Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0721/19.4BECBR |
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Data do Acordão: | 06/09/2021 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | FRANCISCO ROTHES |
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Descritores: | MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA CALCULO DA MATERIA COLECTAVEL |
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Sumário: | I - Evidenciada a aquisição pelo sujeito passivo de imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000,00 quando no ano da aquisição declarou rendimentos líquidos inferiores em 30% relativamente ao rendimento padrão, fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição (cf. tabela constante do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º da LGT. II - A justificação (comprovação a que alude o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT) meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram a manifestação de fortuna, mas não pode deixar de ser relevada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método. III - Resultando essa justificação parcial de empréstimos a que o sujeito passivo recorreu para adquirir os imóveis cujo valor determinou a avaliação indirecta dos seus rendimentos à luz daquele artigo 89.º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável deve ser igual a 20% do valor de aquisição dos imóveis mas deduzido do montante desses empréstimos, já que o montante destes não está nem pode ficar sujeito a IRS; ou seja, ao valor de aquisição deduz-se o montante justificado, calculando-se o rendimento padrão sobre o remanescente. |
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Nº Convencional: | JSTA000P27815 |
Nº do Documento: | SA2202106090721/19 |
Data de Entrada: | 04/26/2021 |
Recorrente: | B........ E OUTROS |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de recurso judicial da decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos com o n.º 721/19.4BECBR
1. RELATÓRIO 1.1 Os acima identificados sujeitos passivos, notificados da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e não se conformando com a decisão da mesma, vêm interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso a respectiva motivação, que resumiram em conclusões do seguinte teor: «i) Vem o presente recurso apresentado da decisão que julgou parcialmente procedente o Recurso e, em consequência, anulou em parte a decisão de avaliação da matéria colectável dos ora Recorrentes por métodos indirectos, proferida pelo Director de Finanças de Coimbra em 08.11.2019, na parte que considerou um rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na Categoria G, excedente a € 19.940,90. ii) O Tribunal em vez de avaliar a legalidade ou a ilegalidade do acto de acordo com os pressupostos de facto e de direito convocados pela ATA, resolveu ele próprio fazer de administração tributária activa: “Mas não era o n.º 4 do artigo 89.º-A da LGT que deveria ter sido aplicado porquanto, como tivemos ocasião de expor acima, estamos perante um caso de verificação simultânea dos pressupostos de aplicação da alínea d) e da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, pelo que a avaliação indirecta deveria ter sido efectuada nos termos dos n.ºs 3 e 5 do artigo 89.º-A da LGT, e não nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, tal como prevê o n.º 2 do artigo 87.º da LGT”. iii) Não sendo o tribunal fiscal um órgão de administração activa dos impostos, mas antes um órgão para dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas fiscais (art. 212.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), não lhe cabe praticar o acto tributário que, como título formal e abstracto, declara constituídos na Ordem Jurídica os efeitos jurídicos próprios de uma obrigação pecuniária. iv) A tanto se opõe o princípio da separação de poderes entre os tribunais e o executivo ou a administração, consagrado como princípio estruturante do sistema de poderes no artigo 111.