Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0812/13.5BECBR 0431/18
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE DIREITO
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
SEGUNDA AVALIAÇÃO
Sumário:I - O regime especial de segunda avaliação a que alude o disposto no art. 76º nº 3 do CIMI encontra-se reservado e apenas assume relevância para efeitos de IRS, IRC e IMT, tendo o legislador excluído expressamente da sua previsão o próprio IMI, sendo que a pretensão à aplicação subsidiária do artigo 76º nº 3 do CIMI à avaliação geral só teria cabimento se não resultasse expressamente do próprio dispositivo que o legislador não pretendeu estender o seu regime à avaliação que seja efetuada apenas para efeitos de IMI. E o sistema de avaliação geral consagra os seus próprios mecanismos de salvaguarda - artigo 15.º-O do DL 287/2003.
II - No caso em análise, as regras próprias da avaliação geral constantes dos artigos 38º e ss. do IMI já prevêem mecanismos de avaliação dos imóveis que permitem atingir valores muito próximos dos valores de mercado; na verdade, pois que este regime de avaliação de imóveis visa que o valor atribuído aos imóveis seja o mais próximo do valor de mercado mas não implica que ocorra uma coincidência absoluta entre o valor de mercado em determinado momento e o valor obtido por via da avaliação nesse mesmo momento, o valor a considerar será o resultante da aplicação das regras estabelecidas na lei e que se projectará durante um período de tempo mais ou menos amplo, o espaço de vários anos, em que poderá haver flutuações do valor de mercado que não são possíveis de considerar e concretizar naquela avaliação.
III - Por seu lado, o regime especial de avaliação previsto no n.º 3 do artigo 76º do CIMI encontra a sua justificação em elementos exteriores ao próprio CIMI, em características próprias e especificas dos outros impostos que não estão em agora em causa, não se podendo por isso reconduzir a análise e interpretação do preceito em causa à mera violação do princípio da igualdade, igualdade essa que não existe no caso concreto, do mesmo modo que não se vislumbra que o valor da avaliação obtido segundo as regras gerais dos artigos 38º e ss. do CIMI ofendam os princípios da capacidade contributiva, igualdade e proporcionalidade, essencialmente porque o valor a atingir com o regime de avaliação geral não se destina a vigorar num momento temporal especifico, antes se destina a valer por um período dilatado de vários anos em que podem ocorrer significativas variações nos valores de mercado, sendo o mesmo determinado apenas em função de características gerais e abstractas dos prédios a avaliar, sem possibilidade de se ter em consideração as particulares circunstâncias que neles se repercutem em função dos seus proprietários ou co-proprietários.
Nº Convencional:JSTA000P26345
Nº do Documento:SA2202009160812/13
Data de Entrada:04/26/2018
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 30-08-2017, que julgou procedente a pretensão deduzida por A……………. no presente processo de ACÇÃO PARA O RECONHECIMENTO DE UM DIREITO no sentido de ver o artigo 468 da freguesia de ……… reavaliado nos termos do art. 76.º n.º 3 do CIMI, reportando-se tal avaliação a 31-12-2012 e ainda a ver liquidado o IMI com base no VPT determinado com base nas regras do referido art. 76º nº 3 do CIMI, mais anulando as liquidações de IMI entretanto efectuadas, caso o valor patrimonial apurado seja diferente do resultante das regras referidas, devendo ser devolvido o valor pago em excesso.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

