Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0309/14.6BEBRG
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:PEDIDO DE REVISÃO
ATESTADO MÉDICO
NEGLIGÊNCIA
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I - O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.
II - Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.
III - Do facto de o atestado médico de incapacidade que foi requerido e emitido em 2012 reportar a doença que confere a incapacidade a 2009 não pode, sem mais, extrair-se a conclusão de que esse atestado podia ter sido requerido em 2009 e, muito menos, de que só o não foi por negligência do requerente.
IV - Sem prejuízo do que ficou dito em III, previamente à decisão do procedimento de revisão do acto tributário que adoptou esse entendimento, sempre haveria de conceder-se ao contribuinte a possibilidade de demonstrar o contrário.
Nº Convencional:JSTA000P26134
Nº do Documento:SA2202007010309/14
Data de Entrada:10/11/2019
Recorrente:A..........
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 309/14.6BEBRG


1. RELATÓRIO
1.1 A acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra o despacho que lhe indeferiu o pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) relativa aos anos de 2009 e 2010.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e o Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:
«1.ª A sentença recorrida julga improcedente a impugnação judicial concluindo que os requisitos previstos no artigo 78.º/n.º 4 da LGT não se mostram preenchidos, a saber, não se verifica situação de injustiça notória ou grave na tributação e ocorreu comportamento negligente do contribuinte.
2.ª A decisão administrativa que constitui o acto impugnado não contesta a existência de injustiça notória ou grave na tributação quanto aos anos de 2009 e 2010, tendo indeferido a revisão dos actos tributários apenas com fundamento na verificação de comportamento negligente do contribuinte.
3.ª Não tendo as partes discutido esta questão, incorreu a sentença recorrida em nulidade, concretamente a prevista no artigo 615.º/n.º 1 d) 2.ª parte do CPC, por se ter pronunciado sobre matéria de que não podia tomar conhecimento (concretamente saber se ocorre ou não situação de injustiça notória ou grave).
4.ª A expressão prevista no artigo 78.º/n.º 4 da LGT “…desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte” aponta para o momento temporal do cumprimento das obrigações fiscais, isto é, quando o contribuinte tem de apresentar a sua declaração de IRS e da mesma não consta toda a informação necessária à justa e correcta tributação a levar a cabo pela AT.
5.ª A verificação do erro não ocorre, pois, como defendem a AT e a sentença recorrida, quando a Recorrente apresentou o pedido de revisão do acto tributário, ou sequer quando foi notificada para a audiência prévia, mas antes nos anos de 2009 e 2010.
6.ª Resulta dos factos provados 4 e 5 que só em Junho de 2012 é que o marido da Recorrente solicitou a realização de junta médica, a qual emitiu o respectivo atestado em Agosto de 2012, por só neste momento (Junho de 2012) ter tomado conhecimento da possibilidade de padecer de incapacidade fiscalmente relevante.
7.ª Mesmo em 2009, já contando o marido da Impugnante com 86 anos, não tinha qualquer ideia ou informação que a doença de que foi acometido nesse ano era geradora de incapacidade fiscalmente relevante.
8.ª É entendimento da Recorrente que se mostram verificados todos os requisitos legalmente previstos para o deferimento da revisão do acto tributário, pelo que ao não decidir neste sentido incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento de direito, violando o disposto no artigo 78.º/n.º 4 da LGT.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue a impugnação judicial procedente, com as legais consequências».
1.3 A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pronunciando-se sobre a invocada nulidade da sentença, considerou que a mesma se não verifica.
1.5 A Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]
Da análise da matéria controvertida entendemos que o presente recurso deverá improceder.
A douta decisão recorrida mostra-se, quanto a nós, correcta. Fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se devidamente fundamentada quer de facto quer de direito, não se mostrando passível de quaisquer censuras.
E, quanto à invocada nulidade fazemos nossa a posição assumida no douto despacho de sustentação por com ele concordarmos.
Em abono da douta decisão recorrida oferece-nos dizer que: “(…) o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei.
Há, assim, um reconhecimento no âmbito do direito tributário do dever de revogar de actos ilegais.
Este dever, porém, sofre limitações, justificadas por necessidades de segurança jurídica, designadamente quando as receitas liquidadas foram arrecadadas, o que justifica que sejam estabelecidas limitações temporais.” – Ver anotação ao artigo 78.º da LGT, anotada e comentada, 4.ª ed. 2012, de D. Leite Campos, Benjamim S. Rodrigues e Jorge L. Sousa, a pag.704.
O que. nos parece ser o caso em apreço, pois as liquidações são de 2009 e 2010 e foram pagas em devido tempo, muito antes do pedido de revisão nos autos aludido.
O pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT tem de ser deduzido no prazo da reclamação administrativa – de 15 dias – a contar da notificação do acto, previsto no artigo 162.º do CPA. Ver pág. 707 in obra citada. O que não ocorreu no caso».
