Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01239/05
Data do Acordão:07/12/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores: LICENÇA DE CONSTRUÇÃO.
OBRAS DE AMPLIAÇÃO.
LOGRADOURO.
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL.
Sumário:Não deve considerar-se abrangido pela previsão das normas dos artigo 9.º e 34º do DL 196/98, de 14 de Junho, o licenciamento de obras de ampliação de prédio (implantado fora de qualquer área da RAN) mas cujo logradouro já antes se encontrava, e como tal continuou, abrangido por área da RAN.
Nº Convencional:JSTA00063323
Nº do Documento:SA12006071201239
Data de Entrada:12/12/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:B... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR URB - LICENCIAMENTO CONSTRUÇÃO.
Legislação Nacional:DL 555/99 DE 1999/12/16 ART52 ART60.
DL 196/98 DE 1998/06/14 ART1 ART9 ART34.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC37633 DE 2002/02/06.; AC STA PROC47092 DE 2002/10/08.; AC STA PROC291/04 DE 2005/03/01.
Referência a Pareceres:PPGR 14/99 IN DR IIS DE 2001/02/02.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
I.RELATÓRIO
A..., LIMITADA, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Juízo Liquidatário -TAF) que concedeu provimento ao recurso contencioso ali interposto por B... com vista à anulação ou declaração de nulidade do despacho do PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PONTE DE LIMA (ER) de 18 de Fevereiro de 1998 que ordenou a emissão de alvará de obras nº 11/98 em favor da ora recorrente.
Rematou a sua alegação com as seguintes CONCLUSÕES:
I. O único fundamento considerado como causa de nulidade do acto recorrido (despacho de 18.02.1998 do Exm°. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima que deferiu o pedido de licenciamento da obra referida nos autos), foi o facto de ter sido dado como provado que da licença titulada pelo alvará n°.11/98 decorre que a área sul do logradouro do prédio urbano em questão se localiza dentro da mancha da RAN, e do pertinente processo administrativo nada constar sobre a emissão de prévio parecer favorável da respectiva comissão.
II. Dos factos provados nos autos resulta que a licença de construção referida nos autos diz respeito à ampliação vertical de uma pré-existência, ou seja, de um prédio urbano anteriormente existente, destinado à instalação de um estabelecimento de fabrico de pão, destino que se manteve, dizendo a ampliação respeito à parte do edifício que passou a destinar-se a habitação.
III. Do processo resulta que a área do logradouro ou quintal do prédio integrada na RAN e que levou à declaração de nulidade do licenciamento é uma pequena faixa de cerca de 20,00m, sendo que tal facto é inócuo do ponto de vista da legalidade do licenciamento da obra, desde logo porque:
a) não é o edifício que se situa na área da RAN, mas antes uma pequena faixa do quintal ou logradouro do prédio;
b) se trata de uma pré-existência, ou seja, de um edifício licenciado muito antes da vigência do PDM e que já tinha, obviamente, a implantação que hoje apresenta, apenas tendo sido ampliado na vertical, não podendo tal pré-existência ser afectada por normas legais e regulamentares supervenientes, por força do princípio da garantia do existente consagrado no art. 60° do RJUE, aprovado pelo DL. 555/99, de 16.12, alterado pelo DL. 177/2001, de 04.06.
IV. Essa pré-existência foi licenciada há cerca de 15 anos, tendo sido emitido no respectivo procedimento um certificado de solos pela então Direcção Regional de Entre-Douro e Minho de Braga, ao abrigo do DL. 196/89, de 1.4.06, para o prédio rústico então existente, inscrito na matriz predial da freguesia de Refóios sob o artigo nº.1812 rústico, que então tinha uma área de 260m, do qual consta que seria utilizada a área de 190m para fins não agrícolas e que o solo do prédio foi classificado na classe C de capacidade de uso, pelo que não era considerado reserva agrícola nacional.
V. A implantação do edifício primitivo foi feita com base nesse certificado e na licença de obras então emitida, não sendo legítimo, por força do disposto do citado art. 60º, que a implantação do mesmo seja questionada pelo facto de uma pequena faixa do quintal – e nem sequer do edifício -, com cerca de 20,00m2, se situar dentro da área da RAN.
VI. Nenhum relevo jurídico teria, do ponto de vista urbanístico e do ordenamento do território, a ocupação de uma faixa da RAN tão insignificante, mesmo que ela fosse – e não é -, ilegítima.
