Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:064/20.0BALSB
Data do Acordão:12/09/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:MAIS VALIAS
NÃO RESIDENTE
PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
Sumário:I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
II - O entendimento contrário é discriminatório, nos termo do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Nº Convencional:JSTA000P26891
Nº do Documento:SAP20201209064/20
Data de Entrada:07/03/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. Relatório

I.1. A sr.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (A.T.) vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“C.P.T.A.”), aplicável “ex vi” artigo 25.º, nºs. 2 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria - “R.J.A.T.”, na redação da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.), da decisão arbitral proferida em 11-5-2020 no processo n.º 785/2019-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrido A………, sinalizado nos autos, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão arbitral de 22-4-2019, no processo n.º 539/2018-T, do CAAD que se indica como fundamento.
I.2. Formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
A – O Acórdão arbitral recorrido (785/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…) Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019 5005573145, referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 13 886,02;(…) Condenar a AT na restituição ao Requerente do imposto pago em excesso.”
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “Efetivamente, atendendo à jurisprudência produzida pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo CAAD relativamente a situações ocorridas em momento posterior ao das alterações introduzidas ao artigo 72.º, do Código do IRS, pela Lei n.º 67- A/2007, de 31/12, está-se em crer que o novo quadro legislativo não impedirá a aplicação ao caso concreto da jurisprudência ditada pelo já citado Acórdão Hollmann. A tal propósito cabe citar, em primeiro lugar, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20.02.2019, no processo n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, disponível em http://www.dgsi.pt/.
Versou o referido Acórdão sobre recurso interposto pela AT da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial de uma liquidação de IRS do ano de 2010, determinando a sua anulação em 50%.
Consta do respetivo sumário:
“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.
III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”.
Cabe igualmente referir, entre outras, a decisão arbitral proferida em 08.04.2019, no processo n.º 600/2018-T, referente a mais-valias imobiliárias auferidas por não residente, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes, em cuja fundamentação, para além do mais, se lê o seguinte:
“Assim, o que essencialmente releva para este efeito é saber se existe ou não uma discriminação negativa na aplicação aos Requerentes do regime que lhes foi aplicado. O regime previsto por defeito (na falta de opção) no n.º 1 do artigo 72.º é mais oneroso para os não residentes do que para os residentes, pois enquanto a taxa máxima aplicável às mais-valias realizadas por residentes é de 24% do seu valor (taxa máxima de 48% prevista no artigo 68.º, aplicável a 50% do saldo das mais-valias), a taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do CIRS é de 28%, aplicável à totalidade do saldo. (…) Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72.º do CIRS, na redacção vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado. (…)
O facto de actualmente este regime poder ser afastado pelos sujeitos passivos, se manifestarem uma opção, não afasta a discriminação negativa, pois é nele imposta uma obrigação de opção que não é extensiva aos residentes.”
Face à jurisprudência citada, com a qual se concorda, haverá de concluir-se pela ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, ainda que o Requerente não tenha optado pelo regime de tributação a que se referem os n.ºs 9 e 10 do artigo 72.º, do Código do IRS, na medida em que tal opção não seria suscetível de afastar o efeito discriminatório decorrente da tributação da totalidade da mais-valia apurada no ano em causa, e não de apenas de 50% do seu valor, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º, do referido Código.
Questão diversa é a de saber se tal ilegalidade determina a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2019 5005573145, conforme peticionado, ou se a mesma deve ser anulada na sua totalidade. Quer a doutrina quer a jurisprudência apontam no sentido de que o ato tributário é um ato divisível, quer por natureza, dado que impõe a obrigação de pagamento de uma quantia pecuniária, quer por determinação legal (cfr. o artigo 100.º, da LGT), podendo ser parcialmente anulado, se o tipo de ilegalidade de que padece o afetar apenas em parte.
No caso dos autos, a ilegalidade da liquidação impugnada resulta, em exclusivo, da não aplicação do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, que determinaria a tributação de apenas 50% das mais-valias realizadas pelo Requerente.
Estando em causa a mera redução da base de incidência do imposto e sendo a taxa aplicável uma taxa fixa (28%), justifica-se, face ao princípio da economia processual, a sua anulação parcial (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do STA, de 12.07.2017, no processo 0636/17, disponível em http://www.dgsi.pt/).
Procedendo a pretensão anulatória do Requerente, procede igualmente o pedido de restituição do imposto pago em excesso, da quantia de € 13 886,02, nos termos dos artigos 100.º, da LGT e 24.º, do RJAT.”
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.
I.3. Proferido despacho a verificar não haver motivo para rejeitar o recurso, o recorrido foi notificado para apresentar contra-alegações, o que efectuou, concluindo nos termos que se seguem:
1. A Decisão Arbitral proferida no Processo N.º 785/2019-T, na qual foi sujeito processual o ora Recorrido deu provimento ao pedido de anulação parcial do ato de liquidação a título de mais-valias imobiliárias excessivo, num excedente de € 13.886,02 (treze mil oitocentos e oitenta e seis euros e dois cêntimos), nos termos efetivados pela Requerente Autoridade Tributária e Aduaneira “Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:
a. Declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2019 5005573145, referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial, pela quantia de € 13 886,02;
b. Condenar a AT na restituição ao Requerente do imposto pago em excesso.”