1.6 Cumpre apreciar e decidir.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
«1. A impugnante e o marido, B……., apresentaram as declarações de rendimentos sujeitos a IRS, respeitantes aos exercícios de 2009 e 2010, sem qualquer referência à situação de incapacidade do cônjuge marido – facto não controvertido;
2. Essas declarações deram origem às liquidações de IRS n.ºs 20105003699708 e 20115004513123, datadas, respectivamente, de 11/06/2010 e 29/06/2011, cujo resultado final foi o apuramento dos valores a pagar de 8.372,66 € e 7.737,93 € – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial;
3. As liquidações de IRS referidas nos pontos anteriores foram pagas, respectivamente, em 14/07/2010 e 09/09/2011 – cfr. documentos n.ºs 2 e 3 juntos com a petição inicial;
4. Em 08/06/2012, B……… solicitou “(…) ao abrigo do n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, seja admitido a Junta Médica para Avaliação de Incapacidade para efeito de X Multiuso (Decreto-Lei n.º 352/07, de 23 de Outubro) (…)”, mais declarando ser a primeira vez que requer o Multiuso – cfr. documento n.º 6 junto com a petição inicial;
5. Em 10/08/2012 foi emitido um atestado médico de incapacidade multiuso pela Junta Médica da ARS-Norte, no qual se certificou que B……… é portador de uma “incapacidade permanente global de 71% (setenta e um por cento) susceptível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de definitivo”, do mesmo constando em observações que “A doença reporta-se ao ano 2009” – cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial;
6. O marido da impugnante, B……., faleceu em 26/09/2012 – cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial;
7. Em 01/04/2013 a impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Braga-1 pedido de revisão oficiosa das liquidações de IRS n.ºs 20105003699708 e 20115004513123, dirigido ao Director de Finanças de Braga, com fundamento em “(…) ilegalidade superveniente (não consideração de deficiência fiscalmente relevante) e injustiça grave e notória, na medida em que foi pago mais imposto do que o legalmente devido” e requerendo “a anulação das liquidações de IRS relativas aos anos de 2009 e 2010 (…) e a devida emissão de novas liquidações em boa conformidade com o que se deixou mais acima exposto – v. grau de deficiência fiscalmente relevante” - cfr. documento n.º 7 junto com a petição inicial e requerimento de fls. 1, frente e verso do processo administrativo apenso (PA);
8. Em 05/04/2013, no Serviço de Finanças de Braga-1 foi emitido parecer no sentido da instauração do processo de revisão oficiosa, sancionado por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Braga-1, da mesma data, do qual consta, entre o mais, o seguinte – cfr. parecer a fls. 25 e 26 do PA:
(…) Em 02.04.2013 veio A………, NIF …….., requerer a revisão oficiosa da liquidação de IRS dos anos de 2009 e 2010 nos termos do artigo 78.º da LGT, alegando, em síntese não ter sido considerado na respectiva declaração de rendimentos, o grau de incapacidade de que padecia o marido B………, NIF …………, e, em consequência, não ter beneficiado do benefício fiscal daí decorrente.
Em sede de IRS considera-se pessoa com deficiência quem apresente um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60% devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável (cf. art. 87.º n.º 4 do CIRS).
A disposição transitória no âmbito do IRS, atendendo à revogação do artigo 16.º do EBF, determinava que os rendimentos brutos de cada uma das categorias A, B e H auferidos por sujeitos passivos com deficiência fossem considerados, em 2009, apenas por 90%, cf. artigo 69.º da Lei 64-A/2008, de 31/12 - OE 2009, sendo que a parte do rendimento excluída de tributação não pode exceder, por categoria rendimentos € 2.500. O artigo 88.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril - OE para 2010 estabelece a mesma norma transitória para o ano de 2010.
Conforme previsto no n.º 4 do artigo 78º da LGT o dirigente máximo do serviço pode autorizar excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
No caso em apreço a inclusão da incapacidade comprovada pelo atestado emitido em 10.08.2012 diminui a matéria colectável, para o ano de 2009, em € 1.961,30 e para o ano de 2010 em € 1982,99.
Nestes termos, sou de parecer que se instaure o competente processo de revisão oficiosa de liquidação e remetam os autos a entidade competente para a decisão, nos termos do artigo 78.º da LGT.”;
9. Em 05/08/2013 foi prestada informação pela Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, da qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. informação de fls. 27 a 32 do PA:
“(…) II - DESCRIÇÃO DOS FACTOS
2 - Em 02/04/2013 foi apresentado, no Serviço de Braga 1, pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS dos anos de 2009 e 2010, pela contribuinte supra mencionada.
