Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0214/17.4BELRA
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E OS FUNDAMENTOS
MAIS VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
Sumário:I - Em relação à nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e do exame crítico das provas, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que há que distinguir cuidadosamente a aludida falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II - No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto, ou seja, existe um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.
III - Estando em causa a construção de um imóvel que, na data da sua inscrição na matriz, lhe foi atribuído o valor patrimonial de € 66.215,42 euros e tendo em atenção o art. 46º nº 3 do CIRS, diga-se que o Recorrente não fez qualquer prova dos custos de construção, sendo que o Tribunal quo não dá como assente qualquer valor a esse título, nem o próprio Recorrente chegou sequer a invocar tal facto, pelo que a AT teria que atender ao valor patrimonial fixado ao imóvel.
IV - Por outro lado, o já apontado art. 46º do CIRS não manda atender, para efeitos de apuramento das mais-valias, apenas ao valor de mercado do imóvel, mas sim ao valor patrimonial constante da matriz e este nunca foi contestado pelo Impugnante e aqui Recorrente.
V - Nesta sequência, ainda que possam ser diferenciados os métodos de avaliação utilizados na fixação do valor de aquisição e do valor de realização, que o próprio regime legal reconhece (ao mandar atender ao valor patrimonial e ao valor de venda, conforme o de maior valor, ou ao valor do custo), diga-se que não ficou demonstrada qualquer discrepância assinalável que afecte a validade do apuramento do incremento patrimonial para efeitos de tributação das mais-valias.
VI - Com efeito, sem prejuízo de os métodos de avaliação utilizados puderem conduzir a resultados discrepantes, não são antagónicos, sendo que os resultados por eles produzidos constituem variáveis atendíveis para efeitos de mensuração do incremento patrimonial sujeito a tributação, sendo ainda de sublinhar que o legislador não sentiu necessidade de definir qualquer medida correctiva dos valores assim obtidos no período em que se aplicou transitoriamente a disciplina do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola.
Nº Convencional:JSTA000P27191
Nº do Documento:SA2202102170214/17
Data de Entrada:09/23/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 14-05-2019, que julgou improcedente a pretensão por si deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto tributário de liquidação de IRS n.º 2016 5005339253, referente ao ano de 2012, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 39.480,65.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1 - Os presentes autos respeitam à impugnação de uma liquidação oficiosa de Imposto sobre mais-valias efectuada pela Administração Tributária nos termos do disposto no artº 46º nº 3, 1ª parte – do CIRS.
2 - Mais especificamente, os presentes autos respeitam à correcção do “valor de aquisição” do imóvel do Recorrente, inscrito em 1996 na matriz da Freguesia de Tornada sob o artigo 2290º, declarado no Anexo G do modelo 3 da Declaração de IRS do ano de 2012, do Sujeito Passivo A…………, ora Recorrente.
3 - O âmbito do presente Recurso incide sobre Imposto sobre mais-valias criado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11 que aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) – mais especificamente ao nível da natureza do “valor de aquisição” e da natureza do “valor de realização” enquanto elementos essenciais para (in)determinação de incrementos patrimoniais sujeitos a este Imposto.
4 - Em causa nos presentes autos, estão os seguintes Diplomas Legais:
a) O Código da Contribuição Predial e da Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104 de 01/07/1963, adiante designado por CCP (que estabeleceu o critério de fixação do valor patrimonial dos imóveis com base no seu rendimento);
b) O Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, adiante designado por CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11 (que criou o imposto sobre mais-valias sobre o incremento patrimonial entre a compra e a venda de imóveis, e estabeleceu as regras e os pressupostos para o apuramento desse incremento patrimonial, um dos quais seria o de aprovação, no âmbito do Código da Contribuição Autárquica, de um Código de Avaliação de imóveis para apuramento dos respectivos valores de mercado, para que os imóveis deixassem de ser avaliados pelo seu rendimento segundo as regras do CCP e passassem a ser avaliados pelo seu valor de mercado segundo as regras do CCA);
c) O Código da Contribuição Autárquica, adiante designado por CCA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30/11 – que pressupunha a elaboração e aprovação de um Código de avaliação do valor de mercado de imóveis, que nunca chegou a ocorrer e, por isso, manteve o critério de fixação do valor patrimonial de imóveis com base no seu rendimento;
d) A Lei nº 36/91, de 27/7, que suspendeu os valores resultantes de avaliações anteriores a 31/12/1989 e respeitantes aos anos de 1990 e seguintes, até à entrada em vigor do Código das Avaliações, que nunca veio a ocorrer na vigência do CCA.
5 – Na vigência do Código da Contribuição Predial, o valor patrimonial tributário era calculado segundo rendimento anual dos prédios.
6 - Com a entrada em vigor do Código da Contribuição Autárquica, que já não sujeitava a tributação o rendimento periódico gerado pelo prédio, e sim o valor desse mesmo prédio, o sistema de avaliações até então vigente ficou desajustado da nova realidade, pois não foi concebido para a determinação deste valor.
