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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01240/08.0BEPRT 0908/16
Data do Acordão:01/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS
MÚTUO
CESSÃO DE CRÉDITOS
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA
Sumário:I – Só há nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão se se verificar que os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente a resultado oposto ao que foi expresso na decisão, ou seja, quando se reconhece a existência de um vício real no raciocínio do julgador que afecta a estrutura lógica da sentença por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão.
II – Só há nulidade da sentença por omissão por omissão de pronúncia ou nulidade por falta de pronúncia sobre questão que o juiz deva apreciar, quando, tendo sido suscitada por uma parte questão de cuja apreciação possa resultar a procedência ou improcedência da sua pretensão, o Juiz não a tenha conhecido e decidido nem a tenha julgado prejudicada pela solução dada a outras que anteriormente haja decidido.
III – O regime consagrado no artigo 58.º do CIRC não visa habilitar ou facultar a possibilidade de alteração da qualificação ou a natureza de determinadas operações realizadas entre sociedades com relações especiais, mas regular o modo como devem ser realizadas eventuais correcções quantitativas a operações realizadas entre sociedades com relações especiais, verificados os seus pressupostos, deixando incólume a natureza ou qualidade da operação, por referência à qual, nos exactos termos em que foi “qualificada”, o procedimento correctivo do preço é desencadeado.
IV – O financiamento de uma sociedade por um seu accionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira não são operações financeiras equiparáveis, não sendo o facto de a entidade accionista ser uma sociedade e esta ter por fim o lucro que permite transformar aquelas duas realidades distintas em realidades idênticas, ou, o mesmo é dizer, no caso, não há qualquer identidade entre a realização de prestações acessórias pelo sócio e um contrato de mútuo entre a sociedade e uma instituição bancária.
V – A ineficácia a nível tributário de uma operação que a Autoridade Tributária entende ser abusiva depende do recurso que opere a uma cláusula específica ou geral anti-abuso, nos termos e condições legalmente prescritos, designadamente nas condições previstas no artigo 38.º da Lei Geral Tributária e nunca através de requalificações de operações realizadas à luz do regime dos preços de transferência e com a invocação do princípio de plena concorrência consagrados no já citado artigo 58.º do CIRC.
Nº Convencional:JSTA000P26984
Nº do Documento:SA22021011301240/08
Data de Entrada:07/13/2016
Recorrente:A................., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1.A……………………….., S.A.”, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, julgando improcedente a Impugnação Judicial por si instaurada contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativa ao exercício de 2005, emitida na sequência de correcções ao lucro tributável, absolveu a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de anulação formulado.

1.2. Nas alegações apresentadas formulou as seguintes conclusões:

«Operação de realização de prestações acessórias

1. Quando as prestações acessórias têm natureza pecuniária e remetem, por vontade das partes, para o regime das prestações suplementares — é ilegal e arbitrário assumir que se lhes aplica o regime do contrato de mútuo, pois, perante a realidade dos factos e vontade das partes, remetem para o regime das prestações suplementares. A Sentença viola o art. 287.°, n.° 1 e 210.° a 213.° do CSC e art. 58.° do CIRC.

2. As prestações acessórias /suplementares são muito diversas do mútuo; são um instituto autónomo, com um regime exclusivo, sem necessidade de remissão para outros regimes jurídicos.

3. Aliás, assemelham-se mais ao capital social do que ao mútuo, pois com elas visa-se proteger os credores da Sociedade, em duplo sentido (na mesma linha de preocupação do que sucede com o capital): (i) maior dificuldade de restituição (e dificuldade de descapitalização da Sociedade) e (ii), em caso de insolvência, os créditos normais (de terceiros) prevalecem sobre o capital e prestações suplementares (e já não sobre mútuos dos sócios).

4. Não existe qualquer argumento legal (literal, sistemático ou teleológico) para, no plano fiscal, tratar as prestações efetuadas como um mútuo e não uma prestação suplementar, simplesmente com o argumento de que a sociedade beneficiária não se encontrava em subcapitalização.

5. A Sentença recorrida é ilegal, ao advogar que as prestações suplementares/acessórias destinam-se apenas a fazer face a situações de subcapitalização (numa operação de quase capital), por violação do art. 210.° a 213.° e 287.° do CSC.

6. A lei interna (art. 58.° do CIRC e portaria 1446-C/2001), internacional (ponto 1.36 e 1.37 dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais) e a jurisprudência (processo arbitral 230/2013-T) proíbem que a AT (e o poder judicial, em contencioso de mera anulação), em correções de preços de transferência, requalifiquem os contratos e acordos estabelecidos, desconsiderando o negócio jurídico efetuado entre as partes e estabelecendo um outro.

7. A AT (e o juiz a quo) só poderia requalificar o negócio em causa, ou invocando a simulação (art. 39.º da LGT), ou um qualquer abuso, com uma artificiosa operação ou conjunto de operações, para com isso se reduzir o imposto a pagar, mediante os expedientes do art. 23.° do CIRC ou do art. 38.°, n.° 2 da LGT.

8. A Sentença é ilegal, porque convocou o art. 58.° do CIRC para requalificar a operação em causa (requalifica-se o negócio efetuado pelas partes) — algo que está expressamente vedado ao instituto dos preços de transferência.