3 - Requeria a peticionante que os actos de liquidação de 2010 e 2011 deviam ser revistos ao abrigo do art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), com os seguintes fundamentos:
3.1 - em 26/09/2012 faleceu o seu cônjuge, B…………;
3.2 - acontece que, em 10/08/2012, foi-lhe atribuída uma incapacidade permanente global de 71%, reportada ao ano de 2009;
3.3 - prossegue a peticionante, referindo que tal facto é do conhecimento do Fisco, por via da correcção da liquidação de 2011, efectuada em 29/08/2012, pelo que cabe agora rectificar as declarações de 2009 e 2010, com fundamento em “injustiça grave e notória, na medida em que foi pago mais imposto do que o legalmente devido”.
(…)
III - APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE REVISÃO
6 - A parte tem legitimidade nos termos dos artigos 65.º e 16.º n.º 5, ambos da LGT;
6.1 - o pedido de revisão não foi dirigido ao órgão competente, mas, nos termos do art. 76.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, considera-se sanada a irregularidade.
7 - No que concerne à fundamentação de direito a peticionante apresenta o pedido ao abrigo do art. 78.º n.º 4, alegando verificação de situação de “injustiça grave e notória”;
8 - Em favorecimento de uma necessária clarificação sobre o alcance do pedido de revisão oficiosa previsto neste art. 78.º n.º 4 da LGT, cabe, antes de mais, referir o seguinte, como nota prévia:
8.1 - o legislador apenas deixou prevista neste mecanismo, a revisão da matéria tributável, e não revisões das deduções à colecta;
8.2 - atente-se melhor na diferença entre rendimento tributável (ou matéria tributável) e deduções à colecta:
a) nos termos do art. 22.º n.º 1 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), o rendimento tributável (ou colectável) é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias (A, B, E, F. G e H), depois de deduzidas as perdas, caso existam;
b) é importante frisar que o rendimento tributável não se confunde com a colecta, esta é o valor que resulta da aplicação da taxa de imposto ao rendimento tributável. A colecta constitui o valor do tributo propriamente dito. Só que, o legislador fiscal previu diversas deduções à colecta (nomeadamente, e com interesse para o caso vertente, a prevista no art. 87.º do CIRS), que podem influir de modo relevante no valor desse tributo;
c) como se disse supra, o pedido de revisão oficiosa previsto no art. 78.º n.º 4 da LGT, nunca contempla correcções de deduções à colecta, não podendo as mesmas ser apreciadas nesta sede.
(…)
10 - Passe-se, ora, à análise, propriamente dita, do citado mecanismo de revisão, previsto no art. 78.º n.º 4 da LGT;
10.1 - prevê este normativo que, havendo injustiça grave ou injustiça notória no apuramento da matéria tributável, e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, pode o Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira autorizar, a título excepcional, nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão do mesmo;
10.2 - como facilmente se retira do enunciado da norma, há vários e exigentes requisitos que carecem de cumprimento, para que a possibilidade de revisão aí prevista se possa concretizar;
10.3 - antes de se analisar em maior detalhe se os factos do caso concreto integram os requisitos previstos na norma, é de capital importância clarificar que todos esses requisitos são de verificação obrigatória, isto é, ainda que se verifique um, ou alguns deles, basta que um não se verifique, para que o pedido de revisão oficiosa seja improcedente;
10.4 - relativamente ao requisito da tempestividade, constata-se que o pedido é tempestivo;
10.5 - outro dos requisitos presentes na norma é o do erro não ser imputável a comportamento negligente do contribuinte;
10.6 - note-se que o legislador não graduou a negligência, nem previu causas de exclusão da mesma, ou seja, não tipificou comportamentos aos quais confere um maior ou menor grau de negligência, nem prescreveu qualquer situação em que, existindo esse comportamento negligente, fosse possível afastá-lo;
10.7 - o legislador basta-se, pois, com a verificação de um comportamento negligente, sem mais;
10.8 - aspecto fundamental que há que analisar nesta vertente, prende-se com o documento comprovativo da incapacidade fiscalmente relevante, rectius, o atestado médico de incapacidade multiuso;
10.9 - ora, para efeitos de relevância em sede fiscal, exige-se a emissão de atestado pelas autoridades de saúde competentes, com constatação de grau de incapacidade permanente, igual ou superior a 60% - art 87.º n.º 5 do Código do IRS -, e a consideração desta incapacidade, para efeitos fiscais, sublinha-se, a partir da data da emissão do atestado;
10.9 - em sede fiscal, reforça-se, não se questiona a existência da doença e do grau de incapacidade que gera, exige-se sim, o cumprimento de todos os pressupostos que o legislador fiscal entendeu por bem verter na Lei, para que tal situação tenha tradução no apuramento do rendimento desses contribuintes.