2. O Recorrido mantém o entendimento propugnado no pedido de pronúncia arbitral, bem como nas suas Alegações finais, ora juntas ao processo e que demonstram de forma cabal a ilegalidade dos atos tributário[s] controvertidos.
3. A Decisão Arbitral e a alegada pela Recorrente Decisão fundamento existe uma identidade de situações de facto, e uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante o julgamento presente recurso, todavia o erro de julgamento não se encontra, conforme vem o Recorrido alegar na Decisão Arbitral recorrida mas sim na Decisão Fundamento por si anexa.
4. Sucede pois, que a Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 539/2019-T, decisão esta usada pela Requerente como Decisão Fundamento para o presente recurso para uniformização da jurisprudência, propugnou pela exclusão da tributação de mais-valias em 50%, é aplicável aos não residentes nacionais (mas residentes em Estados-Membros da União Europeia) quanto às mais-valias obtidas em território nacional, previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS.
5. Decisão esta que choca frontalmente com as posições sucessivamente tomadas pela jurisprudência em matérias semelhantes, nomeadamente pelo TJUE, STA e CAAD, incorrendo, assim, em erro de julgamento e consequente violação da lei, em particular do disposto no n.º 4 do artigo 8º da Constituição da República.
6. Vide Ac. Proferido pelo TJUE no processo C- C443/06, em 11 de outubro de 2007 – O Conhecido caso Hollmann, o qual apreciou o disposto no artigo 43º n.º 2 CIRS, e segundo o qual a necessidade de coerência do regime fiscal nacional não se afigura como razoável para permitir restrição propugnada pelo artigo 43º n.º 2 do CIRS. - “O artigo 56º CE (atual artigo 63º TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litigio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel situado num Estado-membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efetuada por um residente num outro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
7. Embora a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008), tenha passado a prever a limitação da tributação a 50% das mais-valias, não apenas para os residentes em território nacional mas também para os não residentes, desde que residentes noutro Estado Membro da União Europeia ou do espaço Económico Europeu, caso optassem pela mesma, sobre semelhante sistema de opção de regime tributário veio o TJUE se pronunciar,
8. Continuando a propugnar pela ilegalidade do mesmo, porquanto a opção de escolha pela contribuinte entre dois regimes tributários não elimina a existência da situação discriminatória verificada pela existência de diferentes regimes num único sistema.
9. Vide neste sentido acórdão proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), de 18 de Março de 2010:
a. “O artigo 49.° TFUE opõe-se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.
b. «50. Antes de mais, importa recordar que a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, como F. Gielen, escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório.
c. 51. Ora, cumpre frisar a este respeito que, no presente caso, essa escolha não é susceptível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.
d. 52. Com efeito, o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência, como é essencialmente observado pelo advogado-geral no n.° 52 das suas conclusões, validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório.
e. 53. Por outro lado, como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar, um regime nacional que limite a liberdade de estabelecimento é incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de Dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colect., p. I-11753, n.° 162).
f. 54. Decorre do exposto que a escolha concedida, no âmbito do litígio em causa no processo principal, ao contribuinte não residente, através da opção de equiparação, não neutraliza a discriminação constatada no n.° 48 do presente acórdão.”
10. Acórdão proferido no processo C-168/11, de 28/02/2013 “Mesmo admitindo que tal sistema seja compatível com o direito da União, resulta contudo da jurisprudência que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode permanecer incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa (v., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 162, e de 18 de março de 2010, Gielen, C-440/08, Colet., p. I-2323, n.º 53). A este respeito, a existência de uma opção que permitiria eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem assim por efeito sanar, por si só, o carácter ilegal de um sistema, como o previsto pela regulamentação controvertida, que compreende um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de escolha efetuada pelo contribuinte.”
11. Ac. Proferido pelo TJUE no processo C-623/13 ((Skatteverket contra Hilkka Hirvonen ), a 19-11-2015, “a recusa, no quadro da tributação dos rendimentos, em conceder aos contribuintes não residentes, que auferem a maior parte dos seus rendimentos no Estado de origem e que optaram pelo regime de tributação na fonte, as mesmas deduções pessoais que são concedidas aos contribuintes residentes, no quadro do regime de tributação ordinária, não constitui uma discriminação contrária ao artigo 21º TFUE quando os contribuintes não residentes não estejam sujeito a uma carga fiscal globalmente superior à que recai sobre os contribuintes residentes e sobre as pessoas que lhe são assemelhadas, cuja situação seja comparável à sua.”
12. Ac. Proferido pelo TJUE no processo C-443/06 que entendeu ser essencial da incompatibilidade do regime do artigo 71.º, n.º 1, com o direito de União resulta de instituir “um tratamento fiscal desigual para os não residentes, na medida em que permite, no caso de realização de maisvalias, uma tributação mais gravosa e, por isso, uma carga fiscal superior à que é suportada pelos residentes numa situação objectivamente comparável.”
13. Ac. Proferido pelo TJUE no processo C479/14 de 08-06-2016:
a. “42. Relativamente ao caráter facultativo do referido mecanismo de tributação, há que sublinhar que, mesmo admitindo que esse mecanismo seja compatível com o direito da União, é jurisprudência constante que um regime nacional restritivo das liberdades de circulação pode continuar a ser incompatível com o direito da União, mesmo que a sua aplicação seja facultativa. A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso de, como no processo em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União ser aquele que é automaticamente aplicado na falta de escolha efetuada pelo contribuinte (v., neste sentido, acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Beker, C-168/11, EU:C:2013:117, n.º 62 e jurisprudência referida).”

