Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0614/16.7BEAVR
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ADMISSÃO
Sumário:I – O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – Embora em regra a caducidade do direito de acção não envolve questões de especial complexidade jurídica que justifiquem a admissão de revistas excepcionais, entendemos que, no presente caso, em que se convoca a interpretação da regra tributária de distribuição do ónus da prova conjugado com o dever de conservação de documentos, se justifica a admissão da revista atento o interesse social fundamental da questão, pois que se trata de questão que, com esta configuração, nunca se colocou a este STA e cuja decisão pode servir de paradigma para a resolução de futuros casos.
Nº Convencional:JSTA000P25979
Nº do Documento:SA2202006030614/16
Data de Entrada:10/18/2019
Recorrente:A........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 23 de Maio de 2018, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra liquidações de IVA relativas aos anos de 2006 e 2007, por ter julgado não provadas, por incumprimento do ónus da prova que julgou recair sobre o impugnante, as nulidades invocadas e que fundavam a pretensão de a impugnação poder ser deduzida “a todo o tempo”.
O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) Incumbia à Administração Fiscal conservar pelo prazo de dez anos todos os arquivos atinentes ao procedimento de liquidação adicional de IVA e IRS que apenas concluiu em Janeiro de 2012;
b) O Recorrente identificou nos autos os períodos de cada liquidação, (“0603T; 0606T; 0609T; 0612T; 0703T; 0706T; 0709T; 0712T;”,); os números a cada uma delas atribuídos pela administração tributária (“10103620; 10103622; 10103622; 10103624; 10103628; 10103630; 10103632; 10103634”), e como foram referenciados os órgãos de que as mesmas dimanaram, à acção inspectiva que lhes deu origem, o pedido de revisão oficiosa que se lhe sucedeu, bem como à espécie e ano do imposto.
c) Basta a mera identificação correcta nas liquidações e das respectivas notificações, (o que, aliás, o Recorrente no caso fez), para que, nos termos do n.º 2 do Art.º 74.º da LGT se considere satisfeito o ónus probatório de quem alegue factos provados com elementos que se encontrem – ou se devessem encontrar – em poder da administração tributária;
d) Ao considerar incumprido o ónus da prova por parte do Recorrente o venerando Tribunal Central Administrativo Norte decidiu contra legem e de forma divergente com ampla jurisprudência, e.g., Ac. TCA de 27/20/2016 no processo 08554/15; Ac. TCAS de 08-05-2019 no processo 2550/12.7BELRS; Ac. STA de 27/05/2015 no processo 078/14; Ac. TCAN de 25-02-2016 no processo 00023/00-Porto; Ac. TCAN de 27-02-2014 no processo 00076/11.5BEPRT; Ac. STA de 17-10-2018 no processo 0394/16.6BELRA 01049/17, (todos disponíveis em www.dgsi.pt);
e) Foi a Fazenda Pública quem protestou levar aos autos 2.ª via das liquidações sindicadas nos mesmos, bem como as respectivas notificações e comprovativos de realização, mas não o logrou fazer, incumprindo assim o ónus da prova que sobre si recaia;
f) A administração fiscal não logrou, como lhe incumbia demonstrar que efectuou as notificações sub judice de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos;
g) A administração fiscal não logrou, como lhe incumbia demonstrar que das liquidações e das respectivas notificações constava a indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data;
h) Em face das regras da distribuição do ónus da prova impunha-se que se dessem por demonstradas as nulidades alegadas pelo recorrente, com a consequente procedência do recurso e subsequente procedência da prerrogativa porque pugnou em sede de impugnação.
Nestes termos e nos melhores de Direito, cuja falta de invocação o experimentado e proficiente juízo de Vossas Ex.as Doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste STA emiti parecer no sentido da admissão da revista, com a seguinte fundamentação específica:
2.1.1 No acórdão recorrido o TCA elegeu como questão decidenda saber se «a Mma Juiz do Tribunal a quo fez errado julgamento, ao julgar caducado o direito de impugnar, no entendimento de que o Impugnante, ora Recorrente, não logrou demonstrar, como sobre ele impendia, que os actos impugnados padeciam de vícios que lhes assacara (lembre-se, falta de indicação do autor, da data da prática do acto e dos poderes usados) que, a verificarem-se, determinariam a nulidade dos mesmos e consequentemente a sua impugnabilidade a todo o tempo».