9. A Sentença interpretou erradamente o art. 36.°, n.° 4, da LGT: a AT não está vinculada ao negócio declarado pelas partes (pode requalificá-lo - e tributá-lo - de acordo com a sua real substância económica); mas, para tal, não se pode socorrer das regras dos preços de transferência (que só corrige a matéria quantitativa dos negócios não requalificados), mas teria de lançar mão de outros institutos tributários, para alcançar esse desiderato — a requalificação com base no art. 38.°, 39.º da LGT, ou com base no art. 23.° do CIRC.

10. Há uma contradição entre os fundamentos e a decisão da Sentença e/ou entre os próprios fundamentos da Sentença, ao advogar que o art. 58.° do CIRC permite e proíbe a requalificação das operações praticadas — situação de nulidade e/ou ilegalidade da Sentença, passível de conhecimento recurso (art. 615.°, n.° 1, al. c) e n.° 4, do CPC).

11. A Sentença procede à requalificação da operação: transforma, para efeitos fiscais, a prestação suplementar sem juros num mútuo com juros, através do instituto dos preços de transferência — algo que está vedado a esse instituto (em violação do art. 8.° do CIRC).

12. Ao advogar que não procedeu a qualquer requalificação da operação (mas associação ao seu contrato típico que seria o mútuo), a Sentença é ilegal: (i) existe manifesta requalificação; (ii) a associação, a fazer-se, seria com a prestação suplementar e não ao mútuo, pois a substância da operação aproxima-a muito mais daquela figura (cfr. conclusões 1 a 3).

13. A Sentença é ilegal pois introduz fundamentação a posteriori: um dos argumentos por si invocados — hipotética desadequação da operação empreendida face ao escopo e fim lucrativo da Sociedade — nunca foi carreado pela AT para sustentar a liquidação impugnada.

14. As operações realizadas (venda de ações, distribuição de dividendos, prestação suplementar acessória) não extravasam o objeto social e escopo lucrativo.

15. São perfeitamente legais, permitidas na lei comercial e fiscal; o contribuinte limita-se a seguir as consequências que a lei lhes confere; o cumprimento da lei não pode ter como consequência que se esteja a extravasar o objeto social e escopo lucrativo.

16. A solução alternativa aventada na Sentença sofreria dos mesmos defeitos da opção eleita: um mútuo (com juros) contraído apenas para pagar dividendos — visaria apenas gerar liquidez e não o reforço dos capitais da Sociedade e um propósito expansionista do grupo (e, portanto, extravasaria o objeto social e escopo lucrativo.

17. A Sentença parece que visa desconsiderar a sucessão organizada e encadeada de operações sem tributação (mais valia isenta sem gerar liquidez; distribuição de dividendos isento; prestações suplementares sem imposto), para se conseguir um efeito económico desejado (movimentação de fluxos financeiros), sem pagamento de imposto, alegadamente frustrando o fim e razão de ser destes institutos.

18. Mas esta correção ter-se-ia de sustentar na cláusula geral Anti Abuso (art. 38.°, n.° 2, da LGT) e nunca numa correção de preços de transferência, em que se corrige apenas o preço de uma operação em concreto — e daí a ilegalidade da Sentença.

19. O facto das prestações suplementares terem sido depois alienadas a um terceiro (não sócio) — não implica a sua qualificação como um crédito. As vicissitudes posteriores são irrelevantes para a qualificação, que tem de ser efetuada no momento da constituição da prestação.

Cessão onerosa de prestações acessórias, com diferimento de pagamento

20. A Sentença é ilegal, por violação do art. 58.° do CIRC e art. 77-°, n.° 3, da LGT, ao advogar que o instituto dos preços de transferência permite a requalificação fiscal da operação efetuada: tratar a venda de um ativo (operação comercial de alienação de prestações suplementares), como um mútuo (operação financeira da B…………… a favor da C……………….).

21. O instituto dos preços de transferência só permite mexer nos aspetos quantitativos da operação (reconstituição de preços) — e nunca na sua natureza qualitativa (requalificação, como a assunção de que a venda de um bem com diferimento de preço é afinal um mútuo, com imputação de uma qualquer taxa de juro).

22. É isso o que diz a lei interna (art. 58.° do CIRC e portaria 1446-C/200l), internacional (ponto 1.36 e 1.37 dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais) e a jurisprudência (processo arbitral 230/2013-T).

23. A AT (e o juiz a quo) só poderia requalificar o negócio em causa, ou invocando a simulação (art. 39.º da LGT), ou um qualquer abuso, com uma artificiosa operação ou conjunto de operações, para com isso se reduzir o imposto a pagar, mediante os expedientes do art. 23.° do CIRC ou do art. 38.°, n.° 2 da LGT.

24. A Sentença viola o art. 36.°, n.° 4, da LGT: a AT não está vinculada ao negócio declarado pelas partes. Pode requalificá-lo — e tributá-lo — de acordo com a sua real substância económica. Mas para o fazer, não se pode socorrer do instituto dos preços de transferência (que só corrige a matéria quantitativa dos negócios não requalificados); mas teria de lançar mão de outros institutos tributários, para alcançar esse desiderato — a requalificação com base no art. 38.°, 39.º da LGT, ou com base no art. 23.° do CIRC.