a) A presente ação foi interposta após a AT ter negado a pretensão do Autor de lhe reconhecer o direito de ver o artigo 468 da freguesia de …….. reavaliado nos termos do então nº 4 do art. 76.°, do CIMI e a liquidar o IMI com base no valor patrimonial tributário (VPT) determinado por tal avaliação.
b) Tendo esta pretensão sido indeferida pela AT com o fundamento de inaplicabilidade do disposto no então n° 4 do art. 76.° do CIMI à segunda avaliação no quadro de “avaliação geral”, já que naquele âmbito a avaliação dos prédios faz-se nos termos do art. 38.° e seguintes do CIMI.
c) Ou seja, o Autor peticionou que lhe fosse reconhecido o direito de ver concretizada uma segunda avaliação ao aludido prédio pelos critérios previstos no então n.º 4 do art. 76.º, do Código de IMI (CIMI) com fundamento do “valor patrimonial distorcido”;
d) Tendo o Tribunal “a quo” decidido pelo reconhecimento de tal direito com a fundamentação de existir “(...)violação do princípio da proporcionalidade, e consequentemente, da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, já que está a sujeitar o contribuinte a uma tributação diferenciada face a outros contribuintes com igual capacidade contributiva, sem qualquer justificação material relevante e sem que se demonstre qual o ganho que esta derrogação da igualdade traz para a economia do imposto e muito menos que esse ganho é superior ao sacrifício da igualdade imposto”.
e) Ora, é entendimento da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação da norma acima supra citada - art. 76.º nº 3 do CIMI, incorrendo em errado julgamento de direito e violação do aludido disposto no nº 3 do art. 76.º e art. 38.º, ambos do CIMI.
f) Não havendo qualquer violação aos princípios da proporcionalidade e igualdade, na vertente da capacidade contributiva.
g) Isto porque o sistema de avaliação predial urbana consagra regras objetivas e critérios de quantificação prévia e legalmente fixados que eliminam a discricionariedade e subjetividade dos sujeitos intervenientes no procedimento de avaliação (vide art.s 38.º, 42.º e 45.º do CIMI);
h) Se o sistema de avaliação predial e urbana não consagrasse regras objetivas e critérios de quantificação prévia e legalmente fixados isso é que poderia constituir um sério entrave aos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
i) Logo, o procedimento de 2.ª avaliação efetuado com base nos critérios estabelecidos no art. 38.º do CIMI funda-se num quadro normativo legal obrigatório e eficaz, pelo que não enferma de qualquer tipo de ilegalidade, como lhe assaca a douta sentença recorrida;
j) Entende a Recorrente que a douta sentença efetuou errada interpretação das normas em causa porque a liquidação de IMI far-se-á sempre pelo valor resultante, ou da primeira avaliação, ou da segunda avaliação do imóvel, que se fundamenta nas regras do art. 38.º do CIMI.
k) Sendo certo que como se refere no texto da própria norma do nº 3 do art. 76.º do CIMI a fixação do valor patrimonial tributário, resultante da segunda avaliação fundada em distorção, apenas tem relevância para efeitos de IMT, IRS e de IRC.
l) Sendo uma clara opção legislativa do legislador ao ter definido a aplicação daquela avaliação fundada em distorção para efeitos de IRS, IRC e IMT.
m) No entanto são as regras objetivas e critérios de quantificação prévia e legalmente fixados no sistema de avaliação predial urbana, previstos no art. 38.º e segs. do CIMI que evitam a discricionariedade e subjetividade dos sujeitos intervenientes no procedimento de avaliação.
n) Motivo pelo qual se compreende as razões para que o IMI tenha ficado excluído daquele tipo de avaliação definido no então nº 4 do art. 78.º do CIMI.
o) Tal é também o entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, de que a Recorrente tem conhecimento, nomeadamente o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. 0239/11, de 25/05/2011, que decidiu expressamente que: “(...)“Devendo ter-se, ainda, em atenção que do disposto no n° 4 do artigo 76.° do CIMI resulta que o novo valor patrimonial tributário fixado em resultado da segunda avaliação com tal fundamento apenas releva para efeitos de IRS, IRC e IMT e não em sede de IMI
p) Bem como é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc 0301/12, de 23/05/2012, e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. 05402/12, de 08/05/2012;
q) Por outro lado, não se aceita a conclusão extraída do Tribunal “a quo” quando refere na douta sentença: “(...) tendo já sido feita a avaliação, e tendo-se chegado à conclusão de que as regras dos artigos 38.º e ss. do CIMI não eram aptas para determinar o valor do prédio, fica por explicar por que razão o valor correto entretanto determinado não pode ser inscrito na matriz e valer para efeitos de IMI. Como se disse, o esforço avaliativo já foi feito, bastando o simples acto de inscrição do respectivo valor na matriz predial, pelo que, em rigor, nem a praticabilidade pode ser invocada em defesa da solução legislativa. (...)
r) Isto porque os factos dados como provados na douta sentença e os elementos que constam dos autos não demonstram que as regras estabelecidas nos art.s 38.° e segs. do CIMI não eram aptas para determinar o valor do prédio.
s) Ou seja, conforme se pode aferir no ponto 2 dos factos dados como provados na douta sentença, o prédio em causa apenas foi sujeito a uma avaliação e foi feita nos termos do art. 38.º do CIMI.
t) E após aquela primeira avaliação, o Recorrido, veio requerer uma segunda avaliação do prédio segundo os critérios no art. 76.º do CIMI, sendo o valor patrimonial tributável apurado considerado para efeitos de IMI - vide ponto 3 e subpontos 4 a 31 da douta sentença.
u) Tendo o Chefe do serviço de Finanças de Coimbra 2, em substituição, proferido um despacho de indeferimento do pedido para a realização da 2ª avaliação segundo os critérios do art. 76.º do CIMI por falta de disposição legal e simultaneamente determinou que, para salvaguarda das garantias do contribuinte, que a 2ª avaliação fosse feita ao abrigo do art.º 15.º-F, do DL nº 287/2003, de 12/11, com a redação da Lei nº 60-A/2011, de 30/11. - ponto 4 e 5 da douta sentença.
v) E após aquela decisão de indeferimento do pedido requerido pelo contribuinte, sem que tivesse havido a 2ª avaliação, nos termos do art. 38.º do CIMI, a ação foi interposta no Tribunal a 07-11-2013 - vide pontos 6 e 7 da douta sentença.
w) Ou seja, podemos concluir que apenas foi feita a 1 avaliação do prédio e nos termos do art. 38.º do CIMI, pelo que aquela conclusão do Tribunal de que as regras dos artigos 38.º e ss. do CIMI não eram aptas para determinar o valor do prédio e de que fica por explicar por que razão o valor correto entretanto determinado não pode ser inscrito na matriz e valer para efeitos de IMI, constitui uma conclusão que não é sustentada pelos factos dados como provados nem pela realidade factual constante dos autos.
x) Ou seja, parece-nos que estamos perante um erro notório na apreciação da prova e contradição entre os factos provados e a decisão isto porque a 1ª avaliação efetuada ao prédio em causa, nos termos do art. 38.º do CIMI, em lado algum ficou demonstrado ou provado que o valor patrimonial tributário se apresentou distorcido relativamente ao valor de mercado.
y) Bem como do requerimento efetuado pelo requerente, ora Recorrido e que se encontra espelhado nos factos dados como provados na douta sentença - ponto 3 e subpontos 4 a 31 - não constam quaisquer documentos que suportassem o pedido com fundamento na distorção, ou seja, não contem qualquer proposta de valor que considerasse como mais ajustado, tendo por base estudos de mercado e ou parecer técnico a fundamentar tal valor proposto, valores de transações recentes na área de localização do prédio de imóveis com características, tipologia e afetação semelhantes. - nº 6 do art. 76º do CIMI.
z) Ou seja, não há qualquer prova documental a demonstrar que o valor patrimonial tributário se apresentou distorcido relativamente ao valor de mercado, nem na fase do procedimento de avaliação do imóvel, nem agora, na fase judicial, onde se pode verificar que a petição inicial não apresentou qualquer prova que demonstre qual o valor “real” do imóvel!
aa) Sendo certo que o Recorrido, reconheceu, salvo com pequenas discrepâncias de pormenor, que o VPT fixado a final, no valor de € 82.280,00 estava correto, quando determinado por aplicação da fórmula prevista nesse art. 38.º do CIMI.
bb) E a demonstração de que o valor patrimonial tributário se apresentou distorcido relativamente ao valor de mercado constitui um requisito essencial para a avaliação nos termos do então nº 4 do art.º 76.º do CIMI (primeira parte).
cc) Pelo que a decisão judicial sob recurso ao ter decidido reconhecer tal direito ao Recorrido sem que estivesse demonstrado, nem dado como facto provado na douta sentença tal distorção, incorreu, também, nesta parte, o Tribunal “a quo”, num erro de apreciação da matéria de facto.
dd) Entende pois a ora Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal “a quo” ao ter decidido pelo reconhecimento do direito peticionado, incorreu em errado julgamento da matéria de direito, tendo em Conta que o disposto no nº 3 do art. 76.º (então nº 4 do art. 76.º) do CIMI não contempla aquela reavaliação para efeitos de IMI.
ee) Bem como o Tribunal “a quo” incorreu, também, em erro notório na apreciação da prova e consequente contradição entre os factos provados e a decisão porque a 1ª avaliação efetuada ao prédio em causa, nos termos do art. 38.º do CIMI, não demonstrou que o valor patrimonial tributário se apresentou distorcido relativamente ao valor de mercado - Condição exigível na primeira parte do nº 3 do art. 76.º do CIMI.
ff) E o requerimento efetuado pelo requerente, ora Recorrido, a solicitar a avaliação nos termos do então nº 4 do art. 74.º do CIMI não contém qualquer proposta de valor que considerasse como mais ajustado, estudos de mercado e ou parecer técnico a fundamentar o valor proposto, valores de transações recentes na área de localização do prédio de imóveis com características, tipologia e afetação semelhantes, de forma a demonstrar que o valor patrimonial tributário se encontrava distorcido relativamente ao valor de mercado.
gg) Pelo que também podemos chamar à colação, além dos critérios objetivos, e da imparcialidade, o da praticabilidade do imposto em defesa da opção legislativa como fundamento para a exclusão do IMI do âmbito do resultado da avaliação feita nos termos do atual nº 3 do art. 76.º do CIMI.
hh) Motivo pelo qual o Tribunal “a quo” nunca poderia ter concluído na decisão de que as regras dos art.s 38.º e ss do CIMI não eram aptas para determinar o valor do prédio e de que ocorreu violação dos princípios da igualdade (vertente da capacidade contributiva), proporcionalidade e de excesso por a AT não ter permitido a avaliação nos termos do então n.º 4 do art. 76.º do CIMI.
ii) E conforme é mencionado no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, no proc. 06235/12, de 15-01-2013, “(...) O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.”
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença com todas as consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA.”