7 - Sendo um imposto novo, que incidia sobre um substrato económico que até aí não era tributado (o valor de riqueza dos prédios), a Contribuição Autárquica não podia incidir sobre os valores que então eram conhecidos - os rendimentos anuais dos prédios segundo os critérios do Código da Contribuição Predial - porque não era esse o seu objecto.
8 - Para se determinar o valor de mercado dos prédios era necessário instituir na Lei um regime legal de avaliação - o Código das Avaliações (nos termos e para os efeitos do Código da Contribuição Autárquica) que até aí não existia - e nunca chegou a entrar em vigor.
9 - Embora o Código da Contribuição Autárquica - aprovado Decreto-Lei nº 442-C/88, de 30/11 e para o qual remetem as normas do CIRS aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11 - tivesse previsto a criação de um regime legal de avaliação para determinar o valor de mercado dos imóveis – Código das Avaliações -, tal regime legal, que até então não existia, também nunca chegou a entrar em vigor.
10 - Quer o artº 45º nº 1 quer o artº 46º nº 1 do CIRS remetem para valores subjacentes à liquidação de outros impostos – IMT (SISA) e Imposto de Selo.
11 - E quer o artº 12º do CIMT quer o artº 13º do Código do Imposto do Selo confluem na determinação de um valor concreto e definido: o Valor Patrimonial Tributário do Imóvel que decorreria da aplicação das regras de apuramento do valor de mercado decorrentes do Código das Avaliações de imóveis, que, como se disse, nunca chegou a entrar em vigor.
12 – Na vigência do Código da Contribuição Autárquica - para o qual remetiam as normas do CIRS - nunca foi possível definir qualquer Valor Patrimonial Tributário de Imóveis com base em valores de mercado desses imóveis por falta de regulamentação própria, porque nunca foi aprovado o Código das Avaliações que, quer no Código da Contribuição Autárquica, quer no Código do IRS, se pressupunha vir a existir.
13 - Na vigência do Código da Contribuição Autárquica, o valor dos imóveis continuou a ser calculado segundo os critérios do Código da Contribuição Predial e da Indústria Agrícola (Decreto-Lei nº 45 104 de 01/07/1963), ou seja, segundo o seu rendimento, e não segundo o seu valor de mercado (ou seja, os vectores de avaliação na vigência do Código da Contribuição Autárquica continuaram a basear-se no rendimento real ou imputado aos imóveis, e não em critérios objectivos de fixação do valor de mercado dos imóveis).
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14 - Em 1993 o Recorrente e B………… adquiriram, por doação, o prédio rústico sito em …………, Freguesia de Tornada, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1473 e inscrito na matriz sob os artigos 3165 e 3348 (na vigência do Código da Contribuição Autárquica);
15 - Nesse prédio rústico foi construído um edifício que foi averbado em 1996 na matriz daquela Freguesia sob o artigo 2290º, na vigência do Código da Contribuição Autárquica;
16 - Em 1996 a AT fixou ao imóvel inscrito sob o artigo 2290º o valor patrimonial tributário de € 66.215,42 (calculado segundo os critérios estabelecidos Código da Contribuição Predial ex vi Código da Contribuição Autárquica - correspondente ao rendimento deste imóvel.
17 - Em 2012 o Recorrente e B………….. venderam o imóvel inscrito na matriz sob o artigo 2.290 pelo preço de € 500.000,00 - correspondente ao valor de mercado deste imóvel.
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18 – Para determinar o incremento patrimonial a sujeitar a imposto sobre mais-valias, a AT fixou a) um “valor de aquisição” de € 33.107,71 com base nas regras do CCP, ou seja, no rendimento do imóvel
b) um “valor de realização” de € 250.000,00 com base nas regras do CIRS, ou seja, no valor de mercado do imóvel.
c) um incremento patrimonial de € 100.831,37 baseado na diferença entre o valor do rendimento (que considerou de aquisição) e o valor de mercado (que considerou de realização), do imóvel do Recorrente, d) um Imposto sobre mais-valias a pagar pelo Recorrente no montante de € 39.480,65, calculado sobre um incremento patrimonial resultante da diferença entre (i) um valor de rendimento (aquisição) e (ii) um valor de mercado (realização) do imóvel em causa.
19 - O “valor de aquisição” encontrado pela AT adveio do valor patrimonial tributário à data da inscrição do prédio na matriz em 1996, calculado segundo as regras do Decreto-Lei 45 104, de 1/7/1963, ou seja, sobre o rendimento deste prédio.
20 – O incremento patrimonial resultante da diferença entre o valor de aquisição e de realização, na forma como a Administração Tributária a calculou, não evidencia um acréscimo patrimonial decorrente da venda do imóvel.
21 - Resulta à evidência e das regras da experiência, que o valor patrimonial tributário do imóvel do Recorrente, de € 66.215,42 em 1996, que a AT converteu em “valor de aquisição” de € 33.107,71 (€ 66.215,42/2) nunca poderia corresponder a um valor sequer próximo do valor de mercado daquele imóvel, pois como resulta da própria da Sentença recorrida, os próprios custos de construção desse imóvel ascenderam a cerca de € 475.361,78.
