Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0418/14
Data do Acordão:06/18/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
ÂMBITO TEMPORAL
PRESUNÇÃO
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
IRS
Sumário:Não fere os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade o disposto no artigo 89-A n.ºs 1 e 2 alínea a) e 4 da LGT que permite à Administração Tributária relevar o rendimento tributável presumido no ano em que ocorreu a manifestação de fortuna e também nos três anos seguintes, em sede de IRS.
Nº Convencional:JSTA00068772
Nº do Documento:SA2201406180418
Data de Entrada:04/03/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONTENCIOSO
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Legislação Nacional:CONST76 ART13 ART103 ART104.
LGT98 ART4 ART5 ART45 ART74 N3 ART87 ART89-A N1-N4.
CPC13 ART608 N2.
CCIV66 ART9.
CIRS ART9 N1 D ART65 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0433/13 DE 2013/04/17.; AC STA PROC01203/13 DE 2013/07/24.; AC STA PROC01281/13 DE 2014/01/08.; AC TCAN PROC00519/12.0BEPNF DE 2013/12/28.; AC TC N43/2014.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

RELATÓRIO:

Inconformados com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente o recurso por si interposto contra a decisão do Director de Finanças do Porto de 24 07 2012 que lhe fixou o rendimento tributável, por métodos indirectos, para efeitos de IRS, a enquadrar na categoria G, nos termos dos artigos 9, n.º1 alínea d), 39.º e 65.º n.º2 do CIRS 87.º alínea d) e 89-A nºs 2 alínea a) e 4 da LGT no montante de € 51.800,00 para cada um dos anos de 2008, 2009 e 2010, vieram os sujeitos passivos A…………. e mulher B…………. dela interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo concluindo assim as suas alegações:

I A questão que constitui o “thema decidendum” é exclusivamente a de saber se, com base na concreta manifestação de fortuna evidenciada pelos recorrentes (a compra pelos ora recorrentes em 2007 07 10 de três imóveis pelo preço global de € 259.000,00 quando o rendimento por eles declarado no ano de aquisição para efeitos de IRS foi de € 11.988,16) é legítima a actuação da Administração Tributária de com base nessa mesma manifestação de fortuna e ao abrigo daquela norma legal proceder à fixação do rendimento tributável nos três anos seguintes ou seja em 2008 2009 e 2010 sendo que também em relação a cada um destes anos os rendimentos declarados pelos contribuintes revelam uma desproporção superior a 50%, para menos, relativamente ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no n.º 4 daquele artigo 89.º-A.

II Salvo o devido respeito que nos merece a opinião e a ciência jurídica do Mº Juiz “a quo” afigura-se aos recorrentes que a sentença padece de erro de julgamento de direito consubstanciado na errada interpretação do nº 4 do artigo 89-A da LGT ao improceder o recurso judicial interposto da decisão da AT que com base na mesma manifestação de fortuna procedeu à fixação do rendimento tributável para efeitos de IRS nos três anos seguintes ao da ocorrência dessa manifestação pelo que não poderá manter-se na ordem jurídica
III Com efeito:
a) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 2007 07 10 foram adquiridos pelos recorrentes três bens imóveis situados no lugar de …….. freguesia de ….... concelho de Penafiel pelo preço global de € 259.000,00.
b) Na sequência desta aquisição a Direcção de Finanças do Porto procedeu à avaliação indirecta do rendimento colectável para efeitos de IRS relativo ao ano de 2007 (ano de aquisição dos imóveis) em virtude de ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado e o rendimento padrão de € 51 800,00 resultante da aplicação da tabela constante do n.º4 do artigo 89 da LGT
c) Porém os recorrentes não lograram comprovar no âmbito do respectivo procedimento de avaliação indirecta que os rendimentos declarados correspondiam efectivamente à realidade e de que era outra a fonte das manifestações de fortuna ou acréscimo de património
d) Deste modo a Administração Tributária procedeu à alteração do rendimento declarado pelos recorrentes no ano de 2007 considerando o referido rendimento padrão no montante de € 51.800,00, incremento patrimonial a enquadrar na categoria G de rendimentos de harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS.
e) Tal alteração no “quantum” dos rendimentos motivou a liquidação correctiva n.º 2011 5000015055 de 2011 01 18 a qual contudo não foi objecto de qualquer tipo de reacção por parte dos recorrentes através dos meios adequados previstos na lei (reclamação administrativa ou impugnação judicial) pelo que a mesma tornou-se definitiva.
f) Contudo relativamente aos anos de 2008 2009 e 2010 o rendimento declarado pelos recorrentes para efeitos de IRS manteve a desproporção superior a 50% para menos em relação ao rendimento padrão de € 51 800.00
resultante da aplicação da referida tabela.
g) Pelo que em 2012 07 04 o Director de Finanças do Porto através do método indirecto de avaliação procedeu à fixação do rendimento tributável para cada um daqueles anos no montante de € 51.800,00 correspondente ao rendimento padrão resultante da aplicação da mesma tabela.
h) E é precisamente da fixação do rendimento tributável nos três anos seguintes ao da aquisição dos referidos prédios ou seja nos anos de 2008, 2009 e 2010 que os recorrentes discordam da sentença recorrida que improcedeu na totalidade o recurso judicial.

