Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0213/14
Data do Acordão:04/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DÍVIDA FISCAL
RESPONSABILIDADE
CÔNJUGE
PENHORA
PARTILHA
BENS COMUNS DO CASAL
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE BENS
Sumário:Notificado o cônjuge do executado não responsável pela dívida exequenda para requerer a separação judicial de bens no prazo de 30 dias e se este em vez de intentar o pedido nos tribunais comuns ou de família se dirigiu à conservatória do registo civil e cartório notarial efectuando uma partilha amigável, à revelia da exequente Fazenda Pública, não estão verificados os pressupostos para o levantamento da penhora devidamente registada em momento muito anterior da fracção autónoma que foi a casa de morada da família partilhada no referido acto notarial a favor do cônjuge do executado.
Nº Convencional:JSTA00068638
Nº do Documento:SA2201404020213
Data de Entrada:02/21/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART149 ART150 ART220.
CPC13 ART740 N1 N7.
CCIV66 ART1404 - ART1406 ART1770.
ETAF02 ART26 B.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01959/13 DE 2014/01/29.; AC STJ PROC04B584.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED 2011.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…….., no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3522200301812670, e apensos, deduziu reclamação do despacho proferido em 03.06.2013, que indeferiu o pedido de levantamento da penhora que incide sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrito na matriz predial da Freguesia de …….. sob o artigo n.º 2154.

Por sentença de 31 de Outubro de 2013, o TAF de Sintra, julgou a reclamação totalmente improcedente, mantendo o despacho reclamado.
Reagiu a ora recorrente A…….., interpondo o presente recurso cujas alegações integram as seguintes conclusões:
1.ª - A ora Recorrente foi citada, no processo de execução fiscal n.º 3522.2003.01 812670 e aps., na qualidade de responsável subsidiária da dívida tributária imputada à devedora originária B…….., Lda.

2ª - Irresignada com tal decisão e por nunca ter sido gerente de facto daquela sociedade, apresentou, no prazo legal a sua Oposição à Execução Fiscal, remetendo-a ao S.F. de Oeiras-3 por ser o serviço local da área da sede da devedora originária.


3.ª - Aquela Oposição à Execução Fiscal, até hoje, que a Recorrente saiba, ainda não foi remetida ao Tribunal Tributário competente, pese embora o pedido da Recorrente para tal efeito.

4.ª - Entretanto o S.F. de Oeiras-3 proferiu uma informação no citado processo de execução fiscal em que revogava a sua decisão plasmada na reversão da execução contra a Recorrente.

5.ª - No seguimento do despacho proferido e identificado em 4) que era a informação a que se refere o Artº 208.º, n.º 1 do CPPT, deveria ter ordenado a remessa dos autos de Oposição à Execução Fiscal ao tribunal para efeitos de prolação da respectiva sentença... o que não fez.

6.ª - Em vez disso e considerando que se tratava de uma informação definitiva e executória, o que não é o caso, ordenou a citação da Recorrente para dar cumprimento à separação judicial de bens, a que se refere o Artº 220.º do CPPT.

7.ª - Ora tal citação é uma decisão administrativa totalmente intempestiva e extemporânea, já que deveria aguardar pela decisão judicial de mérito ou de forma a proferir no processo de Oposição à Execução Fiscal e só após aquela sentença deveria dar cumprimento ao comando estatuído no Art.º 220.º do CPPT.

8.ª - Sem prejuízo da separação judicial de bens a que se refere o Art.º 220.º do CPPT poder estar também ao alcance de outros serviços públicos, com competência para os mesmos efeitos, o que a Recorrente fez no prazo legal, com a subsequente partilha do bem do ex-casal através de uma escritura de partilha extrajudicial, cujos efeitos e requisitos são os mesmos.

9.ª - Mas tendo em conta que a Recorrente e o seu marido procederam, dentro do prazo legal estipulado no Art.º 220.º do CPPT, à separação judicial de pessoas e bens, com a subsequente e respectiva partilha notarial, processo este que não foi aceite pelo S.F. de Oeiras-3, por no seu entender, não ser o apropriado e o previsto na lei, então sempre lhe caberia, em prazo a conceder, ordenar à Recorrente que recorresse aos meios judiciais (tribunal comum) próprios para tal efeito.