14. Despacho do TJUE (sétima secção) de 06-09-2018, processo C-184/18, em que se entendeu que «uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado nesse Estado-Membro, efetuada por um residente num Estado terceiro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, nesse mesmo tipo de operações, sobre as mais-valias realizadas por um residente naquele Estado Membro constitui uma restrição à livre circulação de capitais que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é abrangida pela exceção prevista no artigo 64.º, n.º 1, TFUE e não pode ser justificada pelas razões referidas no artigo 65.º, n.º 1, Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia»



15. Igualmente a nível nacional têm vindo a ser proferidas decisões na mesma linha que as supra transcritas, ou seja, conformes o direito comunitário.
16. Acórdão proferido pelo STA no Proc.º 1031/10, de 22/03/2011, “foi a Administração Fiscal que, perante a declaração dos contribuintes, lhes liquidou o imposto que considerou devido (como aliás sempre sucede no IRS): à taxa prevista para os não residentes (25%, nos termos do artigo 72.º n.º 1 do Código do IRS) e sobre o montante total da mais-valia realizada e não apenas sobre 50% deste valor (artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS), assim ignorando a jurisprudência comunitária e a deste Supremo Tribunal que a acolheu (cfr. o Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, rec. n.º 439/06) quanto à incompatibilidade daquela disposição legal, assim aplicada, com o (então) artigo 56.º do TJCE (actual artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), sujeitando deste modo, como veio a acontecer, a ver anulada nessa parte a liquidação impugnada, dado o primado do direito comunitário”.
17. Acórdão proferido pelo STA no Proc.º 01374/12, de 30/04/2013 - “a ilegalidade do acto tributário de liquidação efectuado aos Impugnantes respeita exclusivamente à não aplicação aos Impugnantes da limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas, por aqueles serem sujeitos passivos não residentes em território nacional, e assim sendo, encontrando-se restringida àquele ponto a ilegalidade do acto de liquidação, a decisão a proferir nos presentes autos não pode ir além da que deriva da desconsideração do disposto no artigo 43º, nº 2 do CIRS na parte em que limita aos residentes a consideração apenas de 50% do saldo das mais-valias.”
18. Acórdão proferido pelo STA no Proc.º n.º 01172/14, de 03/02/2016 “I – As disposições do Tratado CE, que rege a União Europeia, prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
a. II – É incompatível como direito comunitário, porquanto limita os movimentos de capitais que o artigo 56º do Tratado CE consagra, o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS, por não aplicação aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas que estatui para os residentes no território nacional.”
19. Acórdão proferido pelo STA no Proc.º n.º 0901/11.0BEALM 0692/17, de 20.02.2019 – “I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
a. II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da UE, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da UE.
b. III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (art. 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”
20. Vide Processo n.º 45/2012-T, de 05/07/2012 - “Deste modo, atento o que ficou exposto, procede o vício de violação de lei alegado pelos Requerentes, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação dos actos tributários objecto de pronúncia arbitral.”
21. Processo n.º 127/2012-T, de 14/05/2013 - “foi a própria Requerida que, perante a declaração de rendimentos do Requerente, liquidou o imposto, à taxa de 25%, prevista no nº 1 do artigo 72.º do Código do IRS, considerando a totalidade da mais-valia realizada por aquele e não apenas sobre 50% daquela, nos termos prescritos do nº 2 do artigo 43.º do mesmo Código, numa interpretação e aplicação desta disposição legal que não está conformidade quer com o direito comunitário, na qual se inclui a jurisprudência comunitária, quer ainda com a jurisprudência portuguesa. (…) Em face do exposto, procede o vício de violação de lei invocado pelo Requerente, pois a interpretação e aplicação do nº 2 do art. 43.º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, declarando-se assim a ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS, objecto de pronúncia arbitral, com a consequente anulação do mesmo acto.”
22. Processo n.º 748/2015-T, de 27/07/2016 – “as consequências do que se deixa exposto, em conformidade com a jurisprudência do TJUE supra referida, pode eventualmente resultar numa tributação mais favorável das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes em Portugal, que residam na União Europeia, do que por residentes, pois, para além de beneficiarem de igual modo da redução a 50% da base de incidência de IRS, são sujeitos a uma taxa única de 25%, que será, na maioria dos casos, inferior às taxas progressivas dos residentes, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do Código do IRS, a que acresce o facto de estes últimos terem de englobar todos os seus rendimentos. Porém, esta é uma consequência da fiscalidade direta ser um domínio da competência dos Estados membros, cabendo a estes resolver no plano interno este tipo de discrepâncias. Uma coisa é certa e incontornável, no atual estádio do Direito Comunitário, não se vislumbra um princípio ou norma que impeça a discriminação positiva dos não residentes face aos residentes, mas é clara a proibição de discriminação dos não residentes.”
23. Processo n.º 644/2017-T, de 30/05/2018 “Deste modo, atente ao exposto, procede o vicio de violação da lei invocado pela Requerente relativamente à liquidação efetuada pela Requerida nos referidos termos e que vem impugnada, por manifesta incompatibilidade do nº 2 do art. 43º do Código do IRS com o art. 63º do Tratado sobre o funcionamento da união europeia, no ponto em que restringe a redução das mais-valias sujeitas a IRS a 50% apenas aos sujeito passivos que são residentes em Portugal, com a sua consequente anulação”
24. Processo n.º 600/2018-T, de 08/04/2019 - “Assim, é seguro que o regime de tributação a taxa liberatória previsto no artigo 72º do CIRS, na redação vigente em 2017, é incompatível com o referido artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pois torna a transferência de capitais menos atrativa para os não residentes e constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo Tratado”
25. Processo n.º 764/2019-T - “Pelo exposto, considerando que, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, da CRP, «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”, é de concluir que é ilegal a tributação nos termos em que foi efetuada na liquidação impugnada, o que justifica a sua anulação parcial, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração da totalidade das mais-valias imobiliárias.”
26. Processo n.º 787/2019-T – “Importa aqui relembrar que a prevalência da interpretação do TJUE acerca do direito de fonte comunitária resulta do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do princípio do primado do Direito Comunitário, seja este originário ou derivado.
Assim, na sequência daquele aresto do TJUE, os tribunais nacionais adotaram uma posição consentânea com o ali decidido, sendo disso exemplo a jurisprudência do STA citada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral. Também os tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD seguiram idêntico entendimento, como resulta, entre outras, das decisões arbitrais que são igualmente citadas pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral.