IV Para assim decidir o juiz “a quo” disse:
“Desta fundamentação decorre também que o artigo 89-A n-ºs 1, 2 alínea ) 3 e 4 da LGT na parte em que admite que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à AT a correcção do rendimento tributável para efeito de IRS em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica não viola o princípio da matéria colectável real porquanto em síntese a manifestação de fortuna verificada num ano não significa que o sujeito passivo não mantenha os mesmos rendimentos nos anos seguintes tanto mais que pelas regras da experiência é até de concluir que só assim conseguirá manter o seu nível de vida Além disso é razoável pressupor que a uma manifestação de fortuna como a que esteve na origem da correcção da matéria tributável constante da decisão recorrida se siga a realização dum rendimento ainda maior nos períodos seguintes pelo que é razoável pressupor que nos períodos seguintes o contribuinte obtenha um rendimento maior a que corresponderá um acréscimo de rendimento sujeito a tributação e que constituirá o seu rendimento real.
E esta presunção de acréscimo do rendimento real do contribuinte não é ilegal porque não é absoluta já que essa presunção sempre poderá ser afastada por si porquanto a lei assegura todos os meios processuais à sua elisão

V Discordamos destas duas asserções:
a) Quanto à segunda (presunção relativa de acréscimo de rendimento real) não se trata de uma o a os presunção ilidível uma vez que permitir que uma manifestação de fortuna sirva para determinar o rendimento tributável em mais de um ano é eliminar para esses anos a hipótese do sujeito passivo elidir a presunção. A presunção “juris tantum” passava a “jure et de jure no que respeita aos três anos seguintes. Pois a partir do momento que o sujeito passivo não elidisse a presunção relativamente ao ano de aquisição não se vislumbra como a poderia ilidir relativamente aos demais anos. Ora as presunções absolutas ofendem os princípios jurídico-constitucionais do direito fiscal - Casalta Nabais “O dever de pagar impostos “ pp 497 e ss. Tais presunções podem conduzir à violação do princípio da igualdade tributária, sem que o sujeito passivo possa demonstrar uma capacidade contributiva diferente da pressuposta na lei.
b) Quanto à primeira asserção a mesma é absolutamente aleatória com efeito segundo Edmund BurKe “Nunca se pode planear o futuro pelo passado” Ou citando Esquilo “Conhecerás o futuro quando ele chegar antes disso, esquece-o.”

VI Não se vê como é que as despesas com aquisições de imóveis num determinado ano podem denunciar rendimentos em a nos posteriores (2008, 2009, 2010).