10.ª - Dando assim cumprimento aos princípios legais que enformam o processo civil e o processo tributário, tais como o princípio da cooperação, o princípio da colaboração, o princípio da economia processual, o princípio da boa-fé e acima de tudo, do princípio da adequação formal.

11.ª - Por fim acresce que a comunicação remetida à Recorrente informando-a de que o meio utilizado para obter a sua separação judicial de bens era inadequado à face da lei, é uma comunicação inválida, já que provém de alguém que não é o órgão de execução fiscal competente para o acto, a qual não é acompanhada de que a autora tem poderes e competências para o efeito... não produzindo consequentemente quaisquer efeitos legais.

12.ª - Daí que a decisão recorrida deva ser revogada.

Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele ser revogada a decisão recorrida. Como é de justiça

Não houve contra-alegações.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 98 e seguintes, que julgou improcedente a reclamação apresentada contra a decisão do órgão de execução fiscal, que indeferiu o pedido de levantamento da penhora que incidiu sobre bem comum do casal insurgindo-se contra a mesma, por no seu entender terem sido mal decididas ou ajuizadas as questões que haviam sido submetidas à apreciação do tribunal “a quo”.
Para o efeito alega que os actos praticados na execução fiscal relativos à sua citação para requerer a separação judicial de pessoas e bens e à notificação de que o processo de separação de bens por mutuo consentimento era inadequado são inválidos. Mas ainda que tal entendimento fosse o correcto, sempre o órgão de execução fiscal lhe devia ter concedido prazo para que recorresse aos meios judiciais próprios para tal efeito.
Considera, assim, que a decisão recorrida deve ser revogada, por assim não o ter entendido.

2. Na sentença recorrida deu-se como assente que em 24/05/2010 foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrita na matriz sob o artigo nº 2154, pertença do executado e da Recorrente, os quais eram casados no regime de comunhão de adquiridos. Na sequência dessa penhora a Recorrente foi notificada em 17/04/2013 para no prazo de 30 dias requerer a separação judicial de bens, sob pena de a execução prosseguir a sua tramitação normal. E em 07/05/2013 foi decretada a separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, em cujo acordo foi atribuída à Recorrente o imóvel em causa, a título de casa de morada de família.
Mais consta como assente que em 14/05/2013 a Recorrente pediu o levantamento da penhora, o qual foi indeferido por despacho do senhor chefe de finanças de 03/06/2013; E que em 09/07/2013 foi instaurado o “processo de inventário para partilha de bens em casos especiais”, que corre termos no 3º juízo de competência cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras.
Consta igualmente do probatório que a execução fiscal foi igualmente revertida contra a reclamante, mas esta deduziu oposição, a qual foi julgada procedente em 1ª instância.

3. Pese embora a imprecisão da pretensão formulada pela Recorrente e do vício ou vícios que a mesma assaca à sentença recorrida, afigura-se-nos que a mesma se insurge contra os termos como na sentença recorrida foi interpretada e aplicada a disposição legal do artigo 220º do CFPT, e na medida em que deu cobertura ao indeferimento do pedido de levantamento da penhora realizada no processo de execução fiscal e que atingiu um bem comum do casal.
Por um lado porque no seu entendimento esta disposição legal não foi correctamente accionada pelo órgão de execução fiscal, uma vez que ainda não fora decidida a oposição que havia deduzido e nessa medida era extemporânea. E por outro porque entende que a separação de bens por mutuo consentimento que levou a cabo junto da Conservatória de Registo Civil é o meio adequado para poder reivindicar no processo de execução fiscal a titularidade do bem objecto de penhora que lhe foi adjudicado, com o consequente levantamento da penhora, e que lhe foi negado pelo órgão de execução fiscal. E como assim não o entendeu o tribunal “a quo”, que deu respaldo àquela decisão, constitui o fundamento da sua discordância.