VII. A questão perdeu mesmo toda a sua importância face à recente revisão do PDM de Ponte de Lima, cuja Resolução da Presidência do Conselho de Ministros que a ratificou (n°.81/2005) foi publicada no DR. I Série -B, nº. 63, de 31.03.2005, através da qual toda a área onde se situa o prédio da recorrente, incluindo, obviamente, todo o logradouro, e áreas dos prédios envolventes, passou a ser classificada como área predominantemente residencial – tipo 1.
VIII. Salvo o devido respeito, foram violadas, entre outras, as normas dos arts.3°/2 do Regulamento do PDM de Ponte de Lima, 34º do DL. 196/89, de 14.06, alterado pelo DL. 247/92, de 12.12), 52°/2/b) do DL. 445/91, de 20.11, alterado pelo DL.250/94, de 15.10 e 60º/1 e 2 do RJUE.
Neste Supremo Tribunal a Digna Procuradora Geral-Adjunta emitiu o parecer seguinte:
“Salvo melhor opinião, o recurso jurisdicional merece provimento.
No entender da sentença “uma vez que resultou provado que da licença titulada pelo alvará n° 11/98 decorre que a área sul do logradouro do prédio urbano em questão se localiza dentro da mancha da RAN e do pertinente processo administrativo nada consta sobre a emissão de prévio parecer favorável da respectiva comissão, deve, desde logo, por este motivo, ser declarado nulo o acto licenciador recorrido”.
Não subscrevemos este entendimento.
Para assim decidir a sentença fundou-se, além do mais, no art° 9º, n° 1 do DL nº 196/89, de 14.06, segundo o qual “carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais de reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN”.
Acontece que as obras em causa consistiram na ampliação de um prédio urbano preexistente, desconhecendo-se (porque nem o processo principal nem o processo instrutor o revelam) se a utilização do solo da RAN para logradouro é inerente à construção dessas obras, ou, se tal utilização já verificava antes, relacionada com o uso que era dado ao prédio que veio a ser ampliado.
Há um dado que há que terem conta, que é o de que, realizada perícia com o fim de esclarecer as questões suscitadas pelo Senhor Juiz a fls.156 e verso, foram os senhores peritos de parecer — na linha do parecer da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, de fls. 25 — que o edifício se encontra fora de qualquer área da RAN — cfr. fls. 211 e 212 e fls. 237 e 238. Nessa medida, é seguro concluir que as obras se realizaram fora da área integrada na RAN.
Pelo que se acaba de expor, a sentença incorreu em erro ao declarar nulo o acto impugnado, atentas as razões em que se fundou, merecendo o recurso jurisdicional provimento.
Neste termos, emitimos parecer no sentido de que deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se a baixa dos autos à primeira instância, a fim de aí serem apreciadas as alegações geradoras de nulidade do acto impugnado de que ainda não foi tomado conhecimento”.
Foram colhidos os vistos da lei, vindo os autos á conferência para apreciar e decidir.
II.FUNDAMENTAÇÃO
II.1.De Facto
A sentença decidiu com base nos seguintes FACTOS (Mº de Fº):
1) O recorrente é proprietário do prédio urbano sito no lugar de ..., freguesia de Refolos de Lima, concelho de Ponte de Lima, inscrito na matriz sob o artigo 1423° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n°02383/20000317 – casa de rés-do-chão e l andar, com logradouro, tendo 208m2 de área coberta e 254m2 de área descoberta, confrontando a norte, sul e poente com o próprio, e a nascente com a Estrada Nacional – ver folhas 12 a 15 dos autos;
2) Este prédio confinou com o prédio rústico sito no mesmo lugar – conhecido por “...”pertencente – por herança – a ..., e posteriormente adquirido – por compra – por B..., inscrito na matriz sob o artigo 1812° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o n°00254/080389 – leira de cultivo e vinha, com a área de 260 m2, confrontando a norte e poente com ..., a sul com ..., e a nascente com a Estrada Nacional – ver folhas 18 e 19 dos autos;
3) E passou a confinar — pelo menos a partir de 16 de Julho de 1997 — com o prédio urbano — ... — adquirido — por acessão industrial imobiliária — pela recorrente, inscrito na matriz sob o artigo 1345° e descrito na Conservatória de Registo Predial de Ponte de Lima sob o mesmo número do anterior — ..., de rés-do-chão com logradouro, tendo 190m2 de área coberta e 70m2 de área descoberta – ver Av.02-Aps 18 e 19 de folhas 18 e 19 dos autos;