VII Nestes anos o impugnante não evidenciou qualquer tipo de manifestação de fortuna, acréscimo de património ou despesa efectuada.
VIII O valor de uma determinada aquisição pode constituir um indicador de capacidade contributiva nesse ano e porventura nos anos anteriores. Mas não pode constituir um indicador de rendimento em anos posteriores.
IX Que elas denunciam capacidade de lhe fazer face no ano em causa (2007) é perceptível. Nos anos posteriores (2008, 2009 e 2010) porém não há nenhum indicador de riqueza não há nenhuma manifestação de fortuna. Não há nenhuma despesa que sugira rendimentos não declarados.
X A transposição para os anos posteriores de indicadores obtidos em anos anteriores não é por isso meio idóneo de determinação de rendimentos.
XI E não se diga que a presunção de rendimentos estabelecida no artigo 89-A da LGT quanto aos rendimentos dos anos seguintes ao da manifestação de fortuna não constitui uma tributação autónoma mas antes resulta da tributação da manifestação de fortuna evidenciada em determinado ano.
XII Como se poderá defender esta tese quando o artigo 72/10 do CIRS prevê a tributação dos acréscimos patrimoniais à taxa especial de 60% ?
XIII Nem se diga que tal motivação resulta da preocupação de fazer um escalonamento do rendimento que originou o acréscimo patrimonial num período de três anos, ao invés de tributar o acréscimo patrimonial verificado todo de uma vez e num único ano já que é globalmente mais vantajoso para o contribuinte a presunção de rendimento prevista naquela norma de forma escalonada do que efectuar a tributação de uma só vez no ano em causa.
XIV A tributação da mesma manifestação de fortuna (imóveis) nos três anos seguintes ao da aquisição dos mesmos bens acaba por assumir um carácter gravemente sancionatório e eventualmente confiscatório que uma sociedade de direito não pode tolerar.
XV Com efeito a melhor interpretação da norma que sustenta tal procedimento (artigo 89-A / 4 da LGT) no segmento em que prevê a tributação em IRS nos três anos seguintes ao da aquisição de bens constantes dos n.ºs 1 a 4 da tabela do artigo 89-A prevista naquela norma é a de determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n.º 4 do artigo 89-A da LGT só pode ser feita uma vez relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer dos três anos seguintes em que nos termos do n.º1 do mesmo artigo falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista e não em todos esses anos. cfr acórdãos do STA de 17 04 2013 no processo 0433/13 e de 24 07 2013 no processo 01203/13 e do TCAN de 28 02 2013 no processo 00519/12.0BE PNF
XVI Numa interpretação muito cingida à letra da lei poderia retirar-se do texto o sentido de que o nº 4 do artigo 89-A legitima a actuação da AT posta em causa no recurso judicial; na verdade a redacção daquela norma parece autorizar a interpretação de que verificada que seja uma concreta aquisição de bens constantes da tabela aí prevista caso o sujeito passivo não justifique a desproporção a que a lei confere a relevância relativamente ao rendimento declarado no ano de aquisição, permitirá a presunção de rendimentos, cumulativamente, no ano em que se verificou a aquisição e nos três anos seguintes.
Mas a nosso ver não é essa a melhor interpretação da lei sendo que na tarefa hermenêutica o elemento literal constituindo ponto de partida e limite para se extrair o sentido da norma não constitui o elemento decisivo, nem sequer o mais importante papel que está reservado à “unidade do sistema” nos termos do n.º 2 do artigo 9-º do C.Civil.
