Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01496/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22824
Nº do Documento:SA22018012401496
Data de Entrada:12/22/2017
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 - RELATÓRIO

A………………., Ld.ª, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do TAF de Almada que julgou procedente a excepção dilatória da intempestividade do pedido de anulação de venda, por ela formulado, e que, consequentemente, absolveu da instância a Fazenda Pública relativamente à arguição da alegada falta de concessão do direito de se pronunciar antes de ser tomada decisão pelo órgão de execução, da venda do imóvel. E que absolveu, ainda, da instância a Fazenda Pública, relativamente à falta de notificação dos credores com garantia real antes da venda por considerar a reclamante parte ilegítima.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A - A douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões de que devia conhecer suscitadas pela parte, nem decidiu explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia.
B - Pelo que está afetada a validade formal da sentença.
C - A recorrente arguiu junto do Tribunal “a quo” que deveria ter sido ouvida antes da venda do bem penhorado e, nesse contexto, fora preterida uma formalidade essencial.
D - Mas a sentença recorrida é absolutamente omissa sobre esta questão de direito suscitada pela parte e que constitui objeto do presente recurso sendo consequentemente nula, com os efeitos jurídicos daí derivados.
E - Cautelarmente, sempre se dirá que o ato reclamado, enferma do vício da preterição da formalidade de audiência prévia por violação do artigo 812° do CPC aplicável “ex vi” artigo 2° alínea e) do CPPT, normativo que deve ser interpretado e aplicado no sentido de exigir a audição prévia do executado, quando o órgão de execução fiscal decida acerca da venda.
F - À recorrente não foi concedido o direito de se pronunciar antes de ser tomada a decisão, pelo órgão de execução fiscal, acerca da venda do imóvel e, concludentemente, foi preterida uma formalidade essencial que acarreta a nulidade de todos os atos posteriores.
G - A venda do imóvel em causa nos presentes autos, deve ser anulada com fundamento em preterição de formalidades essenciais, desde logo por não lhe ter sido dada a possibilidade de se pronunciar previamente nos termos do disposto no atual artigo 812° do CPC.
H - Noutro segmento, devemos chamar à colação o artigo 248° do CPPT, como ensina Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6 Edição, 2011, IV Vol., Áreas Editora, págs. 111 e 112, para o qual remetemos as considerações suscetíveis de serem tecidas.
I. No mesmo sentido a jurisprudência superiormente firmada, vg. no acórdão n° 01385/13 do STA, de 02-10-2013, que acolheu a tese que defende a aplicação subsidiária do artigo 886°-A do CPC (hoje artigo 812° do NCPC), ao processo tributário, na senda do Tribunal Constitucional que julgou inconstitucional, a norma que resulta das disposições conjugadas: da alínea e) do n° 1 do artigo 2° e n° 3 do artigo 252° do CPPT e dos artigos 201°, 904°, e al. c) do n° 1 do artigo 909° do CPC, quando interpretada ‘no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real na fase de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente” cfr. O Acórdão n° 166/2010, de 28 de Abril de 2010 também do STA.
J - Verificado nos autos que a suscetibilidade de esta omissão poder influir no ato decisório reclamado e recorrido, haveria, incondicionalmente, de acordo com o que dispõe o artigo 195° nºs. 1 e 2 do CPC, que anulara ato reclamado e sob a égide recursiva, bem como todos os atos subsequentes que dele dependam absolutamente.
L - A executada não foi notificada para se pronunciar sobre as modalidades de venda do imóvel, constituindo essa falta de notificação omissão de uma formalidade prescrita na lei, consubstanciando nulidade processual sujeita à regra do artigo 195° do CPC.
M - Porquanto, é suscetível de ter influência na decisão do processo, desde logo, porque a recorrente poder-se-ia ter pronunciado sobre as modalidades de venda, suscitando inclusivamente a possibilidade de se lançar mão de outras formas de venda dos bens,
N - E sendo nula a decisão não pode produzir efeitos na ordem jurídica, devendo ficar sem efeitos todos os atos praticados e eivados do respetivo vício.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo” e, em consequência, ser anulado o despacho na origem dos presentes autos, com todas as consequências legais daí advindas.
SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!»

