Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0646/17.8BEAVR 0121/18
Data do Acordão:10/17/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Sumário:O indeferimento liminar, por manifesta improcedência, só deve decretar-se quando tal improcedência for evidente em termos de o seguimento do respectivo processo carecer, em absoluto, de razão de ser.
Nº Convencional:JSTA000P23731
Nº do Documento:SA2201810170646/17
Data de Entrada:02/05/2018
Recorrente:A... S.A
Recorrido 1:ALFÂNDEGA DE AVEIRO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………., S.A., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida em 27/10/2017 no TAF de Aveiro, que indeferiu liminarmente, por manifesta improcedência, a impugnação deduzida contra a liquidação (“a posteriori”) de direitos aduaneiros (direitos anti dumping), efectuada em 04/12/2015 pela Alfândega de Aveiro, no montante de 30.436,27 Euros, liquidação objecto de registo nº 2015/0294298, e cuja quantia foi paga em 18/12/2015, mas tendo a impugnante apresentado um pedido de reembolso dessa quantia em 26/01/2017, o qual foi indeferido por despacho do Director de Finanças de Aveiro, de 10/04/2017 e notificado em 20/04/2017, pedido que a impugnante sustentara na alegação de que os Regulamentos comunitários que servem de fundamento legal à liquidação impugnada violam o Regulamento Base Anti Dumping e o Acordo Anti Dumping da Organização Mundial do Comércio, pelo que, sendo inválidos, deverão tais Regulamentos [Reg. nº 91/2009 (alterado pelo Reg. nº 924/2012), e Reg. nº 2015/519] ser anulados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, anulando-se a decisão final que se impugna (cfr. os arts. 98º e 99° da PI).

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. Não é correcta a premissa de que parte a sentença do Tribunal a quo, segundo a qual não compete aos tribunais nacionais emitirem pronúncia sobre a legalidade de um Regulamento da União Europeia;
2. Os tribunais nacionais são “os tribunais comuns do contencioso europeu”, pelo que é a estes que os particulares se devem dirigir quando esteja em causa algum acto interconectado com o direito da União Europeia;
3. Cabe aos tribunais nacionais a aplicação do direito da União Europeia, o que devem levar a cabo de acordo com os princípios que formam o acervo comunitário, de entre os quais se destacam naturalmente o princípio do primado do direito da União Europeia, o princípio da interpretação conforme e o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva;
4. “Os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno podem apreciar a validade de um acto comunitário e, se não considerarem procedentes os fundamentos de invalidade que as partes invocam perante eles, podem rejeitar esses fundamentos, concluindo que o acto é plenamente válido. Pelo contrário, os órgãos jurisdicionais, sejam as suas decisões susceptíveis ou não de recurso judicial de direito interno, não são competentes para declarar a invalidade dos actos das instituições comunitárias” (Acórdão “Foto-Frost” do Tribunal de Justiça (Proc. n° 314/85);
5. Atenta a jurisprudência do TJUE, o Tribunal deveria ou (i) entender que a invalidade suscitada a título incidental não existia e poderia decidir fundamentadamente sobre o mérito da questão apresentada ou, (ii) se a validade do Regulamento lhe suscitasse dúvidas, lançar mão do mecanismo de reenvio prejudicial previsto no citado artigo 267° do TFUE;
6. O reenvio prejudicial é um mecanismo de cooperação jurisdicional pelo qual “todo e qualquer tribunal nacional pode submeter ao TJ questões de interpretação ou de validade do Direito Comunitário que sejam relevantes para a boa decisão da causa”;
7. Tratando-se da validade de Regulamento da União, a Recorrente não poderia lançar mão da acção prevista no artigo 263°, 4° parágrafo, do TFUE uma vez que a sua aplicação sempre necessita de actos de execução, ou seja, dos actos de liquidação dos direitos antidumping estabelecidos naquele Regulamento, pelo que apenas na impugnação de tais actos (ou na sequência de um pedido de reembolso, como é o caso) pode o particular incidentalmente suscitar a questão da validade do Regulamento;
8. Ao decidir que é manifestamente improcedente a pretensão da recorrente, sem que tenha apreciado o mérito da questão e sem que tenha procedido ao reenvio prejudicial quanto à validade dos Regulamentos invocados, o Tribunal inibiu a possibilidade da validade do Regulamento em que assenta a decisão impugnada vir a ser apreciada por um tribunal;
9. Violou, assim, o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, bem como o artigo 267° do TFUE, à luz da jurisprudência do TJUE.