4) Em 7 de Fevereiro de 1994 ... requereu ao Presidente da CMPL – na qualidade de sócio gerente da recorrida particular, alegadamente proprietária do prédio urbano de um só piso, em que funciona uma padaria, inscrito na matriz sob o artigo 1345º- informação sobre a viabilidade de ampliar na vertical e na horizontal o referido prédio urbano – ver folha 1 do PV368/94, dada por reproduzida;
5) Em 16 de Fevereiro de 1994 a Divisão de Obras da CMPL prestou a seguinte informação: o edifício a ampliar, objecto deste pedido de viabilidade, deverá respeitar os seguintes condicionalismos: 1- Não exceder o r/c e 1 andar; 2- manter o afastamento de 3 m às janelas existentes no edifício nascente, só poderá abrir janelas para esse lado à distância referida nos artigos 73°, 75° e 60° do RGEU; 3- Deverá respeitar as disposições legais quanto a isolamento acústico, condições sanitárias e protecção contra incêndios – ver folha 1-v° do PV368/94; 6) Em 18 de Fevereiro de 1994 o aqui recorrente dirigiu ao Presidente da CMPL uma exposição na qual alega não pertencer à recorrida particular, mas a si mesmo, o terreno para o qual foi requerida a viabilidade de ampliação – ver folha 69 do PV368/94, dada por reproduzida;
7) Por ofício datado de 1 de Março de 1994 – o ofício n° 1361–o Presidente da CMPL deu conhecimento à recorrida particular da informação prestada pela Divisão de Obras e dita a 5) supra – ver folha 6 do PV368/94;
8) Em 8 de Abril de 1994 foi emitido parecer jurídico sobre o pedido de viabilidade em questão – ver folhas 84 a 87 do PV368/94, dadas por reproduzidas ;
9) Por ofício datado de 18 de Maio de 1994 – ofício n°3687 – a recorrida particular foi notificada do deferimento do pedido de viabilidade, com o esclarecimento de que este deferimento não confere qualquer direito de construção da obra, visto que se coloca a esta Câmara Municipal uma dúvida quanto à propriedade do terreno onde está instalado o prédio — ver folha 88 cio PV368/94;
10) Em 24 de Maio de 1994 a recorrida particular requereu ao Presidente da CMPL licença para proceder à ampliação – com destino a habitação e comércio – o do prédio objecto da viabilidade – ver folhas 1 a 32 do PLOP180/94, dadas por reproduzidas;
11) Em 17 de Junho de 1994 o Centro de Saúde emitiu parecer negativo sobre esta obra de ampliação – ver folhas 48 e 56 do PLOP180/94, dadas por reproduzidas;
12) Em 21 de Junho de 1994 o Serviço Nacional de Bombeiros emitiu parecer negativo sobre a mesma obra – ver folha 44 do PLOP180/94, dada por reproduzida;
13) Por ofícios datados de 13 de Julho de 1994 – ver ofícios n°5720 e 5721 – e respectivamente, foi comunicado à recorrida particular que o recorrente apresentou documentos onde consta o terreno da obra de ampliação como sua propriedade, e o recorrente foi notificado desta comunicação – ver folhas 92 e 93 do PLOP180/94;
14) Em 14 de Março de 1997 a recorrida particular juntou ao PLOP180/94 os documentos que constam de folhas 97 a 112 do mesmo – dadas por reproduzidas;
15) Em 8 de Maio de 1997 o Serviço de Obras da CMPL prestou informação segundo a qual a recorrida particular veio dar resposta ao seu ofício n°5720 (ver ponto 13 supra), apresentando como documento de legitimidade fotocópia emitida pelo tribunal judicial de Ponte de Lima, e que deverá apresentar certidão da Conservatória do Registo Predial antes da emissão da licença – ver folha 97-v° do PLOP180/94;
16)Em 8 de Agosto de 1997 a recorrida particular juntou ao PLOP180/94 os documentos que constam de folhas 114 a 118 do mesmo – dadas por reproduzidas;
17) Em 3 de Novembro de 1997 foi prestada a seguinte informação: A certidão da Conservatória do Registo Predial já foi entregue. Assim, e tendo em conta a informação do dia 08.05.97 (ver ponto 15 supra) o projecto pode ser aprovado – ver folha 114 do PLOP18O/94;
18) Em 6 de Novembro de 1997 foi despachado: A requerente deve dar satisfação aos reparos levantados pelo Centro de Saúde e pelo Serviço Nacional de Bombeiros – ver folha 114 do PLOP180/94.
