Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/20.8BEAVR
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
VENDA
LEILÃO ELECTRÓNICO
REMIÇÃO
PRAZO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - O direito de remição regulado nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil é aplicável à venda realizada no âmbito do processo de execução fiscal.
II - Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para, querendo, exercerem o direito de remição, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito - não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados.
III - O executado não tem de ser pessoalmente notificado das condições em que se irá realizar a venda por negociação particular, incumbindo-lhe, antes, a ele, e por sua própria iniciativa, acompanhar os desenvolvimentos das diligências do encarregado da venda, bem como a demais tramitação que entretanto ocorra no processo de execução fiscal.
IV - O direito de remição, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 842º do Código de Processo Civil, pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que documenta a venda, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito.
Nº Convencional:JSTA000P28408
Nº do Documento:SA2202110270768/20
Data de Entrada:09/02/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 24-07-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou totalmente procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal apresentada por A…………, com os sinais dos autos, relativa ao pedido de remição do veículo automóvel ligeiro de passageiros BMW, de matrícula ........., pertencente à executada, sua filha.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

1- A questão controvertida prende-se com a (in)tempestividade do direito de remição exercido pela aqui Recorrida, na qualidade de mãe da executada, no âmbito da venda realizada por meio de leilão eletrónico no processo de execução fiscal nº 0094201801188011.
2- O direito de Remição nas vendas em execução fiscal é admitido pelo art. 258º do CPPT, que o reconhece nos termos previstos no Código de Processo Civil.
3- Tendo em conta os titulares do direito de remição, tal como vêm definidos no art. 842º do CPC, está-se perante um que direito visa a proteção do património familiar do executado.
4- Essa proteção está, todavia, limitada no tempo, por força do disposto no art. 843º do CPC, o qual determina, na al. do nº 1, que o direito de remição pode ser exercido: a) até à emissão do título de transmissão, ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º, nas vendas por proposta em carta fechada; b) até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nas outras modalidades de venda;
5- A possibilidade de aplicação do prazo de cinco dias previsto no nº 3 do art. 845º do CPC pressupõe que o proponente escolhido não tenha efetuado o depósito do preço, o que não se verificou, no caso.
6- Nas vendas em execução fiscal, a transmissão da propriedade dá-se com a aceitação da proposta do comprador, consubstanciada na comunicação de que o órgão da execução fiscal decide vender-lhe o bem penhorado, o que se vem a traduzir na entrega do título de transmissão.
7- Pelo que, entendendo-se, como a douta decisão recorrida, que ao leilão eletrónico em execução fiscal é aplicável o termo do prazo previsto na al. b) do nº 1 do art. 843º do CPC, deve entender-se que o mesmo ocorre com a entrega do título de transmissão ao proponente escolhido.
8- Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais, o bem é entregue ao proponente escolhido, bem como é emitido a seu favor o respetivo título de transmissão, nos termos previstos no art. 827º do CPC.
9- Conforme decorre dos factos dados por provados, no momento em que foi apresentado o requerimento para exercício do direito de remição pelo aqui Recorrida, já se encontrava pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais, bem como emitido e entregue ao proponente o respetivo título de transmissão.
10- Pelo que o direito de remição em apreço foi intempestivamente exercido.
11- A Administração Tributária não dispunha de fundamento legal para atrasar a emissão e entrega do título de transmissão, uma vez verificados os requisitos previstos no art. 827º do CPC.
12- De igual modo, não compete à Administração Tributária definir o prazo para o exercício do direito de remição. A lei expressamente contempla o momento em que tal prazo se deve dar por terminado, fazendo precludir a possibilidade do exercício do mesmo.
13- Contrariamente aos titulares do direito de preferência que são notificados do dia e hora da venda, nos termos previstos no nº 7 do art. 249º do CPPT, entendeu o legislador que a proteção dos titulares do direito de remição, por se tratar de familiares próximos do executado, se basta com a notificação da venda ao executado, a quem compete dar conhecimento da mesma aos potenciais remidores.
14- Da factualidade dada como assente consta que: Em 04/09/2020, pelos serviços da Administração Tributária foi emitido o ofício n.º 2902, dirigido à executada, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, que esta rececionou, comunicando-lhe uma nova data – o dia 21/09/2020, pelas 10h30 – para a venda do bem penhorado, donde a executada foi notificada do dia e hora da venda, cabendo-lhe dar conhecimento da mesma aos possíveis remidores.