25. A sentença viola o art. 58.° do CIRC e art. 77.°, n.° 3, al. b) e c) da LGT: não é possível afirmar, de forma abstrata, que a venda de um ativo com diferimento do preço corresponde, automática e inelutavelmente, à concessão de crédito do concedente (B……………..) ao cessionário (C…………), pelo facto desta, sem desembolso imediato de dinheiro, ter passado a deter um ativo.

26. A sentença viola o art. 58.° do CIRC e art. 77.°, n.° 3, al. b) e c) da LGT: a análise das características concretas da operação mostra a inexistência de qualquer concessão de crédito.

27. A B…………… não concedeu qualquer crédito à C…………… : fez a operação para resolver o problema da autonomia financeira que a prejudicava; e obteve uma cobertura do seu risco, assegurando que a solvabilidade do seu crédito não ficava numa pior situação: antes tinha prestações suplementares (sem garantias, sem juro e sem prazo de vencimento); depois ficou com um crédito (sem garantias, sem juro e com um prazo de vencimento em finais de 2009).

28. A C…………… não obteve qualquer crédito (nem no momento inicial, nem depois): assumiu um risco negocial, como comerciante, num acordo similar a um contrato de futuros.

29. Na data da celebração do contrato (em 2005), aceitou ter de pagar +-70 milhões de euros passados +- 4 anos (pela compra das prestações suplementares), sem saber, em 2005, se o devedor (B………….. SGPS) estaria, até lá (2009), em condições económicas, financeiras e jurídicas de reembolsar as prestações suplementares.

30. Se a B…….. SGPS reembolsasse (em 2009 ou antes), a C……………. faria um bom negócio — recebendo o dinheiro (e rentabilizando-o) antes de o ter de devolver à B……………….; se, ao invés, não reembolsasse (até 2009), faria um mau negócio, porque teria de pagar +-70 Milhões à B……………. sem ter recebido as prestações suplementares da B…………… SGPS.

31. A natureza dos rendimentos da C………….. associados não é de juro de um mútuo, mas de natureza comercial e empresarial num contrato de futuros.

32. Tal só não seria assim, se a Sentença desse como provado — mas ela é omissa — que as partes não realizaram efetivamente este tipo de contrato de futuros, mas quiseram praticar antes um mútuo (porque sabiam, de antemão, que as prestações suplementares seriam devolvidas rapidamente ou que o seu valor económico permitiria que a C…………… se financiasse dando esse crédito como colateral) — mas tais correções ter-se-iam de sustentar em simulação ou abuso, respetivamente previstas no art. 39.º e 38.° da LGT (e consentidas pelo art. 36.°, n.° 4, da LGT) — mas nunca com base no instituto dos preços de transferência.

33. A mera potencialidade (concretizada ou não) de recebimento antecipado não implica, por si, a concessão de crédito. Tal só sucederia se acaso se provasse — mas a Sentença é omissa — que aquela potencialidade, no momento inicial era segura (e portanto aquele crédito tinha um valor económico) e que, nesse sentido, era passível de ser dado como garantia de financiamento pela C………………..

34. A Sentença padece de nulidade e ilegalidade (art. 615.º n.° 1, al. d), do CPC, passível de análise em recurso, cfr. art. 615.°, n.° 4, do CPC): assumindo a requalificação da operação como um mútuo, não se pronuncia sobre a questão subsidiária suscitada pela recorrente com argumentos vários, a saber: ainda que estivéssemos em presença de um mútuo intra-grupo, o juro arbitrado pela AT (o mesmo do mútuo com o BPI) não corresponde ao preço de mercado comparável.

35. O método do preço de mercado comparável nunca poderia ser o mútuo com BPl, sem qualquer parametrização ou adaptação, porque tem condições muito diversas do “mútuo” da venda das prestações acessórias — a taxa de juro de mercado desta operação nunca se assemelharia à taxa praticada no mútuo com o BPI.

36. São abissais as diferenças entre uma usual abertura de crédito bancário (mútuo com o BPI) e a inusual venda de prestações acessórias, com diferimento de preço).

37. De um lado temos um contrato bancário com concessão imediata de liquidez ao devedor; do outro lado temos um contrato sem concessão imediata (e mediata) de liquidez às partes: a B…………… e a C…………… não obtiveram quaisquer fundos monetários com este contrato;

38. De um lado temos um usual e típico contrato bancário que desejavelmente seria celebrado por qualquer entidade; do outro lado temos um inusual e atípico contrato de venda de prestações acessórias.

39. A equiparação da operação celebrada com a abertura de crédito bancário é ainda mais absurda em relação aos anos anteriores a 2007, momento em que a B…………. SGPS ainda não havia restituído as prestações acessórias (os autos reportam-se a 2005): a C……………, em 2005, não dispôs de qualquer soma em dinheiro, e por isso nunca se pode advogar a existência de um mútuo, por falta de disponibilidades financeiras.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer pugnando pela procedência do recurso. Em resumo, nos termos do douto parecer, no que respeita às nulidades apontadas, criticamente apreciada a sentença, o que se deve concluir é, eventualmente, pela existência de erros de julgamento e não, como defendido pela Recorrente, pela verificação de nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por omissão de pronúncia. Ou seja, segundo o Exmo. Procurador, do que se tratará, no limite, no que concerne à primeira das mencionadas nulidades, é de uma inadmissível conjugação de normas ou regimes (concretamente a conjugação realizada entre o preceituado no artigo 36.º, n.º 4 da LGT e 58.º do CIRC) e, quanto à segunda das nulidades, inexistindo qualquer pedido subsidiário e tendo o Tribunal a quo refutado expressamente a argumentação aduzida e reflectida na conclusão 34. das alegações é por demais evidente que também não deve ser julgada como verificada.

