Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0562/04
Data do Acordão:04/26/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:LICENÇA SEM VENCIMENTO.
CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO.
CARREIRA DOCENTE.
BOLSA DE ESTUDO.
INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA.
Sumário:I – Tendo a recorrente contenciosa, professora do ensino secundário, requerido licença sem vencimento por um ano, para poder usufruir de uma bolsa de investigação científica, porque não tinha o tempo de serviço efectivo necessário para poder beneficiar de licença sabática (oito anos de serviço efectivo e ininterrupto), nos termos do artº108º do Estatuto de Carreira Docente (ECD), ou do regime de equiparação a bolseiro (cinco anos de serviço efectivo), nos termos do artº110º do mesmo diploma legal, não pode pretender que o período de licença sem vencimento lhe seja contado para efeitos de antiguidade, por a isso obstar o artº77º, nº1 do DL 100/99, de 31.03.
II – Com efeito, nos termos do citado artº77º, nº1 do DL 100/99, a licença sem vencimento por um ano implica, além do mais, o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência.
III - O artº5º, nº2 do Estatuto de Investigação Científica, aprovado pelo DL 123/99, de 20.04, aplicável aos bolseiros de investigação científica em geral, não é aplicável à recorrente, porque sendo docente, só pode beneficiar da equiparação a bolseira nos termos previstos no respectivo Estatuto, que estabelece, para o efeito, um regime especial, que prevalece sobre aquele.
Nº Convencional:JSTA00063074
Nº do Documento:SA1200604260562
Data de Entrada:05/18/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PÚBL / ESTATUTÁRIO.
Legislação Nacional:DL 100/99 DE 1999/03/31 ART72 ART73 ART76 ART77.
CPC67 ART668 N1 D.
LPTA85 ART1 ART57 ART102.
CPA91 ART100 ART124 ART125.
ECD90 ART106 ART108 ART110.
EIC99 ART5 N2 ART8.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC857/05 DE 2006/01/17.; AC STA PROC48363 DE 2003/01/28.; AC STA PROC722/04 DE 2004/10/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO:
A..., com os sinais dos autos, interpõe recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo que negou provimento ao recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa (SEAE), de 04.10.2001, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto da decisão da DREL- Direcção Regional da Educação de Lisboa, que lhe indeferiu o pedido de contagem de tempo de serviço na categoria de professora do quadro da Escola Básica, 1, 2 e 3 de Bucelas, durante o período em que, no regime de licença sem vencimento por um ano, beneficiou de bolsa de investigação científica, para obtenção de grau de mestrado em Linguística Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por despacho do Ministro da Ciência e Tecnologia.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
a. O douto acórdão subverte a ordem de apreciação dos vícios do acto que serviram de fundamento ao recurso, contra a natureza desses vícios de fundo e de forma – e contra o indicado pela Recorrente, com ofensa do artº57º, nº1 e 2, als. a) e b) da LPTA.
b. O douto acórdão viola os artº100º do CPA, por errada interpretação e aplicação à factualidade dos autos, arguição desse vício de forma relativamente ao acto hierarquicamente recorrido e probabilidade da audiência prévia poder influenciar a decisão legalmente susceptível de ser outra.
c. O douto acórdão padece de vício de omissão de pronúncia por não ter apreciado a violação, por erro de interpretação e aplicação, dos artº72º, 73º, 76º e 77º do DL 100/99, de 31.03, o que constitui vício de nulidade nos termos do artº668º, nº1, d) do CPC ex vi do artº1º e 102º da LPTA.
d. O acórdão enferma de vários lapsos de escrita, relativos à referência ou transcrição de diplomas e preceitos legais- por exemplo, o DL nº497/98, de 30.12, em vez do DL nº100/99, de 31.03.
e. O douto acórdão padece de vício de erro nos pressupostos de facto e direito, por errada interpretação e aplicação dos artº106º, 108º e 110º do ECD, dos artº1º, 3º e 5º do DN nº23/98, de 01.04 e, por referência daquele artº110º, dos artº 1º e 2º do DL nº272/88, de 03.08 e daquele artº106º, dos artº77º, nº1, conjugados com os artº 72º, 73º e 76º do DL 100/99, de 31.03, na sua actual redacção.