O Banco B……………, SA, a fls. 180 e seguintes vem apresentar as suas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«a) O presente recurso carece totalmente de fundamento e não pode, por isso, proceder.
b) Alega a Apelante que a sentença recorrida é absolutamente omissa sobre questões de direito suscitadas pela parte, não tomando posição sobre questões de que deveria conhecer.
c) Ora, andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao absolver a Fazenda Pública relativamente:
a. à arguição da falta de notificação dos credores com garantia real antes da venda, por considerar a Reclamante, ora Apelante, parte ilegítima, ao abrigo do art.º 278.º, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.º 2.° do CPPT
b. à arguição da alegada falta de concessão do direito de se pronunciar antes de ser tomada a decisão, pelo órgão de execução fiscal, da venda do imóvel, por julgar intempestiva a reclamação apresentada pela aqui Apelante, ao abrigo do art.° 278.º, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.º 2.° do CPPT.
Por um lado,
d) Porque a executada, aqui Apelante, carece de legitimidade de requerer a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado com o art.º 257.º, n.º 1 al. a) do CPPT e 838.º, n.º 1 do CPC.
e) Uma vez que nos presente autos não estão em causa as situações previstas nas alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT e o pedido de anulação de venda formulado pela executada, aqui Apelante, funda-se na alínea a do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT.
f) Atenta à qualidade de executada, é evidente que a ora Apelante carece de legitimidade para requerer a anulação da venda do bem imóvel realizada nos autos executivos melhor identificados supra, tendo por fundamento a alegada existência de um ónus real incidente sobre tal bem.
g) Nos termos do disposto na alínea e), do artigo 577.º do Código de Processo Civil, aplicável atendendo ao disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT, a ilegitimidade da reclamante para requerer a anulação da venda com aquele fundamento constitui uma excepção dilatória.
h) De acordo como n.º 2 do artigo 576.º do CPC, também aplicável atento ao disposto na alínea e) do artigo 2.º do CPPT, as excepções dilatórias obstam a que se conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância.
Por outro lado,
i) Relativamente à alegada preterição de formalidade legal o pedido revela-se igualmente intempestivo pois de acordo com o disposto na alínea c) do n° 1 e no 2 do artigo 257.º do CPPT, o prazo de arguição é de 15 dias a contar da data da venda e o mesmo foi efectuado muito para além deste prazo.
j) Nos presentes autos ficou provado que a Executada, aqui Apelante, foi notificada da venda por ofício de 16.06.2016, recepcionada a 22.06.2016.
k) O pedido de anulação da venda foi apresentado pela ora Apelante a 15.09.2016.
l) Pelo que o pedido de anulação da venda revela-se claramente extemporâneo.
m) Ora a extemporaneidade do pedido consubstancia uma excepção peremptória que nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do CPC conduz à absolvição do pedido.
n) Assim, não poderia a Meritíssima Juiz a quo decidir de outra forma, ao absolver a Fazenda Pública relativamente:
a. à arguição da falta de notificação dos credores com garantia real antes da venda, por considerar a Reclamante, ora Apelante, parte ilegítima, ao abrigo do art.º 278.º, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.º 2.º do CPPT
b. à arguição da alegada falta de concessão do direito de se pronunciar antes de ser tomada a decisão, pelo órgão de execução fiscal, da venda do imóvel, por julgar intempestiva a reclamação apresentada pela aqui Apelante, ao abrigo do art.º 278.°, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.º 2.º do CPPT.
TERMOS EM QUE SE REQUER QUE O PRESENTE RECURSO SEJA JULGADO IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, QUE:
a. absolveu a Fazenda Pública relativamente à arguição da falta de notificação dos credores com garantia real antes da venda, por considerar a Reclamante, ora Apelante, parte ilegítima, ao abrigo do art.º 278.°, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.° 2.º do CPPT
b. absolveu a Fazenda Pública relativamente à arguição da alegada falta de concessão do direito de se pronunciar antes de ser tomada a decisão, pelo órgão de execução fiscal, da venda do imóvel, por julgar intempestiva a reclamação apresentada pela aqui Apelante, ao abrigo do art.º 278.º, n.º 1 al. d) do CPC, ex vi, al. e) do n.º 1 e do art.º 2.º do CPPT. »

A Fazenda Pública não contra alegou.

