o direito à isenção a reconhecer tem fundamento legal directo no disposto no n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, sendo essa norma que, de forma inequívoca, por remissão expressa para a Lei n.º 2/78, de 17 de Fevereiro (e, para todas as que, em sua revogação, a vieram substituir), atribui às escolas particulares integradas no SNE a específica prerrogativa de aceder aos benefícios fiscais privativos das pessoas colectivas de utilidade pública em sentido próprio.


A nosso ver carece de razão legal.
Vejamos.

6.1 De harmonia com o disposto no artº 10º nº 1 do CIRC, na redacção em aplicável aos factos, estão isentas de IRC as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa [al. a)], as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e entidades anexas, bem como as pessoas colectivas àquelas legalmente equiparadas [al. b)], e as pessoas colectivas de mera utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente [al. c)].
Por sua vez dispõe o nº 2 do mesmo normativo que a isenção prevista no número anterior carece de reconhecimento pelo Ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no Diário da República, que define a respectiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as actividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direcção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias.
Trata-se de uma isenção pessoal (Neste sentido vide Rui Duarte Morais, apontamentos ao IRC, ed. Almedina, pag.55.), de que beneficiam as pessoas previstas no referido artº 10º, nº1, dependente de reconhecimento prévio do Ministro das Finanças.

Como resulta da matéria de facto assente é inquestionável que o recorrente não é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa ou uma pessoa colectiva de mera utilidade pública que prossiga, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente.
E também não se enquadra na qualidade de instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou entidades anexas ou de pessoa colectiva àquelas legalmente equiparadas [al. b)].
Porém o recorrente sustenta que, sendo uma escola particular integrada no SNE, o direito à isenção a reconhecer tem fundamento legal directo no disposto no n.º 2 do artigo 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, sendo essa norma que por remissão expressa para a Lei n.º 2/78, de 17 de Fevereiro e, para todas as que, em sua revogação, a vieram substituir, atribui às escolas particulares integradas no SNE a específica prerrogativa de aceder aos benefícios fiscais privativos das pessoas colectivas de utilidade pública em sentido próprio.

Parte no entanto de um petição de principio, ou seja de que o direito à isenção de IRC decorre da remissão expressa que o artigo o 3° da Lei n.º 9/79, de 19 de Março, para a Lei n.º 2/78, de 17 de Fevereiro e, para todas as que, em sua revogação, a vieram substituir, conclusão essa que não se retira da análise daqueles diplomas legais.

Com efeito o nº 2 do artº 3º da Lei nº 9/79 de 19 de Março (Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo) dispõe que as escolas particulares e as escolas cooperativas, quando ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do Sistema Nacional de Educação, gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública e, consequentemente, são abrangidas pela Lei nº 2/78, de 17 de Janeiro.

Esta Lei n.º 2/78 de 17 de Janeiro regulava especificamente o regime das isenções fiscais aplicáveis às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa concedendo-lhe isenções de Imposto do selo, Imposto sobre as sucessões e doações e de sisa pela aquisição de edifícios necessários à instalação da sua sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, Contribuição predial pelo rendimento colectável de prédios urbanos, onde se encontrem instalados a sede, delegações e serviços indispensáveis aos fins estatutários, Impostos alfandegários sobre material indispensável aos seus fins e não produzido no País e custas judiciais (artº 1º, als. a) a e)).

Por sua vez este regime de isenções fiscais foi substituído pelo constante do Decreto-Lei n.º 260-D/81, de 2 de Setembro, que procedeu à sua revisão mas continuou a conceder às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa isenções de Imposto do selo, Sisa e imposto sobre as sucessões e doações, Contribuição predial, Direitos de importação sobre mercadorias indispensáveis à consecução dos seus fins, de que não exista produção no País, Imposto sobre a venda de veículos automóveis sobre as ambulâncias, classificadas pelo artigo 87.02.07 da Pauta de Importação em vigor, desde que tais veículos sejam indispensáveis à consecução dos seus fins e custas judiciais (art.1º, als. a) a f)).

O artº 7.º deste diploma revogava a Lei 2/78, de 17 de Janeiro (nº 1) e no nº 2 continha uma norma que estabelecia que todas as remissões feitas em diplomas legais para a Lei 2/78 se consideravam feitas para as disposições correspondentes daquele decreto-lei.

O regime de regalias e isenções fiscais das pessoas colectivas de utilidade pública foi mais tarde actualizado pela Lei 151/99 de 14 de Setembro que passou a prever, entre outras isenções, a isenção de IRC a ser reconhecida nos termos e nas condições do respectivo Código (cf. artº 1º, al. e) do referido diploma legal.

Este diploma previa também uma norma revogatória (o artº 2º), que revogava o DL 260-D/81, mas não continha qualquer norma remissiva do tipo do tipo do já referido nº 2 do artº 7º do DL 260-D/81 que reencaminhava as remissões feitas em diplomas legais para a Lei 2/78 para as disposições correspondentes daquele decreto-lei.


Sucede que a Lei 2/78 e o DL 260-D/81 foram revogados - na parte em que se referiam aos impostos sobre o rendimento - com a entrada em vigor da reforma fiscal, e que, mesmo antes da entrada em vigor da Lei 151/99, o CIRC passou a conceder no artº 9º, nº 1 ( redacção inicial) a isenção de imposto às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa, mediante reconhecimento e nas condições determinadas no seu nº 2.
O CIRC manteve esta isenção nas redacções posteriores, nomeadamente na redacção em vigor à data dos factos que passou a estar ali prevista nos termos do já referido art º 10º nº 1.
Mas esta isenção de IRC estabelecida no artigo 9.° da redacção inicial do Código e posteriormente no artº 10º, nº 1 em questão, só abrangia as associações ou fundações que, tendo observado todas as formalidades legais no seu processo constitutivo, lograssem obter a sua declaração como pessoas colectivas de utilidade pública nos termos do Decreto-Lei n.° 460/77, de 7 de Novembro.

