Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0958/10.1BELRS
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IRC
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
ESTABELECIMENTO ESTÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira - n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M de 20 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M.
II - O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
III - O sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios previstos no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, se em impugnação judicial é anulada a liquidação efetuada pelos serviços com base em circular que está em desconformidade com a lei.
Nº Convencional:JSTA000P26768
Nº do Documento:SA2202011180958/10
Data de Entrada:10/04/2019
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório
1.1. A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……….., SA, identificada nos autos, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), respeitante ao exercício de 2002, no montante de €1.988,97, concluindo do seguinte modo as suas alegações:
A) Visa o presente recurso demonstrar o desacerto do sentido preconizado pela douta sentença recorrida, que decidiu julgar procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação adicional de IRC nº 2005 8310005473, relativa ao exercício de 2002, que vinha impugnada, e condenando a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43º da LGT.
B) A anulação da liquidação em crise foi determinada em virtude de haver entendido a douta sentença recorrida que a Circular Administrativa ao abrigo da qual foi emitida enferma de vício de violação de lei, decorrente da infração ao disposto no art.º 2º, nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M, na redação que lhe foi conferida pelo art.º 14º do Decreto Legislativo Regional nº 29-A/2001/M.
C) O Tribunal “a quo”, servindo-se da fundamentação constante de diversos Acórdãos do STA, que identificou, pronunciou-se no sentido propugnado pela recorrida na p.i. de impugnação, considerando ser de aplicar aos rendimentos imputáveis às instalações dos sujeitos passivos na Região Autónoma da Madeira, a taxa regional reduzida de IRC de 27%, por constituírem os mesmos receita daquela região, e já não, a taxa geral de 30%, genericamente aplicável aos rendimentos obtidos no Continente.
D) Assim, o ato de liquidação adicional de IRC impugnado, porque, baseando-se no entendimento propugnado pela circular administrativa nº 14/2002, de 09 de maio da Direção de Serviços de IRC, aplicou aos rendimentos obtidos pela recorrida na Região Autónoma da Madeira, a taxa geral de 30%, não obstante aquela possuir um estabelecimento estável naquela região, enferma, no entender do Tribunal “a quo” de ilegalidade, por vício de violação de lei.
E) A Fazenda Pública não vislumbra no ato de liquidação impugnado qualquer vício de violação de lei, maxime, do disposto no art.º 2º, nº 1 do Decreto Legislativo Regional nº 2/2001/M, na redação que lhe foi conferida pelo art.º 14º do Decreto Legislativo Regional nº 29-A/2001/M.
F) A emissão do ato tributário impugnado teve por base a Circular nº 14/2002, de 09 de maio, da Direção de Serviços do IRC.
G) A Circular em apreço reporta-se ao apuramento da matéria coletável imputável às Regiões Autónomas, destacando, quanto à taxa aplicável na Região Autónoma da Madeira, que “na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional nº 29-A/2001/M de 20 de dezembro, foi a (…) taxa reduzida para 27%, sendo aplicável aos exercícios iniciados após 1 de janeiro de 2002. A taxa regional é aplicável aos sujeitos passivos com domicílio fiscal na Região Autónoma da Madeira, quando o imposto em causa, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitua receita da Região Autónoma.”