15- A lei não contempla outra notificação aos eventuais remidores. E ainda que o serviço de finanças notificasse a executada da aceitação da proposta, o que não se encontra legalmente contemplado, daí não resultaria um alargamento do prazo para o exercício do direito de remição, na medida em que o título de transmissão foi entregue de imediato ao proponente, fazendo ocorrer o termo do prazo para o exercício daquele direito.
16- O nº 1 do art. 823º do CPC não contempla a notificação dos titulares do direito de preferência da proposta aceite, mas apenas a interpelação daqueles que se encontram presentes na venda.
17- Ainda que o serviço quisesse dar cumprimento a este normativo relativamente à remidora, a mesma não se encontrava presente no momento do encerramento do leilão.
* * *
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, requer a Vs.ª Exs.ª, seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente reclamação improcedente, como se nos afigura estar mais consentâneo com o Direito e a Justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da revogação da sentença, julgando-se a reclamação improcedente e mantendo-se o ato de indeferimento do pedido de remição na ordem jurídica, com a seguinte fundamentação:

“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Aveiro, que julgou procedente a reclamação intentada contra o ato de indeferimento do exercício do direito de remição na venda de veículo automóvel penhorado nos autos de execução fiscal.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, invocando que a sentença incorreu em erro sobre os pressupostos de direito. Para o efeito alega que «o direito de remição em crise foi exercido após terem ocorrido ambas as condições previstas nas als. a) e b) do art. 843º do CPC, o que determina em nosso entender, a intempestividade do exercício daquele direito».
Mais alega que «A Administração Tributária não dispunha de fundamento legal para atrasar a emissão e entrega do título de transmissão, e uma vez ocorrida esta entrega, fica vedada a possibilidade do exercício do direito de remição, seja pela al. a), seja pela al. b) do nº 1 do art. 843º do CPC, a menos que se verificassem as condições de aplicação do disposto no nº 3 do art. 825º do CPC, o que, pelas razões já expostas, não se verificou».
Considera igualmente que «Uma vez reunidas as condições previstas no art. 827º do CPC, impunha-se a emissão e entrega do título ao adjudicatário, o que aconteceu de imediato ao encerramento do leilão, ficando, por isso, precludida a possibilidade de exercício do direito de remição, conforme decorre do disposto no art. 843º do CPC. De resto, o nº 1 do art. 823º do CPC não prevê a notificação dos titulares do direito de preferência da aceitação da proposta, mas tão só a interpelação daqueles que se encontram presentes na data da venda».
Conclui, assim, que seja «revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a presente reclamação improcedente».
2. Para se decidir pela procedência da reclamação considerou a Mma. Juíza “a quo” que se impunha no caso concreto «…a notificação da Executada da iminente emissão do título de transmissão e entrega do bem ao adquirente, para que esta pudesse dar conhecimento aos seus familiares – neste caso à mãe – do direito de remição pelo valor da proposta apresentada/aceite» (Penúltimo parágrafo de fls. 16 da sentença.). E que para o efeito a AT está obrigada a dar «a conhecer ao executado a aceitação de uma determinada proposta, e o respetivo valor, concedendo-lhe, ainda, e mais importante, um prazo iminentemente razoável para que algum familiar possa exercer o direito de remição, ainda antes da emanação do título de transmissão» (Primeiro parágrafo de fls. 17 da sentença.).
Mais considerou o tribunal “a quo” que «no caso dos autos, além de não resultar dos mesmos que a aceitação da proposta tenha sido comunicada à Executada, a verdade é que ainda assim, o prazo concedido àquela para que algum familiar exercesse o direito de remição não se afigura razoável».
Conclui, assim, o TAF de Aveiro, que não pode a aplicação da norma que concede esse direito (de remição) obstaculizar a sua efetiva concretização. E no caso concreto, tendo a proposta do adquirente sido aceite pelas 10H30 e a assinatura do título de transmissão algumas horas depois, o órgão de execução fiscal obstou a que pelas 15H22 fosse exercido o direito de remição.