11 - No caso decidendo, constata-se que foi emitido pelas autoridades de saúde um atestado de incapacidade que atesta ser o, à data, cônjuge da peticionante, portador de um grau de incapacidade de 71%;
11.1 - esse atestado foi emitido em 10/08/2012 e refere no campo de observações que “A doença reporta-se ao ano 2009”;
11.2 - é certo que o sujeito passivo logrou alterar a sua declaração relativa ao ano de 2011, mas tal aconteceu porque ainda decorria o prazo legal para substituição da declaração de rendimentos, previsto no art. 53.º n.º 3 b) ii) do CPPT;
11.3 - tal não se verifica relativamente aos anos de 2009 e 2010, cujos prazos de entrega e/ou de substituição das declarações já se encontravam terminados à data de emissão do atestado.
12 - Tenha-se em atenção, ainda, que a peticionante não juntou aos autos nenhum elemento que permita concluir que envidou os esforços necessários à obtenção do documento à data em que pretendia se verificassem os efeitos fiscais desejados, isto é, consideração do grau de incapacidade do seu, então, cônjuge para os anos de 2009 e 2010, designadamente, não há elementos que forneçam qualquer indicação, e prova suficiente, relativamente à data de solicitação da marcação da junta médica;
12.1 - o ónus da prova que o legislador deixou plasmado no art. 74.º da LGT e que determina que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos (...) dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, não permite qualquer margem de manobra no que a este ponto diz respeito;
12.2 - caso a peticionante tivesse comprovado que se envidaram as diligências necessárias junto das autoridades de saúde para emissão do documento à data da verificação do grau de incapacidade, satisfaria o ónus da prova que lhe recai por força do art. 74.º da LGT, dado que ainda que não lograsse obter o documento (o atestado) à data de verificação efectiva da incapacidade, sempre teria em seu poder prova bastante de que fez tudo o que lhe era exigível para o obter, prova, que não logra alcançar.
IV - CONCLUSÃO
13 - Nestes termos, e pelos fundamentos supra expostos, propõe-se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e a notificação do contribuinte para o exercício do direito de audição prévia nos termos do art. 60.º n.º 1 b) da LGT.”;
10. Por ofício n.º 14773, datado de 16/08/2013 foi a impugnante notificada do projecto de despacho transcrito no ponto antecedente e para exercer, querendo, o direito de audição prévia – cfr. documento de fls. 33 a 38 do PA;
11. Em 30/09/2013 foi emitida pela Divisão de Administração da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares “informação complementar”, da qual consta, designadamente, o seguinte – cfr. documento de fls. 42 do PA:
(…)
3 – o referido projecto de decisão foi comunicado ao contribuinte através de ofício, por carta registada, para o domicílio fiscal indicado pelo sujeito passivo (…), para exercício do direito de audição prévia previsto no art. 60.º, n.º 1, al. b) da LGT:
3.1 – pelo ofício n.º 14773, de 16/08/2013, desta Direcção de Serviços, em correio registado;
3.2 – foi indicado o prazo de 15 dias previsto na lei, para o peticionante exercer o seu direito de audição prévia.
4 – Até à presente data o peticionante não se manifestou por nenhuma forma.
5 – Assim sendo, e tendo em atenção os factos e fundamentos invocados no projecto de decisão, propõe-se que o mesmo adquira carácter definitivo e, em consequência, o pedido de revisão oficiosa seja indeferido.”;
12. Em 03/10/2013 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela impugnante – cfr. despacho a fls. 41 do PA;
13. Por ofício n.º 300.3205, datado de 06/11/2013, remetido sob registo n.º RM964352870PT, com aviso de recepção, assinado em 11/11/2013, foi comunicado à impugnante o indeferimento do pedido de revisão da liquidação de IRS/2009 e 2010 – cfr. ofício, talão de aceitação dos CTT e aviso de recepção, de fls. 43 a 45 do PA;
14. Em 11/02/2013 foi apresentada neste Tribunal a petição inicial da presente acção – cfr. fls. 1 dos autos em suporte físico».
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
2.2.1.1 Em 2012, foi requerido pelo marido da ora Recorrente um atestado médico de incapacidade à autoridade médica competente, que, no mesmo ano, o emitiu, reconhecendo-lhe uma incapacidade permanente global de 71%, com base numa doença que reportou ao ano de 2009.
2.2.1.2 Em 2013, já depois do falecimento do contribuinte marido, veio o cônjuge sobrevivo, a ora Recorrente, pedir à AT que fossem corrigidas as liquidações de IRS respeitantes aos rendimentos do casal e aos anos de 2009 e 2010, invocando a ilegalidade superveniente desses actos (por neles, obviamente, se não ter relevado a situação do sujeito passivo marido como pessoa com deficiência fiscalmente relevante, desconhecida à data em que foram praticados) e a injustiça grave ou notória, por ter sido liquidado e pago mais imposto do que o legalmente devido.