O Recorrido A…………. apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“(…)

a) Tratando-se de uma situação não expressamente prevista nas normas que regulam a reavaliação geral dos prédios urbanos, (artigos 15-A e ss do DL 287/2003 [regime transitório]), há que entender que, relativamente à segunda avaliação a ter lugar no quadro de tal reavaliação geral, é de aplicar subsidiariamente a norma do art. 76, n.º 3, do CIMI, por remissão do art. 15 - P.
b) De outro modo, o Recorrido ficaria impedido de demonstrar que o valor do prédio em causa, fixado segundo os critérios gerais de avaliação previstos na lei (“fórmula de avaliação”) não tem correspondência com o seu «valor de mercado» (que o valor patrimonial assim fixado é “distorcido”), o qual é o referencial de quantificação da capacidade contributiva que a lei pretende tributar através do IMI.
c) A Recorrente, nas suas alegações, não põe em causa a conclusão expressa em a), limitando-se a afirmar a bondade de um sistema de quantificação do valor patrimonial assente em critérios objetivos, o que nunca foi posto em causa na presente lide.
d) O segmento do art.76, n.º 3, do CIMI, que dispõe que o valor patrimonial tributário fixado nos termos de tal norma apenas releva para efeitos de IRS, IRC e IMT (e não para efeitos de IMI) é inconstitucional.
e) Tributar em IMI o proprietário de um prédio cujo valor patrimonial, estabelecido segundo as regras gerais (“fórmula de avaliação”) resulta distorcido - ignorado o valor patrimonial, necessariamente mais correto, fixado nos termos do referido n.º 3 do art. 76º do CIMI - significaria aceitar uma tributação feita com base numa capacidade contributiva inexistente, uma tributação assente numa ficção (em algo que, reconhecidamente, não tem correspondência com a realidade) o que, de todo em todo, os princípios constitucionais que presidem ao nosso sistema fiscal (capacidade contributiva, igualdade, proporcionalidade legislativa) não permitem.
f) Não existem quaisquer razões de praticabilidade oponíveis ao constante da conclusão anterior.
g) As alegações da Recorrente nada acrescentam no sentido da constitucionalidade do referido segmento do art. 76.º n.º 3, do CIMI.
h) A sentença recorrida, no tocante à referida decisão de inconstitucionalidade, foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, por parte do MP, tendo tal recurso sido indeferido.
i) As alegações de recurso no sentido de que o requerimento apresentado pelo Recorrente, solicitando que a 2.ª avaliação do prédio em causa fosse feita nos termos do n.º 3 do art. 76 do CIMI, estaria insuficientemente fundamentado não podem sequer ser consideradas, pois um tal argumento não consta da fundamentação da decisão de indeferimento de tal requerimento, decisão essa que motivou a presente ação judicial.
j) De todo o modo, sempre se deveria concluir que tal requerimento está suficientemente fundamentado, não tendo qualquer amparo legal a pretensão da Recorrente de que o mesmo deveria conter «uma proposta de valor que considerasse mais ajustado, estudos de mercado e ou parecer técnico a fundamentar o valor proposto, valores de transações recentes na área de localização do prédio de imóveis com características, tipologia e afetação semelhantes».
k) A sentença recorrida julgou bem a questão sub judice, sendo merecedora de integral confirmação.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso, tendo concluído que, “(…)No art. 76.º n.º 3 (atual n.º 4) do C.I.M.I. foi previsto que a avaliação a efetuar pela comissão prevista no n.º 2 segundo os critérios constantes do art. 46.º do C.I.M.I., releva “apenas” para efeitos de I.R.S., I.R.C. e I.M.T..
Tal não é coerente com o sistema fiscal a que se referem os arts. 102.º e 103.º da C.R.P., nomeadamente, quanto a objetivos de justiça na repartição de riqueza e do rendimento e, no que respeita à tributação do património, em que se inserem o IMI e o IMT, deverem ambos contribuir para a “igualdade entre os cidadãos”.
Quanto à inconstitucionalidade da dita norma, por violação do princípio da igualdade, bem como do princípio da proporcionalidade, sendo de relacionar tal ainda com o princípio da capacidade contributiva, crê-se ser possível que a mesma ocorra.
Quanto às questões de erro notório na apreciação da prova e contradição entre os factos provados e a decisão, decorrendo as mesmas de matéria nova, relativa ao entendimento a dar ao previsto no n.º 6 do art. 76.º do C.I.M.I., não é de conhecer das mesmas.(…)”.

Cumpre decidir.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida quando julgou procedente a pretensão acção, reconhecendo o direito do Autor a ver o artigo 468 da freguesia de …….. reavaliado nos termos do art. 76º nº 3 do CIMI, reportando-se tal avaliação a 31-12-2012 e ainda a ver liquidado o IMI com base no VPT determinado com base nas regras do referido art. 76º nº 3 do CIMI, mais anulando as liquidações de IMI entretanto efectuadas, caso o valor patrimonial apurado seja diferente do resultante das regras referidas, devendo ser devolvido o valor pago em excesso, estando em causa que, no “âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos”, o prédio do A. seja avaliado tendo em conta a norma constante do artigo 76º, n.º 3 do CIMI.