3. QUESTÃO PRÉVIA:
Pese embora a Recorrente ao insurgir-se contra a sentença recorrida suscite a apreciação de várias questões, que já havia apresentado na sua reclamação dirigida ao tribunal de 1ª instância e que no seu entender foram incorrectamente apreciadas, não podemos deixar de concluir que a questão essencial se prende com a legalidade da decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de levantamento da penhora incidente sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrita na matriz sob o artigo nº 2154 e que constituía o objecto da reclamação.
Ora sobre esta decisão o Mmo. Juiz limitou a levar ao probatório o seguinte:
“Em 3 de Junho de 2013 a chefe do serviço de finanças proferiu despacho indeferindo o pedido de levantamento da penhora”.
Tendo a reclamação por objecto a legalidade da referida decisão, temos que concluir que a sentença recorrida padece de manifesta insuficiência da matéria de facto, uma vez que se toma inviável tecer qualquer consideração sobre a legalidade do acto sindicado — decisão de indeferimento - se não se conhece o seu conteúdo.
Por outro lado na conclusão 9ª das suas conclusões a Recorrente alega que “procederam, dentro do prazo legal, . . . à separação judicial de pessoas e bens, com a subsequente e respectiva partilha notarial…”
Todavia na sentença recorrida não foi levado ao probatório qualquer elemento relativo à partilha notarial dos bens efectuada na sequência do decretamento da separação de pessoas e bens por mútuo consentimento, de forma a aferir do fundamento do pedido de levantamento da penhora.
Tais elementos mostram-se indispensáveis para aferir da legalidade do acto de indeferimento do levantamento da penhora.
Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de manifesta insuficiência da matéria de facto para efeitos de conhecimento da questão de direito colocada a este tribunal e nessa medida deve ser revogada, determinando-se a baixa dos autos à P instância para ampliação da matéria de facto em consonância.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
1. A Administração Fiscal instaurou contra a Sociedade B…….., Lda. o processo de execução fiscal n.º 3522200301812670, e apensos, que tramita pelo Serviço de Finanças de Oeiras-3, para cobrança de dívidas de IVA e IRS retido na fonte;
2. O processo de execução fiscal referido em 1. reverteu contra C……..;
3. O Executado por reversão, referido em 2., era casado com a ora Reclamante;
4. Em 24.05.2010, no âmbito dos presentes autos de execução, foi penhorado o seguinte bem comum do casal:
• Fracção Autónoma designada pela letra “B”, que corresponde ao andar menos um, duplex direito, do prédio urbano sito na Rua ……., ……, em ……., Concelho de Oeiras, inscrito na matriz predial da Freguesia de …….. sob o artigo n.º 2154;
5. À data da penhora o regime de bens que vigorava entre o casal era o da comunhão de bens adquiridos;
6. O processo de execução fiscal aqui em questão reverteu, também, contra a ora Reclamante, na qualidade de gerente da executada originária;
7. Na sequência da reversão a ora Reclamante deduziu oposição à execução fiscal, a qual veio a ser julgada procedente em 1ª instância;
8. Em 17 de Abril de 2013, e no âmbito da reversão efectuada contra C…….., marido da ora Reclamante, foi pelo Órgão da Execução Fiscal comunicado a esta, que dispunha do prazo de 30 dias para requerer a separação judicial de bens, sob pena de a execução fiscal prosseguir a sua normal tramitação;
9. Em 7 de Maio de 2013 foi pela Adjunta da Conservatória do Registo Civil de Lisboa preferida decisão decretando a separação de pessoas e bens, por mútuo consentimento, entre C……., e A………;
10. Na decisão antes referida foi homologado o acordo sobre a atribuição da casa de morada de família, “apenas no que diz respeito ao seu uso e ocupação”, sendo o mesmo atribuído à ora Reclamante;
11. A casa de morada de família corresponde ao imóvel penhorado nos presentes autos;
12. Em 14 de Maio de 2013 a ora Reclamante informou o órgão de Execução Fiscal de que havia procedido à separação de bens e requereu o levantamento da penhora da Fracção identificada em 4.;
13. Em 3 de Junho de 2013 a Chefe do Serviço de Finanças proferiu despacho indeferindo o pedido de levantamento da penhora;
14. O despacho foi comunicado à ora Reclamante através do ofício n.º 004562, de 03.06.2013, subscrito pela Chefe de Finanças Adjunta ……….;
15. Em 9 de Julho de 2013 a ora Reclamante e o seu marido deduziram “processo de inventário para partilha de bens em casos especiais” (processo n.º 4550/13.0TBOER), que tramita pelo 1º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras.