2.2.1.3 A AT tratou esse pedido como pedido de revisão, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), e indeferiu-o com os seguintes fundamentos: i) a revisão está aí prevista exclusivamente para a injustiça grave ou notória na matéria tributável apurada, devendo ter-se presente que «o rendimento tributável não se confunde com a colecta» e não contempla deduções à colecta, as quais não podem ser objecto da revisão e ii) a peticionante não logrou demonstrar, como lhe competia em face do disposto no art. 74.º da LGT, que envidou esforços no sentido de obter o atestado médico de incapacidade à data em que ocorreu a doença (2009) e que o facto de a sua emissão só ter ocorrido em 2012 não lhe é imputável, ou seja, não logrou a demonstração de que «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte» (cfr. art. 78.º, n.º 4, da LGT).
2.2.1.4 A ora Recorrente deduziu impugnação judicial contra o indeferimento do pedido de revisão. Alega, em síntese, que as liquidações de IRS dos anos de 2009 e 2010 são ilegais, por não relevarem a incapacidade fiscalmente relevante do sujeito passivo marido, e que a decisão administrativa que indeferiu o pedido de revisão enferma de ilegalidade por se ter fundamentado no comportamento negligente do sujeito passivo sem que lhe tenha solicitado prova do contrário.
2.2.1.5 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a impugnação improcedente.
Após sintetizar as posições assumidas no processo pela Impugnante e pelo Representante da Fazenda Pública e referir o enquadramento legal da revisão e das deduções previstas no Código do IRS (CIRS) para as pessoas com deficiência, começou por salientar que o pedido de revisão se fundamenta nos n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT, que permitem a revisão no prazo de três anos posteriores ao facto tributário, com fundamento em injustiça grave ou notória.
Depois, realçando que, à data em que foram efectuadas e em face das declarações apresentadas, as liquidações não enfermavam de ilegalidade alguma, porque não podiam relevar uma situação de deficiência ainda não verificada, passou a referir que a ulterior revisão, em face do documento comprovativo daquela deficiência, estava dependente da prova, a cargo da Impugnante, de «que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte» (cfr. art. 78.º, n.º 4, da LGT); prova que, se bem interpretamos a sentença, esta entende que consistia na demonstração de que tinha diligenciado pela obtenção do atestado médico de incapacidade no ano de 2009 e de que não lhe é imputável o facto de o não ter obtido nesse ano; tudo para concluir que se impunha que a Impugnante fizesse prova da «data em que o seu marido havia solicitado a marcação da junta médica» e que, «apesar de instada a apresentar essa justificação aquando da notificação para exercer o direito de audição prévia antes da decisão do pedido de revisão, uma vez que tal fundamento era já invocado no projecto de decisão notificado, a impugnante nada disse sobre o assunto», donde resulta «que terá sido a impugnante a não ter na devida conta, no mínimo, o dever de colaboração previsto no artigo 59.º, n.º 4, da LGT, tanto mais que o sucesso do pedido que apresentara ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT estava dependente da prova de que a sua conduta na verificação do erro não enfermava de qualquer negligência da parte do contribuinte».
Mais considerou que «era necessário provar sempre, atento o disposto no artigo 74.º da LGT, que o erro na liquidação ou da determinação da matéria colectável era imputável aos serviços, o que de acordo com a prova produzida, também não logrou conseguir».
Concluiu nos seguintes termos: «Por tudo isto, não fica provada que, nem num caso nem no outro, a verificação do erro seja imputável à AT nem que “o erro não é imputável a comportamento negligente do contribuinte”, concluindo-se, assim, que a impugnante não demonstrou que os actos de liquidação de IRS dos anos de 2009 e 2010 enfermem de qualquer erro de facto ou de direito, ou que do mesmo resulte uma situação de injustiça grave ou notória, pelo que não se verifica uma situação em que fosse permitido à AT proceder à revisão oficiosa dos actos tributários. // Improcede, portanto, a presente impugnação».
Em face do julgamento quanto à questão da não verificação do requisito «que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte», a sentença deu expressamente como prejudicado o conhecimento da questão de saber se o caso em concreto era ou não enquadrável no art. 78.º, n.º 4, da LGT, por o erro se situar numa dedução à colecta e não na fixação da matéria colectável.
2.2.1.6 O Impugnante recorreu da sentença. A sua discordância centra-se em dois pontos, a saber: primeiro, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga não podia conhecer da questão da ocorrência da justiça grave ou notória, que não foi fundamento do indeferimento do pedido de revisão, motivo por que a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia no que respeita a essa questão; segundo, a sentença fez errado julgamento quando considerou verificado o comportamento negligente do contribuinte.
2.2.1.7 Assim, as questões a apreciar e decidir são as de saber i) se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia no segmento em que se pronunciou sobre a inexistência de situação de injustiça grave ou notória na tributação e ii) se a sentença fez correcto julgamento quando considerou a pedida revisão não era possível por a Impugnante não ter feito prova de que o erro na liquidação não é imputável a comportamento negligente do seu falecido marido.