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22 – O Imposto sobre mais-valias a que se refere a liquidação objecto dos presentes afigura-se ab initio ilegal por ter sido postergado o cumprimento dos requisitos legais para que a liquidação deste Imposto fosse feita nos termos da lei.
23 - A desarmonia da forma de avaliação de imóveis na vigência do Código da Contribuição Autárquica, constituiu uma disfunção - objectiva - no apuramento dos valores subjacentes ao cálculo do Imposto sobre mais-valias,
24 - Ao concluir pelo apuramento do rendimento colectável por parte da AT de acordo e no cumprimento das normas legais, a Sentença recorrida sufragou uma disfunção objectiva no apuramento dos valores subjacentes ao cálculo do Imposto sobre mais-valias e violou dos artºs 10º n,ºs 1 alínea a) e nº 4 alínea a), 43º, 44º e 46º nº 3 todos do Código do IRS.
25 – A Sentença recorrida ignorou não só o Preâmbulo, como também os artºs 6º, 7º e 8º do Código da Contribuição Autárquica.
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26 - A Sentença recorrida ostenta insuficiências na fundamentação, contradições na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e erros na apreciação crítica dos factos provados.
27 - O Tribunal começa por afirmar que em 1996 se aplicava o Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, para concluir que não se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios.
28 - O tribunal a quo omitiu a parte final daquela afirmação porque não refere qual a avaliação dos prédios está em causa
c) Se a avaliação com base no rendimento do imóvel, ou
d) Se a avaliação com base no valor de mercado do imóvel
29 - A este título, a Sentença proferida afronta o dever de fundamentação porque não diz uma palavra sobre a concreta disfunção no apuramento do valor de aquisição do imóvel, acima descrita, resultante da inexistência de um regime legal de avaliação de imóveis - que era suposto existir - na vigência do Código da Contribuição Autárquica, alegada, descrita e invocada pelo ora recorrente.
30 - Por se aplicarem as regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, a única conclusão a que o Tribunal poderia ter chegado, era a de que “não se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios com base no seu rendimento.
31 - Por se aplicarem as regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, a única conclusão a que o Tribunal poderia ter chegado, era a de que “se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios com base no seu valor de mercado.
32 - A falta de rigor que aquela omissão encerra, conduz a uma conclusão vertida na Sentença - de que a AT apurou o rendimento colectável e o respectivo ganho sujeito a tributação em IRS em sede de mais-valias de acordo e no cumprimento das normas legais aplicáveis -, em total contradição com as próprias normas legais em que se baseou.
33 - A Sentença recorrida contém imprecisões, entre o mais, sobre o que concretamente o impugnante questionou acerca do valor patrimonial tributário do imóvel em causa:
a) o impugnante não questionou que o prédio em causa, à data, tivesse o valor patrimonial tributário de € 66.215,42 – porque não questionou o valor patrimonial tributário atribuído ao prédio com base no seu rendimento.
b) o que o impugnante questionou foi que o valor do rendimento do imóvel subjacente à atribuição do valor patrimonial tributário de € 66.215,42, foi, pela AT, convertido em valor de mercado desse mesmo prédio, sem qualquer base legal.
c) o que o Impugnante questionou e questiona é a disfunção subjacente à alteração da natureza do valor patrimonial tributário do prédio fixado em 1996 pela AT, para o enquadrar como valor de aquisição nas normas do CIRS.
34 - O que o Impugnante afirmou foi que não existia, à data (1996), regime legal de avaliação dos prédios com base no seu valor de mercado.
35 - O Impugnante afirmou, como na Sentença recorrida, que “(…) O Código da Contribuição Autárquica, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, que no seu artigo 8.º nº 1 dispunha que, “enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos nºs 1 dos artigos 6º e 7º do presente decreto-lei” (cfr. Fls. 22).
36 – O Recorrente concluiu - necessariamente - ao contrário da Sentença recorrida, que existia um vazio legal impeditivo da avaliação do valor de mercado dos prédios, porque a avaliação estabelecida no Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola assentava no valor de rendimento dos prédios, e não no valor de mercado desses mesmos prédios.
37 - A Sentença recorrida contém vícios ao nível da análise crítica dos factos e das normas envolvidas (CIRS, CCA e CCP).
38 – Na interpretação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo - sem a mínima correspondência na letra da norma - o artº 46º do CIRS estabelece que caso o contribuinte não comprove os custos do terreno e da construção, para provar o valor de mercado do seu prédio, ficará sujeito ao valor patrimonial tributário calculado sobre o rendimento desse prédio, o que é inaceitável e intolerável e viola as normas do CIRS relativas ao apuramento do incremento patrimonial tributável dos imóveis a sujeitar a Imposto sobre mais-valias.
39 - O artº 46º nº 3 do CIRS estabelecia, e estabelece, que o valor dos imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial tributário inscrito na matriz ou ao valor do terreno acrescido de custos de construção, devidamente comprovados, se superior àquele.
40 - O nº 3 do artigo 46º do Código do IRS não impõe ao contribuinte, nenhuma obrigação de comprovar custos de construção de imóveis, porque o que esta norma contém são duas soluções alternativas, pelas quais o contribuinte pode optar consoante o que lhe convier.
