Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0812/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
COIMA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I – A oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
II – Deve ser alvo de indeferimento liminar, por manifesta improcedência, a petição inicial de oposição à execução fiscal quando não contenha algum dos aludidos fundamentos legais e vise apenas intentar o ataque a coima sobre a qual tenha já ocorrido “caso decidido”.
Nº Convencional:JSTA000P11172
Nº do Documento:SA2200911250812
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…” recorre do despacho do Tribunal Tributário de Lisboa, de indeferimento liminar da oposição à execução fiscal.
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. A douta decisão ora recorrida decidiu indeferir liminarmente a petição inicial, por verificação de erro na forma de processo.
2. Acontece, porém, no dia 25/05/2007, foi a executada, ora oponente, citada para proceder ao pagamento da dívida exequenda ou para em 30 dias deduzir oposição judicial com base nos fundamentos do artigo 204º do C.P.P.T. (doc. nº 1).
3. Com a citação, seguiram para a executada as certidões de dívida (docs nºs 2,3,4 e 5), tendo, nessa altura, a executada constatado que as certidões de dívida eram referentes ao tributo “coimas”.
4. A executada, de acordo com a citação que recebera, e por entender que a execução era ilegal, deduziu oposição, cumprindo assim os mecanismos legais tal como tinha sido citada.
5. Diz o senhor Juiz de 1ª Instância que o processo próprio era o previsto no art° 80º do R.G.I.T., que concede ao infractor o prazo de 20 dias para recorrer, só que, esta argumentação cai por terra, senão vejamos: A executada foi citada em 25/05/2007 e, em 20/06/2007, conforme consta do carimbo aposto pela secretaria na petição inicial, a executada deu entrada com oposição, ou seja, ao 26º dia para recorrer, assim, caso se entendesse que a forma de processo não era esta, quando apresentou recurso em 20/06/2007, já tinha decorrido o prazo legal de 20 dias previstos no art° 80° do R.G.I.T., pelo que errou o Senhor Juiz de 1ª Instância na sua douta decisão, que deve ser revogada.
6. Por outro lado, sempre se dirá que o artigo 209° do C.P.P.T., prevê as hipóteses que o Juiz tem para rejeitar as oposições e, o alegado erro na forma do processo não está previsto no atrás mencionado artigo 209º do C.P.P.T., pelo que mais uma vez julgou e mal o Senhor Juiz de 1ª Instância.
7. Com efeito, a oponente ora recorrente, agiu dentro da legalidade, pois, foi citada para deduzir oposição e assim o fez, cumprindo a norma prevista no art° 204º, nº 1, alínea h) do C.P.P.T., pelo que terá que ser revogada a douta decisão recorrida, o que se requer.
8. Por mera hipótese académica, sempre se dirá caso V. Exªs entendam que a citação do Serviço de Finanças foi feita irregularmente, originando que os autos seguissem a forma de oposição, haverá assim uma irregularidade de citação, que conduz à NULIDADE de citação, o que desde já se requer seja julgada procedente, caso V. Exªs, como Sábio Tribunal assim o entendam.
9. Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros, uma coisa é certa, quem nunca poderá ser prejudicado com todo este processo é a oponente, ora recorrente, que limitou-se a defender-se por oposição à execução, tal como vinha mencionada na sua citação.
Nestes termos, nos melhores de direito que certamente será suprido por VOSSAS EXCELÊNCIAS, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, seguindo-se os autos os seus trâmites normais ou, caso assim o entendam, deverá ser julgada nula a citação, seguindo-se os ulteriores termos.
Foram violadas as normas jurídicas previstas nos art°s 203° e seguintes do C.P.P.T., art°s 69º e seguintes do R.G.I.T., e demais legislação que certamente será suprida pelo Sábio Tribunal.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o parecer de que o recurso não merece provimento e a decisão impugnada deve ser confirmada – apresentando a seguinte fundamentação.
1. O recurso judicial é a forma processual adequada para a impugnação da decisão de aplicação de coima pela autoridade administrativa, com fundamento na sua ilegalidade (eventualmente por preterição de formalidade legal, conforme alegado pela oponente) (art. 80° n°1 RGIT).
Apesar de ter formulado na petição de oposição o pedido de anulação das coimas (embora com a incorrecta designação de anulação das liquidações) a convolação daquela petição em recurso judicial é inviável porque este não foi interposto oportunamente, na sequência das notificações das decisões de aplicação das coimas pela autoridade administrativa proferidas em 21.10.2006, que a recorrente reconhece ter sido efectuada (petição art. 3° e 2ª conclusão; docs. fls. 9/11 e informação fls.13/14; art.80° n°1 RGIT).