º da Constituição. v) Na verdade, o que o Tribunal fez corresponde a efectuar uma aplicação directa da lei tributária aos factos tributários e isso corresponde ao desempenho da função tributária da AT, o que é ilegal. A aceitar-se a posição do Tribunal, nunca o acto tributário poderia ser anulado com base em erro nos pressupostos de direito, aplicados pela AT, caso os factos considerados pudessem preencher outra norma tributária material. vi) O que há, é outra norma que, se fosse aplicada, mas não foi, permitiria à AT efectuar uma liquidação legal, ainda que parcial. vii) O art. 89.º-A da LGT não pode ser interpretado de forma isolada devendo chamar-se à colação, desde logo, outras normas legais que estabelecem regras informadoras de todo o sistema fiscal, designadamente o art. 73.º da LGT, segundo o qual «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário» e, bem assim, os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais. viii) Evidenciada a aquisição pela recorrida de um imóvel com valor de aquisição superior a € 250.000,00, quando declara rendimentos líquidos que mostram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição, em conformidade com a tabela constante do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável. ix) Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna. x) Já assim não será no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, por força do disposto no art. 73.º da LGT e, bem assim, dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais. xi) Embora a justificação parcial da manifestação de fortuna não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89.º-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrida deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrida demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, uma vez que esse montante não está nem pode estar sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação, sob pena de estarmos perante uma tributação em que estaria de todo ausente o critério da capacidade contributiva xii) No caso em apreço, não tendo a Administração Tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável dos recorrentes, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto que lhe fixou o rendimento tributável de € 144.000,00 com recurso a avaliação indirecta. xiii) Acrescendo que, considerando-se os empréstimos particulares dados como assentes, se constata inexistir qualquer situação que possibilite qualquer acréscimo. xiv) Mesmo considerando-se a existência de uma situação de anulação parcial, ainda assim verifica-se existir erro na quantificação efectuada, porquanto o rendimento a acrescer ao declarado é de 3.988.18 € (19.940.90 € x 20%) e não de 19.940.90 €. xv) Normas jurídicas violadas: 111.º da CRP; 73.º e 89.º-A da LGT. Termos em que e nos mais de direito, no provimento do presente recurso, deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se inteiramente procedente o recurso apresentado contra a decisão que fixou aos ora recorrentes o rendimento de € 144.000,00 a título de manifestação de fortuna ou, subsidiariamente, parcialmente procedente, porquanto o rendimento a acrescer ao declarado é de 3.988.18 € (19.940.90 € x 20%) e não de 19.940.90 €, assim se fazendo JUSTIÇA». 1.2 A AT, representada pelo Director de Finanças de Coimbra, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença. 1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer «no sentido da improcedência do presente recurso com a manutenção da decisão recorrida nos seus precisos termos», com a seguinte fundamentação: «[…] Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder e tendo em conta a parte afectada pelo mesmo. 1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe vem assacado pelos Recorrentes, qual seja o de violação do princípio da separação de poderes, consagrado no art. 111.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), por alegadamente ter mantido, ainda que parcialmente, o acto impugnado – decisão de avaliação da matéria colectável por métodos indirectos nos termos dos arts. 89.º-A da LGT e 39.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) – com fundamento jurídico diverso do que foi invocado pela AT, ou seja, se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, na parte em que manteve o acto impugnado, o fez substituindo a fundamentação jurídica utilizada pela AT por outra, por ele julgada mais adequada (cf. conclusões i) a vi)). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: «1. Em 07.09.2017 foi outorgada no Cartório Notarial do Lic. …………, sito em Aveiro, e exarada no Livro 280-G, a fls. 132 e ss., escritura pública de «compra e venda e mútuo com hipoteca», entre ……………….. como primeiro outorgante, na qualidade de sócio gerente e em representação da sociedade C……………, Lda., os ora Recorrentes como segundos outorgantes, e ………………. como terceira outorgante, na qualidade de procuradora e em representação do Novo Banco, S.A., através da qual o primeiro outorgante declarou vender e os segundos outorgantes declaram comprar, pelo preço global de € 720.000,00, dois imóveis, mormente «Um: - Por quatrocentos e trinta e cinco mil euros, urbano, fracção autónoma designada pela letra "A", o primeiro andar, destinado a armazém e / ou comércio, e um anexo para garagem, situado, no logradouro, com o valor patrimonial IMT de 788.641,86 €; Dois: - Por duzentos e oitenta e cinco mil euros, urbano, fracção autónoma designada pela letra "B", o rés - do - chão a poente com entrada pelo lado norte, destinado a armazém e / ou comércio, com o valor patrimonial IMT de 400.935,29 €; Ambas do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Estrada ……………….., União das Freguesias de Eiras e São Paulo de Frades, concelho de Coimbra, inscrito na matriz sob o artigo ……….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número dois mil quatrocentos e noventa e quatro, da freguesia de Eiras», mais tendo os segundos e terceira outorgantes declarado que para aquisição dos visados imóveis foi solicitado ao Novo Banco, S.A., «um empréstimo no montante de quinhentos mil euros, que neste acto recebem e que nesta data lhe é concedido pelo prazo de cento e oitenta meses»; 2. Os ora Recorrentes declararam junto da Administração Tributária e Aduaneira rendimentos globais do agregado familiar na ordem dos € 11.640,00 no ano de 2013, € 13.970,00 no ano de 2014, € 14.820,00 no ano de 2015 e no ano de 2016 e € 17.277,50 no ano de 2017, a que corresponderam rendimentos líquidos nos aludidos anos de € 3.432,00, € 5.762,00, € 6.612,00, € 6.612,00 e € 9.069,50, respectivamente, bem como a existência de um dependente; 3. Em 07.11.2018 o Chefe da Divisão de Inspecção Tributária II dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra proferiu o despacho de inspecção n.º DI201804130 «nos termos dos n.ºs 4 e 5 art. 46.º do RCPITA», ordenando a realização de acção de inspecção com o objectivo de «consulta, recolha e cruzamento de elementos» por referência aos anos de 2017 e 2018 e ao ora Recorrente marido, A……., que assinou cópia do visado despacho naquele mesmo dia, declarando ter tomado conhecimento do mesmo; 4. Em 12.11.2018 o ora Recorrente marido A……… assinou notificação pessoal emitida pela aludida Divisão de Inspecção Tributária II (equipa 12) dirigida ao próprio e à sua mulher «nos termos do disposto no artigo 63.º da Lei Geral Tributária (…), nos arts. 28.º e 29.º, ambos do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (…) e art. 89.º-A da Lei Geral Tributária para no dia 2018/11/22, pelas 16h30 horas, na Direcção de Finanças de Coimbra, na morada em rodapé, comparecerem eles ou seus representantes, com vista a apresentarem justificação para a origem dos fundos financeiros na base da aquisição por ambos, no dia 2017-09-07, de (…) 2 fracções autónomas do prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva com o n.º …….., da freguesia de Eiras e S. Paulo de Frades do Concelho de Coimbra, pelo valor declarado de € 720.000,00, para além do contrato de mútuo assinado nesse dia pelo valor de € 500.000,00. A falta de cumprimento desta notificação, no dia, hora e local mencionados, constitui violação do dever de colaboração, infracção penalizável nos termos do art. 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (…), e enquanto recusa de apresentação, conduta punível nos termos do art. 113.