II. ANÁLISE DA QUESTÃO.
A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de direito ao ter considerado que o órgão de execução fiscal obstaculizou o exercício do direito de remição por parte da Reclamante e aqui Recorrida ao emitir e entregar ao adquirente o título de adjudicação do bem vendido em leilão eletrónico decorridas algumas horas após o fecho do leilão.
Resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida que no âmbito da execução fiscal foi penhorado um veículo automóvel pertença da filha da Reclamante e aqui recorrida, cuja venda foi realizada através de leilão eletrónico, tendo sido designado o dia 21/09/2020, pelas 10H30, para o termo do leilão, facto este que foi oportunamente comunicado à executada.
Mais resulta que tendo sido ultimada a venda e adjudicado o bem ao adquirente no referido dia, veio posteriormente, ainda nesse dia, mas posteriormente à emissão do título de adjudicação, a Reclamante/Recorrida, na qualidade de ascendente da executada, exercer o direito de remição, cujo pedido lhe foi indeferido pelo órgão de execução fiscal com base na sua intempestividade, por ter sido apresentado após a emissão do título de adjudicação.
O órgão de execução fiscal fundamentou a sua decisão na alínea b) do nº1 do artigo 843º do CPC, de aplicação subsidiária ao processo tributário, o qual dispõe que o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Como se deixou mencionado supra, o tribunal “a quo” considerou que para efeitos do exercício do direito de remição impunha-se que o órgão de execução fiscal informasse a executada da iminente emissão e entrega do título de adjudicação, sob pena de obstar ao exercício daquele direito.
Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que a razão está do lado da Recorrente. Na verdade, não só a lei não impõe as diligências que o tribunal “a quo” invoca, como se nos afigura razoável e suficiente que para o cabal exercício do direito de remição, se imponha apenas a notificação da executada da data da venda e nesta modalidade especifica do termo do leilão, o que possibilita que sejam informados os familiares desse facto e que os mesmos possam estar presentes para, querendo, exercer o seu direito de remição, como resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 6º da Portaria nº 219/2011, de 1 de junho.
Como resulta do regime legal aplicável à venda mediante propostas em carta fechada (artigo 816º e seguintes), o exercício do direito de preferência é igualmente exercido aquando da abertura das propostas, não havendo motivo para aplicação de outro regime no caso do exercício do direito de remição (cfr. nº3 do citado artigo 6º da Portaria nº 219/2011).
Assim e embora se preveja na alínea b) do nº1 do artigo 843º do CPC que o direito de remição, no caso da venda em leilão eletrónico (abrangida nas “outras modalidades de venda”), pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, o familiar do executado que pretenda exercer esse direito tem que estar presente no termo do leilão, de modo a acautelar o exercício desse direito, pois a lei não prevê qualquer outro procedimento que lhe garanta esse exercício após aquele momento.
De modo que o facto de o título de adjudicação ter sido emitido algumas horas após o ato de adjudicação, torna estéril qualquer discussão sobre “prazos razoáveis” a conceder ao remidor ou que essa conduta obsta ao exercício do direito de remição, quando é certo que esse direito devia ter sido acautelado no momento da adjudicação do bem.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de erro sobre os pressupostos de direito que lhe é assacado pela Recorrente, quando faz depender o regular exercício do direito de remição que a aceitação da proposta seja comunicada à executada e que a partir desse momento seja concedido uma prazo razoável para os seus familiares possam exercer aquele direito.
Afigura-se-nos, assim, que se impõe a revogação da sentença e em substituição se julgue a reclamação improcedente, mantendo-se o ato de indeferimento do pedido de remição na ordem jurídica.”