3 – DO DIREITO

O meritíssimo juiz do TAF de Sintra julgou a reclamação totalmente improcedente, mantendo o despacho reclamado, por entender que: (destacam-se os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso).
“A………, com os demais sinais dos autos, que aqui se dão por reproduzidos, veio nos termos do artigo 276.º do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3522200301812670, e apensos, deduzir reclamação do despacho proferido em 03.06.2013, que indeferiu o pedido de levantamento da penhora que incide sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, que corresponde ao andar menos um, duplex direito, do prédio urbano sito na Rua ……., ………, em ……., Concelho de Oeiras, inscrito na matriz predial da Freguesia de …….. sob o artigo n.º 2154.

Alega, em síntese, a incompetência do autor do acto reclamado, a extemporaneidade da decisão por se encontrar pendente oposição à execução fiscal, a errada interpretação do artigo 220.º do CPPT, e ainda, que, tendo requerido, extrajudicialmente, a separação de pessoas e bens, por mutuo consentimento, deveria o Órgão de Execução Fiscal, proferindo despacho de aperfeiçoamento, ter convidado a Reclamante a dar cumprimento ao disposto no artigo 220.º do CPPT.

Termina pedindo a revogação do despacho reclamado.

O Órgão de Execução Fiscal manteve o acto reclamado, tendo os autos sido remetidos ao tribunal.
A Fazenda Pública foi notificada para contestar, vindo a fazê-lo pela forma constante do articulado de fls. 76 e seguintes, pugnando pela improcedência da reclamação.
Os autos foram com vista à Digna Magistrada do M.P., que emitiu o douto Parecer de fls. 93 a 96, pronunciando-se pela improcedência da reclamação.
Cumpre, agora, decidir:
(…)

Factos provados
(…)

As questões a decidir consistem em saber:

1. Se o autor do acto era incompetente para a respectiva prática;

2. Se a decisão reclamada se revela extemporânea por se encontrar pendente oposição à execução fiscal;

3. Se, se verifica a errada interpretação do artigo 220.º do CPPT no que se refere à exigência de separação judicial de bens;

4. Se tendo sido requerida, extrajudicialmente, a separação de pessoas e bens, por mutuo consentimento, deveria o Órgão de Execução Fiscal, ter proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a Reclamante a dar cumprimento ao disposto no artigo 220.º do CPPT.

Vejamos, então:
1.
Conforme resulta da factualidade provada, o acto reclamado, concretamente, o despacho proferido em 3 de Junho de 2013, foi praticado pela Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras — 3, no uso de competências próprias (art. 149.º do CPPT).
Resulta, igualmente, do probatório, que a notificação que foi endereçada à Reclamante, pela qual lhe era comunicada a decisão foi subscrita pela Adjunta da Chefe de Finanças.
Ora, como tem sido jurisprudencialmente entendido, os vícios que, eventualmente, afectem a notificação, não invalidam o acto notificado, gerando, quanto muito, a ineficácia dessa notificação.
De todo o modo, se bem se entende a argumentação da Reclamante, esta funda a pretensão invalidante do acto no facto de este, em seu entender, haver sido praticado pela Adjunta da Chefe de Finanças e não pela própria Chefe do Serviço de Finanças, o que, como se viu, não sucedeu.
Assim, não assiste razão à Reclamante nesta questão.