16. Isto posto. A Requerida entende que a aludida jurisprudência do TJUE não é vinculativa, uma vez que o quadro legal, assim como a obrigação declarativa, já não é aquele que existia à data da prolação do mencionado acórdão pelo TJUE, atenta a alteração legislativa consubstanciada no aditamento ao artigo 72.º do Código do IRS dos seus números 7 e 8 (atuais números 9 e 10), pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (OE 2008); assim, segundo a Requerida, o Acórdão Hollmann refere-se a situações ocorridas na vigência do artigo 72.º do Código do IRS, na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, pelo que o caso concreto não está abrangido por tal arco temporal.
No entanto, não tem a Requerida razão na posição que sustenta.
Porquanto, a propósito de um regime de opção similar àquele que está consagrado no artigo 72.º, n.º 9, do Código do IRS, o TJUE já se pronunciou no acórdão de 18 de março de 2010, proferido no processo C-440/08 (Caso Gielen), no qual foi decidido o seguinte:
«O artigo 49.° TFUE opõe-se a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal como a dedução concedida aos trabalhadores independentes, em causa no processo principal, apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes.»
Desta forma, resulta meridianamente evidente que a previsão do regime facultativo em apreço, para além de fazer impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, a opção de equiparação não é suscetível de excluir a discriminação em causa, a qual continua pois a subsistir.
Nesta conformidade, procede o vício de violação de lei alegado pela Requerente, por incompatibilidade do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o artigo 63.º do TFUE, na parte em que restringe a redução a 50% das mais-valias sujeitas a IRS a sujeitos passivos residentes em Portugal, com a consequente anulação parcial do ato de liquidação de IRS controvertido, na parte em que não considerou a limitação da tributação das aludidas mais-valias imobiliárias a 50% do respetivo valor.”
27. Processo n.º 757/2019T “Face ao acima exposto, forçoso será que, também neste processo, se adira à decisão aí adoptada no processo CAAD 846/2019T:
a. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63º do TFUE.
b. Consequentemente, o ato de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronuncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado.”
28. Processo n.º 846/2019T – “Concluindo que a aplicação do n.º 2 do artigo 423º do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra. Acompanhando, sem reservas a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e o acórdão proferido no Processo 28/2019T, que aqui se transcreveu, considera o Tribunal que não se suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação aqui impugnada.”
29. Processo n.º 74/2019T, de 22.05.2019 – “Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa. De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
a. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
b. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS. Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.
c. Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
d. (…)
e. Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral: a. Anular parcialmente a liquidação em crise, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária. b. Condenar a Requerida AT na restituição do valor de imposto indevidamente pago.
30. Processo n.º 208/2019T “42. Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas. 43. Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
a. 44. Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º 2, conforme, aliás, tem vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.
b. 45. Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes insuscetível de excluir a discriminação em causa.
c. 51. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito comunitário a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63 do TFUE.
Consequentemente, os atos de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontram-se feridos de ilegalidade devendo ser anulados.
Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, devem esses atos ser parcialmente anulados.”
31. Pelo supra exposto, concorda, pois, o Recorrido estarem verificados os requisitos para oposição de acórdãos, entendida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo como situação em que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito,
32. Assim, e no estrito cumprimento do n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, a violação aqui relevante consiste num manifesto erro de julgamento expresso, no entendimento do Recorrido, salvo melhor entendimento, da Decisão arbitral do processo n.º 539/2019-T, a decisão fundamento usada pela Recorrente, e não na Decisão Arbitral ora recorrida e proferida no processo n.º 785/2019-T, sendo que esta liquidação se encontra ferida do vício de violação da lei, pois a não aplicação da supra referida norma traduz-se numa violação do direito comunitário, porquanto se traduz tal à efetivação de uma tributação feita por modo diferente e bem menos favorável aos cidadãos comunitários não residentes em território nacional quando comparado com a tributação feita a cidadãos comunitários residentes em território nacional.
33. Em suma, entre a Decisão Arbitral recorrida e a alegada pela Recorrente Decisão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante o julgamento presente recurso e consequente reafirmação e manutenção da decisão recorrida, com Acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida, nos termos do entendimento propugnado pela ora Recorrido em sede arbitral, bem como demais jurisprudência propugnada no mesmo sentido e aqui transcrita, a cujo teor se adere na totalidade.
Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, e consequentemente nos termos e com os fundamentos acima indicados ser mantida a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 785/2019-T, e ora Recorrido, fixada por Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.
Pede e Espera de V.Exas Deferimento.
I.4. A exm.ª magistrada do Ministério Público, tendo sido notificada, para efeitos do art. 146.º n.º1 do C.P.T.A., veio a pronunciar-se, após enunciar o objecto do recurso e a questão em oposição, no sentido da não admissão/conhecimento do recurso, defendendo que a dita questão “vem sendo decidida de forma uniforme pelo Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo), conforme decorre dos doutos Acórdãos proferidos no Processo n.º 0439/06, de 16/01/2008, no Processo n.º 01031/10, de 22/03/2011, no Processo n.º 01374/12, de 30/04/2013, no Processo n.º 01172/14, de 03/02/2016 e, mais recentemente, no douto Ac. proferido em 20-02-2019 no processo 0901/11.0BEALM”, encontrando-se, assim, “verificado o condicionalismo previsto no nº3 do artigo 152º, CPTA.”.
I.5. Tal parecer foi notificado às partes, nos termos do art. 146.º n.º 2 do C.P.T.A., não tendo sido apresentada resposta.
I.6. Os exm.ºs Conselheiros adjuntos tiveram vista em simultâneo dos autos, em que consta reproduzido o teor do processo arbitral cuja decisão é recorrida, bem como a decisão arbitral que serve de fundamento ao recurso interposto.
I.7. Cumpre apreciar e decidir, pois, a admissão do recurso e, sendo esse o caso, resolver a questão fundamental em oposição que a recorrente alega consistir em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
II. Fundamentação
II.1. De facto
II.1.A. A matéria de facto da decisão arbitral recorrida proferida no processo 785/2019-T, consta da respectiva decisão, cujo teor se encontra reproduzido nos autos, de acordo com CD certificado pelo CAAD, e encontra-se ainda publicada do seguinte modo em www.caad.org.pt:

1. O Requerente procedeu, em 29.06.2019, à entrega da declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos do ano de 2018, registada sob o n.º..., constituída pelo respetivo rosto, um anexo F e um anexo G (cfr. declaração com cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzida);

2. No rosto da declaração, o Requerente indicou o estado civil de casado; a não opção pela tributação conjunta; a qualidade de não residente, com residência em outro Estado Membro da União Europeia (código 250) e a opção pelo regime geral de tributação (cfr. declaração com cópia junta ao PPA);

3. No anexo F à declaração de rendimentos, foram declarados rendimentos no valor de € 2 160,00 e gastos no valor global de € 549,50 (cfr. declaração com cópia junta ao PPA);

4. No anexo G à referida declaração de rendimentos, o Requerente declarou (cfr. declaração com cópia junta ao PPA):

a. A alienação, em outubro e em agosto do ano a que respeitam os rendimentos, pelo valor de € 100 000,00 cada, de 50% das frações autónomas designadas pelas letras E F do prédio urbano inscrito sob o artigo ... da freguesia com o código...;

b. A aquisição de 50% das referidas frações autónomas, pelo valor de € 39.903,83 cada, em junho de 2003;

c. Despesas e encargos das quantias de € 1587,43 e de € 1.063,24, respetivamente;

5. Em 26.07.2019, a Requerida emitiu a liquidação n.º 2019..., no montante de € 28.222,99, com data limite de pagamento em 04.09.2019 (cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzida);

6. A liquidação n.º 2019... incidiu sobre o rendimento coletável de € 100.796,40, resultante da dedução das deduções específicas da categoria F (€ 549,50) ao rendimento global de € 101.349,90 (cfr. demonstração junta ao PPA, que se dá como reproduzida);

7. O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação n.º 2019... em 10.08.2019 (comprovativo com cópia junta ao PPA, que se dá como reproduzido).

II.2.B. A matéria de facto da decisão arbitral fundamento, proferida no processo n.º 539/2018-T, consta da respectiva decisão, cujo teor consta reproduzido nos autos, conforme certificado em CD pelo CAAD, encontrando-se ainda publicada no local acima indicado conforme segue:

1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;

2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).

3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).

4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).

5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:

3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o 1.º andar D.to, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., freguesia de..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz da freguesia de ... sob o artigo ... (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).

A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).

3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o 2.º andar Esq.º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., em ..., concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).

A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).

3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.

3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.

6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018..., com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018..., com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).

7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).

8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018..., conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).

9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).

II.2. De direito.

II.2.a.Da admissão do recurso.

Conforme decorre dos n.ºs 1 e 3 do art. 692.º do C.P.C., subsidiariamente aplicável, o referido despacho já proferido pelo relator, não obsta a que seja apreciado se é de admitir o recurso previsto no artigo 25.º n.ºs 2 e 3 do dito R.J.A.T., que remete para o artigo 152.º do C.P.T.A..

O recurso interposto por oposição entre decisões arbitrais é admissível, nos termos dos artigos 25.º n.ºs 2 e 3 do R.J.A.T., na redacção actual, que segue, com adaptações, o regime de uniformização de jurisprudência previsto no art. 152.º do C.P.T.A., na dependência de vários pressupostos, nos quais se insere o alegado nas conclusões apresentadas, nomeadamente, sob as alíneas A J.

Sendo de presumir que a decisão fundamento tenha transitado em julgado, atenta o tempo decorrido desde que a mesma foi proferida sem que conste ter sido interposto recurso da mesma, a admissão do recurso depende ainda de se verificar “oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito” e de a orientação perfilhada não estar de “acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo”.

Quanto à referida oposição é de considerar depender do seguinte:

- identidade de factos;

- identidade quanto à questão de direito;

- decisão expressa que não implícita quanto à dita questão – cfr., para além do acórdão citado pela recorrente e, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 5-5-1992, em Apenso ao Diário da República de 29-11-1994, pág. 426, de 18-2-1998, o de 23-10-2019, processo 017/19.1BALSB, publicado em www.dgsi.pt.