*

Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na sentença recorrida e com interesse para a decisão foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) Contra B…………, filha da Reclamante, pelo Serviço de Finanças da Feira-1 foi instaurado o PEF n.º 0094201801188011 por dívida de custas judiciais, no valor de €13.770,00, sobre o qual acrescem juros de mora e custas, no montante de €78,79 e €116,36, respetivamente [cfr. fls. 1 a 13 e 45 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
2) No âmbito do PEF mencionado no ponto anterior, entre outros bens, foi penhorado o veículo automóvel com a matrícula ........., da marca BMW, modelo 187, de 2008, de tipo passageiros [cfr. fls. 14 a 23 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
3) Em 05/03/2020 por despacho da Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1 foi determinada a venda do veículo automóvel penhorado, e identificado no ponto anterior, através de leilão eletrónico a ter início no dia 02/04/2020, às 10h00 e o seu fim a 17/04/2020, pelas 10h00, com o valor base a anunciar de €3.444,00 [cfr. despacho e edital/anúncio a fls. 24 e 25 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
4) Na data mencionada no ponto anterior pelos serviços da Administração Tributária foi publicado edital/anúncio, dando a conhecer a aquela venda, com o seguinte teor:

[Imagem]

[cfr. edital/anúncio e certidão de afixação a fls. 25 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
5) Ainda em 05/03/2020, e na sequência do despacho mencionado no ponto 3), pelos serviços da Administração Tributária foi emitido o ofício n.º 1155, dirigido à executada, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, que esta rececionou, comunicando-lhe que havia sido designado o dia 17/04/2020, pelas 10h30, para se proceder à venda do bem penhorado [veículo automóvel identificado no ponto 2)] [cfr. ofício, registo e AR assinado a fls. 27 a 29 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
6) Em 04/09/2020, pelos serviços da Administração Tributária foi emitido o ofício n.º 2902, dirigido à executada, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, que esta rececionou, comunicando-lhe uma nova data – o dia 21/09/2020, pelas 10h30 – para a venda do bem penhorado [veículo automóvel identificado no ponto 2)] [cfr. ofício, registo e AR assinado a fls. 30 a 32 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
7) Em 21/09/2020, pelas 10h30, o veículo automóvel penhorado e identificado no ponto 2) foi adjudicado a C…………, pelo valor de €6.500,00 (€5.284,55 mais Imposto Sobre Valor Acrescentado no montante de €1.215,45 [cfr. documento de adjudicação a fls. 33 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
8) Ainda em 21/09/2020, pelas 13h22, C………… efetuou o depósito do preço do bem que lhe foi adjudicado, no montante de €5.284,55 [cfr. comprovativo de transação a fls. 35 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
9) Também em 21/09/2020, pelas 14h08, C………… efetuou o pagamento do Imposto Sobre Valor Acrescentado devido pela adjudicação do veículo automóvel em causa, no valor de €1.215,45 [cfr. pagamento Imposto Sobre Valor Acrescentado e informação a fls. 36 e 52 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
10) Logo em seguida aos pagamentos aludidos em 8) e 9), pelos serviços da Administração Tributária foi emitido «auto de adjudicação» do veículo automóvel em causa, com a descrição do bem; com a identificação do número da venda, a data e o valor; com a identificação do adjudicatário; com a menção do depósito da totalidade do preço e do cumprimento das obrigações fiscais; auto esse assinado pelo adjudicatário, e cujo original lhe foi entregue [cfr. auto de adjudicação e a informação a fls. 38, 39, 51 52 do PEF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
11) Após a emanação do auto aludido no ponto anterior, e na mesma data, pela Chefe do Serviço de Finanças foi proferido despacho ordenando o cancelamento da penhora relativamente ao veículo com a matrícula ......... [cfr. despacho a fls. 40 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
12) Ainda, em 21/09/2020, pelas 15h22, pelo Ilustre Mandatário da Reclamante foi apresentado, junto dos serviços da Administração Tributária, um requerimento subscrito pela própria Reclamante exercendo o «Direito de Remição», relativamente «à venda do veículo automóvel marca BMW de matrícula ........., pertencente à executada sua filha B…………» [cfr. e-mail e requerimento a fls. 41 e 42 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
13) Em 22/09/2020, na sequência do requerimento aludido no ponto anterior, pelos serviços da Administração Tributária foi elaborada informação, com o seguinte teor:
«Em 21 de setembro de 2020 veio, através do requerimento que antecede, A…………, NIF ………, exercer o direito de remissão na venda 0094.2020.99, por ser ascendente da executada.
A fim de instruir os presentes autos cumpre-me informar o seguinte:
- Na data de abertura das propostas, 21-09-2020 pelas 10H30, foi o bem adjudicado a C…………, NIF ………, por ter sido o proponente com a proposta mais elevada - 6.500,00€. Na mesma data, durante a manhã, o proponente telefonou para este SF e solicitou o envio da guia para proceder ao depósito do preço de venda informando que viria levantar o auto de adjudicação da parte da tarde desse mesmo dia.