2.
No que à questão da extemporaneidade concerne, diga-se, desde já, que também aqui não lhe assiste razão.
Com efeito, como se evidencia dos autos de execução, o processo de oposição à execução fiscal a que a Reclamante alude constituiu meio de reação à reversão contra si efectuada no intuito de a responsabilizar subsidiariamente pela dívida exequenda, pelo pretenso exercício das funções de gerente na executada originária.
Por seu turno, a citação nos termos do artigo 220.º do CPPT, e que está aqui em questão, foi efectuada na qualidade de cônjuge do executado/revertido, pelo que, como bem refere a EMMP no seu douto parecer, “não tem qualquer fundamento legal, que o prazo para requerer a separação judicial de bens só se inicie após o trânsito em julgado da decisão sobre a oposição deduzida”.
De facto, questões relacionadas com a não responsabilidade subsidiária da Reclamante, em discussão na oposição, em nada contendem com o andamento do processo se o que está em causa é a responsabilidade do cônjuge (cfr. art. 220.º do CPPT).

3.
Quanto à errada interpretação do artigo 220º do CPPT, no que se refere à exigência de separação judicial de bens.

Estabelece o preceito em causa, que:

Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se, se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais”.

(sublinhado nosso)

Atento o estatuído no preceito, constata-se que a suspensão da execução, no que concerne à penhora de bens comuns, tem por pressuposto que o cônjuge do executado requeira a separação judicial de bens, no prazo fixado.

Ora, para a efectivação deste pressuposto a norma em apreço deve ser interpretada de harmonia com o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 825.º do CPC (actual artigo 740.º n.º 1), ou seja, a certificação da pendência da acção.

A propósito, refere o Exmo. Juiz Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 2011:
A separação de bens é requerida no tribunal comum (tribunal de competência genérica ou tribunal de família, se existir) e não no tribunal tributário, pois não é um incidente do processo de execução fiscal, sendo, antes, concretizada através de um meio processual especial, o inventário previsto nos arts. 1404.º a 1406.º do CPC, cuja decisão tem efeitos globais no património dos cônjuges, alterando o regime de bens do casamento, nos termos do artº 1770.º do CC”.

Ora, a Reclamante, tendo optado pela separação extrajudicial de bens, não cumpriu o pressuposto definido pelo artigo 220.º do CPPT, dentro do prazo ali estabelecido, não relevando, para o efeito, ter despoletado a separação judicial de bens já na pendência da presente reclamação, por, como é evidente, não ter observado o prazo de que dispunha para o efeito.

4.
Quanto a saber se o Órgão de Execução Fiscal deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a Reclamante a dar cumprimento ao disposto no artigo 220.º do CPPT, temos para nós que a resposta terá de ser negativa.

Com efeito, a separação judicial de bens é um direito que assiste ao cônjuge do executado, ficando na sua disponibilidade exercê-lo, ou não.

Aliás, como anteriormente se deixou expresso, o comando legal é imperativo no que concerne à modalidade de separação de bens e, tendo a Reclamante dele sido informada através da notificação que lhe foi endereçada para o efeito, não caberia ao órgão de Execução Fiscal proferir qualquer despacho de aperfeiçoamento pois não se está em presença de qualquer articulado deficientemente formulado, mas sim, perante o não exercício de um direito, como se referiu.

Assim, constatando-se que o acto reclamado se mostra válido, e sem necessidade de outras considerações, não resta senão julgar a presente reclamação inteiramente improcedente.

Decisão
Termos em que, com os fundamentos expostos, se julga a presente reclamação totalmente improcedente, e em consequência, se mantém o despacho reclamado.”

DECIDINDO NESTE STA:

Nos presentes autos discute-se o acerto da decisão do TAF de Sintra que considerou legal o despacho de 3 de Junho de 2013, de indeferimento do pedido de levantamento de penhora, no âmbito do processo de execução fiscal nº 3522200301812670 e apensos, com trâmite no Serviço de Finanças de Oeiras – 3, que incide sobre fracção autónoma, bem comum do casal C…….. revertido no processo acima referido e A…… ora recorrente.