H) No ponto 2.3 da Circular supra identificada, a propósito da repartição das taxas de IRC, refere-se que “no caso de serem aplicadas a taxa geral nacional e uma ou mais taxas regionais ou, ainda, apenas as taxas regionais, a matéria coletável sobre que cada uma incide é determinada pela aplicação à matéria coletável global da percentagem do volume de negócios realizado em cada circunscrição em relação ao volume negócios total.
I) O apuramento da matéria coletável imputável a cada circunscrição por parte de empresas que exerçam a sua atividade no território nacional, através de estabelecimentos situados em diferentes circunscrições é, assim, efetuado de forma unitária.
J) Este método de repartição dispensa a elaboração de contabilidades separadas, sem prejuízo de as empresas que desenvolvam atividade em diversas circunscrições deverem organizar a sua contabilidade de forma a poderem apurar o volume de negócios imputável a cada Região.
K) Como previsto na dita Circular, tendo presente que a recorrida tem a sua sede no continente e estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, a taxa aplicável é a taxa nacional sobre a % da matéria coletável da região autónoma da madeira.
L) Neste sentido, sendo a taxa de IRC nacional de 30%, foi legal a sua aplicação in casu, pelo que, ao contrário do propugnado pela sentença recorrida não se considera que foram violados quaisquer princípios constitucionalmente fixados.
M) O ato de liquidação que vem impugnado mostra-se consentâneo com as instruções administrativas divulgadas através da Circular nº 14/2002, de 09 de maio, da Direção de Serviços do IRC, (às quais, por força do disposto na alínea b), do nº 4, do art.º 68º da LGT, na redação aplicável à data dos factos, a Administração Tributária está vinculada), razão pela qual deverá manter-se na ordem jurídica.
N) Entendeu o Tribunal “a quo” condenar, também, a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 1, do art.º 43º da LGT.
O) Num caso como o dos autos, em que o ato impugnado foi emitido em conformidade e no respeito pela doutrina plasmada numa instrução administrativa – a Circular nº 14/2002, de 09 de maio, da Direção de Serviços do IRC –, relativamente à qual a Administração Tributária deve obediência, não poderá entender-se que ocorreu, na sua emissão, qualquer erro imputável aos serviços, nos termos do aludido nº 1, do art.º 43º da LGT, pois que nenhuma outra conduta lhes poderia ser exigível senão aquela que efetivamente tiveram, em conformidade com o que estatui a alínea b), do nº 4, do art.º 68º da LGT, na redação aplicável à data dos factos, (atual art.º 68º-Ada LGT).
P) Existindo uma Circular, (instrução administrativa), em relação ao objeto do pedido formulado pela recorrida, não podia a AT, à luz do que estatui o atual art.º 68º-A da LGT, proceder em sentido diverso.
Q) Faltando no caso concreto o nexo de imputação do erro aos Serviços da Administração Fiscal, o qual não poderia nunca ter um cariz objetivo, revestindo tal nexo de imputação, necessariamente, um cariz subjetivo, (pelo menos a título de negligência), não se verificam as condições que, por força daquele art.º 43º da LGT, dependeria a condenação, no caso sub judicie, da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios.
R) A sentença recorrida, ao decidir como decidiu, pela anulação do ato de liquidação impugnado e pela condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, violou a doutrina plasmada na Circular nº 14/2002, de 09 de maio, da Direção de Serviços do IRC, e o preceituado no nº 1, do art.º 43º da LGT, pelo que, deverá ser substituída por outra que julgue improcedente a impugnação e mantenha válido, na ordem jurídica, o ato tributário de liquidação impugnado, com as respetivas consequências legais.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.