Diametralmente oposta é, porém, a posição do Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto quanto ao mérito da sentença e à sorte das questões colocadas em recurso, centrando o provimento deste, nuclearmente, no acompanhamento que faz da posição da Recorrente, nos termos que aqui reproduzimos: «acompanhamos as críticas que a Recorrente faz, tanto à decisão da AT ao decidir-se pelas correções à matéria tributável, como à sentença recorrida que corroborou a sua legalidade. Por um lado porque os pressupostos de aplicação do regime dos preços de transferência têm em consideração outras realidades que não a situação subjacente às operações sujeitas às correções sindicadas. Não está em causa a prática de preços ou condições mais favoráveis na operação realizada, mas sim a opção por um financiamento que os estatutos da sociedade e a própria lei caraterizam como não remunerada (n°5 do artigo 210° do CSC).

Como refere Manuel Anselmo Torres (in “Prestações suplementares, seu Regime Comercial, contabilístico e tributário” - Estudos em Memória do Prof. Dr. Saldanha Sanches, vol. IV “A falta de vencimento de juro é própria das prestações de capital, pelo que não poderá ser objeto de correção fiscal. Já vimos acima por que razão uma prestação suplementar, classificada como capital próprio é insuscetível de vencer juros e porque, caso a sociedade a tanto se obrigasse, a deveria classificar como um passivo, como se de um suprimento se tratasse.

Sendo os sócios livres de optar por financiar a sociedade com capitais próprios (capital social ou prestações suplementares) ou com capitais alheios (suprimentos), e não podendo aqueles, por natureza, vencer juros, nada poderá obrigar os sócios a reconhecer um proveito fiscal equivalente a um juro como resultado da prestação suplementar.».

E conclui o mesmo Autor: «Em nosso entender, o regime de preços de transferência consagrado no artigo 63° do IRC não põe em causa as relações de capital entre sócios e sociedades nem determina que os sócios financiem parte dos capitais das suas participadas com dívida remunerada».

Por outro lado porque estamos perante uma situação em que não nos podemos abstrair da realidade das relações especiais entre duas entidades. Ou seja, não se pode equiparar o financiamento de uma sociedade por um seu acionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira. São duas realidades distintas com planos de abordagem igualmente diversos. O facto de no caso concreto a entidade acionista ser uma sociedade e esta ter por escopo o lucro não altera essa realidade.

Como refere Jaime Carvalho Esteves (in “Da irrelevância da “fat capitalization” de uma “sociedade instrumental”¹), «...a conclusão por uma eventual fat capitalization da subsidiária não decorre da comparação entre a opção económica concretamente tomada e aquela que teria adotada por uma parte independente. E que estando a realização do capital próprio reservada a sócios ou àqueles que pela dita entrada o venham a ser, uma não relacionada não disporá de alternativas equivalentes àquelas que se deparam as entidades objeto do teste de plena concorrência. Não podendo ser encontrada uma entidade independente que se encontra em idêntica posição à da entidade relacionada e não tendo aquela as mesmas possibilidades de opção de que esta dispõe, estão em causa os próprios fundamentos do regime de preços de transferência, tornando-o absolutamente inadequado para analisar a operação em causa».

E acrescenta o mesmo Autor: «a ineficácia tributária de um facto (leia-se de uma operação ou de uma estrutura) decorrerá da intervenção, com sucesso, de uma cláusula específica anti-abuso ou, na sua ausência, da cláusula geral anti-abuso constante do n°2 do art. 38° da LOT. A conclusão é, assim, evidente: a estrutura será de desconsiderar se for abusiva, sendo que tal efeito útil poderá ser alcançado se fundamentado nos exatos termos e condições que se encontram previstos para o abuso fiscal, i.e., nos termos do art. 38° da LGT.

Procurar contornar a questão por recurso a um outro instituto, e.g., em sede de preços de transferência, constituiria um artifício do qual decorreria uma evidente violação de lei, já que este último é absolutamente inadequado para o efeito, pela inexistência de entidades independentes em posição análoga à do sócio. Aliás, nesta matéria, importará sempre ter presente que a forma natural de um sócio aportar fundos à sua participada para que esta desenvolva as suas actividades corresponde, exatamente, a capitais próprios e não a mútuos ou figuras similares.»

Na verdade, partir do pressuposto de que a “D…………..” estava em condições de aceder a financiamento de terceiros para concluir pela falta de aderência à realidade da realização de prestações suplementares por parte da sua única sócia, não assenta em qualquer postulado válido e muito menos constitui fundamento para impor uma operação mais gravosa só porque dela resulta maior tributação.