DA QUESTÃO PRÉVIA SUSCITADA
O EMMP neste Supremo Tribunal levantou a questão da insuficiência da matéria de facto fixada pelo tribunal a quo. Não obstante, entendemos que prendendo-se a questão essencial com a legalidade da decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de levantamento da penhora incidente sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, inscrita na matriz sob o artigo nº 2154 da freguesia de ………. e que constituía o objecto da reclamação o conteúdo de tal decisão se alcança facilmente dos autos, sendo patente que a razão de ser do indeferimento do levantamento da penhora da fracção adjudicada à ora recorrente reside na forma (amigável e não judicial) como foi efectuada a separação de pessoas e bens. Assim e ainda que este STA como tribunal de revista, tenha os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito (artº 26º al. b) do ETAF) uma vez que a decisão recorrida não é omissa quanto à fixação de factos relevantes para a solução jurídica adequada, entende este Supremo Tribunal ter competência hierárquica e poder conhecer do recurso não obstante as pertinentes observações do Mº Pº quanto a alguma “insuficiência”/perfeição da matéria de facto fixada.

Apreciando o mérito do recurso:
A recorrente nas suas conclusões de recurso insurge-se por ter sido citada para requerer a separação judicial de bens e contra a forma como na sentença recorrida foi interpretada e aplicada a disposição legal do artigo 220º do CPPT. Por um lado, porque no seu entendimento esta disposição legal não foi correctamente accionada pelo órgão de execução fiscal, uma vez que alega ainda não fora decidida a oposição que havia deduzido e nessa medida era extemporânea. E por outro, porque entende que a separação de bens por mutuo consentimento que levou a cabo junto da Conservatória de Registo Civil é também meio adequado para poder reivindicar no processo de execução fiscal a titularidade do bem objecto de penhora que lhe foi adjudicado, com o consequente levantamento da penhora, e que lhe foi negado pelo órgão de execução fiscal.

Vejamos, o direito sempre na consideração de que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões:

O artigo 220º do CPPT, no que se refere à exigência de separação judicial de bens estabelece que:
Na execução para cobrança de coima fiscal ou com fundamento em responsabilidade tributária exclusiva de um dos cônjuges, podem ser imediatamente penhorados bens comuns, devendo, neste caso, citar-se o outro cônjuge para requerer a separação judicial de bens, prosseguindo a execução sobre os bens penhorados se a separação não for requerida no prazo de 30 dias ou se, se suspender a instância por inércia ou negligência do requerente em promover os seus termos processuais”.

Não há dúvida de que a suspensão da execução, nos casos referidos no artº 220º do CPPT no que concerne à penhora de bens comuns, tem por pressuposto que o cônjuge do executado requeira a separação judicial (sublinhado nosso) de bens, no prazo definido na lei.

E, para a efectivação deste pressuposto a norma em apreço deve ser interpretada de harmonia com o disposto no artigo 740.º n.º 1 do CPC, ou seja, a certificação da pendência da acção.

A propósito, refere o Exmo. Juiz Conselheiro, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 2011:
A separação de bens é requerida no tribunal comum (tribunal de competência genérica ou tribunal de família, se existir) e não no tribunal tributário, pois não é um incidente do processo de execução fiscal, sendo, antes, concretizada através de um meio processual especial, o inventário previsto nos arts. 1404.º a 1406.º do CPC, cuja decisão tem efeitos globais no património dos cônjuges, alterando o regime de bens do casamento, nos termos do artº 1770.º do CC”.

No caso a ora recorrente optou pela separação extrajudicial de bens o que vem fixado no probatório em 9) a 11).

Cura-se agora de saber se, com tais actos cumpriu ou não o pressuposto definido pelo artigo 220.º do CPPT, dentro do prazo ali estabelecido ou se ocorrem outras circunstâncias capazes de conduzir ao que pretende, ao levantamento da penhora sobre a fracção que era a casa de morada do casal e que ficou para si através de partilha notarial.

Na óptica da sentença recorrida tal pressuposto não foi cumprido porque não foi requerida uma separação judicial de pessoas e bens nos tribunais comuns no prazo de 30 dias após a citação da ora recorrente sendo insuficiente para o preenchimento de tal pressuposto a efectivação da separação amigável na Conservatória do Registo Civil de pessoas e acordo quanto à utilização da casa de morada do casal (com subsequente divisão no Cartório Notarial no que ao único bem imóvel comum do casal diz respeito).