O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«A recorrente, A…………………., SA, vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, exarada a fls. 148/152, em 03 de Outubro de 2017, que absolveu a Fazenda Pública da instância por falta de interesse em agir e consequente ilegitimidade ativa da recorrente quanto à alegada omissão de notificação da existência de ónus real sobre o imóvel vendido aos credores com garantia real e absolveu a Fazenda Pública do pedido, por intempestividade, (estamos em crer que se referiu instância por evidente lapso) quanto à alegada questão da omissão de audição da recorrente/executada antes da venda do imóvel.
A nosso ver o recurso não merece provimento.
Vejamos.
Analisemos, desde já, a alegada omissão de pronúncia, pois que, segundo a recorrente (conclusão A) “A douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões de que devia conhecer suscitadas pela parte, nem decidiu explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia”.
Existe omissão de pronúncia quando se verifica a violação do dever processual que o tribunal tem em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas.
Para se estar perante uma questão é necessário que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou de direito sobre que existem divergências, formuladas com base em alegadas razões de facto e de direito (acórdão do STA, de 29/04/2008-recurso n.º 18150, AP-DR, de 30/11/2001, página 1311).
Nos termos do disposto no artigo 608.°/1 do CPC a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sendo certo que nos termos do número 2 o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
O Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.°/2 do CPC), sob pena de nulidade por excesso de pronúncia.
Nos termos do estatuído no artigo 615.°/1/ d) do CPC a sentença é nula quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, é manifesto que não ocorre a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Na verdade, a recorrente suscitou ao tribunal três questões, a saber, a falta de indicação no Edital de venda do imóvel da existência de ónus reais sobre o mesmo, a falta de notificação desses ónus aos credores com garantia real e a falta de audição da recorrente/executada sobre a venda do imóvel.
O tribunal recorrido considerou que, relativamente às duas primeiras questões a recorrente não tinha interesse em agir, sendo parte ilegítima na ação, exceção que obstava ao conhecimento dessas questões.
Quanto à terceira considerou que a mesma foi suscitada intempestivamente, ou seja que tinha caducado o direito de ação, exceção essa que, também, impedia o conhecimento da questão.
E, pois, certo que não ocorre a alegada omissão de pronúncia.
Os recursos jurisdicionais têm por escopo a reanálise de questões já decididas por um tribunal hierarquicamente inferior.
Assim, salvo questões de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, apenas suscitadas pelo recorrente, em sede de recurso.
Ora, como resulta dos autos e já se referiu, a sentença recorrida julgou verificadas as exceções de falta de interesse em agir/ilegitimidade ativa da recorrente e a intempestividade do pedido (caducidade do direito de ação) quanto a um dos pedidos, sendo certo que a recorrente sobre essa decisão, como deflui das conclusões de recurso, é, absolutamente, omissa.
A recorrente tinha o ónus da atacar a sentença recorrida, fundamentando de jure por que razão não acorreriam as apontadas exceções, sendo certo que sobre tal matéria nada disse.
De facto, a recorrente, além de invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, limitou-se a sustentar a existência dos já referidos vícios, abstratamente, suscetíveis de determinar a anulação da venda do imóvel e sobre os quais a decisão recorrida não se pronunciou, por a tal obstar a verificação das apontadas exceções.
Assim, não tendo a recorrente tentado demonstrar os vícios ou erros que afetam o julgado, o recurso não pode proceder.
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.»