19) Em 10 de Novembro de 1997 foi despachado: Este projecto prevê a ampliação da padaria existente com 2 pisos destinados a comércio e habitação. Como a padaria existente está devidamente licenciada, e não sofre alterações, não há necessidade de novo parecer da Direcção Geral de Energia – ver folha 114-verso do PLOP180/94;
20) Em 8 de Janeiro de 1998 o Serviço Nacional de Bombeiros considerou que o projecto rectificativo entretanto apresentado pela recorrida particular satisfaz – ver folhas 119 e 142 do PLOP180/94
21) Em 10 de Fevereiro de 1998 o Centro de Saúde considerou nada ter a opor ao projecto rectificativo entretanto apresentado pela recorrida particular – ver folhas 57 dos autos, 140 e 144 do PLOP180/94;
22) Em 18 de Fevereiro de 1998 o Presidente da CMPL deferiu o pedido de licenciamento de obra particular em causa – acto recorrido – ver folha 57 dos autos, dada por reproduzida;
23) Em 23 de Fevereiro de 1998 foi emitido o alvará de licença de obra n°11/98, permitindo à recorrida particular as pretendidas obras de ampliação – para habitação e comércio – sendo a área de construção de 734 m2, com rés-do-chão, l e 2° andares – ver folhas 20 e 55 a 57 dos autos, e 161 do PL0P180/94;
24) Em 3 de Julho de 1998, o recorrente dirigiu ao Presidente da CMPL a exposição que consta de folhas 35 a 38 dos autos – dada por reproduzida;
25) Da licença titulada pelo alvará n°11/98 decorre que a área sul do logradouro do prédio urbano referido em 3) supra se localiza dentro da mancha da Reserva Agrícola Nacional (RAN) – ver folhas 21 a 23, 25, 180 a 184, 211 e 212, 237 a 240, dos autos;
26) E fica implantando, na sua parte restante, em área que o PDM de Ponte de Lima qualifica de “outras zonas agrícolas” - ver folhas 21 a 23, 25, 180 a 184, 211 e 212, 237 a 240, dos autos;
27) Documento da Comissão de Coordenação da Região Norte (CCRN) junto a folhas 26 a 29 dos autos – dado por reproduzido;
28) Documento da Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) junto a folhas 32 e 33 dos autos – dado por reproduzido;
29) Em 19 de Abril de 2002 foi interposto este recurso contencioso.
II.2.DO DIREITO
O presente recurso vem interposto pela recorrida particular da sentença proferida no TAF que concedeu provimento ao recurso contencioso que, visando a anulação (ou declaração de nulidade) do despacho que ordenou a emissão de alvará de licença de obras em favor da ora recorrente, declarou a sua nulidade.
II.2.1.O decidido assentou na seguinte ordem de ponderações: 1. dos autos resultaria que a licença de obras titulada pelo sobredito alvará respeita a prédio urbano cuja área sul do logradouro “se localiza dentro da mancha da RAN, e do pertinente processo administrativo nada consta sobre a emissão de prévio parecer favorável da respectiva comissão”;
2. resulta do PDM de Ponte de Lima (nº 2 do artº 3º) que, as normas relativas à protecção da RAN prevalecem sobre outras intenções de ocupação e utilização do solo, quando não existirem alternativas técnicas ou económicas viáveis;
3. por seu lado, o DL nº 199/89, diz que carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN, sendo sancionada com nulidade a violação desta exigência;
4. também pelo artº 52º, nº 2/b, do regime de licenciamento vigente (aprovado pelo DL 445/91), são sancionados com nulidade os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento em violação de plano municipal de ordenamento do território.
II.2.2. A recorrente faz radicar a sua inconformação, e em síntese, no seguinte:
1. Está em causa a ampliação de um prédio urbano anteriormente existente, licenciado há cerca de 15 anos (cuja destinação de fabrico de pão se manteve), dizendo respeito a ampliação (“na vertical”) à parte do edifício que passou a ser afectada a habitação.