Do mesmo modo, a invocação na sentença do disposto no artigo 36°, n°4, da LGT, não se enquadra no caso concreto. Não resulta da factualidade apurada e assente na sentença

¹ Estudos em Memória do Prof. Dr. J.L. Saldanha Sanches, vol. IV.

recorrida quaisquer elementos que permitam concluir que a operação financeira em causa configura um empréstimo remunerado e não a realização de prestações suplementares por parte da acionista. Pese embora a cedência do crédito das prestações suplementares a não acionista não constitua uma operação normal, atentas as específicas características dessas prestações acessórias, certo é que tal facto não permite atribuir outra natureza a tal operação, como se concluiu na sentença recorrida. A tal situação não é estranho o facto de na estrutura societária em causa, a sociedade “C……………..” ter uma participação maioritária na sociedade “A…………….”. Sendo certo que na doutrina há quem defenda a possibilidade da transmissão dos créditos resultantes das prestações suplementares autonomamente da qualidade de sócio (vide, Rui Pinto Duarte, in “Escritos sobre Direito das Sociedades”, Coimbra Editora, 2008). E a resultar dos elementos apurados que a intenção das partes envolvidas seria em última instância a concessão de financiamento à sociedade “C…………….”, devia então a AT ter lançado mão da cláusula anti-abuso² e utilizar o procedimento previsto no artigo 63° do CPPT, tal como alega a Recorrente.

Como referem Bruno Santiago & António Queiroz Martins, «não é correcto face à letra da lei e à teleologia do regime dos preços de transferência tal como consagrado no Código do IRC e desenvolvido na Portaria n° 1446-C/2001, usar este regime para efectuar uma espécie de meia correção e, na outra metade, i.e., na parte do preço que difere do preço de mercado, efectuar uma diferente qualificação do rendimento...Para casos dessa natureza existe na ordem jurídica um instrumento legal específico — a CGAA — especialmente desenhado e vocacionado para combater esse tipo de práticas…»³.

Entendemos, assim, que as correções à matéria tributável padecem do vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, tal como lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se nos afigura que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter corroborado a sua legalidade».

1.5. Cumpre agora decidir, o que fazemos submetendo os autos a julgamento da conferência.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso, emerge das conclusões da alegação de recurso que são quatro as questões essenciais a decidir.

Identifiquemo-las:

- É nula a sentença recorrida por existir contradição entre os fundamentos invocados para o julgamento e a decisão em que culminou [o Tribunal a quo rejeitou num primeiro momento a aplicação do regime consagrado no artigo 58.º do CIRC como norma habilitante de requalificação das operações praticadas mas é através desse regime que posteriormente legitima as requalificações avançadas pela Administração Tributária]?

- Omitiu a Juíza a quo, sem justificação, a apreciação de uma questão que o Impugnante suscitou subsidiariamente [relativa à inadequação do juro arbitrado pela Administração Tributária (juro aplicado ao mútuo pelo BPI) enquanto “preço de mercado comparável” caso se entendesse legítima a requalificação das operações realizadas como “mútuo”]?

- A sentença recorrida deve ser revogada por, contrariamente ao que ficou decidido, a liquidação adicional impugnada padecer de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que:

(i) a requalificação da operação de prestações suplementares efectuada pela “B……………, S.A.” em “contrato de mútuo”, com a consequente tributação dos juros e correcção do lucro tributável, é inadmissível à luz do regime de preços de transferência consagrado no artigo 58.º do CIRC e não foram apurados factos capazes de suportar essa alteração de qualificação com fundamento no disposto no artigo 36.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT)], sendo que este regime, para além de nem ter sido invocado na fundamentação, também não é idóneo para esse efeito?

(ii) a requalificação da operação de cessão onerosa de prestações acessórias com diferimento de pagamento, efectuada pela “B…………., S.A.” à “C………… SGPS, S.A.” em “contrato de mútuo”, ao abrigo do regime dos preços de transferência consagrado no artigo 58.º do CIRC, com a consequente tributação dos juros e correcção do lucro tributável, é legalmente inadmissível, quer porque o regime legal o não permite quer porque as duas realidades (operação efectivamente realizada e contabilizada e empréstimo financeiro “encapotado”) são insusceptíveis de comparação?

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto fixou a seguinte factualidade como provada:

1. A impugnante é a sociedade dominante de um grupo de empresas tributado pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. A impugnante é uma sociedade comercial cujo capital social é detido, na percentagem de 47,40%, pela sociedade comercial “C………….., SGPS, SA” – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. A impugnante detém 90,11% do capital social da sociedade comercial “B…………., SA”, NIPC ………………. – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. A sociedade comercial “B…………….., SA” detém 100% do capital social da sociedade comercial “D………………, SGPS, SA” (NIPC ………….., doravante “D……….”) – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Em Novembro de 2004 a D…………. alienara as participações que detinha sobre a B……….., SA, à A………….., pelo valor de € 95.000,00 – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Da operação referida em “5.” resultou o reconhecimento de mais-valias na esfera da D……………, ascendendo o resultado líquido do exercício daquela sociedade a € 66.663.854,13 – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. A impugnante reconheceu dividendos (numa base de acréscimo) no montante de € 66.540.178,15 no exercício de 2004, relativos aos resultados a distribuir da D…………., referidos em “6.” – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Com data de 25.03.2005, foi lavrada a "ACTA NÚMERO 8" respeitante a reunião da assembleia geral da D……………, SGPS, SA, da qual consta, além do mais, o seguinte:

"(...), a Assembleia deliberou alterar o número um do artigo vigésimo terceiro dos estatutos da Sociedade, por substituição do limite aí previsto de quinze milhões de Euros para cem milhões de Euros, passando a redacção do referido artigo a ser a seguinte:

(...) Por deliberação da Assembleia, os accionistas detentores de uma participação superior a dez por cento do capital social poderão ser obrigados a realizar a favor da sociedade prestações acessórias até ao limite de cem milhões de euros (...). A Assembleia deliberou ainda conferir a qualquer Administrador da Sociedade todos os poderes para, individualmente, praticar todos os actos necessários à formalização da alteração estatutária ora deliberada, nomeadamente para outorgar a respectiva escritura pública, para o que, querendo, poderá constituir um ou mais mandatários, nos termos de mandato que fica desde já autorizado a outorgar individualmente. (...) a Assembleia, tendo em conta a deliberação anterior, deliberou a realização a favor da sociedade, pelo seu único accionista, a E…………………., S.A., de prestações acessórias, em dinheiro e não remuneradas, no valor de Euros 66.540.000,00 (sessenta e seis milhões e quinhentos e quarenta mil). A Assembleia deliberou ainda que as sobreditas prestações acessórias ficam sujeitas ao regime previsto nos números dois e três do artigo vigésimo terceiro dos estatutos da Sociedade e, bem assim, que a realização das mesmas só se torna obrigatória decorridos que estejam cinco dias úteis sobre a data em que for outorgada a escritura pública da alteração dos estatutos deliberada (...), sem prejuízo de, mesmo antes dessa data, a E…………………., SA, poder realizar, no todo ou em parte, as sobreditas prestações. (...).” – cfr. acta junta com a PI como doc. 4, a fls. 188 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

9. Os números dois e três do artigo vigésimo terceiro dos estatutos da D………….. dispõem como segue:

“As prestações acessórias consistirão em entregas em dinheiro à sociedade, sem contrapartida por parte desta (...) e ficam sujeitas ao regime fixado na lei para as prestações suplementares de capital, quanto à exigibilidade, regime de obrigação e de restituição (...)” – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

10. Em 11.04.2005, a B……………… realizou as prestações acessórias nos termos da deliberação referida em “4.” – cfr. doc. 5, junto com a PI, a fls. 191 e 192 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. Em termos contabilísticos, a operação realizada entre a impugnante e a D………….., SGPS, SA, a que se refere a acta n.º 8, foi reconhecida na esfera da impugnante na conta 415 – Títulos e outras aplicações financeiras – Prestações acessórias, e na esfera da D……………… na conta 53 – Prestações suplementares – cfr. doc. 5 junto com a PI, a fls. 191 e 192 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. O movimento financeiro associado à distribuição dos dividendos pela D…………. à impugnante, referida em “7.”, ocorreu na mesma data de 11.04.2005 – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. Em 03.10.2005 a Direcção Financeira do grupo de sociedades em que se integra a impugnante elaborou relatório com o seguinte teor:

“O ano de 2005, fruto de preocupações do sistema bancário com a economia mundial e sua volatilidade, e com o fraco crescimento da economia portuguesa, está a ser um ano difícil em relação à negociação de operações financeiras de apoio ao investimento.

A análise de risco dos bancos está mais exigente e nota-se uma cautela acrescida no cumprimento dos rácios económico-financeiros das empresas.

A B…………….., SA, que tem que fazer face a avultados investimentos quer na Marinha Grande quer em Avintes, está em sistemática negociação com o sistema financeiro na busca das soluções mais eficientes e com menos custo financeiro.

Temos tido por parte de alguns bancos a informação de que nos seus departamentos de análise de risco para além de verificarem os rácios da B……….. ,SA., estão cada vez mais a analisar os rácios consolidados do grupo económico.

Ora isto está a levantar um problema em relação ao rácio “Autonomia Financeira”, em que a B………… está confortável com mais de 30%, mas no consolidado do grupo está com valores de cerca de 12%, valor muito abaixo dos padrões mínimos exigidos pelo sistema financeiro.

Como nota, recordo que para uma empresa ter acesso a subsídios a investimento é necessário ter uma autonomia financeira maior que 30%.

Face a um risco, cada vez mais real, de que com a autonomia financeira consolidada nesta ordem de grandeza pudermos ver negados o acesso a financiamentos ao investimento que são fundamentais para o desenvolvimento do negócio, solicito que a Direcção executiva defina orientações.” – cfr. doc. 8 junto com a PI, a fls. 196 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14. Com data de 03.11.2005, foi lavrada a "ACTA N.º 113" respeitante a reunião do conselho de administração da B……………, SA, com o seguinte teor:

"(...) A reunião teve como ponto da sua agenda de trabalhos:

1. Análise do rácio de autonomia financeira e deliberação sobre acções a tomar.

Iniciada a sessão, foi dada a palavra ao Sr. Dr. F…………, que deu conhecimento ao Conselho de Administração de um memorando enviado pela direcção financeira à direcção executiva relativo ao rácio de autonomia financeira e às eventuais dificuldades na futura obtenção de financiamentos (e que passa a constituir anexo à presente acta).