10. Por outro lado, é igualmente desprovido de mérito para a decisão da causa o argumento de que a Alfândega de Aveiro não poderia ter decidido de outra forma por não ter competência, tal como o Tribunal, para aferir da validade do Regulamento em causa;
11. Se é certo que tem sido entendido que a Administração não pode recusar a aplicação de uma norma legal vigente no ordenamento jurídico com o argumento de que a considera inconstitucional, a verdade é que tal não inibe o particular afectado por um acto tributário ou administrativo de incidentalmente suscitar perante um tribunal a desaplicação dessa norma com base na ofensa de normas ou princípios constitucionais relevantes.
Termina pedindo que o recurso seja recebido e julgado procedente e, consequentemente, se revogue a decisão recorrida e seja a impugnação apresentada conhecida no seu mérito e, sendo caso disso, ser a questão prejudicial submetida a reenvio para o Tribunal de Justiça da União Europeia.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«O objeto do recurso é, conforme invoca a recorrente na parte inicial das suas alegações, a impugnação judicial apresentada que foi indeferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Aveiro com fundamento em manifesta improcedência.
E foi adotado o entendimento de se não poder conhecer da ilegalidade de Regulamento comunitário quando esse é o único fundamento utilizado na impugnação apresentada ao ato tributário, o que se extraiu da competência exclusiva para conhecer de recursos entre as instituições comunitárias, de recursos interpostos por um Estado-membro contra as mesmas e ainda de outros recursos desse tipo, prevista em várias disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia (T.F.U.E.), em que sobressaem as constantes dos artigos 263. 265. 268. 270. e 272. bem como em disposição do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E).
A recorrente argumenta, nomeadamente, manter-se a competência dos tribunais nacionais como tribunais comuns do contencioso europeu, com a jurisprudência do T.J.U.E. proferida pelo Acórdão “Foto-Frost”, segundo a qual deveria o tribunal decidir que a invalidade suscitada não existia ou suscitar o reenvio prejudicial previsto no art. 267. do T.F.U.E., mas não lançar mão da ação prevista no art. 263. § 4 do T.F.U.E..
Vai defender-se que o indeferimento liminar não pode subsistir.
Crê-se que a apreciação da matéria da impugnação é de sujeitar ao princípio subsidiariedade, de acordo com o previsto no art. 5º do Tratado da União Europeia (T.U.E.), de acordo com o qual as ditas disposições do T.F.U.E. e do Estatuto do T.J.U.E. não podem deixar de ser aplicadas.
Por outro lado, no art. 267.º do T.F.U.E, encontra-se previsto o reenvio prejudicial precisamente quanto a questões relativamente às quais os tribunais nacionais são chamados a intervir em que se coloque em causa a validade de atos da União Europeia.
Aliás, a doutrina do acórdão “Foto-Frost” encontra-se refletida no 3.9 § desse art. 267. em termos de ser obrigatório submeter a questão à apreciação do T.J.U.E. quando a mesma não for já suscetível de recurso judicial previsto no direito interno (ainda que possa também ser antes, nos termos do seu 2.º §).
Finalmente, o recorrente visa a anulação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso do montante liquidado pela dita Alfândega, conforme pedido efetuado a final da impugnação, tal efeito que não poderia ser obtido no dito recurso interposto para o T.J.U.E..
E de acordo com a declaração 18ª da Ata Final do Tratado de Lisboa, pertencem ao Estado-membro as competências partilhadas e ainda as não atribuídas à União Europeia.
Concluindo:
A competência do TJ.U.E. para apreciar a validade de Regulamento comunitário não é no caso exclusiva, mas partilhada com o tribunal recorrido, o que é de considerar por aplicação do princípio da subsidiariedade previsto no artigo 5.º n. 1 do T.U.E. e ainda de acordo com o art. 267.º do T.F.U.E. que permite e até impõe que se proceda a reenvio prejudicial para o T.J.U.E. quanto à dita questão da invalidade.
Visando-se com a impugnação a anulação ato de indeferimento de pedido de reembolso do montante liquidado pela Alfândega a apreciação pelo T.J.U.E. não permitiria satisfazer tal pedido, situando-se o pedido para além de competências partilhadas em próprias.
O recurso procede, sendo de revogar o indeferimento liminar da impugnação judicial.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. A decisão recorrida é do teor seguinte:
«A…………., S.A.., NIPC …………, com sede no Lugar …………, 3750-…. ……., veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento do pedido de reembolso do montante de 30436,27 €, relativos à liquidação, pela Alfândega de Aveiro, de direitos anti dumping, sustentando que os Regulamentos comunitários que servem de fundamento legal à liquidação impugnada violam ostensivamente o Regulamento Base Anti Dumping e o Acordo Anti Dumping da Organização Mundial do Comércio, pelo que “sendo inválidos, deverão os Regulamentos 91/2009, alterado pelo Regulamento 924/2012, e 2015/519 ser anulados pelo Tribunal de Justiça da União Europeia” (artigo 98.° da petição inicial), “anulando-se a Decisão Final que se impugna” (artigo 99.° da petição inicial)».
Com efeito, o ato impugnado — indeferimento do pedido de anulação da liquidação e consequente restituição das quantias pagas — assenta exclusivamente no entendimento de que os Regulamentos invocados pela Alfândega de Aveiro são ilegais por violarem outro Regulamento comunitário e o Acordo Anti Dumping celebrado com a OMC. Ou seja, a ilegalidade imputada à concreta liquidação não resulta de qualquer ilegalidade própria do ato, relativa à quantificação ou à interpretação que dos Regulamentos que lhe servem de base legal foi feita, mas de uma ilegalidade das próprias normas comunitárias que constam desses Regulamentos fundamento.
Sendo assim, é evidente que a pretensão da impugnante requerida a este Tribunal implica uma pronúncia acerca da legalidade dos Regulamentos comunitários que servem de fundamento legal ao ato tributário e da sua conformidade, ou desconformidade, com o Regulamento Base Anti Dumping [Regulamento (CE) n° 1225/2009, de 30 de novembro].
Para isso, pretende-se que este tribunal analise e se pronuncie sobre a legalidade da atuação legislativa de órgãos (Comissão) da União Europeia.
Todavia, não compete aos Tribunais nacionais emitirem tais pronúncias.
Dado que o Tribunal de Justiça tem competência exclusiva para conhecer dos recursos entre as instituições e dos recursos interpostos por um Estado-Membro contra o Parlamento Europeu e/ou contra o Conselho, o Tribunal Geral é competente para conhecer, em primeira instância, de todos os outros recursos deste tipo, em particular dos recursos interpostos pelas pessoas singulares ou por um Estado-Membro contra a Comissão.
O TFUE prevê que o Tribunal Geral é competente (artigo 256.° do TFUE) para conhecer em primeira instância dos recursos referidos nos artigos 263.°, 265°, 268.°, 270.° e 272.° do TFUE, nomeadamente no domínio a seguir referido, exceto se forem interpostos pelos Estados-Membros, pelas instituições da UE ou pelo Banco Central Europeu, casos em que o Tribunal de Justiça é exclusivamente competente (artigo 51.º do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia): - os recursos que tenham por objeto a anulação de atos das instituições, dos órgãos ou dos organismos da UE ou as ações por omissão contra as instituições intentados pelas pessoas singulares ou coletivas (artigos 263.° e 265.° do TFUE).
Crê-se, porém, que não estamos perante um caso de incompetência material, já que não vem pedida diretamente a anulação dos Regulamentos que fundamentam o ato tributário, até porque essa competência vem expressamente imputada pela Impugnante ao Tribunal da União Europeia (artigo 98 da petição inicial).
Na verdade, essa alegada ilegalidade do Regulamento, e respetiva desaplicação com tal fundamento, vem impugnada a título incidental, como pressuposto legal do ato tributário impugnado, esse sim praticado por autoridade pública portuguesa (Alfândega de Aveiro) e sindicável por este Tribunal Administrativo e Fiscal.
Portanto, a impugnante não pede nem espera que as autoridades nacionais, administrativas ou judiciais, declarem a ilegalidade de normas de Direito Comunitário.
Na verdade, se a fiscalização da legalidade dos Regulamentos comunitários que servem de fundamento legal do ato tributário não compete ao Tribunal de 1ª instância nacional, por maioria de razão também não compete à Alfândega de Aveiro.
Em bom rigor, a impugnante não sustenta que o Tribunal de Justiça (ou outro) da União Europeia já reconheceu a ilegalidade agora invocada, apenas pede que se anule o concreto ato tributário com base na interpretação legal que ela própria expende mas que as autoridades nacionais não têm competência material para acompanhar.
Por conseguinte, a Alfândega de Aveiro não poderia deixar de praticar o ato como o praticou (sendo certo que a impugnante não lhe imputa outros vícios), desaplicando os Regulamentos em vigor e ainda não postos ao escrutínio do Tribunal competente da União Europeia (seguimos de perto a fundamentação vertida na decisão proferida no âmbito do processo n.° 645/17.OBEAVR).
Em face do exposto, a pretensão da impugnante está manifestamente condenada ao insucesso.
Pelo que, este Tribunal indefere liminarmente a petição, por manifesta improcedência (artigo 590°, n° 1, do CPC ex vi artigo 2°, alínea e), do CPPT).»

3.1. Conforme flui dos autos e do próprio despacho recorrido, tendo a AT (alfândega de Aveiro) procedido em 23/03/2015, a uma acção inspectiva à recorrente, veio a efectuar em 04/12/2015 uma “liquidação a posteriori”, relativa a direitos aduaneiros (direitos anti dumping), no montante de 30.436,27 Euros, cuja quantia a recorrente pagou em 18/12/2015. E tendo a mesma entendido, quando “tomou conhecimento da ilegalidade da aplicação destes direitos quando analisou o Relatório do Órgão de Resolução de Litígios da OMC emitido a 18 de janeiro de 2016 no caso WT/DS397/AB/RW, European Communities – definitive anti-dumping measures on certain iron or steel fasteners from China” que seria ilegal a aplicação daqueles direitos aduaneiros, apresentou então, em 26/01/2017, um pedido de reembolso da quantia que pagara relativamente aos mesmos.
Tal pedido foi indeferido por despacho do Director de Finanças de Aveiro, datado de 10/04/2017 e notificado em 20/04/2017 e a impugnação foi deduzida em 29/06/2017.
Ora, independentemente de outras questões que, eventualmente, também possam suscitar-se a respeito do acto impugnado (quer considerando o apontado despacho, quer considerando o acto de liquidação — sendo certo que na decisão recorrida se subsumiu o acto impugnado ao «indeferimento do pedido de anulação da liquidação e consequente restituição das quantias pagas») e sendo certo, igualmente, que na notificação referente ao indeferimento do pedido de reembolso se consignou que a recorrente podia reagir através de recurso hierárquico facultativo para o sr. Ministro das Finanças, ou por meio de impugnação judicial, no prazo de 90 dias a contar da notificação – al. b) do nº 1 do art. 102º do CPPT, o que é verdade é que a decisão de rejeição liminar da impugnação se fundamenta na respectiva «manifesta improcedência» desta, uma vez que o que a impugnante alega é que os Regulamentos invocados pela Alfândega de Aveiro (nº 91/2009, alterado pelo Regulamento nº 924/2012, e nº 2015/519) são ilegais por violarem outro Regulamento comunitário [o Regulamento base Anti Dumping (Regulamento (CE) n° 1225/2009, de 30/11) e o Acordo Anti Dumping celebrado com a OMC], o que, na tese do despacho recorrido, implica que o Tribunal se pronuncie acerca da legalidade dos Regulamentos comunitários que servem de fundamento legal ao acto tributário e da sua conformidade, ou desconformidade, com o também mencionado Regulamento (CE) n° 1225/2009, ou seja, que se pronuncie sobre a legalidade da actuação legislativa de órgãos (Comissão) da União Europeia, apesar de não competir aos Tribunais nacionais emitirem tais pronúncias (sendo que na interpretação da decisão recorrida, «não estamos perante um caso de incompetência material, já que não vem pedida diretamente a anulação dos Regulamentos que fundamentam o ato tributário, até porque essa competência vem expressamente imputada pela Impugnante ao Tribunal da União Europeia (artigo 98 da petição inicial)», daí que essa alegada ilegalidade do Regulamento, e respectiva desaplicação com tal fundamento venha «impugnada a título incidental, como pressuposto legal do ato tributário impugnado, esse sim praticado por autoridade pública portuguesa (Alfândega de Aveiro) e sindicável por este Tribunal Administrativo e Fiscal
Em suma, na interpretação da decisão recorrida, a pretensão da impugnante está manifestamente condenada ao insucesso e impõe-se o indeferimento liminar da petição, por manifesta improcedência (artigo 590°, n°1, do CPC), dado que a impugnante não pede nem espera que as autoridades nacionais, administrativas ou judiciais, declarem a ilegalidade de normas de Direito Comunitário, nem «sustenta que o Tribunal de Justiça (ou outro) da União Europeia já reconheceu a ilegalidade agora invocada», antes pretendendo e pedindo, apenas, «que se anule o concreto ato tributário com base na interpretação legal que ela própria expende mas que as autoridades nacionais não têm competência material para acompanhar».

3.2. Como se tem afirmado (Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 315; bem como, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA, de 3/7/2013, rec. nº 01377/12; de 3/4/2013, rec. nº 01308/12; de 3/11/2010, rec. nº 030/10; de 2/5/1996, rec. nº 19.673, in Ap. ao DR, de 18/5/1998, pp. 1402 a 1404; de 17/5/95, rec. nº 18795.) o indeferimento liminar, por manifesta improcedência, radicando em motivos de economia processual, só deve decretar-se quando aquela for tão evidente que o seguimento do respectivo processo não tenha, em absoluto, razão de ser, seja manifesto desperdício da actividade judicial, sem margem para qualquer dúvida.
No caso vertente, como bem aponta o MP, não estamos perante uma dessas situações.
Com efeito, pretendendo a impugnante a anulação do acto de indeferimento de pedido de reembolso do montante que foi liquidado pela AT (Alfândega), então (independentemente, como acima se disse, de outras questões que, eventualmente, também possam vir a suscitar-se a respeito do acto impugnado), nem a apreciação por parte do TJUE permitiria satisfazer tal pedido, que se situa para além de competências partilhadas próprias, nem seria, desde logo, indiscutível o imediato afastamento do regime previsto no art. 267º do TFUE (a permitir, se for o caso, que se proceda a reenvio prejudicial para o TJUE quanto à aludida questão da invalidade, por referência ao acto impugnado [neste entendimento assenta, aliás, a argumentação da recorrente, no sentido de que, conforme jurisprudência do TJUE — acórdão “Foto-Frost” — o tribunal deveria decidir que a invalidade suscitada não existia ou suscitar o reenvio prejudicial (art. 267º do TFUE), não se impondo que lançasse mão da acção prevista no § 4 do art. 263º do mesmo Tratado].
Daí que o despacho recorrido (que, como se deixou explicitado, assenta a decisão de indeferimento liminar na aludida manifesta improcedência do pedido) não possa manter-se, não olvidando que, de todo o modo, o requerente pode sempre ser convidado para explicitar o seu pedido, caso se considere insuficientemente formulado, em ordem a assegurar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva – art. 590º do novo CPC (correspondente ao anterior art. 508º).
Em suma, no caso, atenta a factualidade alegada na PI e o acima exposto, é de entender que o despacho de rejeição liminar da petição enferma de vício de violação de lei e não pode manter-se, devendo ser anulado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, nos preditos termos, se a tanto nada mais obstar.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido, a substituir por outro que não seja de indeferimento liminar da petição pelo fundamento invocado (manifesta improcedência).
Custas do recurso pela recorrida, mas com dispensa de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.
Lisboa, 17 de Outubro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.