2. A área do logradouro ou quintal do prédio integrada na RAN e que levou à declaração de nulidade do licenciamento constitui uma faixa de cerca de 20,00m, o que constitui facto inócuo do ponto de vista da legalidade do licenciamento da obra, não podendo aquele prédio ser afectado “por normas legais e regulamentares supervenientes, por força do princípio da garantia do existente consagrado no art. 60° do RJUE, aprovado pelo DL. 555/99, de 16.12, alterado pelo DL. 177/2001, de 04.06”.
3. “A questão perdeu mesmo toda a sua importância face à recente revisão do PDM…, através da qual toda a área onde se situa o prédio da recorrente, incluindo, obviamente, todo o logradouro, e áreas dos prédios envolventes, passou a ser classificada como área predominantemente residencial – tipo 1”.
Vejamos
II.2.3. Por se revelar de carácter prioritário importa começar por saber das consequências da entrada em vigor das alterações ao PDM que, segundo a recorrente, levariam à perda de utilidade da questão (cf. ponto II.2.2.3).
Com tal invocação seguramente que se quer afirmar a repercussão das alterações do PDM na (in)validade do acto administrativo impugnado. Só que, é irrelevante, para efeitos de apreciação da legalidade de um acto de licenciamento de obras levado a efeito na vigência de determinado Regulamento do PDM, a sua posterior alteração, e em que concretamente se preveja ocupação diferente para o respectivo local, visto que, segundo o princípio tempus regit actum (relevante segundo o regime da LPTA), a legalidade dos actos administrativos é apreciada pela lei em vigor à data da sua prática, pelo que as faladas alterações não são de molde a interferir com a legalidade do acto praticado no domínio da legislação então vigente, relevando eventualmente em sede de execução de julgado anulatório Tal entendimento mostra-se consonante com o que a jurisprudência do STA vem afirmando, concretamente para actos da espécie do que está em causa.
Entre muitos outros poderão ver-se os acórdãos de 6.2.02 (Rec. nº 37633-Pleno), de 7.2.02 (Rec. nº 48295), de 04/07/2002 (Rec. nº 852) e de 08-10-2002 (Rec. nº 047092)..
Improcede assim tal questão.
II.2.4.1.Sob o enunciado em II.2.2.1. pretende-se fazer relevar em primeiro lugar a circunstância de, por estar em causa a ampliação de um prédio urbano anteriormente existente, “a concessão de licença para a realização de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidades com as norma em vigor, ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação”, como se afirma no corpo da alegação, a fls. 315.
Como suporte normativo invoca a recorrente o disposto no artigo 60.º do regime aprovado pelo Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, o qual sob a epígrafe edificações existentes, prescreve:
“1 - As edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respectivas não são afectadas por normas legais e regulamentares supervenientes.
2 - A concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor, ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a lei pode impor condições específicas para o exercício de certas actividades em edificações já afectas a tais actividades ao abrigo do direito anterior, bem como condicionar a concessão da licença ou autorização para a execução das obras referidas no n.º 2 à realização dos trabalhos acessórios que se mostrem necessários para a melhoria das condições de segurança e salubridade da edificação”.
Se se atentar na data da prolação do acto impugnado – 18/FEV/98 –, antes de qualquer outra consideração, é-se levado a concluir que a recorrente esgrime com um regime jurídico que não existia na ordem jurídica naquela altura, o que nos remeteria para o já expendido em II.2.3.
II.2.4.2. Importa no entanto atentar na previsão da norma que a sentença convocou para declarar a nulidade do acto, e bem assim no quadro de valores que a mesma visa tutelar.
Trata-se da norma que se contém no nº 1 do artigo 9.º (respeitante à utilização de solos da RAN condicionados pela lei geral) do DL 196/98, de 14 de Junho, segundo a qual carecem de prévio parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola (CRRA) todas as licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN, sem o que enfermarão de nulidade os actos administrativos respectivos (cf. artº 34º do mesmo diploma legal).
Tais normas estão em sintonia com o que se prescreve no artigo 52.º, nº 2, alínea a), do regime de licenciamento de obras particulares aprovado pelo DL 445/91, segundo o qual, são nulos os actos administrativos que decidam pedidos de licenciamento, que não estejam em conformidade com os pareceres vinculativos, autorizações ou aprovações legalmente exigíveis.