1.2. A Recorrida contra-alegou e concluiu assim:
1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, Exmo. Senhor Dr………….., por subdelegação de competências, datado de 22.03.2010, proferido no âmbito do processo de reclamação graciosa n.º 3255200504004256, deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2005 8310005473, datada de 11.04.2005 e na demonstração de acerto de contas n.º 2005 00000069579, no valor de € 1.988,97, ambas relativas ao exercício de 2002.
2.ª A douta sentença recorrida concluiu, em suma, que o ato tributário emitido, baseado na Circular n.º 14/2002, incorre em vício de violação de lei e em clara violação do princípio da igualdade e, bem assim, que o conteúdo das circulares não é dotado de juridicidade, não vincula os particulares nem os tribunais e deve observar o disposto na lei.
3.ª Não se conformando com o decidido pelo Tribunal a quo, a Fazenda Pública interpôs recurso da referida sentença que, salvo o devido respeito, é manifestamente improcedente.
4.ª Invoca a Recorrente que a sentença fez uma errada aplicação dos factos ao direito e uma errada interpretação da Circular n.º 14/2002.
5.ª Sucede que não lhe assiste qualquer razão.
6.ª Em primeiro lugar, o TCAS é hierarquicamente incompetente para julgar o presente recurso, uma vez que o mesmo versa exclusivamente sobre matéria de Direito (cf. artigo 280.º, n.º 1, do CPPT e do artigo 26.º, alínea b), do ETAF).
7.ª Pelo que, não pode conhecer-se do presente recurso.
8.ª Sem prescindir,
9.ª Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do D.L.R. n.º 2/2001/M, a taxa reduzida de IRC aplica-se aos sujeitos passivos com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na RAM, quando o imposto seja receita da RAM.
10.ª Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais, o imposto é receita da RAM quando o sujeito passivo tenha sede ou direção efetiva em território português e possua sucursais na RAM.
11.ª Nos termos do artigo 5.º do Código do IRC, uma sucursal constitui um estabelecimento estável.
12.ª A AT entendeu e entende que a taxa reduzida de IRC apenas é aplicável às sociedades com sede ou direção efetiva na RAM e às sociedades não residentes que aí possuam um estabelecimento estável.
13.ª A Circular n.º 14/2002, na qual a AT se baseou para emitir o ato tributário colocado em crise, dispõe no seu ponto 2.2. que a taxa regional apenas se aplica a sociedades com sede ou direção efetiva na RAM e aos estabelecimentos estáveis de sociedades não residentes aí situados.
14.ª No seu ponto 2.3., prevê aquela Circular uma tabela para repartição das taxas segundo as várias circunscrições, dela resultando que se uma sociedade tem sede no Continente e um estabelecimento estável na RAM, aplicar-se-á a taxa nacional tanto à matéria coletável do Continente como à matéria coletável da RAM, não podendo assim usufruir da taxa de reduzida de IRC quanto aos rendimentos auferidos na RAM.
15.ª Como resulta evidente, não só a referida Circular colide frontalmente com o disposto na lei, a qual admite a aplicação da taxa reduzida de IRC à matéria coletável de um estabelecimento estável situado na RAM de uma sociedade residente no Continente, incorrendo em vício de violação de lei,
16.ª como, ao diferenciar entre entidades residentes e não residentes, sem fundamento material bastante, incorre em clara violação do princípio da igualdade.
17.ª Assim também o entendeu o STA (cf. acórdãos proferidos nos processos n.º 666/08 (26.11.2008), n.º 669/08 (07.01.2009), n.º 668/08 (21.01.2009), n.º 292/09 (17.06.2009) e, mais recentemente ainda, no processo n.º 058/14 (14.01.2015).
18.ª Acresce que, embora a AT esteja vinculada ao conteúdo de circulares administrativas, estas não vinculam os particulares nem os tribunais, não sendo dotadas de juridicidade e devendo respeitar o disposto na lei (cf. entre outros, CASALTA NABAIS e SALDANHA SANCHES, op. loc. cit., e na jurisprudência, STA, processo n.º 1023/09, de 20.10.2010).
19.ª Pelo que bem andou o Tribunal Recorrido ao julgar procedente a impugnação judicial e ao anular o ato tributário emitido com base naquela Circular.
20.ª Estando verificado assim o erro imputável aos serviços tributários, em virtude da ilegalidade da Circular e do ato tributário dela derivado, refira-se que aquele erro pode resultar diretamente ou de orientações genéricas (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, op. loc.
21.ª Pelo que não colhe o argumento da Recorrente de que não existirá erro imputável aos serviços, determinante da atribuição de juros indemnizatórios, em virtude de a AT estar vinculada ao conteúdo da circular, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 4, da LGT, porque não podia ter procedido de outro modo.
22.ª As orientações genéricas que não tenham qualquer correspondência na lei devem sim fundar o erro imputável aos serviços.