Ora, desde logo os factos constantes das decisões arbitrais recorrida e em fundamento são de anos próximos – 2017, no caso da decisão fundamento e 2018 no caso da decisão recorrida.
Por outro lado, numa e noutra foram declarados rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residente, sem que este tenha optado pelo regime de tributação a que se refere o n.º 9 do artigo 72.º, do Código do I.R.S. (cuja redação foi alterada, pela redação dada pela Lei n.º 114/2017, de 29/12, mantendo-se a referência às alíneas a) e b) do n.º1, e passando ainda a ser referida a al. e) desse n.º1, que diz respeito a rendimentos prediais), antes tendo optado pelo “regime geral” de tributação que, de acordo com o modelo instituído, era o de não residentes.
E foi na apreciação dos ditos artigos 43.º n.º 2 e 72.º do C.I.R.S., bem como ainda com o 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (T.F.U.E.) que foram proferidas decisões expressas em oposição.
Aliás, a matéria que foi objeto de pronúncia na decisão arbitral recorrida foi enunciada como consistindo em saber se a norma do n.º 2 do artigo 43.º, do Código do IRS, na qual se determinava que “o saldo referido número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50 % do seu valor” é aplicável na determinação dos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos por não residente, sendo este residente em Madrid.
E decidiu-se que sem tal aplicação ocorre a violação do dito art. 63.º do T.F.U.E..
Por seu turno, a matéria que foi objecto de pronúncia na decisão arbitral fundamento, foi enunciada como consistindo em saber se, quanto a mais-valias resultantes da alienação de frações imobiliárias, por não residente e com residência na União Europeia, se deve aplicar o regime de tributação igual ao dos residentes, sem consideração do disposto no artigo 43.º, n.º 2 do C.I.R.S., por violação das disposições do Direito Comunitário, designadamente do dito art. 63.º do T.F.U.E..
Nesta decisão fundamento entendeu-se que o requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do C.I.R.S., o que não aconteceu.
E entendeu-se ainda ser a liquidação impugnada, sem a consideração do dito art. 43.º n.º 2 do C.I.R.S., compatível com o disposto no artigo 63.º do T.F.U.E., dada a não opção do requerente no sentido de ser tributado pelas taxas especiais do artigo 72.º.
Ainda quanto ao pressuposto da admissibilidade não estar o decidido de “acordo com a orientação mais recentemente consolidada” do S.T.A., consideramos que, pese embora tenham já sido proferidos vários (5) acórdãos pelo S.T.A. sobre a dita questão todos no mesmo sentido, conforme refere a exm.ª magistrada do Ministério Público, resulta preenchido o dito requisito, porquanto nem todos foram produzidos no domínio da mesma redação dada às normas em causa, nomeadamente, após a redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, e porque tem de se verificar:
- “um acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício de funções na Secção (consoante prevê o art. 27.º, n.º 2, do actual ETAF)”;ou
- “uma sequência ininterrupta de várias decisões no mesmo sentido e obtidas por unanimidade ou por maiorias inquebrantáveis”, sendo neste contexto de levar em ainda em conta a atual composição da respectiva secção – cfr., nesse sentido, acórdãos do S.T.A. de 18-9-2008, proferido no proc. 0212/08 e de 22-2-2018 no proc. 01369/17, ambos da Secção do Contencioso Administrativo, e o de 8-7-2020, proferido no proc. 0568/17.2BALSB, da Secção do Contencioso Tributário, publicado tal como os anteriores, em www.dgsi.pt..
Ora, embora tenham sido proferidos alguns acórdãos pelo S.T.A. no mesmo sentido da decisão arbitral recorrida, não resulta reunida a dita sequência inquebrantável, tanto mais que o mais recente acórdão remonta a 2019 e a composição da secção do Contencioso Tributário foi alterada, nos termos do art. 86.º do E.T.A.F., pela Portaria n.º 290/2017, de 28/9, tendo o número de Juízes sido fixado em 12, superior ao anterior, sendo certo que nenhum dos actualmente em funções nessa secção teve sequer intervenção no referido mais recente acórdão e não foi também proferido acórdão pelo Pleno.
De tudo o que antecede resulta ser de admitir o recurso interposto por se encontrarem reunidos os requisitos de que depende a sua apreciação.
II.2. b. Da questão fundamental em oposição e sua resolução.