2 - Fundamentação

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão:
1. A Reclamante é executada no processo de execução fiscal n° 2240201101061291 que corre termos no serviço de finanças de Sesimbra por dívidas de IMT (cfr. doc. junto a fls. 1 a 3 da cópia do processo executivo junto aos autos);
2. A Reclamante foi citada no âmbito do presente processo executivo em 19/09/2011 (cfr. doc. junto a fls. 6 da cópia do processo executivo junto aos autos);
3. A executada requereu o pedido de pagamento da dívida exequenda em prestações, bem como a dispensa de prestação de garantia (cfr. doc. junto a fls. 13 da cópia do processo executivo junto aos autos);
4. Por despacho de 05/01/2012 foi deferido o pedido de pagamento em prestações mas indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, tendo sido fixado o prazo de 15 dias para a prestação de garantia idónea (cfr. doc. junto a fls. 17 da cópia do processo executivo junto aos autos);
5. Em 24/04/2013 foi registada a penhora a favor da Fazenda Nacional, no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto 1 deste probatório, para garantia da quantia exequenda de € 33.715,27, sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 20164, freguesia do …………., Concelho de Sesimbra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656/20100622 (cfr. doc. junto a fls. 52 a 55 da cópia do processo executivo junto aos autos);
6. Em 14/08/2013 é apresentado pela executada um requerimento junto do processo executivo melhor identificado no ponto 1, requerendo que seja aceite como garantia para suspender os processos executivos 2240201101061291, 2240201201011726, 22402001201102320 e 2240201301063502 o imóvel com o artigo matricial n° 20164, da freguesia do …………, bem como o levantamento da penhora da conta bancária sobre o Banco B……….. em virtude desta ser necessária para o funcionamento da empresa (cfr. doc. junto a fls. 68 da cópia do processo executivo junto aos autos);
7. Em 21/08/2013, foi proferido despacho com o seguinte teor “Processo Executivo: 2240201101061291 E 22402012010011723 Dado que o valor patrimonial do prédio (467.190,30) é superior á soma valor a garantir (42 156,00) com o valor das hipotecas registadas (168 600,00), perfaz o valor previsto no n°6 do artigo 199° do CPPT. Sendo assim, averbe-se no sistema a respectiva a garantia com vista à suspensão dos processos acima indicados. Notifique-se. (cfr. doc. junto a fls. 73 da cópia do processo executivo junto aos autos);
8. Em 24/11/2015 foi registada, provisoriamente, na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sobre o imóvel melhor descrito no ponto anterior, uma acção na qual C……………., intentou contra a executada no processo de execução identificado no ponto anterior pedindo, nos seguintes termos: “a) seja declarado nulo o documento particular; b) E, em consequência, sejam declarados nulos o destaque e a compra e venda nele vertidos; c) Seja cancelado o respectivo registo predial de aquisição, sobre o prédio destacado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656 da freguesia de Sesimbra (…………..) e todos os subsequentes; d) Seja cancelado o respectivo registo predial de destaque, sobre o prédio primitivo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 5085 da freguesia de Sesimbra (………), anexado e, consequentemente, eliminada a descrição do prédio destacado; 82m2;” (cfr. doc. junto a fls. 141 a 145 da cópia do processo executivo junto aos autos);
9. Em 19/01/2016 foi proferido despacho de venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 20164, freguesia do …………, Concelho de Sesimbra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656/20100622, no âmbito do processo executivo melhor identificado no ponto 1 (cfr. doc. junto a fls. 113 e 114 da cópia do processo executivo junto aos autos);
10. Por ofício de 21/01/2016, foi a executada notificada do despacho que ordenou a venda do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 20164, freguesia do ………….. Concelho de Sesimbra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656/20100622 (cfr. doc. junto a fls. 128 da cópia do processo executivo junto aos autos);
11. No âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foi vendido, em 27/05/2016, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 20164, freguesia do ……….., Concelho de Sesimbra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656/20100622 (cfr. doc. junto a fls. 146 da cópia do processo executivo junto aos autos);
12. No âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foi vendido, em 27/05/2016, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 20164, freguesia do …………, Concelho de Sesimbra e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n° 14656/20100622 (cfr. doc. junto a fls. 146 da cópia do processo executivo junto aos autos);
13. Por ofício de 16/06/2016 foi a Reclamante notificada da venda melhor identificada no ponto anterior e para proceder à entrega do bem (cfr. doc. junto a fls. 171 a 173 da cópia do processo executivo junto aos autos);
14. O ofício identificado no ponto anterior foi recepcionado em 22/06/2016 (cfr. doc. junto a fls. 171 a 173 do processo instrutor junto aos autos);
15. Em 14/09/2016 a Reclamante apresentou um pedido de anulação (admitido e doc. junto a fls. 183 a 213 do processo executivo junto aos autos)
16. O pedido identificado no ponto anterior foi indeferido por despacho de 24/10/2016 (cfr. doc. junto a fls. 11 dos autos);.