Considerou, assim, o TCA que «importa saber, face ao direito invocado (de deduzir impugnação a todo o tempo), a quem o invoca (o Impugnante) e que factos o suportam (liquidações e respectivas notificações alegadamente eivadas de vicio gerador de nulidade), sobre quem recai o respectivo ónus Probatório».
Entendeu então o TCA que «para aquilatar da observância dos requisitos formais dos actos postos em crise era imperativo que o Tribunal a quo acedesse aos originais daqueles documentos, e que aqueles estão em poder do Recorrente, dúvidas não subsistem que era sobre este que impendia o respectivo ónus da prova».
Concluiu, assim o TCA que «…afirmando o Recorrente que os actos impugnados se encontram inquinados de vício que gera a respectiva nulidade, o que lhe conferiria o direito a que se arroga de os impugnar a todo o tempo (esgotados que se encontram todos os demais prazos legais conferidos para o efeito), cabia-lhe fazer prova dos factos em que suporta a sua pretensão. Pelo que, não o tendo feito, contra ele, decidiu, e bem, o Tribunal recorrido».
2.1.2 Em face dos excertos da decisão recorrida supra transcritos é desde logo patente que o TCA analisou a questão da repartição do ónus da prova por referência ao “ato de notificação” e não ao “ato notificando”, quando é certo que a nulidade cujos efeitos eram susceptíveis de se repercutir sobre a admissibilidade da impugnação a todo o tempo se deve ter como aferida em relação ao “ato tributário” notificado e não ao “ato de notificação”. E assim sendo é manifesto que se verifica erro notório na apreciação da questão que foi colocada ao tribunal, que demanda a necessidade de intervenção do STA com vista à melhoria na aplicação do Direito.
Por outro lado importa enquadrar a situação no âmbito da previsão do nº 2 do artigo 74º da LGT, em ordem a definir em que termos se definem as regras de aplicação da repartição do ónus probatório, questão esta que pela sua natureza é susceptível de expansão para outros casos.
2.2 Entendemos, assim, que seja pelas deficiências notórias do julgamento efectuado na 2ª instância no que respeita à delimitação e enquadramento do objecto do processo, seja pela forma como apreciou a questão da repartição do ónus da prova decorrente da falta de junção aos autos dos elementos probatórios relativos ao ato tributário sindicado, se exige a intervenção do STA como órgão de cúpula em ordem a uniformizar a aplicação do Direito.
Mostram-se, pois, reunidos os requisitos de admissão do recurso de revista ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA (e actual artigo 285º do CPPT, na redação da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro).