f. Padece ainda do vício qualificado na alínea anterior e de violação de lei relativamente aos artº1º, nº1 e 3, 2º, 5º, nº2, 8º do DL nº123/99, de 20.04.
g. Viola também o Despacho nº244/ME/96, de 31.12, porque se penaliza a Recorrente por ter respondido aos estímulos e ter dado satisfação aos objectivos deste diploma.
h. O douto acórdão viola também o princípio da igualdade – artº13º da CRP e 5º, nº1 do CPA- e ainda os princípios da proporcionalidade e da justiça – artº5º, nº2 e artº6º do CPA.
i. Finalmente, o douto acórdão viola os artº124º e 125º do CPA, por erro nos pressupostos de facto e de direito e aqui por errada interpretação e aplicação da lei - falta de fundamentação.
O Tribunal a quo sustentou o acórdão recorrido, pronunciando-se pela improcedência da nulidade arguida.
A Digna PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
II- OS FACTOS
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A recorrente candidatou-se a uma bolsa de mestrado em Linguística Românica na Faculdade de Letras da U.L., para o ano lectivo de 1999/2000.
2. Para poder beneficiar dessa bolsa, a requerente requereu em 26.05.99 à Directora-Geral do Departamento de Gestão e Recursos Educativos do ME, licença sem vencimento por um ano (que lhe foi concedida em 7/7/99 e renovada para o ano de 2000/2001, por despacho de 26.07.00) e em 31.05.99 foi-lhe a bolsa atribuída condicionalmente e em 27.09 definitivamente, com termo de aceitação assinado em 15.10.99 e com início em 1.09.99.
3. A atribuição dessa bolsa foi-lhe renovada para o ano lectivo de 2000/2001 com início em 1.9.00.
4. Em 20.03.01, a recorrente vem requerer ao Presidente do Conselho Executivo da EB 1, 2, 3, de Bucelas, a rectificação da lista de antiguidade do pessoal docente daquele estabelecimento, publicada no DR de 26.02.01, com fundamento na contagem de tempo durante o período da bolsa (fls.36 dos autos aqui rep.).
5. Por ofício de 30.03.01 é a recorrente notificada que o tempo de serviço não lhe é considerado (fls.18, 19 e 20 aqui dadas por rep.).
6. A recorrente interpõe recurso hierárquico para o Secretário de Estado da Educação que termina da seguinte forma:
“Nestes termos requere-se …se digne dar provimento ao recurso, devendo em consequência ser considerado como tempo de serviço efectivo na categoria todo o tempo correspondente à duração da bolsa de investigação científica…” (fls.14 a 16 aqui rep.).
7. Em 21.09.01, a jurista da DREL profere informação junto de fls. 10 a 13 e aqui rep., donde se extrai o seguinte:
“(…) 3. Vem a requerente alegar que, apesar de ter solicitado a concessão desta licença, a sua situação preenche os requisitos previstos no DL nº123/99, de 20 de Abril, pelo que considera que se encontra numa situação de equiparação a bolseira devendo, por força do previsto no artº5º, nº2, ser contado o tempo de serviço durante o qual beneficiou do referido estatuto.
4. Cumpre esclarecer que a figura se encontra prevista no artº110º do ECD e possui no que a este corpo especial diz respeito regulamentação específica que consta do Despacho Normativo nº23/98, de 1 de Abril. Aí se prevê, inclusive, o estabelecimento de quotas anuais de concessão dessa figura.
5. Assim sendo, é de considerar que esta regulamentação especial de figura de equiparação a bolseiro no que concerne à carreira docente prevalece sobre o regime geral consagrado no DL 123/99, de 20 de Abril (…).
8. O DRE em 21.09.01 emite parecer de concordância sobre esta informação.
9. Em 4.10.01, o Secretário de Estado da Administração Educativa profere despacho a fls.10, aqui rep., com o seguinte conteúdo:
“ Nego provimento ao presente recurso com base na fundamentação de facto e de direito abrangido na presente informação.”