2. A eventual notificação insuficiente das decisões de aplicação de coimas
permitir-lhe-ia requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a passagem de certidão com a sua menção, implicando o diferimento do início do prazo para o recurso judicial (art. 37° n°s 1/2 CPPT).
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, bem como da posição do Ministério Público, a questão que aqui se coloca é a de saber se o presente caso é de indeferimento liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal.
2.1 O despacho recorrido apresenta o seguinte teor.

A…, NIPC 503354074, com sede em Lisboa, vem deduzir oposição à execução contra si instaurada por dívidas provenientes de Coimas Fiscais.
Invoca a nulidade das decisões de aplicação das coimas por preterição das formalidades legais previstas nos artigos 69°, n°1, 70°, 76° e 79°, n°1, do RGIT.
Constitui jurisprudência firmada do STA que a oposição tem como fundamentos os taxativamente enunciados no artigo 204°, do CPPT.
Nesse sentido, pode ver-se o recente acórdão daquele alto tribunal, de 04/02/2009, proc. 0925/08.
A nulidade da decisão de aplicação da coima por preterição de formalidades essenciais do procedimento de contra-ordenação e omissão dos requisitos legais da decisão, que invoca, não pode ser apreciada em processo de oposição pois tal reconduzir-se-ia ao conhecimento da legalidade da coima exequenda.
Ora, as coimas aplicadas em processo de contra-ordenação tributária são contenciosamente impugnáveis mediante o recurso judicial previsto no artigo 80º, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n°15/2001, de 5 de Junho, não sendo o próprio o processo de oposição à execução.
Ocorre, pois, manifesto erro na forma do processo, sem possibilidade de convolação (artigo 98°, n°4, do CPPT) para a forma de processo que é a própria por não operar entre meios do processo judicial tributário (os previstos no artigo 97°, do CPPT) e do processo de contra-ordenação tributária.
O erro na forma do processo constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso (artigos 199° e 202°, do CPC, ex vi do 2°, alínea e), do CPPT).
Termos em que,
Na verificação do erro na forma do processo, sem possibilidade de aproveitamento do articulado inicial, o tribunal decide indeferir liminarmente a petição inicial – artigo 234°-A. n°1, do CPC.
2.2 Como é sabido, a oposição à execução fiscal é permitida com os fundamentos previstos no artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – cf., correspondentemente, o artigo 286.º do Código de Processo Tributário, e também o artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Em execução fiscal, mormente por meio de oposição a ela, atendendo ao carácter especial e sumário deste instrumento processual, não é consentido, em princípio, apreciar a legalidade da liquidação da quantia exequenda. Na realidade, o processo de oposição tem por escopo essencial o ataque (global ou parcial) à execução fiscal, visando a extinção da execução, ou absolvição do executado da instância executiva, pela demonstração do infundado da pretensão de entidade exequente – cf., por todos, Laurentino Araújo, Processo de Execução Fiscal, p. 257.
A ilegalidade concreta da liquidação da dívida exequenda não pode servir de fundamento à oposição à execução. A proibição de a ilegalidade concreta da liquidação servir de fundamento à oposição funciona qualquer que tenha sido a entidade que procedeu a essa liquidação – cf. Alfredo de Sousa, e Silva Paixão, notas 7. e 8. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado; e nota 8. ao artigo 286.º do Código de Processo Tributário Comentado e Anotado.
No entanto, hoje é entendimento pacífico que a oposição poderá ter por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – o mesmo se podendo entender válido já no domínio do regime anterior [cf. a alínea g) do n.º 1 do artigo 286.º do Código de Processo Tributário; e nota 16. ao artigo 176.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos Comentado e Anotado, de Alfredo de Sousa, e Silva Paixão].
Por outro lado, sob a epígrafe “Rejeição liminar da oposição”, diz o artigo 209.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição no caso de «Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º»; e de «Ser manifesta a improcedência» – cf. as alíneas b) e c) do n.º 1 do citado artigo 209.º.