2.2.1.8 Note-se, finalmente, que a referência que na sentença é feita à falta de comprovação do erro dos serviços não assume relevo na apreciação do presente recurso, uma vez que neste apenas está em discussão a revisão ao abrigo do n.º 4 do art. 78.º da LGT e já não ao abrigo do n.º 1 daquele preceito.
2.2.2 DA INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA: NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA OU ERRO DE JULGAMENTO?
2.2.2.1 A Recorrente arguiu a nulidade por excesso de pronúncia da sentença, na medida em que, a seu ver, nesta de decidiu sobre a situação de injustiça grave ou notória, enquanto requisito da revisão, sem que a questão tivesse sido colocada ao Tribunal, tanto mais que a decisão administrativa que indeferiu o pedido de revisão nunca usou como fundamento a não verificação desse requisito.
2.2.2.2 O excesso de pronúncia é um vício formal das decisões judiciais resultante do conhecimento pelo tribunal de questão de que, porque não é de conhecimento oficioso nem lhe tenha sido colocada pelas partes, lhe está vedado ocupar-se [cfr. art. 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e arts. 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC)].
2.2.2.3 Antes do mais, afigura-se-nos duvidoso que a sentença tenha conhecido a questão da verificação da injustiça grave ou notória, enquanto requisito para a revisão das liquidações. Lida a sentença, com excepção das vezes em que faz citações ou se refere ao conteúdo do art. 78.º da LGT, a única referência substancial que lhe encontramos é quando enuncia a questão a dirimir («A questão que se levanta é a de saber se, atenta a posterior verificação de incapacidade do sujeito passivo marido, estava a AT obrigada a rever os actos tributários, com fundamento na sua injustiça grave e notória») e, já na parte conclusiva, quando afirma que «a impugnante não demonstrou que os actos de liquidação de IRS dos anos de 2009 e 2010 enfermem de qualquer erro de facto ou de direito, ou que do mesmo resulte uma situação de injustiça grave ou notória, pelo que não se verifica uma situação em que fosse permitido à AT proceder à revisão oficiosa dos actos tributários».
Salvo o devido respeito, essa afirmação de que a Impugnante não demonstrou que dos actos de liquidação resultasse uma situação de injustiça grave ou notória, por si só, desacompanhada de outros considerandos ou substanciação dificilmente pode ser figurada como a resolução de uma questão.
Na verdade, o Tribunal a quo não expendeu qualquer razão de facto ou de direito que possa suportar conclusão alguma quanto à injustiça grave ou notória, não ensaiou qualquer tentativa de preenchimento do conceito, designadamente em face da factualidade provada, antes se limitando a afirmar no âmbito do seu discurso fundamentador, conclusivamente e, com todo o respeito, de modo desgarrado, que a Impugnante não demonstrou a verificação dessa injustiça.
Por isso, entendemos não ser isenta de dúvidas a afirmação de que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga apreciou e decidiu a questão.
Sem prejuízo do que deixámos dito, porque pode, legitimamente, considerar-se que a questão foi decidida na sentença, como o consideraram a Recorrente, nas alegações, e a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no despacho referido em 1.4, a necessidade de conferir tutela jurisdicional leva-nos a considerar que nela se decidiu a questão.
No entanto, salvo o devido respeito, a decisão sobre a inexistência ou, pelo menos, sobre a falta de demonstração da injustiça grave ou notória deverá ser tratada, não como nulidade da sentença, mas como erro de julgamento, atento o disposto no art. 5.º, n.º 3, do CPC (A Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado várias vezes que não é a errada qualificação feita pelo recorrente que dispensa o tribunal ad quem de apreciar a questão, uma vez que não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC). Entre outros, vide os seguintes acórdãos:
- de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo com o n.º 862/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e46947495061fff580257a85005669e9;
- de 27 de Janeiro de 2016, proferido no processo com o n.º 43/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/605684522d35f1b680257f4c005084c2.). Isto porque, a admitir-se que a questão foi decidida, a mesma situa-se, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo no despacho referido em 1.4, dentro do âmbito da apreciação dos requisitos da revisão.
2.2.2.4 Admitindo, pois, que a sentença decidiu a questão da injustiça grave ou notória, cumpre agora verificar se fez correcto julgamento.
Manifestamente, não. Na verdade, a decisão administrativa que indeferiu o pedido de revisão não se fundamentou na inexistência de injustiça grave ou notória, nunca tendo sequer questionado a verificação desse requisito para a revisão. O que, aliás, bem se compreende pois, a nosso ver, essa injustiça resulta manifesta do facto de as liquidações não terem em conta que o falecido marido da ora Recorrente era pessoa com deficiência fiscalmente relevante: uma vez que são óbvias as razões de justiça que levaram o legislador a relevar essa deficiência e a dar às pessoas que dela padeçam tratamento fiscal mais favorável em termos de IRS, temos também como ostensiva a injustiça do acto que não a releve (cfr. n.º 5 do art. 78.º da LGT).