Deste modo, não se inserem no âmbito de previsão desta norma os estabelecimentos de ensino particular que, por se enquadrarem nos objectivos do Sistema Nacional de Educação gozem das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública (nos termos do disposto na Lei n.° 9/79, de 9 de Março) e que anteriormente gozavam de isenção dos impostos enumerados na Lei n.° 2/78, de Janeiro, revogada pelo Dec.-Lei n.° 260-D/81, de 2 de Setembro.
Além do mais importa referir que estes estabelecimentos de ensino particular já não gozavam, no regime fiscal anterior, de isenção de Contribuição Industrial, uma vez que não se lhes aplicava o artigo 14. °, n.° 3 do respectivo Código, por não serem pessoas colectivas de utilidade pública e porque do elenco quer da referida Lei n.° 2/78, de 17/01 quer, mais tarde, do DL n.° 260/81, de 2 de Setembro, não constava qualquer isenção deste imposto.

Face ao disposto nos preceitos em análise e respectiva evolução legislativa forçoso é concluir que o legislador só reconheceu isenções de IRC às entidades que tivessem sido declaradas de utilidade pública.
Os estabelecimentos de ensino particular em questão, não sendo, eles próprios, pessoas colectivas de utilidade pública, não se enquadram no seu âmbito de previsão.

Com efeito e como se sublinhou no Acórdão desta Secção de 21.04.1999, recurso 21.04.1999 «(…) o legislador fiscal quis distinguir as pessoas colectivas de utilidade pública das pessoas colectivas titulares de estabelecimentos de ensino particular, ainda que integrados no SNE, pois que as tratou diferentemente.
Na verdade, e desde logo, verificámos que concedeu às primeiras a total isenção de IRC (vd. art. 9° do CIRC) e que às segundas apenas as contemplou com uma taxa reduzida (20%) de IRC (vd. art. 47° do EBF).
Ou seja, o legislador considerou que as pessoas colectivas de interesse público inseridas no SNE, muito embora pudessem desenvolver uma actividade socialmente relevante, não mereciam o mesmo tratamento fiscal que as pessoas colectivas de utilidade pública.
Ora, se fosse propósito do legislador tratá-las de modo igual e conceder-lhes iguais direitos certamente que não faria distinção entre elas e num único preceito, ou mesmo em preceitos separados, atribuir-lhes-ia o mesmo tipo de isenção.
O facto de o legislador, intencionalmente, atribuir tão diferentes benefícios àquelas pessoas é bem revelador de que não quis que elas pudessem ter igual tratamento fiscal.
(…) Ou seja, quer numa quer noutra das indicadas situações é visível que o legislador não considerou que as mesmas devessem ser tratadas do mesmo modo e sem diferenciação».

Acresce dizer, regressando ao caso vertente, que o artigo 54.° da EBF na redacção então em vigor, previa uma redução da taxa de IRC aos rendimentos dos estabelecimentos de ensino integrados no sistema educativo, como é o caso do recorrente.
Sendo que a Lei n.° 8/89 de 22/04, que autorizou o Governo a legislar em matéria de benefícios fiscais, previa expressamente no seu art. 4º, al. cc) “Reduzir para 20% a taxa de IRC dos rendimentos das escolas particulares, como tal definidas no n.° 2 do artigo 3° da Lei n.° 9/79, de 19 de Março”
Ora, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, se o recorrente estivesse e isento de IRC não faria qualquer sentido que existisse uma norma a determinar a redução da taxa de IRC.
Por último importa sublinhar que as isenções, enquanto benefício fiscal, são um dos elementos essenciais dos impostos, sujeitas um princípio de legalidade estrita (Rui Duarte Morais, ob. citada, pag. 55.).
Com efeito, os benefícios fiscais são uma das matérias integrantes da reserva de lei parlamentar, por efeito dos artigos 103° e 165° da Constituição da República, sendo-lhes por isso aplicável a proibição da analogia prevista no n° 4 do artigo 11° da LGT.
É certo que, à parte disso, as normas que estabeleçam benefícios fiscais ficam subordinadas às regras gerais de interpretação da LGT, admitindo-se implicitamente a interpretação extensiva sempre que no caso concreto a letra da lei mostre ter ficado aquém do seu espírito (Neste sentido, Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Ed. Almedina, 2011, pags. 310/311.).
Mas não é essa a hipótese dos autos já que, como vimos, resulta manifesto da análise dos diplomas legais referidos e dos invocados pelo recorrente, que o legislador nunca pretendeu reconhecer a isenção de IRC a entidades como o recorrente, referindo-se sempre a pessoas colectivas de utilidade pública, qualidade que o mesmo não detém.
Assim sendo forçoso é concluir, como bem decidiu o acórdão recorrido, que o facto de a recorrente estar integrado nos objectivos do Sistema Nacional de Educação e poder gozar das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública, não permite concluir que goze da isenção do imposto sobre o rendimento, uma vez que para isso, necessário seria que existisse norma expressa a prevê-lo e tal previsão expressa não se encontra, nem na Lei n.° 9/79, nem nas Leis n.° 2/78 e 151/99 ou no CIRC.

Improcedem, pois, todos os fundamentos do recurso.

7- Decisão
Termos em que acordam os Juízes deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente,

Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.