41 - Em 1996, aquando da inscrição do prédio na matriz, a AT não atribuiria um valor patrimonial tributário do imóvel com base no valor de mercado do prédio construído, por falta de base legal, já que em 1996 a Lei (CCA) estabelecia que os valores patrimoniais tributários dos prédios eram calculados com base, não no seu valor de mercado, e sim com base no seu rendimento.
42 – Num imóvel, o valor da construção não se confunde com o valor de mercado, nem o valor de mercado se confunde com o valor da construção, face às múltiplas variantes que influem nos valores de mercado de imóveis, como sejam a localização, a envolvente dos imóveis em termos de proximidade de serviços, acessibilidades, etc (cfr. a título de exemplo os coeficientes de localização e os coeficientes majorativos e minorativos de imóveis, estabelecidos no Código do IMI, com incidência no valor patrimonial tributários desses imóveis)
43 - É totalmente inaceitável que o Tribunal a quo sancione a actuação da AT, condenando o contribuinte a pagar um imposto decorrente de um suposto - e inexistente - incremento patrimonial resultante da diferença entre um rendimento e um valor de mercado do prédio, porque o contribuinte não comprovou os custos de construção e o nº 3 do artº 46º assim o exige.
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44 - Se, na Sentença recorrida, tivessem sido respeitadas as normas do Código do IRS, do Código da Contribuição Autárquica e do Código da Contribuição Predial, nunca poderia ter sido declarada válida a liquidação de Imposto sobre mais-valias efectuada pela Autoridade Tributária, por falta de base legal para, à data da inscrição do imóvel na matriz, 1996, determinar o valor de mercado do imóvel do Recorrente, correspondente valor patrimonial tributário, inerente valor de aquisição, e eventual incremento patrimonial sujeito a Imposto sobre mais-valias.
45 - Consequentemente, haveria de ter sido declarada a inexistência de base legal para determinar algum incremento patrimonial susceptível de tributação a título de Imposto sobre mais-valias.
46 - É totalmente inaceitável que se decida, como se decidiu na Sentença recorrida, que ocorreu um incremento patrimonial de € 100.831,37 resultante de uma diferença entre o valor do rendimento do imóvel do recorrente (considerado valor de aquisição para efeitos do artº 46º do CIRS) e o valor de mercado do mesmo imóvel (considerado “valor de realização” para efeitos do artº 44º do CIRS).
47 - A Sentença recorrida aponta para uma apreciação imotivada e incontrolável, e, portanto, arbitrária, da factualidade provada e das normas envolvidas.
48 - Fica necessariamente prejudicada a compreensão da Sentença recorrida que manteve o acto tributário da AT, de liquidação de imposto sobre mais-valias no montante de € 39.480,65, resultante da correcção do valor de aquisição do imóvel do recorrente para € 33.107,71 - considerando 50% do valor patrimonial tributário de € 66.215,42, calculado sobre o rendimento de um imóvel -, e da fixação de um incremento patrimonial completamente absurdo, ilegal e irreal, de € 100.831,37, resultante da diferença entre um valor de rendimento e um valor de mercado do mesmo imóvel do Recorrente.
49 - A liquidação adicional impugnada emergiu de um facto – valor de aquisição com base num valor patrimonial tributário determinado à data da inscrição do prédio na matriz, na vigência do Código da Contribuição Autárquica – sem a mínima correspondência com as disposições do Código do IRS – então em vigor.
50 – A violação de normas legais e os vícios identificados constituem causas previstas da lei, para que seja declarada a nulidade ou a revogabilidade da Sentença recorrida.
51 - A Decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, deve ser substituída por outra que declare ilegal e, consequentemente, inválida, e anulada a liquidação adicional no montante de € 39.480,65 e os inerentes juros.
52 - A Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais:
Código do IRS: artºs 10º nºs 1 alínea a) e nº 4 alínea a), 43º, 44º, 45º e 46º;
Código da Contribuição Autárquica: artºs 6º, 7º e 8º
Lei Geral Tributária: artº 55º
Constituição da República Portuguesa: artºs 46º, 62º e 266º.
Lei nº 36/91, de 27/7.