Na verdade na interpretação da lei para além do referido elemento gramatical há ainda que atender ao elemento lógico exigindo este designadamente que se considere o fim visado pelo legislador ao elaborar a norma (elemento teleológico) e que se atente nas demais disposições que regulam as manifestações de fortuna designadamente a fim de perscrutar a sua natureza e o seu âmbito temporal de relevância e atender ao lugar que aí ocupa a norma interpretanda (elemento sistemático) sendo que apenas da conjugação de todos esses elementos interpretativos surgirá o verdadeiro sentido daquela norma, (cfr Baptista Machado idem pp 175 a 192).
XVII A presunção só pode ser feita uma vez e não em vários anos como taxativamente refere João Sérgio Ribeiro.
XVIII A nova redacção do nº 4 do artigo 89-A visou unicamente harmonizar essa norma como disposto nas alíneas a) e b) do n.º2 no que se refere à possibilidade da presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja nas alíneas a) e b) do n.2 dizia-se que para efeitos do n.º1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores. Porém o n.º4 que tratava da matéria colectável era omisso quanto ao ano em que podia operar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar limitando-se a explicitar quais os anos relativamente aos quais podia ocorrer a matéria tributável.
XIX Assim a presunção de rendimentos do artigo 89-A apenas pode actuar uma vez ou seja relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que nos termos do n.º1 do mês mo artigo falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista e não em todos esses anos.
XX No caso “sub judice” porque a AT recorreu a essa presunção para determinar os rendimentos do recorrente relativamente ao ano em que foram adquiridos os imóveis que releva como manifestação de fortuna (2007) não a pode aplicar novamente. Face ao exposto concluímos pela ilegalidade da actuação da AT ao fixar os rendimentos aos anos 2008, 2009 e 2010 através da avaliação indirecta da matéria colectável ao abrigo do artigo 89-A.
XXI Para obstar a comportamentos evasivos a lei previu a possibilidade de se presumirem rendimentos a partir dos bens adquiridos não só no ano de aquisição mas também nos três anos seguintes. O que significa que o sujeito passivo terá de manter nos três anos seguintes ao da aquisição rendimentos compatíveis com a detenção do bem.
Mas tal não significa que a Administração possa, com base na mesma manifestação de fortuna determinar o rendimento tributável em quatro exercícios, o da aquisição e nos três anos seguintes.
XXII O que a lei quer precaver comos três anos seguintes ao da aquisição são aquelas situações em que aquando da acção de inspecção relativamente ao ano de aquisição a administração já não pode efectuar a liquidação por ter caducado o direito (artigo 45.º da LGT).
XXIII Mas não fica inibida se actuar relativamente a um dos três anos seguintes ao da aquisição o sujeito passivo ainda apresenta a manifestação de fortuna e se verifica também a discrepância de rendimentos.
XXIV Permitir que uma manifestação de fortuna sirva para determinar o rendimento tributável em mais de um ano é eliminar para esses anos a hipótese de o sujeito passivo ilidir a presunção. A presunção “juris tantum” passava a “jure et de jure” no que respeita aos três anos seguintes. Pois a partir que do momento que o sujeito passivo não elidisse a presunção relativamente ao ano de aquisição não se vislumbra como a poderia ilidir relativamente aos demais anos. Ora as presunções absolutas ofendem os princípios jurídico constitucionais Casalta Nabais “O dever fundamental de pagar impostos” pp 497ss
Tais presunções podem conduzir à violação do princípio da igualdade tributária sem que o sujeito passivo possa demonstrar uma capacidade contributiva diferente da pressuposta pela lei acórdão de 28 01 2014 no processo 01281 in www.dgsi.pt
XXV A sentença padece de erro de julgamento de direito consubstanciando uma errada interpretação do n.º4 do artigo 89-A da LGT pelo que não pode manter-se.

Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida.

Contra alegou a Fazenda Pública concluindo desta forma as suas alegações:

A) Os recorrentes vêm interpor recurso da sentença do TAF de Penafiel.
B) Considerou a sentença recorrida que o artigo 89-A da LGT n.ºs 1 e 2 alínea a), 3 e 4 na parte em que admite a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à AT a correcção do rendimento tributável, para efeitos de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica, não padece de qualquer ilegalidade por violação de qualquer princípio ou norma constitucional ou legal.
C) Alegam os recorrentes que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito consubstanciado na errada interpretação do n.º 4 do artigo 89-A da LGT.
D) Acontece que a sentença recorrida foi proferida em cumprimento do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2014 de 9 de Janeiro que sobre o caso em apreço decidiu o seguinte:
a) não julgar inconstitucional a norma contida nos n-ºs 2 al. a) e n.º4 do artigo 89-A da LGT na redacção da Lei n-º 53-A/2006 de 29 de Dezembro na interpretação de que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à Administração Tributária a correcção do rendimento para o efeito de IRS em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica.
b) Julgar procedente o recurso e determinar a reformulação da decisão recorrida em conformidade.

E) No ano de 2007 os recorrentes adquiriram dois prédios urbanos e um rústico por escritura de compra e venda de 10 07 2007 no valor global de € 259.000,00.
F) Sendo que para efeitos de tributação em IRS foi declarado em 2007 o rendimento global de 18.952,00 €.
G) A aquisição dos bens patrimoniais de “per si” são uma evidência da capacidade contributiva do contribuinte para a realização de despesas da ordem de grandeza evidenciada, capacidade essa que não está harmonizada com os rendimentos declarados pelo contribuinte.
H) Nos termos do disposto no n.º3 do artigo 89-A da LGT competia aos recorridos a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade ou que os acréscimos de património ou de despesa exibidos provêm de fonte não sujeita a tributação em Portugal ou não sujeita a declaração.
I) Notificados para se pronunciarem sobre a origem ou proveniência da verba aplicada na aquisição referida os mesmos não vieram apresentar qualquer justificação quanto à origem ou proveniência do montante que utilizaram para a compra dos referidos imóveis e não o tendo feito até ao presente momento.
J) Os recorrentes prescindiram de justificar não só a providência dos montantes utilizados na referida aquisição nem sujeitos a tributação renunciando ao direito que a lei lhes confere de ilidirem a presunção legal.
K) A ausência desta prova justifica a sujeição a tributação indirecta nos termos do acto recorrido.
L) Não ficando demonstrada a origem da verba aplicada na manifestação de fortuna evidenciada o Director de Finanças do Porto determinou a avaliação indirecta da matéria tributável e fixou o rendimento tributável nos três anos posteriores nos termos do n.º4 do artigo 89-A da LGT
M) Tendo os recorrentes apresentado recurso nos termos do artigo 146-B do CPPT o TAF de Penafiel proferiu sentença no sentido que o princípio da capacidade contributiva afasta a aplicação do artigo 89, n.º2 conjugado com o disposto no n.º4 do mês no preceito quando interpretado no sentido de permitir a consideração como rendimento tributável em IRS, o rendimento padrão apurado no ano da manifestação de fortuna nos três anos posteriores àquela.
N) O Mº Pº interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma contida nos n.ºs 2 al. a) e 4 do artigo 89-A da LGT na interpretação de que a manifestação de fortuna apresentada pelo contribuinte permite à AT a correcção do rendimento para efeito de IRS, em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica.
O) Entendeu o Tribunal Constitucional que:

“Em todo o caso contando o sujeito possibilidade de ilidir a presunção em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado, justificando em fase contraditória, sem exigências probatórias de difícil realização as fontes financeiras que lhe permitiram lançar-se na aquisição de bens imóveis e ao mesmo tempo declarar sucessivamente em sede de IRS rendimentos fortemente inferiores ao rendimento padrão (recorde-se que na redacção aplicável nos presentes autos o desvio carece de ser superior a 50% para desencadear o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável ou seja no caso em apreço superior a € 25.900.00) a margem de incerteza conatural a todos os instrumentos de fixação presuntiva de rendimentos, mostra-se substancialmente reduzida, incluindo no seu prolongamento e aplicação nos três anos subsequentes ao do facto manifestador de riqueza.
Não se encontra assim nesse sentido normativo solução de fixação de rendimentos ilógica, desrazoável ou incompatível com o pressuposto económico erigido como objecto do imposto, sendo certo que a capacidade contributiva encontra expressão para além do rendimento também na utilização dos bens e no património acumulado.

13. Em suma estando em questão instrumento de combate à fraude e evasão fiscal, através da operação de presunção baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada presunção essa não absoluta não ofende os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, decorrentes dos artigos 13.º, n.º1 e 104.º n.º1 da CRP que por razões de praticabilidade e eficácia e também de contramotivação dos comportamentos evasivos a que se procura obstar a avaliação presuntiva de rendimentos tributáveis não declarados possa ter lugar nos três anos posteriores àquele em que ocorre o facto consubstanciador de manifestação de fortuna”.
P) Os autos baixaram ao TAF de Penafiel que em 10 02 2014 reformulou a sentença em conformidade com a decisão do Tribunal Constitucional
Q) Não obstante a jurisprudência do STA citada pelo recorrente em sentido divergente assume-se hoje como a orientação jurisprudencial mais recentemente consolidada que a tributação nos três anos posteriores prevista no n.º 4 do artigo 89-A da LGT não padece de qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade.
R) Com efeito nos termos do artigo 2.º da Lei 28/82 de 15 de Novembro “as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e quaisquer outras autoridades.”
S) E de acordo com o n.º1 do artigo 80 daquele diploma “a decisão o recurso faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade ou legalidade suscitada”.
T Resulta do atrás aduzido que nada há a censurar à sentença recorrida que decidiu o caso em apreço em conformidade com a decisão do Tribunal Constitucional n.º 43/2014 que configura uma correcta interpretação e aplicação do direito vigente aos factos em apreciação improcedendo totalmente por infundados os argumentos invocados pelo recorrente na sua petição de recurso.
U) O acto do Director de Finanças do Porto que fixou o rendimento tributável para efeitos de IRS relativo aos anos de 2008 2009 e 2010 não padece de qualquer ilegalidade por violação de qualquer princípio ou norma constitucional pelo que deve ser negado ao recurso.