A decisão sob recurso tem o seguinte teor que apresenta por extracto:
(…) O art. 257°, do CPPT dispõe no seu n.º 1 o seguinte:
(…)
Por sua vez, dispõe o art. 838°, do CPC, sob epigrafe “Anulação da venda e indemnização do comprador”, o seguinte:
(…)
Em anotação ao referido art. 257°, o Conselheiro Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª Edição, 2011, Áreas Editora, págs. 193 e segs., afirma o seguinte: Nas situações previstas na alínea a), do n.º 1 deste art. 257°, do CPPT tem legitimidade o comprador. Também poderá ter legitimidade o preferente ou o remidor se, depois da venda, foi julgada procedente qualquer acção de preferência ou foi deferida a remição de bens, situações em que o preferente ou o remidor se substituirão ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra (...). O executado tem legitimidade para requerer a anulação nas situações enquadráveis na alínea b) deste art. 257.º e também nas situações indicadas nas alíneas a), b) e c), do n.º 1, do art. 909°, do CPC. (...). Mas, o executado não tem legitimidade para pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou as suas qualidades, por falta de correspondência com o que foi anunciado, nos termos do art. 257.º, do CPPT (situação idêntica à prevista no art. 908.°, do CPC, para o processo de execução comum). Com efeito, estes fundamentos de anulação destinam-se a proteger os interesses do comprador, como estão expressamente previsto nesta norma do CPC.(...)”
Também o Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 14/04/2016, no processo nº 02321/15.9BEPRT, defendeu o seguinte:
“O regime especial do art. 57°, do CPPT, de invalidades da venda operadas no âmbito do processo de execução fiscal impõe que as referências feitas à al. a) do n.° 1, aos erros sobre o objeto transmitido e sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, sejam interpretadas em consonância com o art. 908°, n.º 1 do CPC e naturalmente tem em vista a proteção dos compradores, a lei é expressa em conferir tal legitimidade ao comprador.
O interesse legalmente protegido é o deste, sendo relevante o seu interesse na conformidade do anúncio com a realidade. No sentido de o executado não poder pedir a anulação da venda com tal fundamento tem sido também o entendimento da doutrina Lopes Cardoso, Manual da Ação Executiva, pág. 635, nota 1; Prof Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2° págs. 417 e seguintes; Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPPT Anotado, pág. 668, nota 11 e Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado, IV volume, 68 edição página 193., o que bem se compreende se se atentar em que o executado tem naturalmente um conhecimento exato dos bens penhorados, sua propriedade, da sua situação. O que não tem de acontecer exatamente do mesmo modo com o comprador que o tem de aferir primacialmente nos termos do respetivo anúncio de venda.
Assim, tem sido pacificamente decidido pelos nossos tribunais: “O executado não tem legitimidade para requerer a anulação da venda, com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado, art° 257° n° 1 al. a) do CPPT e 908° n° 1 do C.P.Civil Ac do STA de 3/7/2002 no recurso n.º 0523/02, disponível em www.dgsi.pt.
Também a falta de notificação da venda aos credores com garantia real aponta para a falta de interesse em agir, aqui quem pode ser prejudicada com tal omissão não é a executada mas os credores, logo só estes têm interesse em demandar contra tal omissão ou nulidade. Se os credores se sentirem lesados não deixarão de defender os seus legítimos interesses não cabendo a defesa desses direitos ao executado, que não é sequer afetado com esta omissão.
Não se descortina, por isso, qual o interesse que a Recorrente pretende fazer valer nos presentes autos uma vez que a argumentação empreendida centra-se no interesse exclusivo dos credores quando nos presentes autos ocupa a posição de executada. (...)”
Passando ao caso concreto dos presentes autos, verificamos que a Reclamante, identifica como um dos fundamentos para o seu pedido de anulação de venda, a falta de notificação dos credores com garantia real de um dos ónus que impendem sobre o imóvel vendido.
Ora, como se extrai do acima referido, a Reclamante não tem interesse em agir nesta situação concreta, sendo que a falta de interesse em agir acarreta a ilegitimidade da Reclamante, no que tange a este argumento.
Concluindo, e julgando procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e absolver-se-á a Fazenda Pública da instância, nos termos dos arts. 278°, n° 1, al. d), do CPC.
Vem ainda a Fazenda Pública suscitar a questão da intempestividade do presente meio processual.
(…)
Concluindo julgaremos procedente a excepção dilatória da intempestividade do pedido de anulação de venda.
IV. Decisão
Nestes termos, este Tribunal:
Absolve a Fazenda Pública da instância relativamente à arguição da falta de notificação dos credores com garantia real antes da venda, por considerar a Reclamante parte ilegítima, ao abrigo do art. 278°, n° 1, al. d) do CPC, ex vi al. e) do n° 1 do art. 2° do CPPT;
- Absolve a Fazenda Pública da instância relativamente à arguição da alegada falta de concessão do direito de se pronunciar antes de ser tomada a decisão, pelo órgão de execução fiscal, da venda do imóvel, por julgar intempestiva a presente Reclamação (art. 278°, n° 1, ai. d) do CPC, ex vi al. e) do n° 1 do art 2° do CPPT);(…)”.

DECIDINDO NESTE STA

A recorrente suscitou ao tribunal de 1ª instância três questões, a saber:
a) falta de indicação no Edital de venda do imóvel da existência de ónus reais sobre o mesmo.
b) falta de notificação desses ónus aos credores com garantia real
c) e, a falta de audição da recorrente/executada sobre a venda do imóvel.

Há que ter presentes os ditames do artº 257º do CPPT que estipula o seguinte:

1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n.º 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da lei geral tributária. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º
(Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa. (Anterior 4 - Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

A decisão recorrida, como resulta do extracto destacado supra, considerou que:
A Reclamante, carece de legitimidade pedir a anulação da venda com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou as suas qualidades, por falta de correspondência com o que foi anunciado, nos termos do art. 257.º, do CPPT (situação idêntica à prevista no art. 908.°, do CPC, para o processo de execução comum) pois que estes fundamentos de anulação destinam-se a proteger os interesses do comprador e que também carece de legitimidade para pedir a anulação de venda, com o fundamento na falta de notificação dos credores com garantia real de um dos ónus que impendem sobre o imóvel vendido por lhe faltar o interesse em agir pois aqui quem pode ser prejudicado com tal omissão não é a executada mas os credores, logo só estes têm interesse em demandar contra tal omissão ou nulidade. Se os credores se sentirem lesados não deixarão de defender os seus legítimos interesses não cabendo a defesa desses direitos ao executado, que não é sequer afectado com esta omissão. E, consequentemente, julgou procedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa e absolveu a Fazenda Pública da instância.

E, finalmente considerou ocorrer intempestividade do presente meio processual por a reclamante não possuir legitimidade para intentar a presente Reclamação de Acto do órgão de Execução Fiscal considerando que apenas tinha à sua disposição os fundamentos da alínea b), cujo prazo são trinta dias, ou da alínea c), onde o prazo estabelecido é de quinze dias.
Vejamos:
Sendo pelo conjunto das conclusões de recurso que se delimita o objecto do mesmo vistas as mesmas temos que em primeiro lugar suscita a recorrente a questão da nulidade da sentença decorrente da alegada omissão de pronuncia consistente em não se ter pronunciado a mesma decisão sobre a questão por si arguida na petição inicial da presente reclamação de que deveria ter sido ouvida antes da venda do bem penhorado tendo sido preterida uma formalidade essencial.
Dando atenção à sentença sob recurso verifica-se que, de facto, ali não foi abordada a questão da audição da executada antes da venda do bem penhorado mas é cristalino que tal sucedeu na circunstância de ter sido julgada procedente a excepção de caducidade do direito de requerer a anulação de venda. Ali se expendeu:
(…) Vem ainda a Fazenda Pública suscitar a questão da intempestividade do presente meio processual.
Como vimos acima a Reclamante não possui legitimidade para intentar a presente Reclamação de Acto do órgão de Execução Fiscal.
Ora, não possuindo legitimidade para lançar mãos deste meio processual ao abrigo do disposto na alínea a) do n° 1 do art. 257°, do CPPT, a consequência é a de o prazo para a interposição do pedido de anulação de venda deixar de ser o prazo de 90 dias ali estabelecido. Daqui decorre que, tal como já se afirmou também a Reclamante apenas ter à sua disposição os fundamentos da alínea b), cujo prazo são trinta dias, ou da alínea c), onde o prazo estabelecido é de quinze dias.
Consequentemente, a Reclamante, apenas dispunha de um prazo de 30 dias ou de 15 dias.
No caso concreto dos autos, como o outro fundamento invocado não era passível de discussão em sede de oposição à execução (alínea a) do n° 1 do art. 204° do CPPT, mas sim um outro fundamento, o prazo que dispunha para deduzir o pedido de anulação de venda era de quinze dias.
De facto, o prazo de quinze dias estabelecido na alínea c) do no 1 do art. 257° do CPPT terminou em 07/07/2016, pelo que o pedido apresentado em 15/9/2016 é claramente extemporâneo.
Concluindo julgaremos procedente a excepção dilatória da intempestividade do pedido de anulação de venda (…).

Portanto a alegada não pronúncia teve a alicerça-la uma decisão que se pronunciou sobre a intempestividade, para a ora recorrente, enquanto executada, poder requerer a anulação de venda. Poderíamos estar no campo do erro de julgamento mas seguramente não no campo da nulidade da sentença decorrente de falta de pronúncia sobre questão suscitada.
Acresce referir que vem agora a recorrente suscitar questão consistente em que o acto reclamado, enferma do vício da preterição da formalidade de audiência prévia por violação do artigo 812° do CPC aplicável “ex vi” artigo 2° alínea e) do CPPT (vide conclusão E) supra destacada.
Ora sucede que, a recorrente para este STA não questiona o segmento da decisão que julgou procedente a excepção dilatória da intempestividade da anulação de venda e assim sendo não cumpre ir mais, além estando assente essa intempestividade no que respeita ao seu pedido consubstanciado em que devia ser ouvida sobre a venda do imóvel.
De outro modo, a admitir-se agora o conhecimento desta nova questão estaríamos a permitir que fossem suscitadas perante o tribunal ad quem questões que, não sendo do conhecimento oficioso, não foram apreciadas no tribunal recorrido o tribunal “a quo”. Ora, como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer inúmeras vezes, o recurso jurisdicional visa apreciar a correcção das decisões dos tribunais de hierarquia inferior, reapreciando-as – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não decidir questões que não foram apreciadas antes (Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 466/14, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0c8d6de0bfe5fc180257d6600538b57;

Aqui chegados e aportando para o presente acórdão, quanto ao mais (designadamente as questões suscitadas de legitimidade), a fundamentação da sentença recorrida que se mostra acertada, concluímos que a decisão de não anulação da venda efectuada fez uma correcta interpretação dos preceitos legais assinalados pelo que a mesma é de manter.


4-DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.