º daquele Regime Geral, podendo também constituir fundamento à eventual fixação da Matéria Tributável por métodos indirectos em conformidade com o disposto na alínea b) do art. 88.º da Lei Geral Tributária»; 5. No dia e hora referidos na notificação aludida no ponto anterior para comparência dos ora Recorridos na Direcção de Finanças de Coimbra, os mesmos ali não se apresentaram, tendo sido lavrado auto da visada ocorrência no dia em causa; 6. Em 08.03.2019 lavrou-se nota de diligência dando-se por concluída a acção inspectiva aludida em 3., enviando-se cópia da mesma em anexo a ofício com a mesma data, dirigido ao ora Recorrente marido e ao seu domicílio fiscal, o qual, tendo sido enviado por correio postal registado, veio devolvido com indicação de «mudou-se»; 7. Também em 08.03.2019 foi prestada informação pela Divisão de Inspecção Tributária II (equipa 12), no âmbito da aludida acção inspectiva, com o seguinte teor: 8. No mesmo dia o coordenador da aludida Divisão de Inspecção Tributária apôs parecer na visada informação, propondo «a abertura de OI no sentido de melhor analisar e desenvolver os procedimentos necessários à clarificação da situação tributária do contribuinte»; 9. Em 15.03.2019 o Chefe da Divisão de Inspecção Tributária I dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, no uso de competências delegadas pelo Director de Finanças de Coimbra, emitiu a ordem de serviço n.º OI201900396, com vista à inspecção interna parcial, em sede de IRS por referência ao ano de 2017, dos ora Recorrentes, não tendo sido enviada a estes ofício tendente à notificação da visada ordem de serviço; 11. Em 07.06.2019 deu entrada na Direcção de Finanças de Coimbra requerimento dos ora Recorrentes, em resposta aos ofícios aludidos no ponto anterior, com o seguinte teor: 12. Anexo ao aludido requerimento foi junto extracto bancário emitido em 05.09.2017, com o n.º 1/2017, por referência ao período de 26.06.2017 a 05.09.2017, com 4 páginas, referente à conta bancária à ordem n.º 000367216490 titulada pela ora Recorrente mulher no Novo Banco, S.A., com o IBAN………………….., do qual consta um saldo bancário de € 237.989,60 e os seguintes movimentos de conta e avisos de lançamento por referência a transferências electrónicas interbancárias: [segue imagem, aqui dada por reproduzida]
Cfr. visado extracto bancário presente a fls. 37-40 do PAT apensado aos autos em 17.12.2020 - fls. 554 e ss. dos autos em suporte electrónico - SITAF. 13. Em 11.06.2019 foi emitido pela Divisão de Inspecção Tributária I - Equipa 22 da Direcção de Finanças de Coimbra o ofício n.º 422-4401, dirigido ao mandatário constituído pelos ora Recorrentes, e nessa qualidade, enviado por correio postal registado para o seu domicílio profissional no mesmo dia, com o seguinte teor: 14. Em 04.09.2019 foi elaborado projecto de correcções, enviado em 06.09.2010 ao mandatário constituído pelos ora Recorrentes, e nessa qualidade, por correio postal registado para o seu domicílio profissional, para efeitos de exercício do direito de audição no prazo de 15 dias; 15. Em 01.10.2019 foi elaborado relatório de inspecção tributária, em que se propunha a correcção ao rendimento colectável declarado pelos ora Recorrentes por referência ao ano de 2017, em sede de IRS - categoria G, no valor de € 134.930,50, o qual obteve despacho de concordância da Directora de Finanças Adjunta de Coimbra de 07.10.2019, invocando competências delegadas pelo Director de Finanças de Coimbra; 16. Relatório no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:
B. Infracções Pelas infracções adiante descritas em VII vai ser levantado o respectivo auto de notícia. II. Objectivos, âmbito e extensão da acção de inspecção A. Credencial e período em que decorreu a acção Pela ordem de serviço OI201900396 de 2019.03.15 foi iniciada a acção interna ao casal constituído pelos contribuintes A……….. com o NIF …… e residente fiscal em Coimbra na R …………… . LOTE …… e B……… com o NIF ……….. e residente fiscal em Coimbra na R ………, ………….º, ambos na área do 2.º SLF de Coimbra. B. Motivo, âmbito e incidência temporal Em consequência da emissão da Ordem de Serviço Interna - OI201900396, o procedimento insere-se no âmbito do IRS e abrange o ano de 2017. C. Outras situações não aplicável III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções quantitativas à matéria tributável não aplicável IV. Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos 1. No dia 2017.09.07 os sp’s A (A………..) e B (B………….), em conjunto procederam à aquisição das seguintes fracções autónomas do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Eiras e S. Paulo de Frades, com o n.º …….., pelo preço declarado de € 720.000,00 - vide escritura pública em Anexo 1: - fracção «A» com o VP de € 788.641,86. pelo valor de aquisição declarado de € 435.000,00; e - fracção «B» com o VP de € 400.935,29, peio valor de aquisição declarado de € 285.000,00. 2. O valor destas aquisições de imóveis, por montantes superiores a € 250.000,00, é desde logo passível de enquadramento no art. 89.º-A, da LGT, atento o limite previsto na tabela do n.º 4, daquela disposição legal, quando o rendimento líquido declarado num dado ano mostre uma desproporção superior a 30 %, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante daquela tabela e caso os contribuintes, grosso modo, não façam prova da origem dos fluxos financeiros cujos valores extravasam os rendimentos por si declarados nesse ano à AT. 3. Uma vez que naquela escritura de aquisição foi contraído pelo casal um empréstimo bancário no valor de € 500.000,00 e que se constata que, em sede de IRS, os rendimentos colectáveis declarados pelo casal, nos últimos 5 anos, são de € 3.432,00; € 5.762,00; € 6.612,00; € 6.612,00 e € 9.069,50 respectivamente nos anos de 2013 a 2017 - vide Anexo 2, estando estes ao nível do mínimo de existência previsto no art. 70.º do Código do IRS, ficam assim em aberto € 220.000,00, utilizados para o pagamento daqueles imóveis, que não “cabem” nos rendimentos declarados pelos sp's à AT nos últimos anos, operando assim nesta situação a desproporção face ao rendimento padrão, a que se aludiu no ponto anterior 4. Atento o disposto no n.º 3, daquele art. 89.º-A, da LGT, a saber: «Verificadas as situações previstas no n.º 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada.» foram os adquirentes os contribuintes A (A………….) e B (B……….) notificados, para procederem à Identificação/explicação da fonte das manifestações de fortuna - vide notificações em Anexo 3. 4.1. Na sequência das notificações o mandatário dos sp’s o advogado …………, com escritório em Coimbra com morada na Rua Dr. ………., n.º 35 - 1.º 3000-………… COIMBRA, veio alegar em suma que os meios monetários em causa foram obtidos pelo contribuinte B (B……….), uma parte - € 195.989,60 por empréstimos obtidos junto de familiares e amigos, e outra parte - € 30.000,00 de poupanças do próprio, juntando para corroborar o alegado fotocópias de extractos bancários de uma conta bancária de B………. no Novo Banco - vide resposta em Anexo 4. 5. Atendendo a que quanto aos invocados contratos de mútuo, dos alegados mutuantes nada se conheça ou possa conhecer, além de um nome num extracto bancário, pois não foram aqueles sequer identificados quer civil quer fiscalmente, e que aqueles (contratos de mútuo) só são reconhecidos juridicamente se estiverem de acordo com o estipulado no art. 1143.º, do Código Civil, e ainda que são também fiscalmente relevantes para efeitos de Imposto de Selo, foram assim de novo notificados os contribuintes objecto deste procedimento, desta feita na pessoa do seu procurador para procederem ao envio de cópias dos mesmos - vide notificação em anexo 5. Verificou-se contudo que até à presente data os contribuintes ou o seu mandatário nada disseram a este respeito. 6. Em suma, considerando por um lado que, sendo os contribuintes casados em regime de separação de bens, nada foi esclarecido quanto aos meios monetários no montante de € 110.000,00 por justificar referentes as partes dos prédios adquiridas pelo contribuinte A (A………), apesar de notificado para tal, e por outro que, o contribuinte B (B……….) não logrou comprovar de forma clara e inequívoca o motivo/origem das entradas de dinheiro na sua conta bancária no Novo Banco constantes daqueles extractos, apesar de a isso ter sido instado pela AT, conforme antes referido, fica assim por esclarecer a real origem dos € 220.000,00 de fundos utilizados para pagamento das aquisições daqueles prédios, para além do empréstimo bancário contraído pelo casal no valor de € 500.000,00, não tendo então sido possível comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados à AT e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna, conforme previsto no n.