23.ª O artigo 43.º, n.º 2, da LGT prevê que existe erro imputável aos serviços inclusivamente quando é o próprio contribuinte a praticar o ato, seguindo orientações genéricas emitidas pela AT.
24.ª Pelo que, por maioria de razão, assim será quando seja a própria AT a praticar o ato.
25.ª Assim, também nesta parte, bem andou o Tribunal Recorrido ao reconhecer a existência de erro imputável aos serviços e consequente dever de pagamento de juros indemnizatórios.
26.ª Em face do exposto, deve julgar-se improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo-se a sentença recorrida, por não ocorrer qualquer erro de julgamento.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Ilustre Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por despacho do Senhor Juiz Desembargador, declarou a sua incompetência para conhecer do recurso e a competência deste Supremo Tribunal para o efeito.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida estão provados os seguintes factos:
«A) No ano de 2002, a impugnante « A………….. SA» era uma sociedade anónima registada com o CAE nº 065120 - Seguros Não Vida, enquadrada em sede de IRC no regime normal de tributação, e tinha sede em Lisboa (cfr. docs., a fls. 39 e 59 do PAT apenso aos autos);
B) A impugnante possuía uma sucursal sita na Região Autónoma da Madeira, na qual obteve e declarou, com referência ao exercício de 2002, rendimentos no montante de €56.741,79 (não controvertido);
C) Para efeitos de cálculo da colecta de IRC, a impugnante aplicou aos rendimentos referidos na alínea antecedente a taxa de 27% (não controvertido);
D) Em Junho de 2005, foi comunicada à impugnante a emissão da liquidação adicional de IRC nº 2005 8310005473, datada de 11 de Abril de 2005, e a demonstração de acerto de contas nº 2005 00000069579, ambas referentes ao exercício de 2002 (cfr. docs., a fls. 29 e 30 dos autos);
E) A liquidação identificada na alínea antecedente apurou um montante de imposto a pagar de €1.998,97, com prazo para pagamento voluntário até 14 de Julho de 2005, em resultado das seguintes correcções:
i. Acréscimo da colecta calculada sobre os rendimentos auferidos na Região Autónoma da Madeira de €15.320,29 para €17.022,54, perfazendo o montante total a entregar adicionalmente de €1.702,25;
ii. Aumento da derrama líquida de €161.382,42 para €161.543,96 em resultado do incremento referido na alínea i. supra, perfazendo o montante a entregar adicionalmente de €161,54; e
iii. Liquidação de juros compensatórios, no montante de €125,20, incidentes sobre o referido aumento do valor da derrama (cfr. fls. 60 e seguintes do PAT apenso aos autos);
F) Em 13 de Julho de 2005, a impugnante procedeu ao pagamento do montante de imposto adicional apurado pela Administração Tributária, no valor de €1.998,97 (cfr. doc., a fls. 33 dos autos);
G) Em 10 de Outubro de 2005, a impugnante apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, reclamação graciosa, na qual peticionou a anulação da liquidação adicional de IRC identificada em D) que antecede, e respectivos juros compensatórios (cfr. fls. 2 e seguintes do procedimento de reclamação graciosa apenso aos autos);
H) Por despacho datado de 22 de Março de 2010, proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pela impugnante, extraindo-se da informação nº 320-AJT/2009, em anexo, a seguinte fundamentação:
A correcção efectuada pela Administração Tributária, foi processada directamente pelo sistema informático de cobrança, e a sua aplicação teve por base a circular 14/2002 da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 9 de Maio de 2002, em que define as condições de aplicação dos regimes de redução de taxa, dispondo no seu ponto 2.2: (…)
Assim, a taxa regional é aplicável somente aos sujeitos passivos residentes que tenham sede ou direcção efectiva da Região Autónoma (…)
Neste contexto sendo a taxa de IRC nacional de 30%, foi correcta a taxa de IRC aplicada ao caso em epígrafe, pelo que não se considera que foram violados os Princípios da Segurança Jurídica, da Tutela da Confiança Legítima, da Proibição da Retroactividade da Lei Fiscal, e do nº 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa. (…)” (cfr. doc., a fls. 17 e seguintes dos autos);
I) Em 13 de Abril de 2010, foi apresentada, no Tribunal Tributário de Lisboa, a presente impugnação (cfr. fls. 2 dos autos);
J) Pela Apresentação OF. AP. 41/20110124, encontra-se inscrita na 2ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a “Fusão”, na modalidade de “Transferência global do património” da impugnante inicial, na qualidade de sociedade fundida/incorporada, com a sociedade «……………. SA», na qualidade de sociedade incorporante (cfr. certidão permanente do registo comercial, a fls. 97 e 98 dos autos);
K) Pela Apresentação OF. AP. 52/20130605, referente à inscrição 33, foi alterado o artigo 1º, nº 1 do Contrato de Sociedade, passando a impugnante a ser denominada «…………. SA» (cfr. certidão permanente do registo comercial, a fls. 100 dos autos).