Nestes termos e nos mais de Direito, que Vossas Excelências, doutamente, suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e consequentemente ser revogada a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, com as legais consequências, nomeadamente, a anulação da liquidação adicional no montante de € 39.480,65 e dos inerentes juros, por assim ser de inteira JUSTIÇA.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e por oposição entre os fundamentos e a decisão bem como indagar do suscitado erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 10º, nº1, alínea a) e nº4, alínea a), 43º, 44º e 46º, nº3, todos do CIRS, ao aceitar o apuramento do incremento patrimonial para efeitos de mais-valias, com base na determinação do valor da aquisição do imóvel à luz das regras do Código da Contribuição Predial e da Industria Agrícola, em que o método de avaliação é baseado no rendimento do prédio, o qual é incompatível com o método de avaliação do CIMI, baseado no valor de mercado, que foi considerado para efeitos de determinação do valor da realização.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Em 03-09-1993 foi outorgada escritura pública através da qual C………… e D………… doaram a B………… casada em regime de comunhão geral bens com A…………, o prédio rústico sito em ………, freguesia de Tornada, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1473, inscrito na matriz sob os artigos 3165 e 3348 (cfr. fls. 5 a 7 do processo administrativo - PA – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 30-06-2012 foi celebrado entre B………… e o Impugnante A………… acordo no qual os mesmos reconhecem que as obras de construção do edifício que se encontra implantado no prédio sito na Rua ……… n.º ……, Lugar do ………, freguesia de Tornada, concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1473, inscrito na matriz sob o artigos 2.290 foram suportadas pela sociedade «E…………, Lda.», da qual ambos são sócios, encontrando-se tais facturas consignadas na contabilidade da sociedade (cfr. fls. 9/verso e 10 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 18-09-2012 foi celebrado contrato de compra e venda entre B………… e o Impugnante A…………, na qualidade de vendedores, e a «F…………» na qualidade de compradora, através do qual os primeiros venderam a esta, pelo valor total de € 500.000,00, o prédio urbano destinado a creche, jardim-escola e tempos livres, denominado ………, sito na freguesia de Tornada, Concelho de Caldas da Rainha, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1473, inscrito na matriz sob o artigos 2.290 (cfr. fls. 7/verso a 9 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. Em 31-05-2013 o Impugnante procedeu à entrega da declaração modelo 3 do IRS, na qual inscreveu no quadro 4 do anexo G da respectiva declaração a alienação de metade do imóvel identificado no número antecedente, tendo indicado como valor de aquisição € 250.000,00 e como valor de realização € 250.000,00 (cfr. fls. 19 a 21 dos autos e fls. 1/verso e 2/verso do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. Em 29-06-2016 foi remetido ao Impugnante o ofício n.º 8 a notificá-lo para justificar a juntar a respectiva documentação relativamente ao ano e valor de aquisição inscrito na declaração identificada no número antecedente (cfr. fls. 3/verso e 4 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Em 03-10-2016 foi enviada por B………… mensagem de correio electrónico com os documentos solicitados (cfr. fls. 4/verso a 10 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Em 11-10-2017 foi elaborada pela Divisão de Tributação da Direcção de Finanças de Leiria informação / projecto de correcções a propor a correcção do rendimento colectável do Impugnante relativo a IRS do ano de 2012 com o seguinte teor:
1- FUNDAMENTAÇÃO DAS CORRECÇÕES
I. Através de escritura lavrada em 18/9/2012, no Cartório Notarial de …………, o contribuinte acima identificado, efectuou a transmissão onerosa de um meio indiviso de um prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art° n° 2 290, sito na freguesia de Tornada, Concelho de Caldas da Rainha, o qual foi inscrito na matriz em 1996.
2. Foi constatado por consulta aos elementos existentes nesta Direcção de Finanças, que 3· contribuinte em 31/5/2013 apresentou uma declaração modo 3 de IRS referente aos rendimentos de 2012, onde declarou no anexo G os seguintes elementos:

3. O contribuinte foi notificado pelo oficio nº 821 em 26/9/2016, para apresentar documentos justificativos do ano e valor de aquisição, não o tendo feito até à presente data.
4. No entanto no âmbito do processo da outra vendedora (ex-cônjuge) foram enviados, a escritura de venda, a escritura de doação de dois prédios rústicos e um documento de um acordo, o contribuinte vende apenas um meio indiviso do prédio.
5. Da analise a estes documentos verifica-se que:
4.1.1 - O prédio foi alienado por € 500 000.00 pelo contribuinte na situação de casado com B………… no regime de Comunhão Geral de Bens, no entanto, cada um dos contribuintes entregou a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2012 no regime de solteiro, declarando cada, 50% do valor da venda do prédio, assim confirma-se o valor de realização.
4.2 - Verifica-se ainda que o art° vendido foi o nº 2 290 e não o art° nº 1 473 como foi declarado pela contribuinte, este último corresponde ao registo na conservatória do registo predial
5.- Quanto ao ano e valor de aquisição:
5,1 - Com referência ao ano de aquisição, o prédio foi inscrito na matriz em 1996, pelo que o ano a considerar será 1996 e não 1993.