3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Sob o motivo “18- Avaliação geral” foi entregue no Serviço de Finanças de Coimbra 2 declaração modelo 1 do IMI relativamente ao artigo 468 da extinta freguesia de ……..;
2. Tal artigo, constituído por fracções suscetíveis de utilização independente — RC-A, RC-B, 1.°-A, 1.°-B e 1.°-C — foi sujeito a uma primeira avaliação, da qual, após duas reclamações, resultaram, em 22-06-2013 os seguintes VPT, apurados nos termos dos arts. 38.° e ss. do CIMI:
RC – A: € 10.140,00
RC - B: € 10.140,00
1.° - A: € 21.000,00
1.º - B: € 21.000,00
1.º - C: € 21.000,00;
3. Em 23-07-2013 deu entrada no Serviço de Finanças de Coimbra 2 um requerimento do Autor, remetido por correio registado com data de 22-07-2013, nomeadamente, com o seguinte teor:
(...) 4- De todo o modo, tal resultaria quase irrelevante em termos de resultado final da avaliação, pelo que se considera estar esgotada a possibilidade de estabelecer o correto valor patrimonial do prédio aplicando a “fórmula” legal de avaliação.
5- Como sempre se defendeu nas reclamações anteriormente apresentadas, esta “fórmula” resulta manifestamente inadequada, dadas as características muito particulares do prédio em causa.
6- O resultado da avaliação agora notificado continua a conduzir a um valor patrimonial manifestamente distorcido.
Na realidade,
7 - O prédio em causa tem características únicas, pelo menos na freguesia onde se situa e, provavelmente, nas freguesias vizinhas.
8 - Trata-se de uma construção centenária, que datará de meados do século XIX (muito embora, ao que parece, só conste dos registos fiscais desde há 74 anos).
9- O edifício em causa (hoje, correspondente a vários artigos matriciais) tem uma fachada de dezenas de metros, ao longo de duas ruas.
10- Em data que se desconhece, provavelmente há mais de 50 anos, os avós do ora signatário partilharam tal edifício entre os 4 filhos, partilha feita verbalmente, como era, então, uso.
11- A cada um dos filhos foi atribuída uma “fatia” de tal edifício (uma parte do r/c e uma parte do 1.° andar).
12- Por sua vez, o Pai e Tios do ora signatário subdividiram as “fatias do edifício por cada um deles recebidas em “subunidades”.
13- Como forma de autonomizar juridicamente as diferentes partes em que o edifício foi dividido e subdividido, o Pai e os Tios do ora signatário, ao que parece há cerca de 22 anos, conseguiram “dividir” o único artigo matricial então existente em vários artigos matriciais.
14- Mas a realidade física do edifício, obviamente, não se alterou: o prédio (o artigo matricial) propriedade do ora signatário continua a ser parte integrante de um edifício que, na sua maior parte, pertence a outros proprietários.
15- Como esta divisão matricial aconteceu sem serem observadas as exigências legais que seriam impostas em caso de constituição de propriedade horizontal, é impossível fazer obras de vulto, mesmo que de conservação e manutenção: não existem paredes-mestre a dividir este prédio (esta parte do edifício) dos prédios (partes do mesmo edifício) contíguos, pelo que, por exemplo, não podem ser substituídos os pavimentos do 1.° andar, pois tal implicaria a derrocada dos pavimentos do mesmo andar dos “prédios” confinantes; não podem ser feitas alterações significativas na estrutura do telhado, pois as traves que o sustentam são comuns; não podem ser feitas grandes alterações nas paredes internas do prédio em causa, porque algumas delas contribuem para sustentar o conjunto do edifício.
16- O prédio em causa, mesmo considerando só o primeiro andar, não tem as condições de habitabilidade que hoje se exigem: as partes suscetíveis de utilização autónoma são, em alguns casos, constituídas por labirintos de pequenos cubículos separados por paredes de grande grossura (paredes que sustentam o edifício).
17- A distribuição interna dos espaços não tem qualquer lógica, não permitindo uma utilização conforme com as exigências habitacionais que hoje se colocam.
18- Daí que todo este prédio, desde há muitos anos, seja utilizado só como arrecadação.
19- Rigorosamente, embora tendo uma parte destinada a habitação, o prédio está, na sua totalidade, afetado a arrumos.
20- Como já repetidamente afirmado nas anteriores reclamações, esses espaços não têm cozinha e/ou instalações sanitárias (ou o que delas resta, nomeadamente canalizações, está destruído).
21- O edifício só não está em estado de ruína total porquanto, há cerca de 30 anos, o Pai e os Tios do signatário se entenderam para fazer, em conjunto, algumas obras de conservação significativas, nomeadamente, no telhado.
22- Todavia, o telhado apresenta já grandes infiltrações, o que conduziu ao apodrecimento de grande parte dos tetos do 1.º andar e de partes dos respetivos soalhos.
23- Do descrito resulta óbvio não poder o signatário, sequer, demolir o prédio de que é proprietário, para aí fazer nova construção, pois tal implicaria a derrocada de grande parte do edifício.
24- A situação é, em resumo, a seguinte:
• O 1.º andar não reúne as condições que, hoje, se exigem para ser habitado.
• O prédio está, na sua totalidade, arrecadação, mas sem grandes condições de funcionalidade e segurança.
• O proprietário não pode fazer obras significativas e, mesmo que as pudesse fazer, tal nunca seria economicamente rentável, dado o custo imposto pela estrutura do edifício.
• Não sendo o prédio habitável, obviamente que ninguém o quer arrendar.
• Por maioria de razão, ninguém quer comprar tal prédio, mesmo por um valor quase simbólico.
25- Em resumo: o signatário não tem um valor patrimonial, tem é um grande problema sem solução.
26- Neste contexto, bem se compreenderá que o signatário entenda que o valor resultante desta avaliação (num total de € 83.280) é manifestamente muito superior ao valor de mercado do prédio (se é que este tem algum valor no mercado). Lembremos que, aquando da sua inscrição na matriz, há 22 anos, o prédio do signatário, considerado na sua totalidade, foi avaliado em € 47,57, ou seja, está em causa aumentar o VPT para montante que seria superior quase 2.000 vezes ao atual!!!
27- Quando o prédio em causa tem apenas um valor “simbólico” de uns escassos milhares de euros.
II
28- O meio de recurso que a lei prevê relativamente ao resultado final de tal avaliação é a segunda avaliação, regulada no artigo 15.°-F do Decreto-Lei 287/2003 de 12/11, na redacção que lhe é dada pela Lei n.° 60-A/2011 de 30/11.
29- O signatário não discorda propriamente do resultado alcançado por aplicação dos artigos 38.° e seguintes do CMI, mas sim da inadequação da “fórmula” aí prevista ao caso concreto;
30- Mas mais não lhe restará que requerer uma segunda avaliação, uma vez que esta é necessária, é condição de acesso à via judicial.
31- A forma correta seria avaliar o prédio nos termos do art.° 76°, n.° 4, do CIMI (valor patrimonial distorcido) e que o respetivo resultado fosse relevante para IMI (pese embora o aí disposto).
Assim:
- Requer que seja feita uma segunda avaliação do prédio e que a mesma seja feita segundo os critérios previstos no art.° 76° do CIMI, sendo o valor patrimonial tributável assim apurado considerado para efeitos de IMI.
- Entendendo-se ser este pedido legalmente inadmissível, requer-se que o mesmo seja expressamente recusado, de forma a possibilitar o imediato acesso à via judicial.
- Para o Caso de ser deferido o seu pedido, declara desejar ser ele próprio a integrar a comissão de avaliação.” (fls. 50 a 56 do PA apenso);
4. Em 08-08-2013 o Chefe do Serviço de Finanças de Coimbra 2, em substituição, proferiu despacho de indeferimento do requerimento que antecede, o qual tem o seguinte teor: “Concordo com o informado.
Indefiro o pedido de 2ª avaliação segundo os critérios do art° 76° do CIMI, dado que a avaliação contestada foi efetuada no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos cujas regras estão consagradas nos art°. 15-A e seguintes, do DL n° 287/2003, de 12/11, com a redação da Lei 60-A/2011, de 30/11.
No entanto, admito a reclamação como pedido de 2ª avaliação ao abrigo do art°15°-F, do DL n° 287/2003, por ser este o meio legal previsto para a reclamação do resultado apurado na 1ª avaliação geral aos prédios urbanos.
Notifique-se o contribuinte, com a indicação de que poderá recorrer hierarquicamente nos termos do art. 66°, do CPPT, ou impugnar judicialmente nos termos do art°. 102° e seguintes do CPPT.” (fls. 58 do PA apenso);
5. A informação prestada pelo Serviço de Finanças a que se refere o despacho anterior, com data de 07-08-2013, tem o seguinte teor “O Contribuinte A…………, NIF ……….138, requereu em 23-07-2013, a 2ª Avaliação do artigo Urbano n°468 da freguesia de ………., nos termos do art° 76º do CIMI.
Tendo sido notificado do valor da avaliação em 05-07-2013, a reclamação está dentro do prazo estipulado no art°15°-F do DL 287/2003, de 12/11.
No essencial o reclamante solicita que seja feita uma 2ª avaliação, e que esta seja feita segundo os critérios previstos no n°. 4 do art°. 76° do CIMI, ao prédio inscrito na matriz sob o art°. 468, da freguesia de ………, visto não discordar totalmente do valor apurado nos termos dos art°s 38 e seguintes do CIMI, efetuada no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, nos termos do art°. 15°-A e seguintes, do DL n°. 287/2003, de 12/11, com a redacção da Lei 60-A/2011, de 30/11.
Mais solicita que o resultado que viesse a ser apurado fosse considerado para efeitos de IMI.
No entanto a reclamação da avaliação geral está prevista no art°. 15°-F, do DL n°. 287/2003, com o consequente pedido de 2ª avaliação que será realizada nos termos do art.º 15°-D, do referido diploma, ou seja por aplicação dos critérios previstos no art°. 38° e seguintes do CIMI, não estando abrangida pelo tipo de reclamação prevista no n°. 4 do art°. 76° do CIMI.
Mas ainda que se admitisse a reclamação nos termos do n°. 4 do art°. 76°, do CIMI, o que não poderá ocorrer por falta de disposição legal que assim o permita, o resultado daí resultante apenas poderia relevar para efeitos dos impostos de IRS, IRC e IMT, não sendo aplicável à liquidação dos impostos de IMI, conforme determina o referido preceito legal.
Assim, sou de informar, pelo indeferimento do pedido para a realização da 2ª avaliação segundo os critérios do art° 76° do CIMI por falta de disposição legal que assim o permita. No entanto, com vista à salvaguarda das garantias do contribuinte, deve o pedido ser considerado para efeitos de reclamação da avaliação ao abrigo do art°. 15°-F, do DL n°. 287/2003, de 12/11, com a redacção da Lei n°. 60-A./2011, de 30/11.
À consideração superior.” (fls. 59 do PA apenso):
6. O despacho e a informação que antecedem foram enviados ao Autor pelo ofício n.° 7580/305001, de 12-08-2013, remetido por carta registada com AR, assinado em 14-08-2013 (fls. 57 a 61 do PA apenso);
7. A presente acção deu entrada neste Tribunal em 07-11-2013, remetida por correio registado, com data de 06-11-2013 (fls. 2 e 15 dos autos).
3.2. Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo apenso, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida quando julgou procedente a pretensão acção, reconhecendo o direito do Autor a ver o artigo 468 da freguesia de -………. reavaliado nos termos do art. 76º nº 3 do CIMI, reportando-se tal avaliação a 31-12-2012 e ainda a ver liquidado o IMI com base no VPT determinado com base nas regras do referido art. 76º nº 3 do CIMI, mais anulando as liquidações de IMI entretanto efectuadas, caso o valor patrimonial apurado seja diferente do resultante das regras referidas, devendo ser devolvido o valor pago em excesso.