*
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.».

3. Fundamentação de direito
3.1. As questões que importa decidir são as seguintes:
a) Saber se o tribunal recorrido errou o julgamento ao considerar que a Impugnante, ora Recorrida, beneficia da redução da taxa de IRC sobre os rendimentos obtidos pela sua sucursal na atividade desenvolvida na Região Autónoma da Madeira;
b) Saber se o facto de a AT ter seguido na liquidação impugnada o entendimento vertido em circular administrativa, consubstancia ou não erro imputável aos serviços que fundamente a sua condenação em juros indemnizatórios.

3.2. O Tribunal recorrido julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrida contra a liquidação de IRC do exercício de 2002, por considerar, apoiando-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo (designadamente nos acórdãos de 26 de novembro de 2008, proferido no processo n.º 0666/08, de 07 de janeiro de 2009, proferido no processo 0669/08, de 21 de janeiro de 2009, proferido no processo 0668/08 e de 17 de junho de 2009, proferido no processo 0292/09), que aos rendimentos imputáveis às instalações do sujeito passivo na Região Autónoma da Madeira, é aplicável a taxa regional reduzida de IRC de 27% (e não a taxa geral de 30%, genericamente aplicável aos rendimentos obtidos no Continente), por constituírem os mesmos receita daquela Região, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M, e anulou a liquidação e condenou a AT à restituição do montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

A AT discorda do decidido alegando que a liquidação adicional teve como fundamento o entendimento veiculado na Circular n.º 14/2002, da Direção de Serviços de IRC, datada de 09 de maio de 2002, quanto à interpretação do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de fevereiro, segundo o qual a taxa regional é aplicável aos sujeitos passivos com domicílio fiscal na Região Autónoma da Madeira, quando o imposto em causa, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas, constitua receita da Região Autónoma. E como a Recorrida tem a sua sede no Continente e estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, defende que a taxa aplicável é a taxa nacional sobre a % da matéria coletável da Região Autónoma da Madeira.

A questão a dirimir – saber se a taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos rendimentos dos sujeitos passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimento estável situado na Região Autónoma da Madeira - tem sido objeto de julgamento uniforme por esta Secção de Contencioso Tributário, no sentido afirmativo, como dá conta a sentença recorrida, e foi reiterado no acórdão de 14/01/2015, proferido no processo 058/14.

Assim sendo, e tendo em conta o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC), que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, adota-se a mesma solução, transcrevendo-se a fundamentação contante deste último acórdão, que começa também por apontar a existência desse entendimento jurisprudencial pacífico que acompanha no seu julgamento:
«A sentença recorrida, a fls. 86 a 93 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra o indeferimento de reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 relativa à actividade exercida na Região Autónoma, no entendimento de que aos rendimentos obtidos pelo seu “estabelecimento estável” situado naquela região era aplicável, não a taxa normal de IRC, mas a taxa reduzida prevista no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, e 20 de Fevereiro, na sua redacção inicial (vigente em 2003).
Consta do probatório fixado na sentença recorrida (cfr. o n.º 2 do probatório fixado) que No exercício de 2003, a ora impugnante, tinha estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, facto este tido como sendo fixado por Acordo e não tendo a matéria de facto fixada sido impugnada pela recorrente.
Ora, a limitação do âmbito de aplicação da taxa de IRC reduzida em vigor na Região Autónoma da Madeira em 2003 [o presente recurso respeita ao exercício de 2002, apenas relevando a diferença em termos de valor da taxa reduzida] aos estabelecimentos estáveis situados na Região Autónoma da Madeira de entidades não residentes em território nacional não resulta claramente, contrariamente ao alegado, do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, pois que o preceito, na sua parte final, remete não apenas para a alínea a) do artigo 13.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, mas igualmente para a alínea b) do mesmo artigo, que refere constituírem receitas de cada Região o IRC devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição, nos termos referidos nos n.º 2 e 3 do presente artigo.
Admite-se que o preceito não seja claro e que o legislador no preâmbulo do diploma que o contém tenha dito minus quam voliut, ou pelo menos do que deveria dizer para que a norma não fosse discriminatória e eventualmente restritiva da liberdade de estabelecimento, como propugna o Excelentíssimo procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos (a p. 153).
Não se vê, pois, razão para alterar a jurisprudência pacífica deste STA que a sentença recorrida acolheu, sendo de negar provimento ao recurso.»