- Pelas 11H53 foi enviado mail, através da mensagem nº 3128/2020, ao proponente com a guia para efetuar o depósito do preço de venda acompanhada da declaração de não inibição. - O proponente dirigiu-se a este SF pelas 14H08, hora a que efetuou o pagamento do IVA devido pela aquisição.
- Após o pagamento do IVA e uma vez que se mostravam cumpridos todos os requisitos legais foi elaborado o auto de adjudicação bem como o despacho de cancelamento de ónus e encargos, tendo sido os mesmos entregues ao adquirente por forma a finalizar o procedimento da venda.
- Posteriormente e ainda durante a tarde do dia 21, foi entregue neste SF o requerimento que antecede, tendo sido informado ao apresentante que já havia sido emitido o auto de adjudicação e inclusive que o mesmo já tinha sido entregue ao adquirente. Em face do exposto e tendo em consideração o art.° 843° nº 1 alínea b) do CPC que dispõe que o direito de remissão pode ser exercido nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta", afigura-se não ser de atender ao requerido, porquanto o exercício desse direito foi exercido após a entrega do auto de adjudicação ao adquirente na venda judicial». [cfr. informação a fls. 51 e 52 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
14) Em 23/09/2020, pela Chefe do Serviço de Finanças da Feira-1, sobre a informação transcrita no ponto anterior foi exarado despacho, com o seguinte teor:
«A venda em análise foi realizada por leilão eletrónico. Cumpridos que foram todos os procedimentos legais (pagamento do preço, impostos inerentes e declaração de não inibição), foram emitidos e entregues ao proponente o respetivo título de adjudicação e despacho de cancelamento de ónus. O direito de remissão, referido no art.° 842° do CPC, pode ser exercido pelo cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, pelos descendentes e pelos ascendentes. Nos termos do n.º 1 alínea b) do art° 843° do mesmo diploma, o direito de remissão pode ser exercido nas outras modalidades de venda, como é o caso, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. O pedido em análise foi entregue neste serviço, depois de ter sido finalizado o procedimento de venda e entregues ao adquirente os respetivos documentos, pelo que sendo extemporâneo não pode ser atendido. Notifique-se». [cfr. despacho a fls. 50 e 51 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
15) Na mesma data mencionada no ponto anterior, pelos serviços da Administração Tributária foi emitido o ofício n.º 3206, dirigido ao Ilustre Mandatário da Reclamante, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, e que aquele rececionou em 29/09/2020, comunicando-lhe o teor do despacho transcrito no ponto anterior [cfr. ofício, registo e AR a fls. 53 a 55 do PEF a fls. 97 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
16) Em 29/09/2020, foi apresentada a presente Reclamação [cfr. fls. 1 do SITAF].
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a reclamação do acto do órgão de execução fiscal, padece de erro de julgamento, uma vez que o direito de remição foi exercido após terem ocorrido ambas as condições previstas nas als. a) (até à emissão do título de transmissão, ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º, nas vendas por proposta em carta fechada) e b) (até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nas outras modalidades de venda) do art. 843º do CPC, o que determinaria a intempestividade do exercício daquele direito, já que foi apresentado após a emissão do título de adjudicação.
Vejamos.
Patenteia-se no probatório fixado na sentença recorrida que no âmbito da execução fiscal foi penhorado um veículo automóvel pertença da filha da Reclamante e aqui recorrida, cuja venda foi realizada através de leilão electrónico, tendo sido designado o dia 21/09/2020, pelas 10H30, para o termo do leilão, facto este que foi oportunamente comunicado à executada.
Apurou-se, ainda, que a venda foi ultimada e que o bem foi adjudicado ao adquirente no referido dia e que, posteriormente mas nesse mesmo dia e após a emissão do título de adjudicação, a Reclamante/Recorrida, na qualidade de ascendente da executada, veio exercer o direito de remição, cujo pedido lhe foi indeferido pelo órgão de execução fiscal com base na sua intempestividade, por ter sido apresentado após a emissão do título de adjudicação.