Mas, insistimos, a decisão que indeferiu o pedido de revisão não se alicerçou nesse fundamento, mas noutros dois, a saber: i) a revisão está prevista exclusivamente para a injustiça grave ou notória na matéria tributável apurada, devendo ter-se presente que «o rendimento tributável não se confunde com a colecta», e não contempla deduções à colecta, as quais não podem ser objecto da revisão e ii) a peticionante não logrou demonstrar, como lhe competia em face do disposto no art. 74.º da LGT, que envidou esforços no sentido de obter o atestado médico de incapacidade à data em que ocorreu a doença (2009) e que o facto de a sua emissão só ter ocorrido em 2012 não lhe é imputável, ou seja, não logrou a demonstração de que «o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte» (cfr. art. 78.º, n.º 4, da LGT).
Porque são estes, como deixámos já dito, os únicos fundamentos em que se alicerçou o despacho que indeferiu o pedido de revisão, o Tribunal a quo não podia considerar, como considerou, não verificados outros requisitos da revisão dos actos tributários que a AT não pôs em causa, substituindo-se à AT na fundamentação do acto e, assim, desrespeitando o princípio da separação de poderes.
Tendo-o feito, há que concluir pelo erro de julgamento e, em consequência, revogar a sentença na parte em que alicerçou a improcedência da impugnação judicial no entendimento de que a Impugnante não logrou demonstrar a injustiça grave ou notória.
2.2.3 DA NEGLIGÊNCIA PREVISTA NA PARTE FINAL DO N.º 4 DO ART.78.º DA LGT
2.2.3.1 Há agora que verificar se a sentença também incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Impugnante não logrou demonstrar que o erro na liquidação não lhe é imputável a título de negligência.
Antes do mais, cumpre ter presente que esse erro é o que resulta de se não ter relevado nos actos cuja revisão é pedida (as liquidações de IRS dos anos de 2009 e 2010) a condição do contribuinte marido como pessoa com deficiência fiscalmente relevante, condição que, nos termos do art. 87.º, n.º 5, do CIRS, só podia ser atendida depois de obtido o respectivo documento comprovativo, ou seja, o atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável, de que resulte um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 60%.
2.2.3.2 Se bem interpretamos a sentença, nela entendeu-se, em consonância com a decisão que indeferiu o pedido de revisão, que essa negligência derivaria do facto de a doença que determinou a emissão do atestado ter sido neste reportada a 2009 e o marido da Impugnante só ter requerido esse documento comprovativo da sua situação como pessoa com deficiência fiscalmente relevante no ano de 2012; entende, pois, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que a Impugnante deveria ter demonstrado que tinha diligenciado pela obtenção do atestado médico de incapacidade no ano de 2009, bem assim como que não lhe é imputável o facto de o não ter obtido nesse ano, afirmando expressamente que se impunha que a Impugnante fizesse prova da «data em que o seu marido havia solicitado a marcação da junta médica» e que, «apesar de instada a apresentar essa justificação aquando da notificação para exercer o direito de audição prévia antes da decisão do pedido de revisão, uma vez que tal fundamento era já invocado no projecto de decisão notificado, a impugnante nada disse sobre o assunto», donde resulta «que terá sido a impugnante a não ter na devida conta, no mínimo, o dever de colaboração previsto no artigo 59.º, n.º 4, da LGT, tanto mais que o sucesso do pedido que apresentara ao abrigo do artigo 78.º, n.º 4 da LGT estava dependente da prova de que a sua conduta na verificação do erro não enfermava de qualquer negligência da parte do contribuinte».
Salvo o devido respeito, a tese da sentença assenta em dois equívocos: primeiro, pressupor, sem qualquer base factual que o permita, que o marido da Impugnante tinha conhecimento da doença em 2009 e que podia ter pedido o atestado de incapacidade nesse ano, ou seja, que o erro ocorreu por negligência aquando da apresentação da declaração de rendimentos relativamente àquele ano (e no seguinte); segundo, que a notificação para exercício do direito de audiência prévia pode servir como notificação ou solicitação para apresentação de prova. Vejamos:
2.2.3.3 O facto de o atestado ter referido que a doença que dava causa à incapacidade existia desde 2009 não permite concluir que o marido da Impugnante teve conhecimento da doença em 2009. De igual modo, não há nos autos qualquer outro elemento que permita tal conclusão. A AT e a sentença pressupõem o contrário, mas sem base fáctica ou jurídica que suporte esse entendimento.
Acresce que não é o conhecimento da doença, mas o conhecimento de que se é portador de deficiência fiscalmente relevante, que interessa para aferir da negligência. E esse conhecimento, em princípio, só advém da certificação da incapacidade e do grau da mesma.