2.3 No caso sub judicio, a ora recorrente deduziu a presente oposição à execução fiscal, aduzindo, além do mais, que:
- «A presente execução tem como base as certidões de dívida referentes ao não pagamento das coimas nos montantes de 1.946,54 € (certidão de dívida n.º 2006/5002811), 2.444,54 € (certidão de dívida n.º 2006/5002812), 1.968,46 € (certidão de dívida n.º 2006/5002813) e 2.096,44 € (certidão de dívida n.º 2006/5002817), acrescido de juros moratórios e das custas processuais»;
- «No dia 25 de Maio de 2007, foi a opoente citada para no prazo de 30 dias pagar a quantia exequenda ou deduzir oposição, no âmbito do processo n° 3344200601096311, cuja cópia se junta (doc. n.º 5)».
E a oponente, ora recorrente, termina a petição inicial dos presentes autos pedindo, inter alia, que «deverá a presente oposição à execução ser considerada procedente, por provada».
Segundo o ensinamento de Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, II, p. 291, e em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
19-2-1952, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 85.º, pp. 222 e 223, o fim concretamente visado pelo autor e o fim abstractamente figurado pela lei têm de ser coincidentes; se assim acontecer, terá sido bem empregado o processo; se, pelo contrário, o pedido não se ajustar à finalidade para que a lei concebeu o processo, há erro na forma de processo; o erro na forma de processo utilizada afere-se, pois, pelo desajustamento à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo.
Ora, como se vê, o pedido, de que «deverá a presente oposição à execução ser considerada procedente, por provada», inserto na petição inicial pela ora recorrente, ajusta-se à finalidade para que a lei concebeu o processo de oposição à execução fiscal. E o que é certo é que processo de oposição à execução fiscal é configurado pela lei como ferramenta ou instrumento de ataque aos alicerces da execução fiscal.
Pelo que, assim sendo, como é, não há erro na forma de processo utilizada.
Acontece, porém, que a oponente, ora recorrente, não aduz na petição inicial dos presentes autos algum dos fundamentos legais pelos quais possa deduzir oposição à execução fiscal.
Como muito claramente se vê, até do teor das conclusões da alegação do presente recurso, a oponente, ora recorrente, pretende discutir, nestes autos de oposição à execução fiscal, os fundamentos da sua condenação em processo de contra-ordenação fiscal.
Mas isso a lei não lho consente que faça aqui.
Quando as coimas e outras sanções pecuniárias não forem pagas nos prazos legais, serão objecto de cobrança coerciva em processo de execução fiscal. E o processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva, dentre outras dívidas ao Estado, das coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações fiscais. Servirá nesse caso de base ao processo de execução fiscal certidão da decisão aplicadora da coima.
O título executivo pode ser administrativo, quando extraído pelos serviços oficiais competentes ou por outros serviços administrativos do Estado ou de entidade equiparada – cf. Alfredo de Sousa e Silva Paixão, no Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, em anotação 2. ao artigo 248.º.
A ora recorrente não terá reagido judicialmente contra a decisão administrativa que está na base da presente execução fiscal, a que ora se opõe – pelo que essa decisão se volveu em caso "decidido" ou "caso resolvido", com força equiparável à do "caso julgado" no domínio do direito processual civil.
Com efeito, quando uma decisão judicial adquire força obrigatória, por dela não se poder já reclamar nem recorrer por via ordinária, forma-se caso julgado. Sendo a decisão judicial uma sentença que verse a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que foi proferida, manifestando-se fora dele. Esta obrigatoriedade da sentença transitada em julgado, dentro do processo e fora dele, caracteriza o caso julgado material, nos termos do artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – estatuindo o artigo 673.º do Código de Processo Civil que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
A ora recorrente bem que poderia ter reagido no respectivo processo de
contra-ordenação, lançando mão aí de todos os meios permitidos em direito, inclusivamente o de recurso jurisdicional nesse processo.
Mas, pelos vistos, nada fez. Sibi imputet.
Cf., entre outros, o acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de Outubro de 2008, proferido no recurso n.º 408/08.
Estamos deste modo a dizer, e em resposta à questão decidenda, que o presente caso é de indeferimento liminar da petição inicial de oposição à execução fiscal – razão por que existe bom fundamento para o indeferimento liminar decretado pelo despacho recorrido (muito embora, não por erro na forma de processo).
E, então, havemos de convir, em síntese, que a oposição à execução fiscal só pode ter por fundamento facto ou factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Deve ser alvo de indeferimento liminar, por manifesta improcedência, a petição inicial de oposição à execução fiscal quando não contenha algum dos aludidos fundamentos legais e vise apenas intentar o ataque a coima sobre a qual tenha já ocorrido “caso decidido”.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se o despacho de indeferimento liminar, por manifesta improcedência da oposição à execução fiscal.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. Jorge Lino (relator) – Casimiro Gonçalves – Dulce Neto.