O Mº Pº neste Tribunal pronuncia-se pela improcedência do recurso

Colhidos os vistos cumpre decidir:

FUNDAMENTAÇÃO:


De facto:

Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal “a quo” deu como provada e não foi posta em causa:

1.º Por escritura pública de compra e venda celebrada em 10 07 2007 os recorrentes adquiriram três prédios situados no lugar de ………, freguesia de ………. Penafiel pelo preço de € 259.000,00 folhas 5 a 9 do P.A.
2-º No ano de 2007 os recorrentes declararam em IRS um rendimento global de € 18.952,00 que originou um rendimento colectável de € 11988, 16 folhas 5 a 9 do P.A.
3.º Na sequência destas aquisições a Direcção de Finanças do Porto procedeu à avaliação indirecta do rendimento colectável dos recorrentes em virtude de ter verificado uma desproporção entre o rendimento declarado no de 2007 e o rendimento padrão de € 51.800,00 resultante da aplicação da tabela constante do n.º 4 do artigo 89-A da LGT, correspondente a 20% de € 259.000,00 folhas 2 a 9 do P.A.
4.º A Administração Tributária fixou, nos termos dos arts. 9.º, n.º1 alínea a) 39.º e 65.º n. 2 do CIRS 87.º n.º1 alínea d) e 89-Na.ºs 1, 2 alínea a) 3 e 4 da LGT o rendimento tributável dos recorrentes no ano de 2007 a enquadrar na categoria G, no montante de € 51.800,00 folhas 2 a 9 do P.A.
5.º Os recorrentes não impugnaram esta decisão P.A. e artigos 1.º a 7.º da petição inicial.
6.º Esta decisão originou a liquidação adicional de IRS e 2007 dos recorrentes, liquidação n.º 20115000015055de 18 0 2011 que também não foi impugnada P.A. e artigos 1.º a 7.º da petição inicial
7.º Nos anos de 2008, 2009 e 2010 os recorrentes declararam o rendimento global que originou o rendimento colectável abaixo discriminado, folhas 3 do P.A.:

Ano
Rendimento globalRendimento colectável
2008
€ 14.525,28
€ 7.164,00
2009
€ 5. 608,00
€ 1.720,00
2010
€ 8.283,35
      € 171,00



8.º A AT por decisão de 24 07 2012 do Director de Finanças do Porto junta a folhas 2 a 4 do PA cujo teor aqui se dá por reproduzido apurou e fixou por avaliação indirecta, nos termos dos artigos 9.º, n.º 1 alínea d) 39.º e 65.º, n-º2 do CIRS 87.º, n.º1, alínea d) e 89.º-A, n.ºs 1, 2, alínea a), 3 e 4 da LGT, o rendimento tributável dos recorrentes nos anos de 2008, 2009, 2010, a enquadrar na categoria G, no montante de € 51.800,00 para cada dum desses anos folhas 2 a 4 e 14 a 16 do PA


De direito:

Se atentarmos no teor da petição inicial verificamos que o recorrente se insurge contra fixação do rendimento tributável nos três anos seguintes ao da manifestação de fortuna por não terem no ano de aquisição dos imóveis logrado provar que os rendimentos declarados correspondessem aos realmente auferidos sendo outra a fonte dos usados na aquisição dos imóveis
E porque não lograram ilidir a presunção aceitam a fixação do rendimento para o para o ano de aquisição
Relativamente à fixação do rendimento tributável para os anos de 2008 2009 e 2010 ao abrigo do artigo 89-A nº4 considera que a norma nessa parte é inconstitucional cfr artigo 11 da p.i.
Efectivamente da interpretação desta norma o recorrente considera que resulta da sua interpretação que foi intenção do legislador repercutir a manifestação de fortuna nos três anos posteriores ao da aquisição dos bens do tipo descritos na tabela, cfr artigo 13 da p.i.
Todavia a tributação em anos subsequentes com base no rendimento padrão obtido a partir da manifestação em ano anterior afronta o principio da capacidade contributiva cfr artigo 20 da p.i.
E a capacidade contributiva diz o recorrente é o ponto de partida para a tributação e também a medida da tributação