10. A bolsa de que a recorrente foi beneficiária foi concedida pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Doc de fls.17 aqui dado por rep.).
III- O DIREITO
1. Quanto à nulidade do acórdão:
Segundo a recorrente, o acórdão recorrido padece de vício de omissão de pronúncia por não ter apreciado a invocada violação, por erro de interpretação e aplicação, dos artº72º, 73º, 76º e 77º do DL 100/99, de 31.03, já que se refere sempre aos artº76º e 77º do DL 497/98, de 30.12, o que constitui vício de nulidade nos termos do artº668º, nº1, d) do CPC ex vi dos artº1º e 102º da LPTA.
Refira-se, antes de mais, que foi a recorrente que, na petição inicial, imputou ao acto recorrido vício de violação dos artº76º e 77º do DL 497/98, de 30.12, nunca se referindo nesse articulado aos correspondentes preceitos do DL 100/99, de 31.03, que revogou aquele. (cf. artº7º e 28º daquele articulado).
Só nas alegações de recurso contencioso, após a resposta da autoridade recorrida, a recorrente corrigiu a alegação anterior, referenciando agora os artº 72º, 73º, 76º e 77º do regime geral da função pública então em vigor, ou seja, o aprovado pelo DL 100/99, de 31.03 e não o anterior (cf. artº9º e 16º deste articulado).
Assim, tal como a recorrente, na petição inicial, cometeu um erro de escrita na indicação do diploma aplicável, também o acórdão recorrido acabou por cometer idêntico erro, como, de resto, a recorrente, no que respeita ao acórdão, reconhece.
No entanto, tal lapso não prejudicou o conhecimento, pelo acórdão recorrido, da questão invocada pela recorrente como omitida, que não deixou de ser apreciada, pois os preceitos do DL 497/98, analisados no acórdão, são, como se referiu, os correspondentes preceitos do DL 100/99, que têm a mesma redacção.
Aliás, a recorrente acaba até por discordar da interpretação e aplicação dos citados preceitos, feita pelo acórdão recorrido, imputando-lhe erro nos pressupostos (cf. Conclusão e), o que, afinal, contradiz a pretendida omissão de pronúncia.
Improcede, pois, face ao exposto a nulidade arguida.
Quanto aos já referidos lapsos de escrita, como se disse, verificam-se, efectivamente, quer na epígrafe de fls. 92, quer a fls.93 e 94, quando se refere o DL 497/98 em vez do DL 100/99.
No entanto, trata-se de meros erros materiais, que não afectam a decisão.
Quanto à invocada violação do artº57º, nº1 e 2, a) e b) da LPTA, não resulta demonstrada
Com efeito, o acórdão conheceu primeiro o vício de violação do artº100º do CPA, depois o vício de erro nos pressupostos e finalmente, o vício de fundamentação.
No entanto, está justificado o conhecimento prioritário da violação do artº100º do CPA, por se tratar de vício de procedimento, cuja procedência prejudicaria o conhecimento dos demais.
De qualquer modo, a violação do citado artº57º da LPTA, nunca afectaria a validade formal ou substancial do acórdão recorrido, por em nada ter influído na decisão da causa, tanto mais que o acórdão conheceu de todos os vícios imputados ao acto, na petição.
Conhecendo, agora, de mérito:
2. Da violação do artº100º do CPA:
A recorrente censura o acórdão, neste campo, referindo que a falta de audiência prévia foi imputada, pela Recorrente, directamente à decisão da Escola, objecto de recurso hierárquico e não ao acto recorrido que o decidiu a que, portanto, só indirectamente se comunicou esse vício. Assim sendo, entende que não podem relevar, para afastar a exigência legal da audiência prévia, as posições definidas no recurso hierárquico interposto depois da tomada dessa decisão. Entende ainda que essa decisão não era a única possível e, por isso, havia a probabilidade de, na audiência prévia, influenciar a decisão, ao contrário do entendido no acórdão sob recurso.