O órgão de execução fiscal fundamentou a sua decisão na alínea b) do nº 1 do artigo 843º do CPC, de aplicação subsidiária ao processo tributário, o qual dispõe que o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Dissentindo, o tribunal “a quo” considerou que para efeitos do exercício do direito de remição impunha-se que o órgão de execução fiscal informasse a executada da iminente emissão e entrega do título de adjudicação, sob pena de obstar ao exercício daquele direito.
Pronunciando-se sobre o dissídio, o Ministério Público assevera que a razão está do lado da Recorrente pelas razões explanadas no seu douto parecer e que, antecipe-se, merecem o nosso acolhimento.
Quid juris?
O direito de remição, que se encontra previsto nos artigos 842º a 845º do Código de Processo Civil, consiste num direito de preferência legal, de formação processual, na medida em que visa tutelar a manutenção e a intangibilidade do património familiar, evitando, por essa via, e quando é exercido, a saída dos bens do campo do património da família do executado, muitas vezes, por razões sentimentais e memórias familiares que lhes estão associadas (cf. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, pág. 621).
E, só é deferido ao cônjuge e aos familiares referidos no artigo 842º do Código de Processo Civil, pela hierarquia estabelecida no artigo 845º do mesmo código.
Como decorre do disposto no artigo 842º do Código de Processo Civil, “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”
Porém, sendo certo que a recorrida tinha efectivamente o direito de remição na compra e venda do veículo em questão, não se encontra prevista na lei a necessidade de notificação dos familiares a que possa assistir o direito de remição, ao contrário do que sucede em relação ao direito de preferência, que se prevê a notificação nos artigos 800.º, n.º 2, e 819.º do Código de Processo Civil.
Já Alberto dos Reis in Processo de execução, vol. 2.º, reimpressão, pág. 483 afirmava que “ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal”. Também Anselmo de Castro in A acção executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, pág. 226, assinalava que “o remidor não é notificado para o exercício do seu direito”. Também esclarecia Eurico Lopes-Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª ed., págs. 613 e 614, (referência histórica que igualmente se encontra em Alberto dos Reis, loc. cit.) só no tempo das Ordenações, quando o direito de remição era atribuído ao próprio executado e à mulher, estes eram citados para exercer esse direito, tendo essa citação sido eliminada com o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832, não voltando a constar dos textos legais.»
No concernente ao exercício do direito de remição, prescreve-se no n.º 1 do artigo 843º do Código de Processo Civil que o direito de remição pode ser exercido:
“a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.”
E, acrescenta-se no n.º2:
“Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.”
Por conseguinte, nas alíneas do n.º1 fixa a lei os momentos até aos quais pode ser exercido o direito de remição, ocorrendo que na venda por propostas em carta fechada, o direito pode ser exercido até à emissão do título de transmissão de bens para o proponente ou no prazo previsto no n.º 3 do artigo 825º do Código de Processo Civil e “No que tange às outras modalidades da venda, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta. Ou seja, tratando-se de bens móveis, até ao momento material de entrega, pelo agente de execução ao adquirente; tratando-se de imóveis até ao momento da assinatura do título formal (o título de transmissão – vide n.º 1 do artigo 827º) que documenta essa venda – escritura pública por força da regra prevista no artigo 875º do CC.” (cf. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, Almedina 2017, 2ª edição pág. 529).
No caso dos autos a venda do veículo automóvel penhorado e identificado nos autos foi vendido através de leilão electrónico e, depois de o proponente proceder ao depósito do preço de venda e efectuado o pagamento do IVA devido pela aquisição, foi elaborado o auto de adjudicação bem como o despacho de cancelamento de ónus e encargos, tendo sido os mesmos entregues ao adquirente por forma a finalizar o procedimento da venda. E só posteriormente e ainda durante a tarde do mesmo dia, é que foi entregue no SF o requerimento de remição.
Ora, em face da modalidade da venda escolhida, a titular do direito de remição podia exercer o seu direito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 843º do Código de Processo Civil, depositando integralmente o preço no momento da remição, sendo o depósito condição de validade do exercício do direito.
Deste modo, e estando em causa bem móvel o direito de remição tinha que ser exercido até ao momento material de entrega, pelo agente de execução ao adquirente, procedendo ao depósito integral do preço no momento da remição.