Analisado que foi o memorando e constatando-se que o rácio de autonomia financeira consolidado do grupo está com valores de cerca de 12%, montante efectivamente muito abaixo dos padrões mínimos exigidos pelo sistema financeiro, foram estudadas soluções alternativas para o problema.

Entre as soluções possíveis, encontrava-se a de alienar as prestações acessórias que a sociedade detém sobre a sociedade D……………., SGPS, SA, no valor de Euros 74.915.000,00, e que não vencem juros, à sociedade C……………, SGPS, SA.

Depois de debatido o assunto, foi deliberado por unanimidade alienar as prestações acessórias que a sociedade detém sobre a sociedade D………………, SGPS, SA, no valor de Euros 74.915.000,00 à sociedade C……………, SGPS, SA, alienação a ser feita pelo seu valor nominal, ou seja, Euros 74.915.000,00, sem vencimento de juros e a ser paga até ao dia 31 de Outubro de 2009. (...)." – cfr. acta n.º 113, junta com a PI como doc. 7, a fls. 194 e 195 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Com data de 03.11.2005, foi subscrito em nome da B……….., SA e da C………….., SGPS, SA, "Contrato" com o seguinte teor:

"1. A B………….. é titular de prestações acessórias no valor de Euros 74.915.000,00 sobre a sociedade D………….., SGPS, SA, as quais não vencem juros.

2. Nesta data, a B………… cede à sociedade C……………, que adquire, as prestações acessórias que detém sobre a sociedade D……………, SGPS, SA, pelo montante igual ao seu valor nominal, ou seja, Euros 74.915.000,00, que não vencerá juros e que deverá ser pago até ao dia 31 de Outubro de 2009. (…)." – cfr. fls. 193 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. A celebração do contrato referido em “15.” esteve na base dos seguintes fluxos financeiros, que se discriminam por referência a datas e montantes:

cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. Por ordem de serviço com o número OI200700358, de 27.09.2007, foi determinada a realização de acção inspectiva sobre a impugnante, de âmbito parcial, relativamente ao exercício de 2005, no sentido da verificação do cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 63.º a 65.º do CIRC – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

18. Em 16.04.2008 foi elaborado o relatório final no âmbito da acção inspectiva referida em “17.”, do qual consta, além do mais, o seguinte:

“I – Conclusões da acção de inspecção (...)

I – 3 – Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção As correcções apuradas ao nível do IRC (...) na presente acção inspectiva (...) resultam exclusivamente das conclusões resultantes da acção realizada na esfera individual da empresa B…………., SA com o NIPC ………………... (...)

I – 3.1 – Correcções ao lucro tributável do grupo resultantes de correcções operadas na esfera individual do sujeito passivo B…………, SA com o NIPC ……………., no montante global de € 1.586.272,23 (...)

I – 3.1.3. Juros relativos a operações financeiras entre entidades relacionadas – Princípio da Plena Concorrência (art. 58.º do CIRC) [1.575.958,86]

Durante o exercício de 2005, o sujeito passivo realizou duas operações com entidades relacionadas nos termos do disposto no n.º 1 do referido artigo, mais precisamente, o sujeito passivo concedeu crédito sem exigir qualquer remuneração.

No que respeita à operação de concessão de crédito sob a forma de cedência de fundos a título de prestações acessórias à empresa participada D………………., SGPS, SA, os efeitos decorrentes da violação do Princípio da Plena Concorrência atingem o montante de € 1.180.316,09.

Quanto à concessão de crédito à sociedade C……………., SGPS, SA, inerente à alienação das prestações acessórias com diferimento do pagamento, o efeito da violação do Princípio da Plena Concorrência ascende a € 395.642,76.

(...)

III - 1.3. Juros relativos a operações financeiras entre entidades relacionadas - Princípio da Plena Concorrência (art. 58.º do CIRC) [€ 1.575.958,86]

A) INTRODUÇÃO

Para melhor acompanhamento e compreensão da fundamentação da correcção à matéria colectável constante deste ponto do relatório, importa referir que o mesmo está estruturado segundo os seguintes assuntos:

Apresentação das operações analisadas (realização de prestações acessórias e alienação de prestações acessórias com diferimento do pagamento) (B)

•Entidades envolvidas nas operações com a B……… (D……), SGPS, SA e C……………., SGPS, SA) (C)

Prestações Acessórias sem características de "Quasi - Capital" e carácter de financiamento das operações (D)

Operações e Preços de Transferência (menção das disposições legais nacionais e internacionais, métodos de determinação do Preço de Plena Concorrência, pesquisa de comparáveis) (E)

Conclusões (F)

Nota Final - Ajustamento Correlativo (G)

B) APRESENTACÃO DAS OPERACÓES

B.1) REALIZAÇÃO DE PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS

No seguimento de deliberação da Assembleia Geral de 25 de Março de 2005 da sociedade D…………….., SGPS, SA (D……….), e na qualidade de único accionista da mesma, o sujeito passivo (B………….) foi chamado a realizar prestações acessórias, em dinheiro e não remuneradas, no valor de € 66.540.000,00.

