Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:040/18.3BCLSB
Data do Acordão:01/25/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24130
Nº do Documento:SA120190125040/18
Data de Entrada:12/17/2018
Recorrente:CONSELHO DE DISCIPLINA DA FPF SECÇÃO PROFISSIONAL
Recorrido 1:A.... - FUTEBOL SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A…….. – Futebol, SAD recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com três multas pela prática das seguintes infracções:
(i) multa de 1.148,00 €, pela infracção prevista e punida no art. 127º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional …. “Entrada e permanência de materiais pirotécnicos no recinto desportivo/objectos não autorizados”.
(ii) multa de 765,00 €, pela infracção prevista e punida no art. 187º, nº 1, alínea a) do RD - “Comportamento incorrecto do público - os adeptos afectos ao A……, ao minuto 13 e 29 da segunda parte do jogo, entoaram os seguintes cânticos: «……….. » e “…., ….., ….., ………”.
(iii) multa de 1.760,00 € pela infracção prevista e punida no art. 187º nº 1, alínea b) do RD - “Comportamento incorrecto do público - Deflagramento de 2 petardos”.

Sem êxito já que o TAD negou provimento ao recurso.

O Autor recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, revogou a decisão do TAD e anulou o acto impugnado.

É desse Aresto que a FPF vem recorrer (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. No dia 04/05/2017 realizou-se, no ………, um jogo de futebol entre o A…… e o ……. e, durante esse jogo e na bancada onde se encontravam os adeptos do clube visitado, foram deflagrados dois petardos e proferidas frases ofensivas para um dos clubes rivais (……), daí resultando a instauração de um processo disciplinar contra o A…… e punição deste, pelo Conselho de Disciplina da FPF, nas multas acima referenciadas pela prática das infracções p. e p. nos art.ºs 127.º/1 e 187.º/1 al.ªs a) e b), do Regulamento Disciplinar daquela Federação.

O A…… - SAD recorreu para o TAD mas este manteve a decisão recorrida.

Inconformado, recorreu para o TCA Sul e este, concedendo provimento ao recurso, anulou o acto punitivo. Fê-lo pelas seguintes razões:
“ ….Dispõe ao artigo 663° n° 5 do actual Código de Processo Civil que "quando a Relação entender que a questão a decidir é simples, pode o Acórdão limitar-se à parte decisória, precedida da fundamentação sumária do julgado, ou, quando a questão já tenha sido jurisdicionalmente apreciada, remeter para precedente Acórdão, de que junte cópia".
Este normativo é subsidiariamente aplicável aos recursos ordinários de decisões jurisdicionais dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do artigo 140° do CPTA.
Em conformidade, por as questões a tratar nos presentes autos serem em tudo idênticas às decididas nos Acórdãos deste TCAS de 16 de Janeiro de 2018 in Proc. n° 144/17.0 BCLSB e de 26 de Julho de 2018 in Proc. n°8/18.0BCLSB, remetemos a fundamentação do presente Acórdão para a daqueles Acórdãos, de que juntamos cópias
Acordam, pelo exposto, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar o Acórdão recorrido com a consequente anulação do acto administrativo do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.”

3. É deste Acórdão que a FPF recorre pelas razões indicadas nas seguintes conclusões:
“2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos por ocasião de jogos de futebol, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, os episódios de violência em recintos desportivos têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno;
3. O Acórdão proferido, salvo o devido respeito, carece de fundamentação pois limita-se a remeter a sua fundamentação para outro Acórdão que por sua vez remete para um parecer do Ministério Público – que se considera inadmissível – e, por sua vez, tal parecer do M.P. remete para os argumentos apresentados pela ora Recorrida, o que equivale a falta de fundamentação;
4. A questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
8. Admitir, como fez o TCA Sul, que os clubes devem ser desresponsabilizados pelos comportamentos dos seus adeptos – ao arrepio do entendimento de toda a comunidade desportiva e das instâncias internacionais do Futebol, onde esta questão, de tão clara e evidente que é, nem sequer oferece discussão – é fomentar este tipo de comportamentos o que se afigura gravíssimo do ponto de vista da repercussão social que este sentimento de impunidade pode originar;”.

4. Como se viu não vem posta em causa a existência dos factos que originaram a instauração do processo disciplinar e a consequente condenação do Recorrido, isto é, que no referido jogo, nas bancadas reservadas aos membros dos grupos organizados de adeptos do A……, houve rebentamento de petardos, potes de fumo, flash lights e gritos ofensivos contra adversários.
E, se assim é, o que está em causa é, apenas e tão só, a questão é a de saber se a ocorrência de tais factos é, por si só, independentemente do que se vier a provar em sede de culpa, suficiente para sancionar o A….. pela prática das identificadas infracções. Ou seja, e dito de forma diferente, importa saber se o TCA ajuizou correctamente quando afirmou que, não sendo objectiva a responsabilidade pela prática de tais infracções, será indispensável que a FPF prove que o A……, no citado jogo, não vigiou convenientemente a entrada no estádio dos seus adeptos e que os autores dos factos puníveis tinham sido, de facto, seus adeptos.
O que evidencia que a questão que aqui se coloca tem relevante importância jurídica uma vez que é decisivo saber, se nas circunstâncias dos autos, recai sobre a acusação o ónus de provar o que o Acórdão recorrido considerou indispensável sob pena de absolvição do Clube acusado. Se assim for, isto é, se for fundamental fazer a prova exigida por aquele Aresto a conclusão que se retira é que os normativos alegadamente violados terão uma diminuta aplicação visto ser muito difícil fazer essa prova. O que vale por dizer que a aplicação do disposto nos art.º 127.º e 187.º do RD da FPF, que a Recorrente considera importante para assegurar a ordem nos desafios de futebol, será residual. Questão cuja relevância jurídica e social é, por si só, suficiente para justificar a admissão da revista.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 25 de Janeiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos - Carlos Carvalho.