Ora, tendo a recorrida apresentado o pedido de remição limitando-se a afirmar a intenção de exercer o direito, depois de ter sido finalizado o procedimento de venda e entregues ao adquirente os respectivos documentos e sem que haja procedido ao depósito do preço, é manifesto que não exerceu validamente o direito de remição, tanto mais que, como se levou ao ponto 6) do probatório, em 04/09/2020, pelos serviços da Administração Tributária foi emitido um ofício, dirigido à executada, e que lhe foi remetido por via postal registada com AR, que esta recepcionou, comunicando-lhe a data – o dia 21/09/2020, pelas 10h30 – para a venda do bem penhorado.
Significa que, como enfatiza o Ministério Público no seu douto Parecer, não obstante se preveja na alínea b) do nº 1 do artigo 843º do CPC que o direito de remição, no caso da venda em leilão electrónico (abrangida nas “outras modalidades de venda”), pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, o familiar do executado que pretendia exercer esse direito tem que estar presente no termo do leilão, de modo a acautelar o exercício desse direito, pois a lei não prevê qualquer outro procedimento que lhe garanta esse exercício após aquele momento.
Assim o facto de o título de adjudicação ter sido emitido algumas horas após o acto de adjudicação, torna estéril qualquer discussão sobre “prazos razoáveis” a conceder ao remidor ou que essa conduta obsta ao exercício do direito de remição, quando é certo que esse direito devia ter sido acautelado no momento da adjudicação do bem.
Em reforço dessa tese, pontifica a doutrina plasmada no Acórdão deste STA de 05-02-2015, Processo nº 0748/14, consultável em www.dgsi.pt do qual se extracta, de modo adaptativo, o seguinte boco fundamentador:
“(…)
A obrigatoriedade de notificação do executado e do titular do direito de remição, da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora da marcação da venda judicial, não encontra abrigo na lei vigente à data dos factos -Código Processo Civil e artigo 252º do CPPT-, sendo certo que a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido unânime em reafirmar essa mesma não obrigatoriedade, fazendo recair sobre o executado e sobre o titular do direito de remição o dever de, eles próprios, se inteirarem, junto do encarregado da venda e do respectivo processo de execução, da tramitação levada a efeito respeitante à concretização da venda, cfr. entre outros os acórdãos do STJ, datados de 10/12/2009 e de 13/09/2012, respectivamente, recursos n.ºs 321-B-1997.S1 e 4595/10.2TBBRG.G1.S1.
Enquanto que o CPC, aplicável subsidiariamente ao processo de execução fiscal, impunha, como regra, a notificação ao exequente, ao executado e credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, do despacho ou decisão que determinasse a modalidade da venda e fixasse o valor base dos bens a vender, cfr. artigo 886º-A, n.ºs. 1 e 4, do CPC, já não impunha que o executado fosse notificado das diligências e do resultado dessas diligências tendentes à venda do bem ou bens, cfr. artigo 905º, no caso da realização da venda por negociação particular.
A propósito desta questão, escreveu-se no primeiro daqueles acórdãos referidos: “Não existindo regime especial nas normas que regem a acção executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229º: ora, da aplicação deste regime decorre que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada: é que, ao contrário do sustentado pelos recorridos, o executado não tem o direito de assistir e estar presente ao acto de outorga na escritura de venda, nem tem qualquer direito processual a pronunciar-se especificamente sobre as diligências práticas que visam permitir a realização do negócio, sem qualquer inovação relativamente aos seus elementos essenciais, já precedentemente definidos…”.
Portanto, aquela notificação que deu conhecimento ao executado da modalidade da venda que seria prosseguida, por impossibilidade de se realizar a venda por propostas em carta fechada, fixava o momento próprio em que o executado poderia reagir contra a venda assim determinada, não o fazendo, como não fez, mais nenhuma notificação teria que lhe ser dirigida no respeitante a essa venda, a não ser, naturalmente, a de que o bem já havia sido vendido (o que veio a acontecer como resulta do ponto 18. do probatório) ou de que também essa modalidade da venda se havia frustrado.
Podemos, assim, concluir que o recorrente se insurge, sem fundamento legal, contra a não notificação dos actos conducentes à concretização da venda, uma vez que posteriormente à notificação a que se refere o ponto 18. do probatório, incumbia-lhe a ele, e por sua própria iniciativa, acompanhar os posteriores desenvolvimentos das diligências do encarregado da venda, bem como a demais tramitação que entretanto ocorresse no processo de execução fiscal.