Ora, o acórdão recorrido, depois de citar as disposições legais que impõem a formalidade de audiência prévia, bem como a jurisprudência sobre a matéria, e de reconhecer que a recorrente não foi ouvida antes da decisão impugnada, interroga-se se, estando em causa um recurso hierárquico, a recorrente teria de ser ouvida, uma vez que as posições do recorrente e da autoridade recorrida já estavam definidas no processo. E embora sem dar resposta a esta questão, conclui que tal audiência não era necessária no presente caso, pois aquela era a única decisão concretamente possível perante a vinculação jurídica imposta à Administração, e, assim, o referido vício procedimental é irrelevante, pois não poderia influenciar a decisão.
Efectivamente, o acórdão refere que estava em causa um recurso hierárquico e as posições das partes já estavam definidas no processo administrativo, enquanto a recorrente refere ter arguido a falta de audiência prévia reportada à decisão administrativa primária e não à proferida em sede de recurso hierárquico, e se confirma face ao artº30º da petição inicial e alegações de recurso contencioso.
É verdade que a decisão impugnada é a decisão do recurso hierárquico e não a decisão primária sobre que este incidiu e sobre aquela a recorrente não tinha que ser ouvida previamente, como é jurisprudência assente.
No entanto, não se provando ser caso de inexistência ou de dispensa de audiência prévia previsto na lei, a recorrente deveria ter sido ouvida, por imperativo do artº100º do CPA, antes da decisão primária proferida pela DREL, objecto de recurso hierárquico e, como se provou, não o foi.
De qualquer modo, e como refere o acórdão recorrido, estamos aqui no âmbito de poderes estritamente vinculados da Administração.
Com efeito, e como se verá a seguir, a lei não permite à Administração, no que respeita à pretensão da recorrente, de que o tempo de licença sem vencimento lhe seja contado para efeitos de antiguidade, qualquer margem de livre apreciação, pelo que a decisão a proferir só poderia ser uma. E, assim sendo, a violação do artº100º não tem efeitos invalidantes, como se decidiu.( Cf. por ex. o Ac. desta Subsecção de 17.01.2006, P.857/05)
3. Do erro nos pressupostos de facto e de direito e violação de lei:
A questão que a recorrente submeteu à apreciação do Tribunal a quo é a de saber se o acto recorrido, ao indeferir a sua pretensão de contagem do tempo de serviço da carreira docente, no período em que, no regime de licença sem vencimento por um ano, beneficiou do estatuto de bolseira de investigação científica, para obtenção do grau de mestrado em Linguística Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, violou o artº5º, nº2 do Estatuto da Investigação Científica (EIC)) e ainda os artº76º e 77º do DL 497/98, de 30.12, posteriormente corrigido para o DL 100/99, de 31.03, bem como o artº106º do ECD.

O acórdão recorrido entendeu que não ocorreu qualquer das referidas violações.
E bem, senão vejamos.
Dispõe o citado artº5º, nº2 do EIC, aprovado pelo DL 123/99, de 20.04, que «os bolseiros que sejam titulares de um vínculo jurídico-laboral de direito público têm ainda direito à contagem do tempo durante o qual beneficiaram do estatuto previsto no presente diploma, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço efectivo na categoria que detém».
Nos termos do artº76º do DL 100/99, de 31.03, correspondente a idêntico preceito do DL 497/98, de 30.12:
1. Quando circunstâncias de interesse público o justifiquem, pode ser concedida aos funcionários licença sem vencimento pelo período de um ano, renovável até ao limite de três anos.
(…)
Por sua vez, nos termos do artº77º do mesmo diploma legal:
1. A licença sem vencimento por um ano implica a perda total das remunerações e o desconto na antiguidade para efeitos de carreira, diuturnidades, aposentação e sobrevivência.
2. O período de tempo de licença pode, no entanto, contar para efeitos de aposentação, sobrevivência e fruição dos benefícios da ADSE se o interessado mantiver os correspondentes descontos com base na remuneração auferida à data da sua concessão.
(…)
Finalmente, dispõe o artº106º do ECD, aprovado pelo DL 139-A/90, de 28.04, na redacção dada pelo DL 1/98, de 02.01, que:
1. O gozo de licença sem vencimento por um ano pelo pessoal docente é obrigatoriamente coincidente com o início e o termo do ano escolar.
2. O período de tempo de licença é contado para efeitos de aposentação, sobrevivência e fruição dos benefícios da ADSE, se o docente mantiver os correspondentes descontos com base na remuneração auferida à data da sua concessão.
A recorrente, professora do ensino secundário, pretende que lhe seja contado, como tempo de serviço da carreira docente para efeitos de antiguidade, nos termos do citado artº5º, nº2 do EIC, o ano em que, em situação de licença sem vencimento, beneficiou do estatuto de bolseira de investigação científica, para obtenção do grau de mestrado em Linguística Românica.
Ora a recorrente, para poder beneficiar da bolsa de investigação científica, teve de requerer licença sem vencimento por um ano – no ano lectivo de 1999/2000, nos termos dos citados artº76º do DL 100/99 e artº 106º do ECD, e isto porque, como ela própria reconhece, não tinha então tempo de serviço efectivo para beneficiar de licença sabática (oito anos de serviço efectivo e ininterrupto), nos termos do artº108º do ECD, ou do regime de equiparação a bolseiro (cinco anos de serviço efectivo), nos termos do artº110º do mesmo diploma.
Por outro lado, e como também refere, para beneficiar do estatuto de bolseira de investigação científica tinha de obter uma licença de serviço nos termos do artº8º do DL 123/99, de 20.04, porque as funções de bolseiro são exercidas em regime de dedicação exclusiva.
Pretende agora a recorrente que lhe é aplicável o disposto no artº5º, nº2 do EIC e não o artº77º, nº1 do DL 100/99, porque a licença sem vencimento para efeitos de obter o estatuto de bolseira é diferente da prevista no regime geral da função pública e que, sendo o EIC lei especial, prevalece sobre este regime geral, em que a licença sem vencimento não conta para efeitos de antiguidade.
Refere ainda que também no artº110º do ECD, a equiparação a bolseiro se caracteriza pela dispensa temporária do exercício de funções sem prejuízo das regalias inerentes ao seu efectivo desempenho, designadamente remuneração e contagem do tempo de serviço para todos os efeitos legais, conforme artº5º do DL 272/88, de 03.08. E que a sua situação é igual à de equiparação a bolseiro, embora receba uma bolsa em vez da remuneração, por isso, deve ser-lhe também contado o tempo de serviço.
Ou seja, não obstante ter solicitado licença sem vencimento por um ano para usufruir do estatuto de bolseira de investigação científica, por reconhecer, como reconhece, que não possuía os requisitos para beneficiar da licença sabática prevista no artº108º do ECD, que exige oito anos de serviço efectivo, nem da equiparação a bolseira prevista no artº110º do ECD, que exige cinco anos de serviço efectivo nessas funções, com última classificação de, pelo menos, Satisfaz, únicos casos em que, no ECD se mantém a remuneração do docente e se conta esse tempo de serviço para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos de antiguidade, pretende agora a recorrente que o tempo dessa licença sem vencimento se conte também para efeitos de antiguidade, quando aquela licença sem vencimento tem como uma das consequências precisamente o desconto na antiguidade. Mas isso seria fazer entrar pela janela, o que não pode entrar pela porta!
Ora, como decidiu o acórdão recorrido, a pretensão da recorrente não pode proceder e isto porque, à recorrente, professora do ensino secundário, não podia ser aplicável o disposto no artº5º, nº2 do EIC, aplicável aos bolseiros em geral, mas não ao caso particular da recorrente, porque existe um regime especial para os bolseiros docentes, que é o previsto no artº 110º do ECD.
Dispõe este preceito que:
1- A concessão de equiparação a bolseiro ao pessoal docente abrangido pelo presente Estatuto rege-se pelo disposto nos DL 272/88, de 3 de Agosto e 282/89, de 23.08, nos termos e condições constantes dos regulamentos aprovados por despacho do Ministro da Educação.
2- O período máximo pelo qual é concedida a equiparação incluindo as autorizações a tempo parcial é deduzido em 50% nas bonificações previstas no nº1 e 2 do artº54º do presente Estatuto.
3- O docente que tiver beneficiado do estatuto de equiparado a bolseiro é obrigado a cumprir no sistema de educação e ensino não superior o número de anos correspondente a 50% do período de equiparação.
O DL 272/88, de 03.08, veio possibilitar aos funcionários e agentes da administração pública a equiparação a bolseiro no País, enquanto o DL 282/89, de 23.08, veio abranger situações de equiparação a bolseiro fora do País.
Pelo Despacho Normativo nº23/98, de 01.04, proferido ao abrigo do nº1 do artº110º do ECD, foi aprovado o Regulamento de Equiparação a Bolseiro, referenciando-se aí a sua necessidade, designadamente face à revisão do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores de Ensino Básico e Secundário, através do DL 1/98, de 2 de Janeiro, bem como a publicação da legislação relativa à atribuição dos graus de mestre e de doutor, que impuseram uma reponderação do âmbito e dos objectivos da equiparação a bolseiro.
Nos termos do artº3º deste Despacho Normativo «são requisitos da concessão de equiparação a bolseiro, além da nomeação definitiva no lugar de quadro, cinco anos de serviço docente efectivo com menção qualitativa de Satisfaz na última avaliação de desempenho.»
Além disso, é prevista uma contingentação anual, fixada pelo Ministro da Educação, através de quotas de equiparação a bolseiro a conceder para a educação pré-escolar, para o ensino básico e para o ensino secundário (cf. artº2º) e reguladas, entre outras, as condições de atribuição, prazos de concessão, exclusividade, bem como o respectivo procedimento (cf. artº4º, 5º, 7º, 8º, 11º a 15º).
Portanto, para os docentes, existem regras especiais, a que estão sujeitos nos termos do respectivo Estatuto e legislação complementar. Daí que, não podendo satisfazer essas exigências, por não ter o tempo de serviço necessário, a recorrente fosse forçada a recorrer à licença sem vencimento para poder usufruir da bolsa a que se candidatou.
Ora, tal como se refere no acórdão recorrido, ao requerer essa licença sem vencimento, a recorrente aceitou, como não podia deixar de ser, o regime aplicável à mesma que é o previsto nos artº76º e 77º do DL 109/99 e que impede que se conte esse tempo para efeitos de antiguidade. É que a situação dos bolseiros docentes rege-se pelo regime especial contido no próprio estatuto da carreira docente, que não foi revogado pelo DL 123/99, de 20.04, não existindo qualquer lacuna a suprir, antes e tão só, como se refere no acórdão recorrido, uma diferente regulamentação.
A recorrente insiste neste recurso jurisdicional que não existe diferença entre o estatuto de “bolseiro de investigação científica” e o de “equiparado a bolseiro” e que ambos os regimes são excepcionais em relação ao regime geral de férias, faltas e licenças contido no artº106º do ECD e nos artº76 e 77 do DL 100/99.
Só que a recorrente é docente e, por isso, só está sujeita a regimes excepcionais, na medida em que o estatuto da carreira docente lho permita, e esta não lhe confere o estatuto de bolseira ou equiparado senão com determinado tempo de serviço efectivo que, como vimos, a recorrente não satisfazia, daí que nem sequer o tivesse requerido e tivesse de socorrer-se da licença sem vencimento, para poder usufruir da bolsa de investigação científica.
Portanto o alegado tratamento desigual da recorrente, relativamente aos restantes bolseiros, encontra o seu fundamento na diversidade das situações e dos regimes aplicáveis a estes e àquela, e, portanto, não viola o princípio da igualdade, da justiça ou da proporcionalidade.
Podemos, na verdade, discordar da opção feita pelo legislador e até concordar que se justificaria de iure condendo uma maior facilidade de valorização profissional da docência, designadamente na vertente de investigação científica.
Mas, de iure constituto, não é isso que se mostra consagrado na lei, pelo que não se pode afirmar, como faz a recorrente, que haveria violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade e da justiça na interpretação dada aos citados preceitos legais, por se estar a tratar diferentemente o bolseiro de investigação científica, do equiparado a bolseiro, pois, afinal, a situação da recorrente não se insere em nenhuma daquelas situações, mas sim no estatuto de docente, que exige para os seus bolseiros um regime diferente daqueles.
Quanto à agora alegada violação do Despacho nº244/ME/96, por nunca ter sido invocada antes, nem ser de conhecimento oficioso, não se toma conhecimento dessa questão, pois, como é jurisprudência deste STA, os recursos jurisdicionais visam a apreciação do acerto ou desacerto das decisões judiciais recorrida e não conhecer de questões novas sobre que aquelas se não pronunciaram.( Cf. Acs. STA 1ª Secção de 28.01.03, P.48363 e da 2ª Sub. de 06.10.04, P.722/04)
Improcedem, pois, as conclusões e), f), g) e h) das alegações do recorrente.
Quanto ao vício de fundamentação:
O acto contenciosamente impugnado é o despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa (SEAE) de 04.10.2001, que negou provimento ao recurso hierárquico, interposto pela recorrente, do indeferimento da sua pretensão de ver contado para efeitos de antiguidade, o ano em que esteve de licença sem vencimento para poder beneficiar de uma bolsa de investigação científica a que se candidatou.
Na petição inicial, e a sustentar este vício, a recorrente apenas alegou que a fundamentação do despacho aqui impugnado, plasmada no parecer sobe que foi exarado, «será incoerente, contraditória e insuficiente, com violação do artº268º, nº3 da CRP e dos artº124º e 125º do CPA», não esclarecendo porquê.(cf. artº29º da pi)
Nas alegações de recurso contencioso, a recorrente limita-se a levar às conclusões que «a invocação na resposta do regime dos artº36º a 38º do ECD para fundamentar o acto recorrido é, todavia, a prova da sua insuficiente e contraditória fundamentação nos termos dos artº124º e 125º do CPA, assim violados», sem contudo esclarecer ou desenvolver este vício.
Não obstante o acórdão recorrido, apreciando a fundamentação do acto recorrido concluiu que a mesma não padecia do vício invocado, já que «resulta para um destinatário normal do despacho recorrido que se entende que não se aplica à recorrente o regime consagrado no DL 123/99, de 20.04, já que existe regulamentação especial de figura de equiparação a bolseiro, no que concerne à carreira docente, a qual prevalece. O que basta para se perceber porque não é de contar como tempo de serviço o tempo de bolseiro na situação de licença sem vencimento
Na verdade, assim é.
Qualquer destinatário normal, colocado na situação da recorrente e com as suas habilitações, fica esclarecido das razões, de facto e de direito, que presidiram ao acto, ao ler a fundamentação do mesmo, em parte transcrita no ponto 7 do probatório.
E a recorrente também ficou, de tal modo, que não ficou impedida de apresentar a sua defesa, sustentando posição que contraria a adoptada, e onde se vê que a entendeu perfeitamente, embora com ela não concorde.
Aliás, como se referiu, a recorrente nos articulados que apresentou, não logrou sequer demonstrar que incoerências, contradições ou insuficiências ocorriam na fundamentação do acto contenciosamente impugnado e, naturalmente, não cabia ao tribunal a quo descobri-las, tanto mais que a recorrente não revela qualquer dificuldade na dedução da sua defesa.
Só agora, nas alegações de recurso jurisdicional, a recorrente veio concretizar as apontadas deficiência da fundamentação do acto contenciosamente impugnado, que assentariam, afinal, em dúvidas que levanta sobre o enquadramento jurídico da sua situação, não esclarecidas na fundamentação do acto. Mas, como é óbvio, sobre as dúvidas agora invocadas e sobre as razões por que a recorrente considera que a resposta da autoridade recorrida prova a invocada falta de fundamentação, também só agora apontadas, o tribunal a quo não poderia, como é óbvio, ter-se pronunciado e, porque, como já se referiu, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação das decisões judiciais recorridas e não a apreciação de matéria nova não anteriormente alegada, a pretensão da recorrente não pode proceder, sendo certo que, como também já se referiu, o acto encontra-se suficientemente fundamentado.
Por isso, também nesta parte o acórdão recorrido é de manter.
IV- DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em € 300 e a procuradoria em metade.
Lisboa, 26 de Abril de 2006. – Fernanda Xavier (relatora) – João Belchior – J Simões de Oliveira.