Contra este entendimento se insurge a recorrente com o argumento principal de que procederam, dentro do prazo legal estipulado no art.º 220.º do CPPT, à separação de pessoas e bens, com a subsequente e respectiva partilha notarial. Mais referem que se este não era o processo apropriado e o previsto na lei, então sempre lhes deveria ter sido concedido prazo para que recorressem aos meios judiciais (tribunal comum) próprios para tal efeito, dando assim cumprimento aos princípios legais que enformam o processo civil e o processo tributário, tais como o princípio da cooperação, o princípio da colaboração, o princípio da economia processual, o princípio da boa-fé e acima de tudo, do princípio da adequação formal. Refere ainda a incompetência do órgão de execução fiscal para o acto (conclusão 11ª).
Vejamos:

Cremos que ocorre alguma imprecisão na explanação das alegações/fundamentos do presente recurso.

Todas as questões atinentes ao desenvolvimento da oposição deduzida pela ora recorrente em reacção ao despacho de reversão que contra si foi dirigido e que na sua óptica seriam impeditivas da notificação que lhe foi efectuada para efectuar a separação judicial de bens são irrelevantes para a decisão do presente pleito que consiste em saber se está correcto o despacho que manteve a penhora da fracção autónoma em causa, para o que, indubitavelmente, é competente o Sr. Chefe do Serviço de Finanças onde corre a execução fiscal nº 3522200301812670. É que, por um lado o despacho de reversão foi revogado e extinta a reversão, como decorre da informação que consta dos autos a fls. 63 vº prestada pela Autoridade Tributária e, do probatório da sentença recorrida constam os pontos 7 e 8 cujo conteúdo, supra destacado é, respectivamente o seguinte:
7. Na sequência da reversão a ora Reclamante deduziu oposição à execução fiscal, a qual veio a ser julgada procedente em 1ª instância;
8. “Em 17 de Abril de 2013, e no âmbito da reversão efectuada contra C……, marido da ora Reclamante, foi pelo Órgão da Execução Fiscal comunicado a esta, que dispunha do prazo de 30 dias para requerer a separação judicial de bens, sob pena de a execução fiscal prosseguir a sua normal tramitação;