5.2 - valor de aquisição de prédios construídos pelo sujeito passivo, de acordo com o artigo 46° do código do IRS, será o valor patrimonial à data da inscrição do prédio ou o valor do terreno acrescido das facturas de construção, A contribuinte não envia facturas de construção apenas envia uma escritura de doação de dois terrenos rústicos pelo que o valor a considerar será 50% do valor patrimonial do prédio em 1996, o valor patrimonial do prédio neste ano era de € 66 215.42, considerando 50% deste valor, o valor de aquisição a mencionar no anexo G é de € 33 107.71,
5. De acordo com os valores conhecidos, tal transmissão proporcionou um ganho sujeito a Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) - Rendimento da Categoria G – Incrementos Patrimoniais - Mais-valias, nos termos dos art. os 9.º, alínea a) e 10.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), no valor de € 100 831.37 determinado, pela aplicação do disposto nos artigos: 10° (nº 4);43° (nº2);44°;45°;46° (nº 1 e 2); 50° e 51°, todos do CIRS, conforme se demonstra:

II - APURAMENTO DO RENDIMENTO LIQUIDO
Face ao exposto e tomando por base os elementos disponíveis, propõe-se:
- A alteração dos rendimentos declarados, prevista no art° 65° n° 1 e 4 do CIRS, de acordo com o apuramento que se segue:

(cfr. fls. 23 a 25 dos autos e fls. 1/verso a 12/verso do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. Sobre a informação identificada no número antecedente recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão de 17-10-2016 o qual determinou a notificação do Impugnante para se pronunciar sobre o projecto de correcções (cfr. fls. 23 dos autos e fls. 1/verso do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. A informação e despacho identificados em 8) e 9) foram comunicados ao Impugnante através do ofício n.º 2008, com o seguinte teor:


(cfr. fls. 22 dos autos e fls. 10/verso do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Em 02-11-2016 o Impugnante pronunciou-se por escrito sobre o projecto de correcções identificado em 8) (cfr. fls. 29 a 34 dos autos e fls. 13 a 16 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11. Em 10-11-2016 foi elaborada informação final pela Divisão de Tributação da Direcção de Finanças de Leiria através do qual foi proposta correcção ao rendimento colectável em IRS de 2012 do impugnante no valor de € 100.8831,37 referente a mais-valias resultantes da alienação de metade do imóvel identificado em 3), sobre o qual recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão proferido na mesma data, com o seguinte teor:
















(cfr. fls. 36 a 39 dos autos e fls. 19/verso a 21 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12. A informação e despacho identificados no número antecedente foram remetidos ao Impugnante por carta registada com aviso de recepção através do ofício n.º 2210, o qual foi entregue em 15-11-2016 (cfr. fls. 35 dos autos e fls. 19 e 21/verso do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
13. Em 18-11-2016 foi em nome do impugnante emitida a liquidação de IRS n.º 2016 5005339253, referente ao ano de 2012, no valor de € 39.480,65 a qual foi remetida em 28-11-2016 e entregue no dia 29-11-2016 (cfr. fls. 41 dos autos e fls. 26 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. A presente impugnação foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Óbidos em 24-01-2017, tendo dado entrada neste Tribunal em 02-02-2017 (cfr. fls. 1 e 46 dos autos).
* * *
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.”
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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, antes de mais, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal, estaria cometida, desde logo, a tarefa de indagar da nulidade da sentença por falta de fundamentação (nela se incluindo a alegada falta de exame crítico da prova produzida) e por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Nas suas alegações, o Recorrente defende que a Sentença recorrida ostenta insuficiências na fundamentação, contradições na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, e erros na apreciação crítica dos factos provados, na medida em que o Tribunal começa por afirmar que em 1996 se aplicava o Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, para concluir que não se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios, sendo que o tribunal a quo omitiu a parte final daquela afirmação porque não refere qual a avaliação dos prédios está em causa, c) Se a avaliação com base no rendimento do imóvel, ou d) Se a avaliação com base no valor de mercado do imóvel, o que significa que, a este título, a sentença proferida afronta o dever de fundamentação porque não diz uma palavra sobre a concreta disfunção no apuramento do valor de aquisição do imóvel, acima descrita, resultante da inexistência de um regime legal de avaliação de imóveis - que era suposto existir - na vigência do Código da Contribuição Autárquica, alegada, descrita e invocada pelo ora recorrente, verificando-se que por se aplicarem as regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, a única conclusão a que o Tribunal poderia ter chegado, era a de que “não se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios com base no seu rendimento e que por se aplicarem as regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, a única conclusão a que o Tribunal poderia ter chegado, era a de que “se pode afirmar que existia um vazio legal impeditivo da avaliação dos prédios com base no seu valor de mercado.
Assim, a falta de rigor que aquela omissão encerra, conduz a uma conclusão vertida na Sentença - de que a AT apurou o rendimento colectável e o respectivo ganho sujeito a tributação em IRS em sede de mais-valias de acordo e no cumprimento das normas legais aplicáveis -, em total contradição com as próprias normas legais em que se baseou, além de que a sentença recorrida contém imprecisões, entre o mais, sobre o que concretamente o impugnante questionou acerca do valor patrimonial tributário do imóvel em causa, pois que a) o impugnante não questionou que o prédio em causa, à data, tivesse o valor patrimonial tributário de € 66.215,42 - porque não questionou o valor patrimonial tributário atribuído ao prédio com base no seu rendimento e b) o que o impugnante questionou foi que o valor do rendimento do imóvel subjacente à atribuição do valor patrimonial tributário de € 66.215,42, foi, pela AT, convertido em valor de mercado desse mesmo prédio, sem qualquer base legal e ainda c) o que o Impugnante questionou e questiona é a disfunção subjacente à alteração da natureza do valor patrimonial tributário do prédio fixado em 1996 pela AT, para o enquadrar como valor de aquisição nas normas do CIRS, apontando-se também que o que o Impugnante afirmou foi que não existia, à data (1996), regime legal de avaliação dos prédios com base no seu valor de mercado, ou seja, o Impugnante afirmou, como na sentença recorrida, que “(…) O Código da Contribuição Autárquica, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 442-C/88, de 30 de Novembro, que no seu artigo 8.º nº 1 dispunha que, “enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos nºs 1 dos artigos 6º e 7º do presente decreto-lei”, concluindo o Recorrente - necessariamente - ao contrário da Sentença recorrida, que existia um vazio legal impeditivo da avaliação do valor de mercado dos prédios, porque a avaliação estabelecida no Código da Contribuição Especial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola assentava no valor de rendimento dos prédios, e não no valor de mercado desses mesmos prédios, o que implica que a sentença recorrida contém vícios ao nível da análise crítica dos factos e das normas envolvidas (CIRS, CCA e CCP).