No entanto, antes de avançar, importa notar que em 08-06-2018 foi proferido o seguinte despacho:
Recorre a Fazenda Pública da sentença proferida pelo TAF de Coimbra pretendendo a sua revogação.
Ao abrigo do disposto no artigo 280°, n." 1 do CPPT este recurso apenas pode ser dirigido a este Supremo Tribunal quando lia matéria for exclusivamente de direito".
Como resulta da leitura atenta das alegações e respectivas conclusões, a recorrente não questiona somente o "direito" aplicado na sentença recorrida ou a aplicar no caso concreto, também questiona a própria matéria de facto delimitadora dos contornos da questão, bem como as respectivas ilações que o Tribunal daí retirou.
De forma bem clara e explícita, é referido nas conclusões de recurso:
cc) Pelo que a decisão judicial sob recurso ao ter decidido reconhecer tal direito ao Recorrido sem que estivesse demonstrado, nem dado como facto provado na douta sentença tal distorção, incorreu, também, nesta parte, o Tribunal “a quo", num erro de apreciação da matéria de facto.
dd) Entende pois a ora Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal “a quo" ao ter decidido pelo reconhecimento do direito peticionado, incorreu em errado julgamento da matéria de direito, tendo em Conta que o disposto no n° 3 do art. 76.° (então n° 4 do art. 76.°) do C/MI não contempla aquela reavaliação para efeitos de IMI.
ee) Bem como o Tribunal "a quo" incorreu, também, em erro notório na apreciação da prova e consequente contradição entre os factos provados e a decisão porque a 1° avaliação efetuada ao prédio em causa, nos termos do art. 38.º do C/MI, não demonstrou que o valor patrimonial tributário se apresentou distorcido relativamente ao valor de mercado - Condição exigível na primeira parte do n° 3 do art. 76.° do C/MI.
Pretendendo, assim, a recorrente discutir a matéria de facto, ou a sua ausência, levada ao probatório da sentença recorrida, fica automaticamente este Supremo Tribunal impedido de conhecer do presente recurso, cabendo, nos termos do disposto naquele artigo 280°, n.º 1 a competência para conhecer do mesmo à secção do contencioso tributário do TCA Norte.
Assim, ouçam-se ambas as partes pelo prazo de 10 dias para dizerem o que se lhes oferecer quanto a esta questão prévia.
Nada dizendo, e após respectiva decisão, os autos serão remetidos ao TCA Norte para decisão.
D.n.”

As partes foram notificadas do referido despacho, sendo que a Recorrente tomou posição no sentido de o processo ser remetido ao TCA Norte, defendendo o Recorrido que a competência para conhecer do presente recurso é do STA.

Neste ponto, em termos sucintos, cumpre notar que, tal como resulta da al. b) do art. 26º e da al. a) do art. 38º do ETAF e do nº 1 do art. 280º do CPPT), a competência do Supremo Tribunal Administrativo para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, exclusivamente, a matéria de direito (e de mérito), constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete (cfr. al. a) do art. 38º) conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26º».

E em consonância, o nº 1 do art. 280º do CPPT prescreve que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito (e de mérito), caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Reserva-se, portanto, ao Supremo Tribunal Administrativo o papel de tribunal de revista, com intervenção reservada para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão.

Sendo que, embora para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, haja que atentar, em princípio, apenas no teor das conclusões da alegação do recurso (pois por aquelas se define o objecto e se delimita o âmbito deste - cfr. o nº 3 do art. 684º e os nºs. 1 e 3 do art. 635º, ambos do CPC) e verificar se, perante tais conclusões, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, a sua apreciação implica a necessidade de dirimir questões de facto (ou porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, ou porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, ou, ainda, porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa), não deixa de ser necessário confrontar as conclusões com a própria substância das alegações do recurso, nomeadamente, se nestas se afrontar expressamente a factualidade que suporta a decisão.

E se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, este Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados alegados são irrelevantes para a decisão do recurso.

E para efeitos da mesma competência, há, ainda, que atentar, sendo caso disso, se em sede de contra-alegações, vem requerida a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no art. 636º do CPC.


Enquadrando a realidade em apreço, importa ter presente que, em sede de petição inicial, o A. pretende que, no “âmbito da avaliação geral dos prédios urbanos”, o seu prédio seja avaliado tendo em conta a norma constante do artigo 76º, n.º 3 do CIMI, o que a AT recusou por a aplicação de tal norma não relevar para efeitos da avaliação efectuada e das regras e princípios gerais que a regulam.

Na sentença recorrida decidiu-se esta questão em dois momentos distintos, num primeiro momento entendeu-se que a norma do n.º 3 do artigo 76º do CIMI seria sempre aplicável às segundas avaliações previstas no n.º 2 do mesmo preceito legal, ainda que as mesmas fossem inseridas no procedimento de “avaliação geral dos prédios urbanos” como o dos autos: “…o n.º 2 do art. 76.° do CIMI, aplicável nos casos gerais de segunda avaliação, também prevê que a mesma se faça de acordo com o disposto no art. 38.° e ss. do CIMI, não excluindo a avaliação do n.º 3 caso se verifiquem as situações ali indicadas.
Por outro lado, e como bem refere o Autor, a norma do art. 15.º-P do DL n.º 287/2003, de 12-11 prevê que à avaliação geral dos prédios urbanos, cujas normas apenas contêm as regras gerais, se aplica, subsidiariamente, o disposto no CIMI. E, por isso, tratando-se de uma situação não expressamente prevista em tal diploma, entende-se ser de aplicar subsidiariamente a norma do art. 76.° n.º 3 do CIMI por remissão do art. 15.º-P.”; num segundo momento entendeu-se que o valor resultante da avaliação do prédio segundo tais regras deveria relevar para efeitos de IMI: “…Por isso, tendo o legislador do CIMI sentido essa necessidade de introduzir uma "válvula de escape" para os casos em que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e ss, se apresentava distorcido relativamente ao valor normal de mercado, mal se compreende que não tenha feito aplicar essa válvula de escape também ao IMI.
A coerência interna do sistema fiscal impunha essa aplicação.
Com efeito, é difícil de entender que para efeitos de IRS, IRC e IMT o valor do imóvel seja um, mais aproximado do valor de mercado, e para efeitos de IMI seja outro, sem qualquer base de sustentação, sobretudo após de ter apurado que o mesmo não era correcto.
O legislador não explica a razão desta diferenciação, nem ela é fácil de perceber.
A praticabilidade - único motivo que se pode vislumbrar para tal regime legal - não é fundamento suficiente para justificar a solução legal adoptada, sobretudo, quando o esforço avaliativo já foi feito e o seu resultado considerado para efeitos de todos os impostos ... excepto para efeitos de IMI.
Por natureza, atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário goza de discricionariedade quanto à escolha dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem integrar a categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para a definição da matéria colectável. No entanto, tal discricionariedade tem como limites os princípios constitucionalmente plasmados nesta matéria.
Com efeito, é difícil de entender que para efeitos de IRS, IRC e IMT o valor do imóvel seja um, mais aproximado do valor de mercado, e para efeitos de IMI seja outro, sem qualquer base de sustentação, sobretudo após de ter apurado que o mesmo não era correcto.
O legislador não explica a razão desta diferenciação, nem ela é fácil de perceber.
A praticabilidade - único motivo que se pode vislumbrar para tal regime legal - não é fundamento suficiente para justificar a solução legal adoptada, sobretudo, quando o esforço avaliativo já foi feito e o seu resultado considerado para efeitos de todos os impostos ... excepto para efeitos de IMI.
Por natureza, atenta a sua função constitucionalmente definida, o legislador tributário goza de discricionariedade quanto à escolha dos factos reveladores de capacidade contributiva que podem integrar a categoria de factos tributários, bem como à definição dos elementos que concorrem para a definição da matéria colectável. No entanto, tal discricionariedade tem como limites os princípios constitucionalmente plasmados nesta matéria.
Um desses princípios é o da igualdade, sendo que a Constituição o elegeu, precisamente, como princípio norteador da tributação do património - cfr. art. 104.° n° 3 da CRP.
(…)
Ora, ao não fazer aplicar o resultado da avaliação, efectuada nos termos do art. 76.º n.º 3 do CIMI ao IMI, falha precisamente a "conexão entre a prestação tributária" e o "pressuposto económico seleccionado para objecto do imposto", já que o imposto vai incidir sobre um valor que nada tem que ver com o valor do bem imóvel.
Tal significa que a não aplicação do valor da avaliação, efectuada nos termos referidos, ao IMI, por ser desprovida de fundamento material bastante e, logo, arbitrária, tem como consequência a violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva.
(…)
Ou seja, se o fundamento para a exclusão do IMI do âmbito do resultado da avaliação feita nos termos do art. 76.º n,º 3 do CIMI for apenas o da praticabilidade deste imposto, então, como se viu, não podendo este princípio sobrepor-se aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva se com ele se atingir um resultado intolerável e iníquo, então tem que se considerar que a medida legislativa adoptada não pode valer, sob pena de violação, não só dos princípios indicados, mas também dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso.
Isto porque, tendo já sido feita a avaliação, e tendo-se chegado à conclusão de que as regras dos artigos 38.º e ss. do CIMI não eram aptas para determinar o valor do prédio, fica por explicar por que razão o valor correcto entretanto determinado não pode ser inscrito na matriz e valer para efeitos de IMI. Como se disse, o esforço avaliativo já foi feito, bastando o simples acto de inscrição do respectivo valor na matriz predial, pelo que, em rigor, nem a praticabilidade pode ser invocada em defesa da solução legislativa.
E, por isso, não vê o Tribunal qualquer racionalidade na escolha deste critério legal diferenciador.
(…)
Regressando ao caso concreto, e para concluir, entende o Tribunal que o segmento da norma do n.º 3 do art. 76.º do CIMI, relativo à fixação do novo valor patrimonial tributário - "que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT" - não passa o teste da proporcionalidade, nos termos vistos, já que nenhuma razão se vislumbra para, após avaliação do imóvel nos termos do art. 76.º n.º 3 do CIMI, o valor ali apurado, por ser o seu valor real, não poder ser considerado para efeitos de incidência do IMI, sendo-o para efeitos de IRS, IRC ou IMT.
Há, assim, violação do princípio da proporcionalidade e, consequentemente, da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, já que se está a sujeitar o contribuinte a uma tributação diferenciada face a outros contribuintes com igual capacidade contributiva, sem qualquer justificação material relevante e sem que se demonstre qual o ganho que esta derrogação da igualdade traz para a economia do imposto e muito menos que esse ganho é superior ao sacrifício da igualdade imposto.
E, por isso, por entender sofrer de inconstitucionalidade, nos termos vistos, o Tribunal vai desaplicar o segmento normativo indicado, o que significa que o resultado da avaliação que for feita nos termos do artigo 76.° n.º 3 do CIMI, mesmo que superior à avaliação anterior (se o Autor entende que os critérios de avaliação são mais correctos do que os critérios gerais, e por isso pede a avaliação nesses termos, tal significa que o seu resultado tem que substituir incondicionalmente o resultado da avaliação anterior) - improcedendo, por isso, o pedido feito de só se aplicar se for inferior - deve ser aplicado a partir de 31-12-2012 (art. 15.º-D n.º 4 a) e n.º 5 do DL n.? 287/2003, de 12-11) às liquidações de IMI relativas a esse ano e posteriores…”.

Desde logo, se poderíamos dizer que nas conclusões q) a x) é desenhada uma questão de facto, tal resulta de uma deficiente interpretação da sentença recorrida, porque a Sra. Juiz não apela ali a um facto concreto que pretenda demonstrado nos autos, antes formula uma hipótese de facto (em abstracto) para demonstrar a irrazoabilidade da solução legislativa. E a questão de facto que não deriva da decisão recorrida não é pertinente para a decisão do recurso e não deve ser apreciada.
Depois, quanto à questão suscitada nas conclusões y) e seguintes, deparamos com uma questão de direito, porque o que está em causa verdadeiramente não é saber se existe prova documental a demonstrar que o valor patrimonial tributário está distorcido (questão que nunca foi colocada nos autos), mas se a FP só poderia ser condenada nos termos pretendidos pelo Autor mediante a apresentação dessa prova documental (isto é, se a apresentação dessa prova é requisito do deferimento da pretensão à avaliação nestes termos).
Nesta sequência, da leitura que se faz das diversas peças processuais que compõem estes autos, facilmente se surpreende que o autor recorrido pretende com a presente acção que a 2ª avaliação se realize segundo a norma do artigo 76º, n.º 3 do CIMI - Não obstante o disposto no número anterior, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efectua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo - para efeitos de cálculo do imposto do IMI a pagar, apesar de a norma restringir a sua aplicação ao IRS, IRC e IMT.
Assim, a argumentação esgrimida pela recorrente no âmbito deste recurso jurisdicional no tocante à matéria de facto que se julgou provada, bem como à apreciação que se fez sobre a mesma, face à condenação resultante da sentença recorrida, não faz sentido porque o que na sentença se ordenou foi que a avaliação a efectuar respeitasse a norma do artigo 76º, n.º 3 do CIMI e só em caso de o resultado ser diferente da anterior avaliação, em que não se teve em conta aquele inciso legal, é que se determinaria a anulação das liquidações efectuadas.
Não há, por isso razão para que se julgue este Supremo Tribunal incompetente em razão da hierarquia.

Vejamos então o que dispõem os artigos do CIMI em questão.
Dispõe o artigo 76º, n.ºs. 2, 3 e 5 do CIMI:
2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.
3 - Não obstante o disposto no número anterior, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo.
5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado.

O recorrido autor reconhece na sua petição inicial que o valor resultante da avaliação efectuada, após redução, e face às regras constantes do artigo 38º do CIMI, no essencial, está correcto, pretende, porém, que tal valor seja reapreciado nos termos do disposto no artigo 76º, n.º 3 acima enunciado.
Alega, no entanto, que tal valor se apresenta distorcido para mais relativamente ao valor normal de mercado, face ao estado de degradação do prédio, razão pela qual pretende que se lance mão do disposto no referido n.º 3.

Na sentença recorrida, como se reconheceu na decisão sumária do Tribunal constitucional a fls. 106 e ss. dos autos, concluiu-se que era aplicável o disposto no artigo 76º, n.º 3 do CIMI à concreta situação em apreço, não porque tenha recusado a aplicação ao caso dos autos da norma extraível do artigo 76º, n.º 3 do CIMI, na parte em que preceitua que a fixação do novo valor patrimonial tributário releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, “...com fundamento em inconstitucionalidade, apenas optando por uma interpretação de tal preceito – em conformidade com princípios gerais do sistema jurídico, nomeadamente o respeitante à unidade do sistema jurídico – no sentido do valor patrimonial tributário resultante da avaliação efectuada segundo os critérios aí plasmados relevar igualmente para efeitos de IMI, considerando ainda que a exclusão do IMI do leque de impostos calculados em função do novo valor patrimonial tributário é susceptível de colocar em causa o princípio da igualdade e da proporcionalidade...”.

Já vimos que o regime especial de segunda avaliação a que alude o disposto neste n.º 3, se encontra reservado e apenas assume relevância para efeitos de IRS, IRC e IMT, tendo o legislador excluído expressamente da sua previsão o próprio IMI.
Aliás, a pretensão à aplicação subsidiária do artigo 76º nº 3 do CIMI à avaliação geral só teria cabimento se não resultasse expressamente do próprio dispositivo que o legislador não pretendeu estender o seu regime à avaliação que seja efetuada apenas para efeitos de IMI. E o sistema de avaliação geral consagra os seus próprios mecanismos de salvaguarda - artigo 15.º-O do DL 287/2003.

A primeira razão evidente desta distinção feita pelo legislador entre estes impostos, IRS, IRC e IMT de um lado e IMI de outro, reside no facto de este tipo de avaliação só dever ocorrer nos casos em que ocorra a transmissão dos prédios avaliados, ou seja, o regime regra da avaliação geral, que ocorreu no caso dos autos tal como se deu como assente na sentença recorrida, não depende da precedência de qualquer transmissão, cfr. J. Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 2012, 2ª edição, págs. 169 e 170, pelo que, não se coloca a necessidade de aplicação deste regime especial de avaliação, bastando as regras próprias da avaliação geral constantes dos artigos 38º e ss. do IMI que já prevêem mecanismos de avaliação dos imóveis que permitem atingir valores muito próximos dos valores de mercado; na verdade, este regime de avaliação de imóveis visa que o valor atribuído aos imóveis seja o mais próximo do valor de mercado mas não implica que ocorra uma coincidência absoluta entre o valor de mercado em determinado momento e o valor obtido por via da avaliação nesse mesmo momento, o valor a considerar será o resultante da aplicação das regras estabelecidas na lei e que se projectará durante um período de tempo mais ou menos amplo, o espaço de vários anos, em que poderá haver flutuações do valor de mercado que não são possíveis de considerar e concretizar naquela avaliação.

Neste domínio, diremos ainda, aplicando uma malha mais fina, que o legislador não pretendeu verdadeiramente dizer que não releva para efeitos de IMI, mas que não releva quando a avaliação seja efetuada apenas para este efeito, ou seja, releva apenas quando a avaliação seja efetuada para os efeitos dos outros impostos (em caso de transmissão ou de afetação do imóvel a outros fins), na medida em que nas transmissões de imóveis é o próprio ato de transmissão por valor inferior ao VPT que constitui um indicador de que este valor pode estar distorcido (afinal, é o próprio mercado a funcionar e a revelar qual é o valor que os interessados estão dispostos a dar) e porque nestes casos há alteração do sujeito passivo de IMI, realidade que salvaguarda a harmonização dos valores patrimoniais relevantes para efeitos de tributação da riqueza, que a reforma de 2004 notoriamente pretendeu alcançar.


A segunda razão prende-se com as características próprias daquele grupo de impostos que não são inerentes ao IMI.
“...importa salientar que, quer no domínio do IMT, quer no domínio dos impostos sobre o rendimento, foi introduzida uma nova realidade que imporia escalpelizar, visto que o valor de avaliação traduzido no valor patrimonial tributário, passou a relevar como valor mínimo da transacção para efeito daqueles impostos. Explicando um pouco mais detalhadamente, diremos que VPT é o valor mínimo para efeitos de liquidação de IMT (se as partes declararem um valor superior, será sobre este que incidirá o IMT), pelo que. se uma transacção for declarada por valor inferior terá de ser objecto de correcção oficiosa para aquele valor mínimo resultante da avaliação. Por outro lado, no que respeita aos impostos sobre o rendimento, em princípio, esse valor de avaliação fiscal é também o relevante para efeitos de tais impostos, a menos que as partes hajam declarado valor superior. No caso de a empresa vendedora ou o empresário cm nome individual declararem, conjuntamente com o comprador, um valor inferior, para a transacção, por razões de prevenção de evasão fiscal o que vale para efeitos de consideração como matéria colectável em sede desses impostos é o chamado VPT, a menos que o sujeito passivo de IRC ou IRS faça a demonstração de que vendeu efectivamente por valor inferior o imóvel, designadamente autorizando a administração tributária a ter acesso às contas bancárias do requerente, bem como dos administradores e gerentes, nesse exercício e no anterior. É. o que resulta do disposto nos artigos 58.º-A e 129.º do CIRC. e 31.°-A do CIRS. Faz-se notar que a disciplina aqui prevista se aplica aos sujeitos passivos de IRS e IRC, à luz da norma constitucional que determina que a tributação das empresas se faz predominantemente com base no rendimento real, assente na contabilidade, pelo que se tornou necessário consagrar uma possibilidade de o contribuinte fazer a prova em contrário, face à presunção consagrada na lei. Em consequência, previu-se a possibilidade de o contribuinte fazer a demonstração de que efectivamente transaccionou o imóvel por um valor menor do que o da avaliação. Este princípio só se aplica, igualmente, aos rendimentos de IRS de actividade empresarial porque a esse tipo de interpretação conduz a sistemática do código, que permite a prova em contrário quando se está no âmbito exclusivamente de rendimentos profissionais e empresariais. "A contrário”, tal não será valido para os outros sujeitos passivos de IRS...”, cfr. Vasco Valdez, A Reforma da Tributação do Património: Antecedentes, Principais Mudanças e Perspectivas Futuras, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha, Vol. II, págs. 1014 e 1015.

Daqui resulta, assim, que o regime especial de avaliação previsto no n.º 3 do artigo 76º do CIMI encontra a sua justificação em elementos exteriores ao próprio CIMI, em características próprias e especificas dos outros impostos que não estão em agora em causa, não se podendo por isso reconduzir a análise e interpretação do preceito em causa à mera violação do princípio da igualdade, igualdade essa que não existe no caso concreto; na verdade a situação de facto trazida aos autos pelas partes não se enquadra em qualquer uma daquelas razões justificativas que impuseram ao legislador a criação de tal regime de avaliação especial, pelo contrário, a diferença de tratamento das situações concretas encontra precisamente a sua justificação na unidade do sistema jurídico, na necessidade de articular as características próprias de determinados impostos com os elementos e critérios balizadores de outros.

Podemos, assim, concluir que por apelo às regras interpretativas estabelecidas pelo artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da LGT, não é possível interpretar a norma do artigo 76º, n.º 3 do CIMI de modo a nela serem subsumíveis também as situações de facto, como a dos autos, que não respeitem os critérios que presidiram à elaboração da respectiva norma.


E igualmente, não se vislumbra que o valor da avaliação obtido segundo as regras gerais dos artigos 38º e ss. do CIMI ofendam os princípios da capacidade contributiva, igualdade e proporcionalidade, essencialmente porque o valor a atingir com o regime de avaliação geral não se destina a vigorar num momento temporal especifico, antes se destina a valer por um período dilatado de vários anos em que podem ocorrer significativas variações nos valores de mercado, sendo o mesmo determinado apenas em função de características gerais e abstractas dos prédios a avaliar, sem possibilidade de se ter em consideração as particulares circunstâncias que neles se repercutem em função dos seus proprietários ou co-proprietários.
Procede, assim, o recurso que nos vem dirigido.



4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente, in totum, a presente acção.
Custas pelo Recorrido, em ambas as Instâncias.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Pedro Vergueiro (relator) – Aragão Seia – Nuno Bastos.