A questão fundamental de direito que está em causa consiste em saber se quanto a mais-valias imobiliárias resultantes de alienação de imóveis, obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que manifestou na declaração apresentada em Portugal pretender a tributação pelo regime geral, sem que optar de acordo com o previsto no art. 72.º n.º 9 do C.I.R.S., é ou não de excluir a aplicação do artigo 43.º, n.º 2, do C.I.R.S., em que se prevê que as ditas mais-valias sejam consideradas em 50%, bem como se com a com a exclusão da aplicação do dito art. 43.º n.º 2 do C.I.R.S. ocorre a violação do direito comunitário, nomeadamente, do artigo 63.º do T.J.U.E..
Entendemos ser de adotar a fundamentação constante do acórdão proferido pelo S.T.A. em 20-02-2019 no processo 0901/11.0BEALM, o qual se encontra publicado em www.dgsi.pt e que incidiu sobre caso semelhante ao em causa (apreciado em sentença proferida por Tribunal da Jurisdição Administrativa e Fiscal):
“O acto tributário, aqui em discussão, resultou da aplicação, pela Autoridade Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º, do CIRS, em que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas, por residentes, previstas na alínea a), do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor, daí resultando que tal redução não se aplica quando estejam em causa, como aqui acontece, não residentes. Com efeito, está em causa uma mais-valia percebida por dois sujeitos passivos que não residiam em Portugal mas na Bélgica daí que em face daquele dispositivo legal a mesma não pôde ser considerada apenas em 50% do seu valor, mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu.
A sentença recorrida desconsiderou a aplicação da referida norma com o entendimento de ser ela violadora do direito comunitário na medida em que tributa de forma diferente, e, menos favorável, os cidadãos comunitários não residentes no território nacional por comparação com a tributação que efectuaria aos cidadãos comunitários aqui residentes, assente exclusivamente no seu local de residência.
A Autoridade Tributária considera que tal norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes, por contraposição aos residentes em Portugal, porquanto os Estados-Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que, no caso de Portugal, se rege pelo estatuído na alínea i), do n.º 1, do art. 165.º, da CRP - Reserva de Lei da Assembleia da República em matéria fiscal».
O art. 56.º do TCE (actual 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais, entre Estados-Membros - são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros -.
O TJUE em acórdão de 11/10/2007, proferido no processo C-443/06, declarou que: “O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
Seguindo a jurisprudência do TJUE a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal cfr. Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24., sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.
Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.”
Com efeito, a liquidação efetuada na medida em que é menos favorável que a aplicável em caso semelhante quanto a nacionais, reveste carácter discriminatório arbitrário para o ora recorrido, não residente em Portugal mas residente noutro país da União Europeia, e é susceptível de ser restritiva da liberdade de circulação de capitais entre Estados membros, nos termos previsto no art. 65.º do T.F.U.E., nos termos do seu n.º 3, aplicável à derrogação prevista no seu n.º 1, relativamente às disposições pertinentes de direito fiscal.
A esse entendimento não obsta a opção por outro regime, conforme decorre ainda da jurisprudência do T.J.U.E., citada pelo recorrido, nomeadamente, dos acórdãos de 28-2-2013, proferido no processo C-168/11 e de 8-6-2016, no processo C-479/14, publicados em eur-lex.europa.eu, no último dos quais se pode ler: “A existência de uma opção que permitisse eventualmente tornar uma situação compatível com o direito da União não tem por efeito sanar, por si só, o caráter ilegal de um sistema, como o que está em causa, que continua a comportar um mecanismo de tributação não compatível com este direito. Importa acrescentar que tal ocorre por maioria de razão no caso em que, como no caso em apreço, o mecanismo incompatível com o direito da União é aquele que é automaticamente aplicado na inexistência de uma escolha efetuada pelo contribuinte”.
Em conclusão é de resolver a invocada oposição na jurisprudência do seguinte modo:
- Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.
- O entendimento contrário é discriminatório, nos termos do artigo 65.º n.º 3, por referência ao n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e não pode ser aplicado pois violaria o princípio do primado com assento no artigo 8.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
III. Decisão:

Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conhecer do recurso interposto pela A.T e em resolver a contradição de jurisprudência conforme antecede, negando-se, em consequência, provimento ao recurso.
Custas pela A.T. que ficou vencida no recurso – artigos 527.º n.º 1 do C.P.C. e 2.º, e) do C.P.P.T..

Comunique ao CAAD.

Lisboa, 9 de dezembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (com a declaração de voto de vencido que segue) - Gustavo André Simões Lopes Courinha (com a declaração de voto que segue) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo

Declaração de Voto.
Acompanho o sentido da presente decisão, por entender que ela corresponde à jurisprudência mais recente, apesar de ultra-rigorosa, do TJ da União Europeia, que não nos cabe questionar.
Sem prejuízo, entendo que a consideração de apenas metade do montante das mais-valias imobiliárias registadas para sujeitos não-residentes (e que sejam residentes dentro ou fora do espaço da União Europeia – porquanto, nos encontramos inquestionavelmente diante de um caso de livre circulação de capitais), quando acompanhada da aplicação do regime de tributação a taxas fixas e restrito exclusivamente ao rendimento apurado em Portugal (e não ao rendimento universal apurado pelo sujeito passivo), é anti-sistemática e afeta inexoravelmente a coerência do sistema fiscal nacional.
Com efeito, esta solução de consideração a 50% de tais valores para efeitos da base tributável foi pensada – e só nessa medida faz sentido – para casos de aplicação das taxas progressivas e no pressuposto do englobamento da generalidade dos rendimentos obtidos pelo sujeito passivo, pois só nesses casos se verifica o risco de as muito elevadas taxas dos escalões superiores de IRS se estenderem às demais categorias de rendimentos. Não havendo, manifestamente, um tal risco no caso dos sujeitos não residentes, não faz sentido a aplicação obrigatória deste regime a tais sujeitos.
Gustavo André Simões Lopes Courinha.
*
Vencido.
Porque os pressupostos de facto - cf. pontos 2. da decisão recorrida, 3 e 4 da fundamento, versados nas duas decisões apontadas em contradição, não incorporam a substancial semelhança exigida para se afirmar verificada a oposição entre elas, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.
[ Redigi em meio informático e revi ]
Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.