Relativamente ao primeiro elemento descrito, há que ter em atenção que, como é sabido, só se verifica tal nulidade quando ocorre falta absoluta de fundamentação, sendo que tal como refere o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140 “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.
Porém, como refere o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Por outro lado, quanto à nulidade decorrente da falta de exame crítico das provas, é sabido que nos termos do disposto nos arts. 123º nº 2 do CPPT e 659º nº 3 do C. Proc. Civil, na elaboração da decisão final o julgador está vinculado a elencar discriminadamente, a factualidade demonstrada da não provada, fundamentando porque veio a tomar o sentido decisório final, seja no que concerne ao julgamento da matéria de direito, seja, como é axiomático e evidente, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto, na medida em que aquele mais não será do que subsunção desta última ao enquadramento jurídico tido por relevante e aplicável.
Nesta sequência, cumpre notar que o vício em apreço, em qualquer das vertentes apontadas, apenas ocorre quando haja ausência total de fundamentos, sendo que, é ponto assente que na sentença posta em crise foi analisada a prova produzida, nomeadamente a prova documental, pois consignou-se que “A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.
Além disso, e já antes ficara exposto que “Compulsados os autos, e vista a prova produzida, com interesse para a presente decisão, resultam provados os seguintes factos”.
Presente o exposto, e considerando os termos da decisão recorrida, é manifesto que a invocada nulidade não pode ser atendida na medida em que foram fixados os factos descritos no probatório relacionados com a problemática em causa, procedendo-se depois à análise das questões apontadas nos autos, o que significa que, nesta matéria, se exteriorizam as razões de facto e de direito que fundamentam a decisão proferida nos autos, de modo que, a matéria apontada pelo Recorrente terá de ser enquadrada no âmbito do eventual erro de julgamento, que irá ser objecto de análise um pouco mais adiante.

No que concerne à invocada oposição entre a decisão e os fundamentos, tal nulidade constitui vício da estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam, isso sim, a resultado oposto.
Há, pois, um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão: a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente (cfr. Alberto dos Reis, Anotado, vol. V, pág. 141).
Todavia, in casu, tal não sucede, pois que a decisão recorrida mostra-se enquadrada e os seus fundamentos conduzem à decisão assumida em sede de dispositivo, sendo que o elemento que o Recorrente coloca em destaque não constitui suporte para a invocada nulidade da sentença, pois que o seu inconformismo com a sentença recorrida reside no facto de o Tribunal a quo não ter reconhecido a relevância da diversidade de métodos de avaliação na determinação dos valores de aquisição e de realização, o que, mais uma vez, pode integrar erro de julgamento, mas não nulidade da sentença como pretende o Recorrente.

Assim sendo, cumpre voltar a nossa atenção para a matéria essencial em análise nos autos e que tem por base acto de liquidação adicional de IRS relativo ao ano de 2012, de que resultou apurado imposto e juros compensatórios, no valor global de € 39.480,65 euros, defendendo o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto nos artigos 10º, nº1, alínea a) e nº4, alínea a), 43º, 44º e 46º, nº3, todos do CIRS, ao aceitar o apuramento do incremento patrimonial para efeitos de mais-valias, com base na determinação do valor da aquisição do imóvel à luz das regras do Código da Contribuição Predial e da Industria Agrícola, em que o método de avaliação é baseado no rendimento do prédio, o qual é incompatível com o método de avaliação do CIMI, baseado no valor de mercado, que foi considerado para efeitos de determinação do valor da realização.

Em termos de enquadramento, temos que as mais-valias constituem aumentos inesperados do valor de activos patrimoniais, na medida em que as mais-valias não são rendimento-produto, por não constituírem a contrapartida da participação na actividade produtiva. Contudo, enquadram-se na concepção de rendimento-acréscimo, segundo o qual a base de incidência do IRS abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte (cfr. neste sentido, José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág. 379).