E o mesmo se diga quanto à titular do direito de remição.
Dispunha à data o artigo 258º do CPPT, que o direito de remição é reconhecido nos termos previstos no Código de Processo Civil, sendo por isso aplicável o disposto nos artigos 912º a 915º deste último Código.
Em nenhum destes preceitos legais se encontra a mais breve referência, que seja, à obrigatoriedade de notificação do titular do direito de remição para que se apresente em juízo a exercer o seu direito.
Muito pelo contrário, como é profusamente explicado nos dois acórdãos acima referenciados: “Importa, por outro lado, clarificar liminarmente a posição e o estatuto processual do titular do direito de remição face à acção executiva em que são alienados os bens que dele constituem objecto: na verdade, o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, pag.621). Por outro lado, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal, por força do preceituado no art.892º (cfr. Autor e ob. cit. pag. 624).
Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito: a concordância de interesses entre os familiares atingidos patrimonialmente pela execução permite compreender a solução legal, particularmente no que se refere à dispensa de notificação pessoal dos possíveis remidores para exercerem, querendo, o seu direito visando a manutenção da integridade do património familiar.
Na verdade, sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele, desde logo, encabeçado, - e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou justificadamente o legislador que se não impunha complicar e embaraçar a normal tramitação da execução com a averiguação da possível existência de familiares próximos do executado e as diligências tendentes a permitirem a sua localização, com vista a notificá-los pessoalmente para o eventual exercício da remição: cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo legitimamente depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.
Note-se que, apesar de o remidor não ser parte, beneficia, quanto às condições procedimentais do exercício do direito que lhe assiste, da tutela conferida pelo art. 20º da Constituição, não podendo ser-lhe criados ónus ou obstáculos desproporcionados à efectivação da pretendida aquisição dos bens familiares: assim, no Ac. nº 277/07, o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio do processo equitativo, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação da norma do n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, segundo a qual só se considera validamente exercido o direito de remição, por um descendente do executado, no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite.
No que respeita à tempestividade do exercício do direito de remição, defrontamo-nos com dois valores ou interesses antagónicos, ambos susceptíveis de tutela constitucional: por um lado, o direito do remidor em não ser arbitrariamente privado da possibilidade de salvaguarda e manutenção do património familiar, através da criação de regimes procedimentais desproporcionadamente preclusivos ou limitativos – e como tal violadores do art. 20º da Constituição; por outro lado, a expectativa legítima do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada, através e um exercício inadmissivelmente tardio e abusivo do direito do remidor, susceptível de ofender o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.”.
Daqui resulta, assim, que o exercício atempado do direito de remição também depende da diligência com que o executado actua perante a execução e os actos aí desenvolvidos e que, necessariamente, lhe são prejudiciais.
Não se tendo provado que o recorrente tenha actuado diligentemente, quer junto do processo de execução e do encarregado da venda, acompanhando as suas diligências, quer junto do titular do direito de remição, informando-o convenientemente para a possibilidade do exercício desse seu direito de forma atempada, nem que a recorrente, por si ou por intermédio de representante, alguma vez tenha efectivamente demonstrado no próprio processo de execução que pretendia exercer o seu direito, apresentando em qualquer altura, em momento anterior ao da venda e/ou dentro dos prazos legalmente previstos para o exercício do seu direito, requerimento onde demonstrasse de forma inequívoca a intenção do exercício do direito, teremos que concluir pela total improcedência das suas pretensões.”
Por esse prisma, é forçoso concluir que a sentença recorrida enferma do vício de erro sobre os pressupostos de direito que lhe é exprobrado pela Recorrente, quando faz depender o regular exercício do direito de remição que a aceitação da proposta seja comunicada à executada e que a partir desse momento seja concedido uma prazo razoável para os seus familiares possam exercer aquele direito.
Impõe-se, pois, por via da procedência do presente recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente, mantendo-se o ato de indeferimento do pedido de remição na ordem jurídica.


*
3. Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a reclamação improcedente, mantendo-se o ato de indeferimento do pedido de remição na ordem jurídica.

Custas a cargo da recorrida.

*

Lisboa, 27 de Outubro de 2021

José Gomes Correia (Relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.