Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01302/17
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO IMPLÍCITA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - A contradição de julgados pressupõe que, no âmbito do mesmo quadro normativo e perante idêntica realidade factual, o acórdão recorrido e o acórdão fundamento adoptem soluções opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.
II - Essa contradição só pode ser apreciada se se verificar entre decisões expressas e não entre decisão expressa e decisão implícita.
Nº Convencional:JSTA00070512
Nº do Documento:SAP2018012501302
Data de Entrada:11/22/2017
Recorrente:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:A...... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Objecto:AC STA
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC ADM
Legislação Nacional:CPTA ART145 ART152
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0753/13 de 2013/06/04.; AC STA PROC01197/03 DE 2004/03/31.; AC STA PROC01039/02 DE 2014/05/06.; AC STA PROC0930/03.; AC STA PROC0433/12.; AC STA PROC0643/17 DE 2017/12/20.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Ministério da Justiça, devidamente identificado nos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno desta Secção do STA, nos termos do artigo 152.º do CPTA. Alega para o efeito que o acórdão ora recorrido, proferido pelo STA em 20.06.17 (Proc. n.º 112/17), já transitado, está em contradição com o acórdão proferido pelo STA, em 13.10.16 (Proc. n.º 210/16), também ele transitado, consubstanciando este último o acórdão fundamento.

2. O recorrente termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões (cfr. fls. 9-10):

“I. O acórdão recorrido está em contradição com o acórdão fundamento, pois, ao contrário daquele, entende que na ausência de manifestação/declaração expressa das partes quanto à possibilidade de recurso da decisão arbitral do CAAD esta não é recorrível.

II. No acórdão fundamento foi admitido recurso jurisdicional de decisão proferida pelo CAAD, sendo que os pressupostos da recorribilidade são matéria apreciada preliminarmente e oficiosamente pelo tribunal e que, em caso de não se verificarem, é uma circunstância que determina a recusa do recurso.

III. Ao ser admitido aquele recurso, foi entendido que a exigência do n.º 4 do artigo 39.º da LAV de previsão expressa quanto à possibilidade de recurso se encontrava cumprida/satisfeita com a previsão constante do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, sendo desnecessário, para o efeito, qualquer indicação expressa das partes da possibilidade de fazerem uso do mesmo.

IV. Nos acórdãos em confronto, as ações foram propostas ao abrigo da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro e, consequentemente, sujeitas ao Regulamento de Arbitragem do CAAD, segundo o qual, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância, a não ser que as partes expressamente a eles renunciarem.

V. No caso, nenhuma das partes renunciou aos recursos, razão pela qual terá que se considerar que a decisão arbitral é recorrível, conforme expressamente previstos no Regulamento de Arbitragem do CAAD.

Em face do exposto, deve ser admitido o presente recurso para admissão da jurisprudência e, consequentemente, deverá ser a questão novamente julgada e, a final, revogada a decisão recorrida nos termos, designadamente, do n.º 2 do artigo 156.º do CPTA”.

3. Devidamente notificados, os recorridos não produziram contra-alegações.

4. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu qualquer parecer.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Dão-se aqui por integralmente reproduzidas, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC, as factualidades pertinentes, dadas como provadas, nos acórdãos recorrido e fundamento.


2. De direito:

2.1. Nos presentes autos, o recorrente alega que sobre a mesma questão fundamental de direito existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. No caso concreto dos autos, a questão fundamental de direito é a de saber se para que da decisão arbitral caibam os mesmos recursos que caberiam de sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância é necessária a indicação expressa das partes da possibilidade de fazerem uso dos mesmos, ou, ao invés, basta não haver recusa expressa desses mesmos recursos.
Vejamos se assiste razão ao recorrente.

2.2. Antes de mais, e em termos de enquadramento teórico, diga-se que o presente recurso de uniformização de jurisprudência é interposto ao abrigo do artigo 152.º do CPTA, e que os requisitos de admissibilidade do recurso em questão, cuja apreciação é vinculada, são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do TCA e outro acórdão anterior, do TCA ou do STA, ou entre acórdãos do STA; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão recorrido e do acórdão fundamento e o respectivo recurso tenha sido interposto, no prazo de trinta dias, após o trânsito do acórdão impugnado; d) que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão recorrido, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Estes requisitos são de verificação cumulativa, pelo que o não preenchimento de um deles constitui condição suficiente para não admitir o recurso de uniformização de jurisprudência.
Além destes requisitos legais, a jurisprudência, baseando-se na lógica deste tipo de recurso, formulou, logo no âmbito da LPTA, alguns princípios com ele relacionados cuja observância também se justifica no âmbito do CPTA, quais sejam: e) para cada questão em oposição deve o Recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; f) só é de admitir-se a existência de oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; g) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos (ver Acórdão do Pleno do STA de 04.06.13, Proc. n.º 0753/13).

2.3. Apreciemos, agora, a admissibilidade do recurso interposto começando por analisar os pressupostos legais enunciados em a) e c). Assim, e desde já, a alegada contradição de julgados envolve dois acórdãos do STA, sendo o acórdão fundamento (de 13.10.16) anterior ao acórdão recorrido (de 20.06.17) – estando, deste modo, preenchido o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 152.º); além disso, ambos já transitaram em julgado.
Cumpre, de seguida, analisar se, no caso sub judice,ocorre a identidade da questão fundamental de direito resolvida, em sentidos opostos, nos dois acórdãos em confronto (pressuposto legal enunciado em b)). Atentemos, então, nas questões efectivamente colocadas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento.

No acórdão fundamento, o que estava em causa era uma questão remuneratória relacionada com a progressão salarial nas carreiras e que envolvia uma outra questão relativa à eficácia temporal das leis. Já no acórdão recorrido questiona-se a decisão deste Supremo Tribunal que, mantendo a decisão do TCAS, igualmente considera que as partes deveriam ter feito prova de que expressamente previram a possibilidade de recurso aos tribunais na convenção de arbitragem. Não obstante os distintos temas, o recorrente MJ entende que do acórdão fundamento – “que negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Justiça e confirmou a decisão arbitral recorrida (proc. 46/2012 do CAAD)” sem que constasse “a aludida indicação expressa das partes da possibilidade de fazer uso do mesmo, sendo que à data da propositura daquelas ações já se encontrava em vigor a nova LAV, e, consequentemente, o disposto no n.º 4 do seu artigo 39.º” – se pode extrair uma decisão quanto à questão da admissibilidade dos recursos de decisões arbitrais (cfr. fls. 5 e 6 dos autos).
Pelo que se pode constatar, a decisão do STA no caso do acórdão fundamento seria uma decisão implícita – embora o recorrente não o diga. O que afirma sim é que, “ao ser admitido recurso jurisdicional daquelas decisões do CAAD, foi considerado que os pressupostos da sua admissibilidade estavam preenchidos, devendo, assim, fazer-se igual entendimento no acórdão recorrido”. Reforça esta sua tese dizendo que “a questão da inadmissibilidade do recurso jurisdicional de decisão proferida pelo CAAD” é “matéria que deve ser apreciada preliminarmente e oficiosamente e que, no caso de não se verificarem os pressupostos da recorribilidade, é uma circunstância que determina a recusa do recurso, conforme artigo 145.º do CPTA” (cfr. fl. 7). Ainda que, com este último argumento, o recorrente pretendesse conduzir à ideia de que houve uma decisão num determinado sentido – se o STA era obrigado a verificar se estavam preenchidos os pressupostos da admissão de recursos no caso em questão e nada disse é porque considerou que eles estavam verificados –, não lhe assiste razão na sua pretensão. Com efeito, e desde já, relembra-se que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que as decisões implícitas ou subentendidas não podem servir de referência para a comparação com outra decisão para efeitos de verificar se existem decisões contraditórias (ver, entre outros, os acórdãos do Pleno do STA de 31.03.04, 06.05.04, 05.06.12 e de 20.12.17, Procs. n.os 1197/03, 1039/02, 980/03, 433/12 e 643/17. Efectivamente, a apreciação do pressuposto do artigo 152.º do CPTA que agora se analisa só é viável se tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento tiverem emitido decisões expressas, não sendo, pois, suficiente uma mera decisão implícita. E isto pela simples razão de que a tese jurídica implicitamente adoptada mas não discutida poderia ter sido afastada se tivesse sido expressamente apreciada e tratada – sendo certo que, num outro cenário, ela pode, pura e simplesmente, não ter sido sequer enfrentada. Verdadeiramente, no caso dos autos nem sequer é possível saber se existiu decisão implícita no acórdão fundamento, pois não temos prova de que não tenha havido indicação expressa das partes da possibilidade de fazerem uso do mesmo – facto relevante se se quiser, como o recorrente, argumentar que não é necessária a indicação expressa, antes basta que as partes, na convenção arbitral, não tenham renunciado aos recursos.

2.4. Em face de todo o exposto, não sendo possível avaliar se existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, conclui-se que não estamos, no caso vertente, perante uma situação em que seja de admitir o recurso para uniformização de jurisprudência.


III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo em não admitir o presente recurso para uniformização de jurisprudência.


Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.