O art. 10º nº 1 alínea a) do Código do IRS aponta que constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário, referindo a alínea a) do n.º 4 do mesmo preceito, que o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, no casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, de modo que, consideram-se, pois, mais-valias quaisquer rendimentos acrescidos ao património do contribuinte, v.g. por via da transmissão onerosa de bens imóveis, ainda que alheias à actividade ou vontade da entidade em cujo património tal valorização se irá afinal repercutir, sendo inequívoco, para efeitos de tributação em IRS, que se considera mais-valia sujeita a imposto a diferença positiva entre o valor de transmissão e o valor de aquisição resultante da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.

Quanto à matéria relevante para estes autos, o probatório informa que no decurso do ano de 2012 o impugnante e aqui Recorrente e o ex-cônjuge alienaram um prédio urbano pelo valor de € 500.000,00 euros, cuja construção havia sido concluída em 1996 em prédio rústico que lhes havia sido doado em 1993, e cujos custos foram suportados por sociedade de que ambos eram sócios, sendo que o valor patrimonial atribuído ao prédio no ano de 1996 foi de € 66.215,42 euros, tendo a AT emitido a liquidação de IRS no valor de € 39.480,65 euros, tendo por base a tributação das mais-valias apuradas com a referida venda, as quais foram calculadas tendo por base o valor de aquisição de € 66.215,42 euros, correspondente ao valor patrimonial do prédio em 1996, e o valor de venda de € 500.000,00.

Como já ficou dito, em termos essenciais, o Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida, na medida em que o Tribunal sancionou a conduta da AT que se traduziu no apuramento do incremento patrimonial correspondente às mais-valias para efeitos de tributação tendo em consideração métodos de avaliação do imóvel diferenciados, pois no seu entendimento o valor de aquisição foi calculado com base no método do rendimento e o CIRS manda atender ao valor de mercado.
Tal significa que o dissídio em análise nos autos diz respeito ao valor tido em consideração para efeitos de “aquisição”, mais especificamente o valor de € 33.107,71 euros, correspondente a metade do valor patrimonial do prédio no ano de 1996 (por estar em causa nos autos as mais-valias obtidas por um dos cônjuges).
Neste ponto, é sabido que o casal adquiriu em 1993, por doação, dois prédios rústicos, nos quais foi construído um imóvel, que em 1996, data da sua inscrição na matriz, lhe foi atribuído o valor patrimonial de € 66.215,42 euros.
Ora, o art. 46º nº 3 do CIRS determina, nestes casos, que “o valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”.
Pois bem, tal como se aponta na sentença recorrida e não é questionado pelo Recorrente, este não fez qualquer prova dos custos de construção, pelo que a AT teria que atender ao valor patrimonial fixado ao imóvel.
Nesta sede o Recorrente pretende realçar a falta de consistência do valor patrimonial assim fixado alegando que é o próprio Tribunal que reconhece que o custo das obras foi de € 475.361,78 euros.
No entanto, o Tribunal quo não dá como assente esse valor a título de custos de construção do imóvel, mas apenas que este valor é referenciado em documento escrito elaborado pelo Recorrente e cônjuge a propósito de que esses custos de construção foram suportados por sociedade de que ambos eram sócios. Aliás, como bem nota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, nunca o próprio Recorrente chegou sequer a invocar tal facto.
A partir daqui, importa salientar que, à data da inscrição do imóvel na matriz - ano de 1996 -, para efeitos de avaliação atendia-se ao disposto no artigo 8º do D.L. nº 442-C/88, de 30 de Novembro, que dispunha que “enquanto não entrar em vigor o Código das Avaliações, os prédios continuarão a ser avaliados segundo as correspondentes regras do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, determinando-se o seu valor tributável de acordo com o disposto nos nºs 1 dos artigos 6º e 7º do presente decreto-lei”, ou seja, “o valor tributável dos prédios urbanos, enquanto não for determinado de acordo com as regras do Código das Avaliações, será o que resultar da capitalização do rendimento colectável actualizado com referência a 31 de Dezembro de 1988, através da aplicação do factor 1”.
Por outro lado, o já apontado art. 46º do CIRS não manda atender, para efeitos de apuramento das mais-valias, apenas ao valor de mercado do imóvel, mas sim ao valor patrimonial constante da matriz e este nunca foi contestado pelo Impugnante e aqui Recorrente.
Nesta sequência, ainda que possam ser diferenciados os métodos de avaliação utilizados na fixação do valor de aquisição e do valor de realização, que o próprio regime legal reconhece (ao mandar atender ao valor patrimonial e ao valor de venda, conforme o de maior valor, ou ao valor do custo), diga-se que não ficou demonstrada qualquer discrepância assinalável que afecte a validade do apuramento do incremento patrimonial para efeitos de tributação das mais-valias.
Na verdade, sem prejuízo de os métodos de avaliação utilizados puderem conduzir a resultados discrepantes, não são antagónicos, sendo que os resultados por eles produzidos constituem variáveis atendíveis para efeitos de mensuração do incremento patrimonial sujeito a tributação.
Sendo assim, como é, não poderemos deixar de sublinhar que o legislador não sentiu necessidade de definir qualquer medida correctiva dos valores assim obtidos no período em que se aplicou transitoriamente a disciplina do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola.
Tal equivale a dizer que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso.