Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02965/15.9BEPRT
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ACTO IMPUGNÁVEL
INIMPUGNABILIDADE
Sumário:Não é impugnável o acto de liquidação emitido na sequência de um deferimento parcial de uma reclamação graciosa se o impugnante já havia impugnado aquela decisão, seja porque este acto de liquidação não substituiu o acto de liquidação impugnado no processo que está pendente, na parte que está sob escrutínio judicial, seja porque esta liquidação também não enferma de qualquer vício próprio.
Nº Convencional:JSTA000P27501
Nº do Documento:SA22021040702965/15
Data de Entrada:04/10/2019
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1- A………… e B…………, com os sinais nos autos, recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 27 de Dezembro de 2018, que julgou procedente a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto de liquidação n.º 2015 5005422158 e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública da instância da impugnação judicial que haviam deduzido contra o deferimento parcial da reclamação graciosa intentada contra a liquidação adicional de IRS, n.º 2014 5005368825, relativa ao ano de 2013, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluíram do seguinte modo:
«[…]
I - A douta sentença em apreço entendeu julgar verificada a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação n.º 20155005422158 e, em consequência, absolver a Fazenda Pública da instância.

II - Julgou mal o Mm° Juiz ao decidir que o ato de liquidação n.º 2015 5005422158 apenas se limita a expurgar a parte ilegal do ato primitivo (a liquidação n.º 2014 5005368825) e que, por isso, não inovando na ordem jurídica na parte não anulada, tem natureza meramente confirmativa, não admitindo impugnação autónoma, traduzindo, consequentemente, um ato inimpugnável.

III - Entende o Impugnante que se tratou de uma substituição de uma liquidação e não de uma mera correção a uma liquidação anterior, pelo que o despacho recorrido é nulo, pois viola matéria assente nos presentes autos, sendo contraditório com decisões já decididas e já transitadas, padecendo do vício da nulidade, por extinção do poder jurisdicional e por ser contraditória por decisão proferida nos presentes autos nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

IV - Ora, tendo nos presentes autos sido decidido por despacho já transitado que o ato impugnado era um ato substitutivo de um ato impugnado, nem se compreende como é que é se invoca que se trata de uma liquidação corretiva, pelo que, atento o já decidido nos presentes autos, o despacho em causa é nulo, porque é contraditório com o despacho já proferido, nulidade esta prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, e por extinção do poder jurisdicional no respeitante a esta matéria.

V - Mais, o artigo 95° da LGT concede aos contribuintes várias formas de reagir contra os atos ilícitos praticados pela Autoridade Tributária, pelo que é claro que o indeferimento de um pedido de reforma da liquidação é suscetível de impugnação, seja ele em que modalidade seja, pelo que andou mal o Mm° Juiz, salvo o devido respeito, quando refere que o despacho que anula o anterior é inimpugnável.

VI - Aliás, atenta a doutrina do STA, não houve lugar a nenhuma liquidação corretiva, pois não se tratou da correção de qualquer valor ou cálculo, mas a um ato de substituição de liquidação, pelo que a lei permite a impugnação destes atos.

VII - Ora, a douta sentença anda mal ao referir que o despacho que substitui o anterior não pode ser impugnado, o que constitui uma gravíssima lesão dos direitos consagrados ao contribuinte das normas anteriormente referidas.

VIII - Assim, salvo o devido respeito entende-se que andou mal a douta sentença sob recurso que tendo sido declarado por despacho já transitado nos presentes autos, que a liquidação ora impugnada se destinou a substituir outra liquidação, estamos na presença de uma nova liquidação inimpugnável, violando o disposto no artigo 268º da CRP.

Termos em que deve a douta sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que entenda que o ato de liquidação n.º 2015 5005422158 não é impugnável [sic].

[…]».


2- Não foram apresentadas contra-alegações.

3- O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) Em 29/05/2014, os Impugnantes submeteram a declaração Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2013, onde consta o preenchimento da folha de rosto e os anexos A, F e H - (cfr. fls. 39 a 43 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
2) Em 14/06/2014, com base nos valores declarados na Modelo 3 a que se alude no ponto anterior, foi emitida a liquidação n.º 5604206926, com o valor a reembolsar de € 930,94 - (cfr. fls. 25 do Processo de Reclamação e que aqui se dá por inteiramente reproduzida).
3) Em 15/06/2014, pelos Serviços da AT, foi aberto um "processo de divergências”, onde foram detetadas divergências entre os valores declarados pelos Impugnantes na declaração Modelo 3 de IRS a que se alude em 1), e a declaração Modelo 13 - Valores Mobiliários, Warrants Autónomos e Instrumentos Financeiros Derivados, apresentado pela entidade com o NIPC 503 267 015 e referente ao Impugnante B………… - (cfr. fls. 85 e 86 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
4) Por carta registada, os Impugnantes foram notificados do ofício n.º 11460/1821-20, do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, datado de 29/09/2014, ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
“(…)

[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

5) Por despacho de 30/10/2014 da Chefe do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, foi ordenado a elaboração do documento de correção nos termos do n.º 5 do art.° 65.º do Código do IRS - (cfr. fls. 87 e 88 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
6) Por carta registada com aviso de receção, os Impugnantes foram notificados do ofício n.º 13014/1821-20, do Serviço de Finanças de Matosinhos 1, datado de 30/10/2014, que o receberam em 4/11/2014, conforme assinatura aposto no aviso de receção, ali constando, para o que ora interessa, o seguinte:
Notificação
Exmo. Sr. Ou Sr.a
Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2013 com a identificação J1935/88, não foram comprovados os elementos declarados pelo que por minha decisão de 30/10/2014, foi determinada a efetivação da(s) seguinte(s) correção(ões):
[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

(...)" - (cfr. fls. 97 e 98 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
7) Em cumprimento do ordenado no Despacho a que se alude em 5), foi elaborada a "Declaração Oficiosa/DC”, em 30/10/2014, onde foram adicionados à declaração Modelo 3 a que se refere em 1), o anexo G, preenchido com os valores a que se alude em 6), mais ali constando, na folha de rosto, que são devidos juros compensatórios desde 2014/06/02 a 2014/10/29 - (cfr. fls. 89 a 96 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
8) Após a elaboração da declaração oficiosa/DC a que se alude em 7), foi emitida em 05/11/2014, pela AT, a liquidação n.º 2014 5005368825, a que correspondeu o Documento de Acerto de Contas n.º 2014 26760076, de 11/11/2014, com um valor a pagar de € 288.729,04 - (cfr. fls. 101 e 102 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas; cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial e que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
9) Em 9/12/2014, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação referida em 8) - (cfr. fls. 1 a 76 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
10) Em 4/01/2015, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 182120150010018, que se encontra suspenso - (cfr. fls. 103 do Processo de Reclamação e que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
11) Em 26/02/2015, foi elaborado pela Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, "Projeto de Despacho” de deferimento parcial da reclamação graciosa a que se alude em 9) - (cfr. fls. 47 verso a 49 verso do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
12) O "projeto de decisão” referido no ponto anterior foi notificado aos Impugnantes por carta registada, através do ofício n.º 13267/0403, de 27/02/2015, para, querendo, exercer o direito de audição prévia previsto no art.º 60.º da LGT - (cfr. fls. 47 do Processo de Reclamação e que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
13) Em 17/04/2015, os Impugnantes exerceram o direito de audição a que se alude no ponto 12) - (cfr. fls. 50 a 56 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
14) Em 19/05/2015, foi proferido pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças do Porto, "Despacho” de deferimento parcial da reclamação graciosa a que se alude em 9) - (cfr. fls. 57 e 58 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
15) A decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa a que se alude em 14) foi notificada aos Impugnantes por carta registada com aviso de receção, através do ofício n.º 19045/0403, de 20/05/2015 - (cfr. fls. 56 verso do Processo de Reclamação e que aqui se dá por inteiramente reproduzido).
16) Em cumprimento da decisão a que se refere em 14), foi elaborada a "Declaração Oficiosa/DC”, em 29/05/2015, onde foram alterados os valores inscritos no Anexo G da oficiosa/DC a que se alude em 7), em conformidade com a decisão da reclamação graciosa referida em 14), mais ali constando, na folha de rosto, que são devidos juros compensatórios desde 2014/06/02 a 2014/10/29 - (cfr. fls. 106 a 110 verso do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
17) Após a elaboração da declaração oficiosa/DC a que se alude em 16), foi emitida em 18/08/2015, pela AT, a liquidação n.º 2015 5005422158, no qual resultou um valor apurado de imposto a pagar de € 255.641,38, a que correspondeu o Documento de Acerto de Contas n.º 2015 19700579, de 31/08/2015, com um valor a pagar de € 0,00 - (cfr. fls. 111 e 112 do Processo de Reclamação e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas).
18) No seguimento da emissão da liquidação referida em 17), foi emitida em 2/09/2015 a "Nota de Cobrança - Demonstração de Compensação” n.º 2014 14985531, ali constando a seguinte informação:
[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]


2. Do direito
Os Recorrentes discordam da tese defendida na sentença, sustentando, em síntese, que o deferimento parcial da reclamação graciosa determinou a emissão da liquidação n.º 2015 5005422158, datada de 18.8.2015, a qual substituiu a liquidação n.º 2014 5005368825, emitida em 5.11.2014, e impugnada no processo 1699/15.9BEPRT, devendo esta considerar-se um acto lesivo, impugnável nos termos gerais.
Consideram ainda que, tendo transitado em julgado o Despacho de 28 de Junho de 2017, no qual se considerou não existir litispendência entre a presente impugnação e a impugnação judicial da liquidação n.º 2014 5005368825, emitida em 5.11.2014, a correr termos no processo n.º 1699/15.9BEPRT, não poderia o Tribunal a quo suscitar a questão da inimpugnabilidade do acto.
Mas sem razão.
Com efeito, na liquidação adicional de IRS que a AT efectuou na sequência da correcção à matéria tributável (liquidação n.º 2014 5005368825) foi cometido um erro por não se ter levado em conta que os Contribuintes tinham oportunamente apresentado declaração de substituição em ordem a alterar a sua opção, que era inicialmente pelo englobamento dos rendimentos da categoria G, e que com essa alteração passou para não englobamento dos referidos rendimentos.
Os Contribuintes apresentaram um pedido de reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional exclusivamente com esse fundamento e deixaram esgotar o prazo para a impugnação judicial, de 90 dias após o termo do prazo para pagamento, nos termos do art. 102.º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A reclamação graciosa foi deferida e, em consequência, a AT rectificou a liquidação, agora relevando a opção pelo não englobamento, e notificou os Contribuintes do resultado, denominando-o “liquidação”, a que atribuiu um número (5953369272). Dessa notificação consta também a “compensação” de Esc. 35.622.198$00, pelo que o montante a pagar (que era de Esc. 47.013.448) passou a ser de Esc. 11.391.250$00, referida como “imposto à taxa especial de mais valias”.
Na sequência da notificação da decisão da reclamação graciosa, os Contribuintes deduziram impugnação judicial do acto de liquidação n.º 2014 5005368825 com fundamento em violação de lei por erro nos pressupostos de facto, mais concretamente, por considerarem que a AT errou ao considerar que as quotas sociais em causa foram vendidas por Esc. 123.912.000$00, ao invés dos Esc. 10.000.000$00 declarados, o que tem repercussão na matéria tributável. Esse processo corre termos no TAF do Porto sob o processo n.º 1699/15.9BEPRT
Seguidamente, tendo sido notificados da liquidação n.º 2015 5005422158, que apenas substituiu a liquidação anterior na parte em que deu razão à reclamação graciosa apresentada pelo aqui Recorrentes (ou seja, quanto ao não englobamento daqueles rendimentos), vieram os mesmos deduzir nova impugnação judicial, alegando que esta é um acto de liquidação novo.
Porém, como se explica na decisão recorrida, a liquidação n.º 2015 5005422158 não tem conteúdo inovador face à liquidação n.º 2014 5005368825 no que respeita à questão em litígio no processo 1699/15.9BEPRT, pendente no TAF do Porto, a respeito da determinação da base tributável das mais-valias, limitando-se a corrigir a questão da tributação em separado que foi deferida na reclamação graciosa.
Por essa razão – porque não substituiu o acto de liquidação impugnado no processo que está pendente – e porque também não enferma de qualquer vício novo que os Impugnantes e aqui Recorrentes pretendessem impugnar nestes autos, impõe-se confirmar a sentença recorrida quanto à irrecorribilidade do acto impugnado nestes autos.

III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso
Custas pelos Recorrentes [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Lisboa, 7 de Abril de 2021 - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.