º 3, do art. 89.º-A, da LGT. 7. Face ao exposto e uma vez que, conforme já antes referido em IV.2, o rendimento líquido declarado mostra claramente uma desproporção superior a 30%, para menos, relativamente ao rendimento padrão resultante da aplicação do n.º 1 da tabela constante do n.º 4, do art. 89.º-A, da LGT, o qual é de € 144.000,00 (720.000,00 x 20%), há assim motivos para ter lugar a tributação por avaliação indirecta prevista no n.º 1, daquele art. 89.º-A, da LGT. V. Critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos O n.º 4 do art. 89.º-A da LGT determina a consideração como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, do rendimento padrão que, no caso do seu n.º 1 para imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000,00, é de 20% do valor de aquisição, pelo que no caso em apreciação, atentos os rendimentos líquidos já declarados no montante de € 9.069,50 e o rendimento padrão correspondente que é de € 144.000,00 (720.000,00 x 20%), sendo imputável em partes iguais a cada um dos sujeitos passivos A e B, pelo que o valor total da correcção, no ano de 2017, é de € 134.930,50. VI. Regularizações efectuadas pelo S.P. no decurso da acção de inspecção não aplicável VII. Infracções verificadas 1. Da não prestação de esclarecimentos, após notificação, conforme descrito no ponto IV.6, resulta uma conduta de falta de colaboração que deve ser punida pelo art. 117.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT. 2. Da situação descrita no ponto IV.1 e seguintes, resultaram omissões/inexactidões na DM3 do IRS, do ano de 2017, de que resultou a não declaração de rendimentos líquidos da categoria G, devidos fiscalmente, em infracção designadamente aos arts. 1.º, 9.º, 13.º, 15.º e 57.º, todos do CIRS, e ainda o art. 89.º-A da LGT, conduta punível pelo art. 119.º do RGIT. VIII. Outros elementos relevantes não aplicável IX. Direito de Audição Notificados na pessoa do seu procurador pelo ofício 5462 registado em 2019.09.06, para exercerem o respectivo direito no prazo de 15 dias, verificou-se que os contribuintes até à data nada disseram. X. Resumo dos ANEXOS N.º de folhas 1. Escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca……………...…………… 06 2. Demonstrações das liquidações de IRS dos anos de 2013 a 2017…………….……… 08 3. Notificações para justificação da origem dos rendimentos ……….………..………… 02 4. Resposta do mandatário dos contribuintes à notificação……………………………… 08 5. Notificação para envio de cópias dos alegados contratos de mútuo……….……… 01 TOTAL DE FOLHAS EM ANEXO…… ……………………………25»; Cfr. visado relatório a fls. 81 e ss. do PAT apensado aos autos em 17.12.2020 - fls. 604 e ss. dos autos em suporte electrónico - SITAF. 17. Em 09.10.2019 foi emitido ofício pela Directora de Finanças Adjunta de Coimbra e enviado por correio postal registado com aviso de recepção para o domicílio profissional do mandatário dos ora Recorrentes, e aí recebido no dia seguinte, com o seguinte teor: Exm.os Srs. Ano Rendimento Líquido Fixado As decisões tomadas referidas nos pontos anteriores têm por base os factos, motivos e fundamentos e, bem assim como, os critérios e cálculos que originaram os valores acima referidos, expressamente desenvolvidos no Relatório da Inspecção Tributária. 18. No mesmo dia foi emitido e enviado ofício dirigido directamente aos ora Recorrentes, por correio postal registado, tendente a dar-lhes conhecimento do envio do ofício aludido no ponto anterior; 19. Em 21.10.2019 foi enviado ao presente Tribunal p.i. de recurso judicial do despacho aludido em 15., o qual aqui correu termos sob o n.º 668/19.4BECBR; 20. Em 07.11.2019 o Director de Finanças de Coimbra revogou o despacho recorrido no recurso aludido no ponto anterior, proferido pela Directora de Finanças Adjunta de Coimbra, através da prolação de despacho com o seguinte teor: 21. Em 08.11.2019 o Director de Finanças de Coimbra proferiu despacho com o seguinte teor: 22. Em 08.11.2019 foi emitido ofício pela Director de Finanças de Coimbra e enviado por correio postal registado com aviso de recepção para o mandatário dos oras Recorrentes, nessa qualidade, com o seguinte teor: 23. No mesmo dia foi emitido e enviado ofício dirigido directamente aos ora Recorrentes, por correio postal registado, tendente a dar-lhes conhecimento do envio do ofício aludido no ponto anterior; 24. Em 15.11.2019 foi proferida decisão final no processo n.º 668/19.4BECBR, aludido em 19., julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, decisão transitada entretanto em julgado; 25. Em 18.11.2019 deu entrada em juízo o recurso que deu origem aos presentes autos, enviado que foi por correio postal registado de 15.11.2019; Mais se provou que: 26. Em 16.02.2017 D………., nascido em 11.10.1952, realizou uma remessa de dinheiro da República Popular da China para Portugal, no valor de € 30.000,00, com origem no Banco de Construção da China e destino na conta bancária da ora Recorrente mulher com o IBAN PT………………………; 27. Em 22.02.2017 H…….., nascida em 27.11.1982, realizou uma remessa de dinheiro da República Popular da China para Portugal, no valor de € 45.000,00, com origem no Banco de Construção da China e destino na conta bancária do ora Recorrente marido com o IBAN …………………; 28. Em 13.07.2017 D………., nascido em 11.10.1952, solicitou ao Banco Comercial Rural Co. Lda. de Zhejiang Qingtian, República Popular da China, um empréstimo em moeda estrangeira de € 110.000,00, que remessou para a conta bancária da ora Recorrente mulher com o IBAN PT………………………., a que corresponderam € 109.989,60 por pagamento de taxas bancárias; 29. O empréstimo referido no ponto anterior foi contratualizado com a obrigação do pagamento da taxa de juros mensal de 3,262500% sobre o montante mutuado, sem data para o respectivo vencimento; 30. Em 25.07.2017 I………., nascida em 23.03.1954, realizou uma remessa de dinheiro da República Popular da China para Portugal, no valor de €40.000,00, com origem no Banco Comercial Rural Co. Lda. de Zhejiang Qingtian, República Popular da China, e destino na conta bancária de F…………….. com o IBAN PT……………..; 31. A ora Recorrente mulher foi dando dinheiro ao seu pai, D………, desde ano indeterminado, e os € 30.000,00 que este lhe enviou a partir da China, aludidos em 26., não são para devolver; 32. A remessa dos € 45.000,00 aludidos em 27. decorre de um pedido de empréstimo de dinheiro do ora Recorrente marido junto da sua irmã, H……….., com o fito de comprar uma loja em Portugal; 33. A ora Recorrente mulher pediu dinheiro emprestado à sua amiga E………., com o fito de comprar uma loja em Portugal, a qual lhe emprestou em 14.08.2017 e 15.08.2017, um total de € 4.000,00; 34. A ora Recorrente mulher pediu dinheiro emprestado ao seu amigo F…………, que conhece desde criança, com o fito de comprar uma loja em Portugal, tendo este lhe transferido para a sua conta bancária, no dia 25.08.2017, o montante de € 40.000,00, que lhe foi remetido, por seu turno, pela sua mãe, I…………, aludida em 30.; 35. A ora Recorrente mulher pediu dinheiro emprestado ao seu amigo G…………., com o fito de comprar uma loja em Portugal, o qual lhe emprestou € 2.000,00 em 05.09.2017; 36. J………… emprestou € 5.000,00 aos ora Recorrentes, no ano de 2007, na qualidade de amigo, com o fito destes comprarem um armazém, transferindo tal dinheiro para conta bancária do ora Recorrente marido, tendo-lhe sido devolvido tal montante, em duas tranches, entre finais de 2017 e início de 2018». * * 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR 2.2.1.1 A AT, verificando que os ora Recorrentes no ano de 2017 compraram 2 imóveis, pelo valor declarado de € 720.000, a que corresponde um rendimento padrão de € 144.000 (€ 720.000 x 20%), tal como definido no n.º 4 do art. 89.º-A da LGT (à qual se referirão todos os artigos adiante mencionados sem expressa menção do diploma de origem), e que, nesse ano, os rendimentos líquidos (() O n.º 1 do art. 89.º-A da LGT, assim o determina, no caso do sujeito passivo ter entregue declaração de rendimentos.) por eles declarados para efeitos de IRS foram de € 9.069,50, evidenciando uma desproporção, relativamente àquele rendimento padrão, para menos, superior a 30%, considerou verificados os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta da matéria tributável, de acordo com a previsão do n.º 1 do referido art. 89.º-A e da alínea c) do n.º 1 do art. 87.º. 2.2.1.2 Os sujeitos passivos reagiram judicialmente – mediante a interposição do recurso judicial previsto no art. 89.º-A, n.ºs 7 e 8 –, considerando, para além do mais e no que ora nos interessa, que para pagamento do valor da aquisição dos imóveis, para além do empréstimo bancário que contraíram para o efeito, usaram o dinheiro proveniente de empréstimos que lhe foram efectuados por familiares e amigos, motivo por que se devem ter como justificados na totalidade os rendimentos que deram origem à manifestação de fortuna evidenciada. 2.2.1.3 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em face da prova produzida no processo judicial, considerou provado que, para a aquisição dos imóveis que constitui a manifestação de fortuna de que nos ocupamos, os sujeitos passivos, para além do referido empréstimo bancário de € 500.000, obtiveram empréstimos particulares – de familiares e amigos – do montante de 190.989,63 €, motivo por que apenas ficam por justificar € 29.010,40, motivo por que a correcção a efectuar pela AT ascende a apenas € 19.940,90, diferença entre o valor não justificado e os rendimentos líquidos declarados no ano de 2017 (€ 29.010,40 - € 9.069,50). 2.2.1.4 Inconformados com essa sentença, os sujeitos passivos dela recorrem para este Supremo Tribunal Administrativo. 2.2.2 DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES Embora, em abstracto, a tese dos Recorrentes mereça a nossa concordância – tendo, aliás, este Supremo Tribunal por várias vezes salientado que a legalidade do acto tributário não pode ser sindicada judicialmente senão com os fundamentos ao abrigo dos quais a AT o praticou e que externou (Vide, por mais recente, o acórdão de 28 de Outubro de 2020, proferido no processo com o n.º 2887/13.8BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e0c207951f49818680258616004427dc.) –, a situação dos autos afigura-se-nos não recair nessa situação. 2.2.3 DO ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL A nosso ver, têm razão os Recorrentes. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - Evidenciada a aquisição pelo sujeito passivo de imóveis de valor de aquisição igual ou superior a € 250.000,00 quando no ano da aquisição declarou rendimentos líquidos inferiores em 30% relativamente ao rendimento padrão, fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição (cf. tabela constante do n.º 4 do art. 89.º-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável desse ano ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 87.º da LGT. II - A justificação (comprovação a que alude o n.º 3 do art. 89.º-A da LGT) meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram a manifestação de fortuna, mas não pode deixar de ser relevada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método. III - Resultando essa justificação parcial de empréstimos a que o sujeito passivo recorreu para adquirir os imóveis cujo valor determinou a avaliação indirecta dos seus rendimentos à luz daquele artigo 89.º-A da LGT, a quantificação do rendimento tributável deve ser igual a 20% do valor de aquisição dos imóveis mas deduzido do montante desses empréstimos, já que o montante destes não está nem pode ficar sujeito a IRS; ou seja, ao valor de aquisição deduz-se o montante justificado, calculando-se o rendimento padrão sobre o remanescente. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida, e anular o acto de fixação da matéria tributável na parte em que excede o acima referido montante de € 5.802,08. Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida, na proporção do decaimento, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT]. * Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento. * |