Ora, a necessidade daqueles pareceres das CRRA, sem especial esforço interpretativo, há-de procurar-se nas finalidades que presidem à criação da RAN e delimitação das suas áreas, e que logo se enxerga no artigo 1.º daquele DL 196/98 - defender e proteger as áreas de maior aptidão agrícola e garantir a sua afectação à agricultura, de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento da agricultura portuguesa e para o correcto ordenamento do território.
Será que se situa no âmbito da previsão do enunciado quadro normativo a obra objecto do licenciamento em causa [ampliação de prédio já existente em dois pisos, e que de uma anterior afectação - a indústria de panificação que se manteve -, passa ainda para habitação e comércio, prédio esse localizado “fora de qualquer área da RAN”, como foi pericialmente determinado, cf. fls. 211 e 212 dos autos] cujo logradouro porém “se localiza dentro da mancha da Reserva Agrícola Nacional”, logradouro (ou quintal como também é referido, sem outras especificações) esse já existente como tal antes da pedida ampliação, como decorre da Mª de Fº (cf., v.g., a conjugação dos seus pontos 3 e 25)?
Ora, para a tarefa de integração e valoração que escapa ao domínio literal da lei, intervêm, ente outros, o elemento racional ou teleológico consistente na razão de ser da norma, no aludido fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar Sobre o tema da interpretação da lei, e com apoio em abalizada e firme doutrina, cf. Parecer do CCPGR, n.º 14/99, pub.º no DR II n.º 28, de 2/FEV/01 (p. 2289 e segs.), seguindo os pareceres, 61/91, 7/96 e 26/98 (in DR II 279, de 3/DEZ/98..
Mas, assim sendo, e independentemente de outras considerações, haverá que concluir que não tem justificação racional a exigência de parecer para ser conferido a um dado imóvel (a aludido parte do prédio destinada a logradouro) uma afectação que afinal já pré-existia, pois que a utilização não agrícola da aludida parcela sedeada na mancha da RAN já se verificava.
Ou seja, o terreno em questão (devendo notar-se que foi só por causa dele que a sentença estatui nos aludidos termos, isto é, declarando a nulidade do acto) já se encontrava adstrito ao uso funcional de logradouro do prédio urbano pré-existente (e cuja eventual afronta por este prédio, tout court, ao enunciado quadro normativo não está em causa), pelo que, tal como a questão foi (e é) recortada, não foi pela obra ora licenciada nem pelo falado logradouro, que se fez diminuir a área de afectação à agricultura, não se comprovando pois que foi diminuída ou destruída alguma potencialidade agrícola Relativamente a acto administrativo com contornos similares ao dos autos mas proferido já sob a vigência do regime de licenciamento constante do Dec. Lei 555/99, de 16/DEZ., pode ver-se o acórdão deste STA de 01-03-2005 (Rec. nº 0291/04). .
O que se deixa enunciado, e salvo o devido respeito, basta para concluir que a sentença errou ao considerar o dito prédio sujeito à previsão das citadas normas dos artigo 9.º e 34º do DL 196/98 (e bem assim ao convocar o que resulta do PDM de Ponte de Lima no ponto em que faz apelo à prevalência das normas relativas à protecção da RAN), e por declarar a sua nulidade por tal motivo, pelo que se impõe a sua revogação.
II.2.5.Quanto à sugestão feita pelo Ministério Público no seu parecer no sentido de os autos baixarem à primeira instância (a fim de aí serem apreciadas as demais arguições geradoras de nulidade do acto impugnado e de não se conheceu), não é a mesma de acolher.
Na verdade, no seu ponto III (cf. fls. 300-301) a sentença emitiu pronúncia explícita no sentido de que, os restantes vícios invocados pelo recorrente apenas conduziriam “à mera anulação do acto recorrido e não à sua nulidade”, sendo porém que quanto a eles, e pelas razões ali aduzidas, já se havia verificado caducidade do direito de recorrer, rejeitando em conformidade e nessa parte o recurso contencioso.
Ora, a bondade de tal pronúncia não foi questionada, concretamente através de recurso jurisdicional.
III DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, e em provimento do presente recurso jurisdicional, acordam em:
- revogar a sentença recorrida; e
- negar provimento ao recurso contencioso.
Sem custas, digo custas no TAF pelo recorrente contencioso, fixando-se a taxa de justiça em 300,00 euros e a procuradoria em 50%.
Lisboa, 12 de Julho de 2006. - João Belchior (relator) – São Pedro - Edmundo Moscoso.