4 – É do seguinte teor o probatório fixado:
1. O ora Impugnante exerceu em nome individual, até 31-12-2007 a actividade de "Comércio de veículos automóveis", a que corresponde o CAE 45110 (cfr. Relatório de Inspecção, a fls. 4 e ss. do PA apenso);
2. Em 11-05-2010, na sequência do exame à sua escrita pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de Aveiro, foi elaborado um relatório, sancionado superiormente, que aqui se dá por reproduzido, de acordo com o qual foram feitas correcções meramente aritméticas de IRS e IVA, aos anos de 2006 e 2007, e que, quanto ao IVA tiveram os seguintes fundamentos:
- o Impugnante fez aquisições intracomunitárias de veículos automóveis não tendo fornecido o NIF nessa aquisição, agindo como se de particular se tratasse, o que não deveria ter acontecido, já que as viaturas de destinaram a ser comercializadas em Portugal; não declarou as bases tributáveis nem liquidou IVA das aquisições intracomunitárias;
- O Impugnante fez aquisições intracomunitárias de veículos com liquidação de IVA, ou seja, sujeitas ao regime geral e efectuou a sua venda através do regime dos bens em segunda mão, quando a deveria ter sujeitado ao regime geral;
- Na venda dos veículos através do regime dos bens em segunda mão, o Impugnante apurou a margem (a base tributável do IVA) de forma errada, já que incluiu no preço de compra os encargos com as viaturas, nomeadamente, o imposto automóvel, as despesas de legalização, de transporte, reparações, etc., tendo diminuído a base tributável de IVA (fls. 1 e ss. do PA apenso);
3. Na sequência do relatório a que se refere o ponto anterior, foram emitidos os actos tributários aqui impugnados, os quais consistem nas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos 4 períodos dos anos de 2006 e 2007, com datas de 26-06-2010, com os n.os 10103620, 10103621, 10103622, 10103623 10103624, 10103625 10103626, 10103627, 10103628, 10103629, 10103630, 10103631, 10103632, 10103633, 10103634 e 10103635, nos montantes de € 45.881,50, € 7.325,96, € 52.312,92, € 7.819,71, € 29.365,11, € 4.096,63, € 49.224,64, € 6.370,88, € 25.506,75, € 3.052,43, € 25.453,32, € 2.786,62, € 11.572,74, € 1.151,57, € 1.639,56 e € 146,62, respectivamente, cujas datas limite de pagamento voluntário foram fixadas em 31-08-2010 (fls. 68 e 72 do PA apenso e 115 dos autos em suporte de papel);
4. Os actos m.i no parágrafo supra foram objecto de pedido de revisão nos termos do art. 78.º da LGT, o qual foi apresentado por carta registada de 08-02-2011 (cfr. fls. 69 a 71 do PA apenso);
5. Tal pedido foi indeferido em 28-12-2011, por despacho do Senhor Subdirector-Geral dos Impostos, em substituição, baseado na informação dos serviços, dando-se ambos aqui por reproduzidos (fls. 104 a 110 do PA apenso);
6. A decisão que antecede foi enviada ao Impugnante pelo ofício n.º 200063, de 09-01-2012, remetido por carta registada com AR, assinado em 12-01-2012 (fls. 110 v.º e 111 do PA apenso);
7. Em 31-05-2016 foi deduzida a presente impugnação judicial, apresentada através do site oficial (cfr. fls. 1 e 2 dos autos em suporte fisico).

3.2. Factos não Provados
A. Das notificações das liquidações adicionais a que se refere o ponto 3. supra não consta o seu autor, a data da prática do acto ou os poderes usados (como resulta do relatório desta decisão, o Impugnante, a quem competia a completa identificação dos actos impugnados, ainda para mais, quando afirma expressamente que deles foi notificado, não os juntou aos autos, nem as liquidações, nem as notificações, mesmo após interpelação expressa do Tribunal; a FP veio dizer não ser possível a AT a recuperação das segundas vias por terem sido emitidas há mais de 5 anos; nestas circunstâncias, na falta dos documentos que permitissem a análise do alegado, o Tribunal não o pôde considerar provado);
B. Das próprias liquidações a que se refere o ponto 3. supra não constam os elementos identificativos do seu autor, a data da prática do acto, nem os poderes usados (como resulta do relatório desta decisão, o Impugnante, a quem competia a completa identificação dos actos impugnados, ainda para mais, quando afirma expressamente que deles foi notificado, não os juntou aos autos, nem as liquidações, nem as notificações, mesmo após interpelação expressa do Tribunal; a FP veio dizer não ser possível a AT a recuperação das segundas vias por terem sido emitidas há mais de 5 anos; nestas circunstâncias, na falta dos documentos que permitissem a análise do alegado, o Tribunal não o pôde considerar provado).
Não há outros factos não provados com interesse para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto, provada e não provada, efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo, não impugnados, bem como da falta de junção dos necessários, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto do probatório.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

- Fundamentação -
5 – Apreciando.
5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.
O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Vejamos, pois.