Dir-se-á ainda que, como refere a Recorrida, a AT está vinculada ao conteúdo das circulares administrativas, como o determina o artigo 68.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), mas elas não vinculam nem os particulares nem os tribunais, não sendo dotadas de juridicidade. As circulares administrativas não têm valor normativo, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam – cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de 20/10/2010, proferido no processo 1023/09, de 21/06/2017, proferido no processo 0364/14.

Assim, não havendo razão para alterar a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo, não obstante o mérito da argumentação da Recorrente, o recurso não merece, nesta parte, provimento.

3.3. A Recorrente discorda, ainda, da condenação no pagamento em juros indemnizatórios. Alega que a liquidação impugnada foi efetuada com base na Circular n.º 14/2002, que a Administração Tributária está vinculada às circulares nos termos do artigo 68.º-A, n.º 4 da LGT, e que por isso não há erro imputável aos serviços.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Os juros indemnizatórios pressupõem que no processo se determine que na liquidação “houve erro imputável aos serviços”, entendido este como o erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”– cf. entre muitos o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 30/09/2020, proferido no processo 02009/18.9BALSB.
Diz a Recorrente que existindo uma circular em relação ao objeto do pedido formulado pela Recorrida, não podia a Administração Tributária, à luz do que estatui o artigo 68.º-A da LGT, proceder em sentido diverso. Tese que não pode manifestamente ser acolhida. Por um lado, porque, como atrás se referiu, a circular obriga, mas apenas a própria AT, mas já não os contribuintes, nem tão pouco os tribunais; por outro, porque a circular emana de dentro da Administração Tributária e, por isso, se as orientações nela contida estão desconformes com a lei, o erro da liquidação que com base nelas foi efetuado apenas a ela pode ser assacado.
Ou seja, o erro é imputado à Administração Tributária quando a interpretação e aplicação da lei que dão origem ao ato impugnado resulta do cumprimento pelos “serviços” de circular desconforme com a lei - cf. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/05/2020, proferido no processo 928/10.0BESNT. Nas palavras do excelentíssimo Procurador-Geral da República, a natureza vinculativa interna da circular apenas releva o modo de atuação dos serviços e apenas contende com a sua organização. E como faz notar a Recorrida, mesmo quando é o próprio contribuinte a praticar o ato (liquidação) seguindo orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária devidamente publicadas, há erro imputável aos serviços de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, logo, por maioria de razão há erro quando são os serviços da Administração Tributária a cumpri-las.

Assim, também no que toca à condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios, o recurso não merece provimento.

Podemos concluir:
I - A taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos sujeitos passivos que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira – artigo 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29-A/2001/M.
II - O conceito de estabelecimento estável para efeito dessa redução de taxa abrange instalações, onde seja exercida efetiva atividade económica, dos sujeitos passivos residentes ou não residentes no território nacional, sob pena de violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
III - O sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios previstos no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, se em impugnação judicial é anulada a liquidação efetuada com base em circular que está em desconformidade com a lei.

4- Decisão
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa,18 de novembro de 2020. - Paula Cadilhe Ribeiro (relatora) - Suzana Tavares da Silva - Aníbal Ferraz.