Daí que o valor de uma determinada aquisição possa ser indicador de capacidade contributiva no ano dela ou mesmo para anos anteriores já não possa ser indicador para os nos posteriores
A tributação nesses três anos é igualmente violadora do princípio da igualdade princípio este que se desdobra na expressão generalidade (todos devem pagar sem distinção) e na expressão uniformidade (devendo a distribuição obedecer aos mesmo critérios).
Em conformidade com o exposto o Tribunal a quo veio a julgar procedente o recurso por considerar de acordo com o recorrente que a norma dos n.ºs 2 al a) e 4 do artigo 89-A da LGT enfermava de inconstitucionalidade por violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade,
Porque o Tribunal Constitucional para onde foi interposto recurso se pronunciou pela constitucionalidade de tais normas o mº juiz em obediência ao acórdão do Tribunal Constitucional reformula a sentença.
E considerando não haver questões de que devesse conhecer oficiosamente passou a conhecer das questões que lhe haviam sido colocadas verificando se como invocavam os impugnantes a decisão do Director de Finanças do Porto que fixou o rendimento tributável por métodos indirectos para efeitos de IRS, a enquadrar na categoria G nos termos do artigo 9º n.º1 alínea d) e 65.º, n.º2 do CIRS 87º, alínea d) e 89-A alínea a) e 4 da LGT no montante de € 51.800,00 para cada um dos anos de 2008, 2009 e 2010 violava os princípios constitucionais da capacidade contributiva da matéria colectável real e da igualdade.

Relativamente ao principio da igualdade que diz ter sido violado o mº juiz considerando o disposto no artigo 13 da CRP e o artigo 103 do mesmo diploma legal que traça as bases de todo o sistema fiscal português e ainda os artigo 4º e 5º da LGT relativos à capacidade contributiva onde assenta a legitimidade da imposição dos impostos e outrossim aos princípios da igualdade generalidade legalidade e justiça material passou a analisar o artigo 74 /3 da LGT que estatui sobre a legitimidade da avaliação indirecta pela AT e aos artigo 89-A que versam especificamente sobre as manifestações de fortuna considerou que cabia a AT alegar e provar os pressupostos da aplicação dos métodos indirectos e ao sujeito passivo o ónus da prova sobre o erro no excesso da quantificação daí decorrente.
Concluindo que no caso em apreço os recorrentes não haviam invocada qualquer ilegalidade decorrente de excesso de quantificação concluiu também que os recorrentes apenas questionavam a ilegalidade decorrente da interpretação que fazia do artigo 89 -A da LGT invocando a sua inconstitucionalidade na parte em que a norma prevê a tributação em IRS nos três anos seguintes ao da aquisição dos bens constantes dos n.ºs 1 a 4 da Tabela prevista e contida naquela norma.
Mas porque os recorrentes alegam que aquela norma viola os princípios da capacidade contributiva, da matéria real colectável e da igualdade fiscal considerando os já citados normativos dos artigos 13, 103 e 104 da C.R.P. e tendo em conta que na primeira decisão objecto de recurso para o Tribunal Constitucional decidira dar procedência ao recurso por considerar que a norma violava o princípio da capacidade contributiva e nessa medida não tendo conhecido dos restantes vícios invocados por a solução dada ter prejudicado o conhecimento das restantes “ex vi” do preceituado no artigo 660/2 do C.P.C. hoje 608/2 uma vez que o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional tal norma passou a conhecer dos restantes vícios já que a questão relativa à capacidade contributiva e ao princípio da igualdade havia sido resolvida pelo Tribunal Constitucional.
Analisando o acórdão do TC a que nos vimos referindo o mº juiz concluiu que o TC considerara que o artigo 89-A, n.º4 da LGT não só não violava o princípio da capacidade contributiva como também não violava o princípio da igualdade, designadamente quando consignara expressamente que a presunção de rendimentos não sendo absoluta não ofende os princípios constantes da capacidade contributiva e da igualdade