Ou seja, está claramente patenteada nos autos a razão de ser da notificação operada à ora recorrente para requerer a referida separação.
É que, tendo esta obtido ganho na oposição que deduziu após ter sido citada segunda vez (porque obtivera uma decisão judicial em 05/01/2012, que anulou a citação que lhe tinha sido efectuada em 16/04/2010 no processo executivo supra mencionado, proferida na reclamação 637/11.2BESNT - a cópia da sentença consta do processo administrativo apenso – e, uma vez que subsistia uma reversão contra o seu Marido, a Administração Tributária procedeu à notificação da ora recorrente nos termos e para os efeitos previstos no artº 220º do CPPT.
Esta notificação, no seu conteúdo, não é questionada pelas partes.
O que se questiona é a verificação dos pressupostos legais para o impetrado levantamento da penhora da fracção autónoma que foi a casa de morada de família e atribuída à ora recorrente no âmbito da separação amigável de pessoas e bens efectuada pelo casal.
Entendemos que não é indiferente para a sorte do presente recurso a forma da separação concretizada, que o artigo 220º do CPPT exige ser judicial.
Por um lado este tipo de inventário para a separação de bens visa proteger o interesse do cônjuge do executado, permitindo-lhe proceder à separação dos bens do casal e salvaguardar a sua meação nos bens do casal, mas por outro visa também proteger os interesses da exequente Fazenda Pública.
Como refere Jorge Lopes de Sousa in CPPT comentado e anotado in nota 5 ao referido preceito “a separação de bens é requerida no tribunal comum (tribunal de competência genérica ou de família se existir) e não no tribunal tributário, pois não é um incidente do processo de execução fiscal, sendo antes concretizada através de um meio processual especial o inventário previsto nos artºs 1404 a 1406º do CPC”. É certo que as disposições relativas à partilha de bens em casos especiais foram entretanto revogadas a partir de 01/09/2013 em virtude da entrada em vigor do novo CPC aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06 mas, quer na data da citação da ora recorrente para os efeitos do artº 220º do CPPT, quer na data da separação de bens amigável (partilha notarial 10/05/2013) quer do próprio despacho de indeferimento do pedido de levantamento da penhora de 03/06/2013 (nestes autos questionado) tais normativos ainda se encontravam em vigor e impunha-se portanto a sua observância. Não o tendo sido, no prazo de 30 dias a lei comina a inércia ou a inobservância da forma legal indicada ( a separação judicial) com o prosseguimento da execução.
Os interesses públicos eram acautelados mediante a possibilidade de a Fazenda Pública na qualidade de exequente intervir na partilha judicial de bens através dos direitos que o artigo 1406º nº 1 do CPC lhe conferia impondo-se que fosse expressamente notificada nos termos e para os efeitos ali previstos. Ora, na partilha amigável efectuada a exequente não interveio de modo próprio nem foi suscitada a sua intervenção.
Assim, no caso de se entender que a partilha efectuada configura acto de disposição de bens (como se considerou no Ac. STJ de – rec. 04B584) nunca a penhora efectuada e registada em data anterior podia ser levantada pelo que o despacho recorrido não merece censura.
E, no caso de se entender que tal acto de partilha não configura um acto de disposição de bens pois que a recorrente já era titular da sua meação dos bens comuns o que implica a não aplicação do disposto no artº 819.º do Código Civil o qual dispõe: Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (Redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003 de 08-03-2003, Artigo 5.º - Alterações ao Código Civil)
Ou, ainda, porque o artigo 825º nº 7 do CPC apenas refere que podem ser penhorados outros bens que tenham cabido ao executado, não estabelecendo qualquer limite, requisito ou valor mínimo necessário para que seja aplicada a 2ª parte do referido preceito (como se considerou no Ac. deste STA de de 29/01/2014 tirado no recurso nº 1959/13); mesmo assim teríamos de chegar à mesma conclusão sobre a impossibilidade de levantamento da penhora no caso dos autos, uma vez que não foi utilizada a forma de processo adequada para efectivar a separação judicial de bens não podendo a exequente ficar prejudicada nos seus direitos.
Finalmente, quanto às outras questões suscitadas, a saber: uma comunicação inválida, por alegadamente ter provindo de alguém que não é o órgão de execução fiscal competente para o acto cumpre deixar expresso que esta questão já foi respondida, cabalmente, na 1ª instância onde acertadamente se considerou que atenta a factualidade provada, o acto reclamado, concretamente, consistente no despacho proferido em 3 de Junho de 2013, foi praticado pela Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras - 3, no uso de competências próprias (art. 149.º e 150º do CPPT).
Sendo que a notificação que foi endereçada à Reclamante, pela qual lhe era comunicada a decisão foi subscrita pela Adjunta da Chefe de Finanças. Ora, não tem de ser, nem fazia sentido que fosse o Chefe do órgão de execução fiscal a diligenciar os trâmites da notificação do seu próprio despacho.
Assim, também, não assiste razão à Reclamante nesta questão.

Quanto ao pretendido prazo a conceder, para que a recorrente recorresse aos meios judiciais (tribunal comum) próprios para tal efeito, também é uma questão já suscitada na 1ª instância e a nosso ver bem decidida. Com efeito sendo a separação judicial de bens um direito que assiste ao cônjuge do executado, ficando na sua disponibilidade exercê-lo, ou não cabia ao órgão de Execução Fiscal proferir qualquer despacho de aperfeiçoamento por não se estar perante qualquer articulado deficientemente formulado, mas sim, perante o não exercício de um direito, ou exercício mas pela forma imprópria, como se viu.

Em face do exposto conclui-se que, o despacho ora reclamado que indeferiu o pedido de levantamento da penhora, com a fundamentação referido em 13 e 14 do probatório, cujo conteúdo foi compreendido pela recorrente como revelam as suas alegações e conclusões, se mostra correcto e não padece de qualquer ilegalidade devendo manter-se na ordem jurídica.

Razão pela qual o presente recurso não merece provimento sendo de manter a penhora efectuada em 24/05/2010, com a presente fundamentação.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 2 de Abril de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto - Francisco Rothes.