O acórdão do TCA-Norte em relação ao qual o recorrente solicita revista negou provimento ao recurso interposto da sentença do TAF de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2006 e 2007 por caducidade do direito de acção, pois o tribunal considerou que não ficou provado que os actos de liquidação e os da sua notificação não contivessem o autor, a data da prática do acto ou os poderes usados e invocando o Impugnante que os actos notificados padeciam das nulidades invocadas, era ele quem tinha de o demonstrar, juntando os mesmos aos autos, o que não fez, impedindo o tribunal de apreciar o mérito de sua alegação e, sendo a falta de prova do alegado valorada contra ele, improcede, do mesmo passo, a alegação da caducidade do direito à liquidação, sendo intempestiva a impugnação já que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa foi notificada em 12-01-2012 e a impugnação só foi apresentada em 31-05-2016 (pontos 6. E 7. Do probatório), fora do prazo legalmente previsto no art. 102.º do CPPT (cfr. sentença, a fls. 9 da respectiva numeração autónoma).
O TCA-Norte, apreciando o alegado erro de julgamento por violação das regras do ónus da prova (fls. 12 e seguintes da numeração autónoma do acórdão do TCA), confirmou o julgado de 1.ª instância, considerando não ser de aplicar o n.º 2 do artigo 74.º do LGT pois os elementos de prova em falta não estão em poder da AT mas do impugnante, pois que o próprio confessa que foi notificado das liquidações, daí que estas estejam em seu poder e não no da AT e afirmando o Recorrente que os actos impugnados se encontram inquinados de vício que gera a respectiva nulidade, o que lhe conferiria o direito de que se arroga de os impugnar a todo o tempo (esgotados que se encontram todos os demais prazos legais conferidos para o efeito), cabia-lhe fazer prova dos factos em que suporta a sua pretensão. Pelo que, não o tendo feito, contra ele, decidiu, e bem, o Tribunal recorrido (cfr. acórdão, a fls. 14 da respectiva numeração autónoma).
Do assim decidido solicita o recorrente revista alegando que à decisão dos presentes autos é conferida particular importância e relevância jurídica, desde logo porquanto permitirá clarificar as regras de atribuição de ónus da prova neste e em casos análogos a este, situação de suma importância atenta a divergência de posições jurisprudenciais, sendo importantíssimo para uma melhor interpretação do direito dirimir-se a questão interpretativa quanto ao significado e alcance da norma “quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária”, sendo necessário concatenar tal norma com o disposto no n.º 2 do art. 27.º do CPPT, sendo central (…) dirimir-se qual o conceito de “elementos em poder da administração tributária”, bem como a maneira como tal conceito bule com a obrigação de manutenção, por parte da administração, de cópia dos arquivos após decisões proferidas em procedimentos administrativos, acrescendo que a decisão dos presentes autos comporta também uma forte vertente dirigida a conformar o comportamento da Administração Fiscal, ao nível dos Serviços de Finanças (…) (cfr. números 4.º a 9.º e 13.º das alegações de recurso).
Embora em regra a caducidade do direito de acção não envolve questões de especial complexidade jurídica que justifiquem a admissão de revistas excepcionais, entendemos que, no presente caso, em que se convoca a interpretação da regra tributária de distribuição do ónus da prova conjugado com o dever de conservação de documentos, se justifica a admissão da revista atento o interesse social fundamental da questão, pois que se trata de questão que, com esta configuração, nunca se colocou a este STA e cuja decisão pode servir de paradigma para a resolução de futuros casos.
A clarificação jurisprudencial, pelo órgão de cúpula da jurisdição do que deve entender-se como “elementos de prova dos factos (…) em poder da administração tributária” para efeitos de repartição do ónus da prova, em concreto, saber se as liquidações de imposto e respectivas notificações podem como tal consideradas é questão que justifica a admissão da revista que, como tal será admitida.

A revista será, pois, admitida.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o recurso.

Custas a final.

Lisboa, 3 de Junho de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.