Concluiu assim que tendo o Tribunal Constitucional no recurso deste processo decidido que o artigo 89-A da< LFGT n.ºs 1 e 2 alínea a ) 3 e 4 na parte em que permite à AT a correcção do rendimento tributável em qualquer dos três anos seguintes ao do ano em que se verificou a aquisição não é inconstitucional e não viola o principio da capacidade contributiva e da igualdade a decisão não podia ser outra que a do Tribunal Constitucional.
Restava agora ao Tribunal “a quo” analisar os outros fundamentos do recurso invocados, designadamente o da violação do principio da matéria colectável real
Considerando que a matéria colectável real é uma expressão da capacidade contributiva e que só na medida em que é expressão da capacidade contributiva se cumpre o princípio da igualdade face ao decidido já pelo Colendo Tribunal Constitucional tem de concluir-se que também este princípio aqui se não mostra violado.
A manifestação de fortuna verificada num determinado ano não significa que o sujeito passivo não mantenha nos três anos seguintes os mesmos rendimentos decorrendo das regras da experiência que só assim manterá o seu nível de vida, sendo até de presumir como diz o douto acórdão que esse rendimento cresça.
E nada obsta que tal se presuma já que se trata de uma presunção ilidivel
A que tudo acresce a razão do preceito que visa o combate à evasão e fraude fiscais.
E as razões expendidas levam a que a invocada violação dos princípios da capacidade de contributiva, da generalidade, da igualdade e da justiça consagrados nos artigos 4 e 5 da LGT se não dê como verificada já que estes princípios são a mera explicitação dos mesmos que o Tribunal Constitucional considerou não sofrerem de inconstitucionalidade

O recorrente não se conforma com a decisão e como se vê do teor das suas conclusões questiona a legitimidade da Administração Tributária de com base na mesma manifestação de fortuna proceder à fixação do rendimento tributável dos três anos seguintes in caso dos anos de 2008, 2009, e 2010 tendo em conta que em relação a cada um destes anos os rendimentos declarados pelo recorrente revelam uma desproporção superior a 50% para menos relativamente ao rendimento padrão resultante da tabela prevista no n.º4 do artigo 89-A da LGT
Entende o recorrente que o mº juiz “a quo” decidiu que a correcção do rendimento colectável decorrente da manifestação de fortuna em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica não viola o princípio da matéria colectável real com o fundamento de que é razoável presumir que o sujeito passivo mantenha os mesmos rendimentos nesses anos ou mesmo superiores e que esta presunção não é ilegal.
Mas tal decisão não é admissível
Diz o recorrente que a presunção em causa não é uma presunção “juris tantum” dado que essa presunção relativamente aos três anos seguintes é verdadeiramente uma presunção “juris et de jure” e consequentemente ilegal por inadmissível em sede tributária.

Refere também que a tributação da mesma manifestação de fortuna nos três anos seguintes ao do da aquisição acaba por assumir carácter gravemente sancionatório e eventualmente confiscatório.

O recorrente como se deixou referido e resulta da petição inicial apenas fundamentou o seu recurso da decisão do Director de Finanças na violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, da matéria colectável real e da igualdade

A sentença como bem evidenciou o mº juiz “a quo” limita-se em dando cumprimento ao acórdão do Tribunal Constitucional decidir ainda da eventual violação do principio da matéria colectável real vicio esse que não fora objecto primeira decisão, decisão essa que deu lugar ao recurso para o Tribunal Constitucional.
Relativamente a este fundamento de recurso o mº juiz considerou que este princípio é decorrência do princípio da capacidade contributiva por a matéria colectável real contender necessariamente com a capacidade contributiva do sujeito passivo já que a matéria colectável resulta e é expressão dessa capacidade e porque só assim determinada cumpre também o princípio da igualdade fiscal
Por estas razões julgou o recurso improcedente

DECISÃO:

Porque o doutamente decidido está de acordo com o douto acórdão do Tribunal Constitucional e porque a finalidade do recurso é a modificar revogar ou confirmar a decisão recorrida numa reapreciação da causa de pedir e do pedido não podendo nem devendo nessa medida conhecer de questões novas como é o caso das suscitadas pelo recorrente em sede de recurso, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Junho de 2014. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.