Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0838/19.5BEPRT
Data do Acordão:09/02/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26237
Nº do Documento:SA2202009020838/19
Data de Entrada:08/04/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Administração Tributária e Aduaneira vem recorrer da sentença proferida no TAF do Porto, datada de 31.01.2020, que julgou procedente a prescrição do crédito tributário -Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente ao período de Julho a Setembro de 2010- nos presentes autos de reclamação deduzidos ao abrigo do disposto no artigo 276º e ss do CPPT, que contra si intentou A………….., S.A.
Alegou, tendo concluído:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a reclamação deduzida, nos termos do art.º 276º e seguintes do CPPT, por A…………., LDA, NIPC …………, na sequência do despacho que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3581201001078585.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto entende que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.
C. “A prescrição tem, em termos gerais, na sua base, o interesse da certeza e segurança jurídica, encontrando aquele igualmente fundamento na negligência do credor – ainda que não seja culposa. Busca-se uma razoabilidade entre o tempo em que a Administração pode cobrar certa dívida e o tempo que pode durar uma obrigação no foro tributário, sem infringir as garantias conferidas aos contribuintes e respeitando o princípio da legalidade tributária e da reserva de lei formal, previstos no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)”- Serena Cabrita Neto (“A prescrição da obrigação tributária”, in Prescrição da obrigação tributária [em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2019, pp. 85).
D. A prescrição das dívidas tributárias configura, assim, uma das mais importantes garantias vigentes no ordenamento jurídico tributário, consagrada a favor dos contribuintes.
E. No direito fiscal o facto interruptivo tanto pode consistir num ato que manifeste a intenção de exercer o direito por parte do credor (a citação em execução fiscal), como pode consistir num facto que exprima o exercício das garantias do contribuinte (graciosas e contenciosas).
F. Embora a lei tributária especifique as causas de interrupção e de suspensão do prazo de prescrição (art.º 49º da LGT), a mesma não contém quaisquer normas especiais sobre os efeitos das mesmas causas no referido prazo, pelo que devemos recorrer ao Direito Civil e às suas regras sobre este instituto, estabelecidas nos artigos 318.º e seguintes do Código Civil (CC), por força do artigo 2.º, alínea d) da LGT, que determina a aplicação subsidiária do Código Civil às relações jurídico-tributárias.
G. No caso em apreço, a discordância da Fazenda Pública com a sentença proferida prende-se com o facto de o Tribunal a quo ter considerado inócua, para efeitos de prescrição, a citação da sociedade executada efetuada antes do início do prazo previsto no art.º 48º n.º 1 da LGT, com o fundamento que não se pode interromper um prazo que ainda não se iniciou e que não está a decorrer.
H. São manifestas as diferenças entre a prescrição no direito civil e a prescrição no direito tributário, nomeadamente no que concerne ao início do prazo de prescrição que, no primeiro, regra geral, começa a correr quando o direito puder ser exercido (art.º 306º do CC) e no segundo, a partir dos momentos previstos no supramencionado art.º 48º da LGT.
I. No que às dívidas de IVA se refere, prevê o art.º 48º n.º 1 da LGT, na redação atual, que o prazo de prescrição se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
J. Mas nem sempre foi assim. Sendo o IVA um imposto de obrigação única, o termo inicial do prazo de prescrição contava-se, à luz da inicial redação do nº 1 do art.º 48º da LGT, a partir da data da ocorrência dos respetivos factos tributários, e passou a contar-se, por força da alteração que o art.º. 40º da Lei nº 55-B/2004 introduziu neste nº 1, a partir do início do ano civil seguinte aquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
K. Ora, com esta alteração, e ao contrário do que acontece com os impostos periódicos e os demais impostos de obrigação única, no IVA (e também nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo) o momento inicial da prescrição passou a ser posterior ao momento em que o credor pode exigir a sua cobrança, existindo um lapso temporal entre o momento em que pode ser instaurado o processo de execução fiscal e efetuada a citação e o momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição.
L. Nos autos de execução aqui em causa estão em cobrança coerciva dívidas de IVA do terceiro trimestre de 2010, tendo o processo de execução fiscal sido instaurado em 2010/12/15, antes do início do prazo de prescrição que, em conformidade com o art.º 48º n.º 1 da LGT, se iniciou em 2011/01/01.
M. Ora, a AT, como credor diligente, não só instaurou o processo de execução naquela data, como deu a conhecer ao executado de que foi proposta contra ele aquela execução, através da citação efetuada em 2010/12/27.
N. Atento o regime legal da prescrição em sede tributária, a citação na execução fiscal constitui o único ato interruptivo que corresponde à intenção de exercício do direito por parte do credor, porquanto no direito fiscal a regra geral é que é o devedor e não o credor que provoca a interrupção da prescrição.
O. Se a lei não só permite, como exige – atento o principio da indisponibilidade dos créditos (art.º 30º n.º 2 da LGT, 85º do CPPT) -, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias, a extração da competente certidão de dívida (art.º 88º CPPT) e a consequente instauração do processo de execução fiscal e citação do executado (art.º 162º e 188º do CPPT), atenta a ausência, na legislação tributária, de qualquer previsão ou regulamentação sobre os efeitos dos factos interruptivos, retirar o efeito interruptivo a uma citação (primeiro facto interruptivo) que ocorreu por diligência do credor, nos exatos termos previstos na lei (ainda que em momento anterior ao início do prazo de prescrição previsto no art.º 48º n.º 1 da LGT), será retirar efeito ao único ato interruptivo que este tem na sua disponibilidade para parar a contagem do prazo ou obstar ao início dessa contagem.
P. A ser assim, estaria a penalizar-se o credor diligente que, atempadamente, exerceu o seu direito/dever nos exatos termos previstos na lei. Se assim fosse, para poder beneficiar dos efeitos da citação enquanto primeiro facto interruptivo da prescrição, sempre teria o credor, no caso a AT, de fazer tábua rasa dos supramencionados preceitos legais e esperar pelo início do prazo de prescrição para proceder à citação do executado.
Q. Na verdade, no direito civil, esta questão não existe porquanto o prazo de prescrição começa a contar a partir do momento em que o credor pode exercer o seu direito. Esta é uma questão específica do direito tributário, que fruto da alteração legislativa operada pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro, postergou o início do prazo de prescrição para um momento posterior àquele em que o credor pode exercer o seu direito.
R. Não existindo na legislação tributária normas especiais sobre os efeitos das causas de interrupção do prazo de prescrição e não existindo no direito civil uma situação semelhante, afigura-se que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, a letra da lei ficou aquém do seu espírito, o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo.
S. Na verdade, o legislador pretendeu dar relevância à citação enquanto facto interruptivo da prescrição porquanto é um ato, formal, que dá a conhecer ao devedor a intenção do exercício do direito. E tal ato (citação) reveste tal importância enquanto facto interruptivo, que o legislador no Código Civil, admite a interrupção da prescrição por efeito da citação, mesmo antes de esta se ter concretizado, bastando para tal que esta tenha sido requerida e não se tenha concretizado, por causa não imputável ao requerente (art.º 323º n.º 2 do CC).
T. Ora, atenta a unidade do ordenamento jurídico tributário, não faz qualquer sentido que o legislador tenha previsto a citação em execução fiscal em momento anterior ao início do prazo de prescrição e depois apenas conceda o efeito interruptivo a que se refere o art.º 49º n.º 1 da LGT às citações que foram efetuadas após o início daquele prazo.
U. Pelo que, entende a Fazenda Pública, numa situação como a dos presentes autos, em que não só é possível, como é exigível a instauração do processo de execução fiscal e consequente citação do devedor antes do início do prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art.º 48º da LGT, não pode esta citação (prevista como facto interruptivo no art.º 49º n.º 1 da LGT) deixar de produzir efeitos no referido prazo (nos termos do art.º 326º n.º 1 e 327º n.º 1 do CC), obstando ao início da sua contagem, a partir de 2011/01/01.
V. Nestes termos, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, por errada interpretação do art.º 49º n.º 1 da LGT, conjugado com os artigos 326º n.º 1 e 327º n.º 1 do Código Civil, aplicáveis ex vi art.º 2º al. d) da LGT.
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso.

Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, neste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
A) Em 15-12-2010, foi instaurado, pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 3 contra a Reclamante, o processo de execução fiscal nº 3581201001078585, para cobrança coerciva de dívidas de IVA relativas ao período de 07-2010 a 09-2010, no valor de 3.547,35€.
B) Em 27-12-2010, a Reclamante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea anterior.
C) Em data não concretamente apurada (mas situada entre Janeiro e Fevereiro de 2019), a Reclamante apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea A), no qual requer, entre o mais, “a prescrição da dívida exequenda, devendo a mesma ser declarada pela Administração Tributária”.
D) Em 27-02-2019, na sequência do requerimento referido na alínea precedente, o Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2 proferiu despacho, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“[…]
Em concordância com o informado e parecer emitido, indefiro o pedido, não reconhecendo a prescrição da dívida, assim, deve prosseguir a execução os seus trâmites legais.
[…]”.
E) Em 08-03-2019, o mandatário do Reclamante recebeu ofício enviado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, datado de 06-03-2019, acompanhado do despacho mencionado na alínea antecedente.
F) Em 14-03-2019, a Reclamante enviou ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia – 2, mediante correio postal, a presente reclamação.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Nos presentes autos coloca-se a questão de saber se, ocorrendo a citação do devedor originário no âmbito de execução fiscal contra si deduzida, antes do início do prazo de prescrição, ainda assim essa citação produz os seus normais efeitos interruptivos instantâneos e duradouros sobre o prazo de prescrição, ou pelo contrário, como se decidiu na sentença recorrida, não produz qualquer efeito sobre esse mesmo prazo, contando-se tal prazo prescricional desde o seu início na data legalmente fixada, sem se contabilizar qualquer interrupção ou suspensão, ainda que durante todo esse tempo se encontre pendente o referido processo de execução fiscal.

Na sentença recorrida decidiu-se com interesse:
Nesta ordem de ideias, para definir o prazo de prescrição concretamente aplicável, há que apurar, primeiramente, o termo inicial do prazo de prescrição e, seguidamente, apurar as eventuais causas de interrupção e suspensão dessa prescrição.
No caso vertente, estando em causa dívidas de IVA relativas ao período de Julho a Setembro de 2010 [cf. alínea A) do probatório], o prazo de prescrição conta-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto. Portanto, o termo inicial do prazo de prescrição corresponde ao dia 01-01-2011.
Ora, do regime civilístico, decantam-se dois tipos de efeitos interruptivos. De uma parte, o efeito instantâneo do facto interruptivo, compreendido no artigo 326º, nº 1 do CC, segundo o qual a “interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte”. De outra parte, o efeito duradouro do facto interruptivo, plasmado no artigo 327º, nº 1, do CC, que dispõe que “*se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
Sem prejuízo do que até aqui ficou dito, a verdade é que bem vistos os contornos do caso concreto, este apresenta uma particularidade. É que a citação do devedor, no âmbito do processo de execução fiscal, foi realizada antes do termo inicial do prazo de prescrição da prestação tributária.
Conforme já se concluiu supra, estando em causa dívidas de IVA relativas ao ano de 2010, o termo inicial do prazo de prescrição corresponde ao dia 01-01-2011.
Todavia, a Reclamante foi citada, anteriormente, em 27-12-2010 [cf. alínea B) dos factos provados].
Ou seja, à luz da jurisprudência acima referenciada, assistiria razão à Fazenda Pública se a citação tivesse ocorrido em data posterior ao início do cômputo do prazo de prescrição. No entanto, atentos os contornos do caso concreto, merece provimento o pedido formulado pelo Reclamante, embora com diferente qualificação jurídica dos factos – na peugada do princípio iura novit curia, plasmado no artigo 5º, nº 3, do CPC ex vi artigo 2º, alínea e), do CPPT –, pela circunstância de a citação ter ocorrido antes do início do prazo de prescrição. Nessa medida, não se pode trazer à liça o efeito duradouro da interrupção, quando nem sequer operou o efeito instantâneo.
Só que, naturalmente, um determinado facto jurídico – na situação vertente, a citação – só pode operar a interrupção do prazo de prescrição se este estiver em curso. O enunciado literal do texto legal – que serve de base à interpretação, mas também de seu limite (cf. artigo 9º, nº 2, do CC) – não consente outra interpretação que não essa: só pode ser interrompido o prazo de prescrição cujo cômputo já tenha tido início e esteja a decorrer.
No caso em concreto, não se divisa razão válida para se afirmar que o prazo prescricional iniciado em 01-01-2011 se interrompeu em 27-12-2010, passando a ser este o seu termo inicial, mesmo que anterior ao termo inicial do prazo de prescrição. Só faz sentido admitir que a citação comporta um efeito interruptivo relativamente a um prazo que esteja em curso, pois só assim pode, em conformidade com o artigo 326º, nº 1, do CC, reputar de inutilizado o prazo até então decorrido e inferir o reinício desse mesmo prazo.
Posto isto, não resultando provado que tenha existido qualquer facto interruptivo – nem sequer qualquer facto suspensivo –, resta considerar o dia 01-01-2011 como o dies a quo do prazo de prescrição. Por conseguinte, o dies ad quem do prazo de prescrição corresponde ao dia 01-01-2019. Nesta data, completou-se a prescrição, tendo, desde então, o Reclamante a faculdade de recusar o cumprimento da prestação tributária prescrita e de se opor ao direito da Administração tributária poder exigir o cumprimento da obrigação tributária consubstanciada na prestação tributária – incluindo juros de mora e encargos legais – sob cobrança coerciva no processo de execução fiscal (cf. artigo 304º, nº 1, do CC).

Tal como decidido no TAF do Porto, uma citação em processo de execução fiscal que ocorre em momento anterior ao do inicio do prazo de prescrição, como o dos autos, em que o dies a quo é legalmente ficcionado sem ligação temporal imediata ao pagamento do imposto em falta, não tem a virtualidade de ter qualquer repercussão nesse mesmo prazo de prescrição e, nessa medida, face aos preceitos legais vigentes não seria possível ao credor atento e cuidadoso conseguir a interrupção ou suspensão de tal prazo, tendo que se conformar com a inevitável prescrição do seu crédito, apesar de se ter apressado a exigi-lo judicialmente.
Se mais não fosse, tal solução interpretativa das normas legais conduziria a um absurdo jurídico, o que inevitavelmente nos conduz a uma injustiça e a uma inversão do sentido e utilidade com que as normas foram editadas.

Como é sabido, no âmbito das dívidas pecuniárias, os prazos denominados como prazos de prescrição visam essencialmente sancionar o credor relapso ou desinteressado em fazer valer o seu crédito e em atingir a paz social e a certeza das relações jurídicas, isto é, quem não exerce o seu direito durante um determinado período de tempo, expressamente fixado para o efeito, sem causa legitima que o justifique, perde o direito a exerce-lo, ficando o credor com o direito de recusar a prestação abrangida pelo decurso de tal prazo.
Portanto, os prazos de prescrição, como o dos autos, existem com duas funções, uma sancionatória do desinteresse manifestado pelo titular do direito em fazer valer esse seu direito, outra de segurança jurídica, que permite ao devedor recusar a prestação logo que se complete tal prazo.

Estas duas razões que justificam a existência, em abstracto, dos prazos de prescrição seriam suficientes para que o TAF do Porto tivesse concluído pela desrazoabilidade da sua decisão, nos termos do disposto no artigo 9º do Código Civil, na verdade não pode o julgador interpretar a lei concluindo por uma solução que viola o princípio da justiça; se a execução fiscal foi instaurada e o devedor citado ainda antes do início do prazo de prescrição, não pode o julgador encontrar uma solução legal em que põe no mesmo patamar o credor diligente e o credor desinteressado, concluindo pela perda da possibilidade de obter o seu crédito por via judicial.

É certo, como se afirma na sentença recorrida, que uma citação em processo de execução fiscal que ocorre antes de se iniciar o prazo de prescrição legalmente estabelecido, não pode ter como consequência a interrupção de tal prazo que ainda se vai iniciar, na verdade, a interrupção dos prazos legais só pode ocorrer se eles já se iniciaram, como aliás resulta claramente do disposto no artigo 326º do Código Civil que estabelece os efeitos da interrupção.
Porém, como também se afirma na sentença recorrida, a citação em processo judicial, em processo de execução fiscal, sendo um dos actos que conduz à interrupção da prescrição, produz dois efeitos sobre o decurso do prazo de prescrição, um instantâneo, cfr. artigo 326º, n.º 1 do CC, que se reconduz à interrupção a que anteriormente nos referimos e um duradouro, cfr. artigo 327º, n.º 1 do CC. que consiste em impedir o início do novo prazo de prescrição enquanto não houver uma decisão que ponha fim ao processo que provocou o efeito interruptivo.
Se é certo que aquele efeito instantâneo -tal efeito configura uma "interrupção proprio sensu" e é essa a razão pela qual tal efeito não se produz quanto a um prazo que ainda não se começou a produzir- não pode resultar da citação operada no processo de execução, tanto mais que seria inútil uma vez que o prazo prescricional ainda não se havia iniciado, ou seja, trata-se de um efeito meramente inoperante, uma vez que a citação tinha a virtualidade de o produzir, já quanto ao efeito duradouro -que não configura uma verdadeira interrupção- o mesmo mantém-se enquanto se encontrar pendente o processo judicial, o processo de execução, ou seja, quando em 01.01.2011 se devesse iniciar o prazo de prescrição de oito anos, ao mesmo obstava a citação anteriormente havida no processo de execução.

Não se trata aqui, assim de saber se ocorreu ou não a interrupção de algum prazo de prescrição que estivesse em curso, trata-se de saber se a citação tinha ou não a virtualidade de produzir os seus efeitos instantâneo e duradouro e se, no caso concreto, ocorreu alguma circunstância específica que conduziu à inoperância de algum desses efeitos.
Assim, e concluindo, podemos afirmar que a citação ocorrida no processo de execução fiscal produziu o seu efeito duradouro e, nessa medida, não se completou o prazo de prescrição tal como assinalado na sentença recorrida.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em:
-conceder provimento ao recurso e, nessa medida, revogar a sentença recorrida;
-julgar improcedente a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 276º e ss do CPPT.
Custas em ambas as instâncias pela recorrida/reclamante.
D.n.

Lisboa, 2 de Setembro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Nuno Bastos – Gustavo Lopes Courinha.