Assim, salvo o devido respeito, não vislumbramos como o erro, ocorrido quando da apresentação das declarações, possa ser imputado a comportamento negligente do contribuinte marido, uma vez que o atestado foi emitido em 2012.
Finalmente, reiteramos, dos autos não resulta elemento algum que permita concluir que houve negligência do marido da ora Recorrente ao ter requerido o atestado de incapacidade em 2012 e não antes desse ano, designadamente nos anos de 2009 ou 2010, a que se referem o pedido de revisão.
2.2.3.4 Por outro lado, a sentença considera que a ora Recorrente se desinteressou da prova de que não foi por negligência do seu marido que o atestado de incapacidade não foi obtido nos anos de 2009 e 2010 (e, consequentemente, que não foi declarada essa condição nas declarações de rendimentos desses anos) e que «apesar de instada a apresentar essa justificação aquando da notificação para exercer o direito de audição prévia antes da decisão do pedido de revisão, uma vez que tal fundamento era já invocado no projecto de decisão notificado, a impugnante nada disse sobre o assunto».
Não podemos concordar. Desde logo, porque a audiência deve ser feita relativamente ao projecto de decisão, que deve acompanhar a notificação para o exercício do respectivo direito (cfr. art. 60.º, n.º 5, da LGT), ou seja, depois de terminada a instrução que no procedimento se mostre necessária e, assim sendo, não serve para “instar” o contribuinte para a apresentação de prova, muito menos se o não assumir expressamente. Se a AT entendia que, para decidir conscienciosamente, precisava de elementos de prova que só o contribuinte podia fornecer, era sua obrigação solicitar-lhos e, só depois, elaborar o projecto de decisão e promover a audiência. Assim o exigem os princípios do inquisitório, da boa-fé e da colaboração, que presidem ao procedimento [cfr. arts. 58.º, 59.º, n.ºs 1 e 3, alínea d), da LGT].
Seja como for, a verdade é que nesse projecto, que foi convertido em decisão final, assume-se que o contribuinte só poderia demonstrar que o erro nas liquidações não é imputável a um seu comportamento negligente «caso a peticionante tivesse comprovado que se envidaram as diligências necessárias junto das autoridades de saúde para emissão do documento à data da verificação do grau de incapacidade», afirmando-se, textualmente, que, assim, «satisfaria o ónus da prova que lhe recai por força do art. 74.º da LGT, dado que ainda que não lograsse obter o documento (o atestado) à data de verificação efectiva da incapacidade, sempre teria em seu poder prova bastante de que fez tudo o que lhe era exigível para o obter, prova, que não logra alcançar». Ora, como deixámos já dito, não há nada que permita concluir – e, muito menos, de modo automático – que o facto de o atestado dizer que a doença que determinou o reconhecimento da incapacidade se reporta ao ano de 2009 significa i) que o contribuinte tinha conhecimento dessa doença nesse ano, ii) que, mesmo que o tivesse, que sabia qual o grau de incapacidade que a mesma lhe conferia e, muito menos, iii) que nesse ano estava em condições de pedir o pertinente atestado. Na ausência de quaisquer elementos que permitam concluir nesse sentido, afigura-se-nos que não podia o pedido de revisão ser indeferido com tal fundamento.
2.2.3.5 Em face do que deixámos dito, a sentença não pode manter-se, quer quanto à não verificação da injustiça grave e notória quer quanto à imputabilidade do erro a comportamento negligente do contribuinte, devendo ser revogada.
2.2.4 A QUESTÃO QUE FICOU PREJUDICADA
Em face da revogação da sentença, impõe-se que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser conhecida a questão que a sentença deu como prejudicada e que é a única que subsiste para decidir a impugnação judicial, qual seja a de saber se o caso em concreto é ou não enquadrável no art. 78.º, n.º 4, da LGT, por estarmos em face de um erro que se refere a uma dedução à colecta e não à fixação da matéria colectável, entendida em sentido estrito (Com interesse sobre a questão vide PAULO MARQUES, A Revisão do Acto Tributári, Cadernos IDEF, n.º 14, Almedina, págs. 272 a 275.).

2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.
II - Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.
III - Do facto de o atestado médico de incapacidade que foi requerido e emitido em 2012 reportar a doença que confere a incapacidade a 2009 não pode, sem mais, extrair-se a conclusão de que esse atestado podia ter sido requerido em 2009 e, muito menos, de que só o não foi por negligência do requerente.
IV - Sem prejuízo do que ficou dito em III, previamente à decisão do procedimento de revisão do acto tributário que adoptou esse entendimento, sempre haveria de conceder-se ao contribuinte a possibilidade de demonstrar o contrário.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a fim de aí se conhecer da questão que a sentença considerou prejudicada.
Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou o recurso [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].
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Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Francisco Rothes (relator) – José Gomes Correia – Joaquim Condesso.