A realização das referidas prestações ocorreu a 11 de Abril de 2005 e foi efectuada em conformidade com o estipulado nos pontos dois e três do artigo vigésimo terceiro dos Estatutos da D………….., que estabelecem que “As prestações acessórias consistirão em entregas em dinheiro à sociedade, sem contrapartida por parte desta (...) e ficam sujeitas ao regime fixado na lei para as prestações suplementares de capital, quanto à exigibilidade, regime de obrigação e de restituição, (...)" (sublinhado nosso).

O regime das prestações acessórias para as sociedades anónimas está previsto no Código das Sociedades Comerciais no seu art. 287.°. O número 1 desta disposição legal dispõe o seguinte:

"1 - O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns accionistas a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente.

Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação legal própria desse contrato.”

Em termos contabilísticos esta operação foi reconhecida, na esfera da B………… na conta 415 - Títulos e Outras Aplicações Financeiras - Prestações Acessórias e, na esfera da D……………., na conta 53 _ Prestações Suplementares.

(...)

Em Novembro de 2004 a D………….. alienou as participações detidas na B………….., empresa do grupo com sede em Espanha, à A………….. por € 95.000.000,00.

Esta operação teve como consequência o reconhecimento de mais-valias na esfera da D………….. com implicações positivas nos seus resultados. O resultado líquido do exercício da D……………… em 2004 ascendeu a € 66.663.854,13.

O sujeito passivo (B……….) reconheceu dividendos (numa base de acréscimo) no montante de € 66.540.178,15 no exercício fiscal de 2004, relativos aos resultados a distribuir da D…………… descritos no ponto anterior. O reconhecimento dos dividendos teve implicações positivas nos seus resultados permitindo também ao seu accionista único, ou seja, à A…………., o reconhecimento em 2004 dos dividendos associados aos resultados apurados.

É de referir que, em termos fiscais, quer os proveitos correspondentes às mais valias obtidas com a alienação das participações, na esfera da D…………., quer os proveitos relativos ao reconhecimento dos dividendos apurados na sequência daquelas mais valias, na esfera do sujeito passivo, não foram objecto de tributação.

É importante salientar que o movimento financeiro associado à distribuição dos dividendos pela D………….. ao sujeito passivo ocorreu a 11 de Abril de 2005, a mesma data em que o sujeito passivo cedeu os fundos a título de prestações acessórias (operação sob apreciação).

A 7 de Abril de 2005 ocorreu, por parte da D………….., a recompra das acções da B………….. alienadas à A…………… e pelo mesmo valor de alienação, ou seja, € 95.000.000,00.

Constatou-se ainda que não houve movimentos financeiros associados à alienação e recompra das acções da B…………… por parte da D……………..

B.2) ALIENAÇÃO DE PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS, COM DIFERIMENTO DO PAGAMENTO

Por contrato celebrado em 3 de Novembro de 2005 com a sociedade C……………, SGPS, SA (C…………..), o sujeito passivo procedeu à alienação a esta sociedade das prestações acessórias detidas na D………….. pelo seu valor nominal, ou seja, € 74.915.000,00 (= € 8.375.000,00 realizado em 2002 + € 66.540.000,00 realizado em 2005 conforme descrito na alínea anterior). Estabeleceu nesse contrato que o pagamento daquela quantia ao sujeito passivo deveria ocorrer até ao dia 31 de Outubro de 2009.

Com esta operação o sujeito passivo deixou de reconhecer as prestações acessórias detidas sobre a D…………. na conta 415 para passar a reconhecer um crédito do mesmo montante na conta 26 - Outros Devedores - Outras Operações C…………... Ou seja, contabilisticamente o sujeito passivo assumiu que deixou de ser titular do crédito correspondente às prestações acessórias efectuadas junto da D………….., passando a deter um crédito junto da C……………….

Na esfera da sociedade C………… e conforme informação constante da nota 48 do ABDR do exercício de 2005 desta entidade, o crédito, junto da D……….., correspondente às prestações acessórias foi registado numa conta de terceiros de médio e longo prazo. Reconheceu também o débito à B………….. no passivo de médio e longo prazo.

Esta operação foi decidida em reunião do Conselho de Administração do dia 3 de Novembro de 2005, que teve como ponto da sua agenda de trabalhos a Análise do rácio de autonomia financeira e deliberação sobre acções a tomar, conforme Acta n.º 113.

Segundo informação de 3 de Outubro de 2005, anexada à referida acta e prestada pela Direcção Financeira à Direcção Executiva, o rácio de autonomia financeira consolidado do grupo estava com valores de cerca de 12%, valor muito abaixo dos padrões mínimos exigidos pelo sistema financeiro, comprometendo o poder de negociação nas operações de financiamento, com consequências negativas na performance económica da B……………...

A alienação das prestações acessórias terá sido a solução encontrada pela empresa, conforme decorre da Acta n.º 113 acima referenciada, para melhorar o rácio de autonomia financeira e ultrapassar as limitações referidas no parágrafo anterior.

É de referir que uma outra forma de melhorar o rácio de autonomia financeira do grupo seria através de entrada de capital pelos accionistas do grupo, nos quais se inclui a sociedade C…………… com uma percentagem de 47,40 %.

Ao estabelecer como prazo de pagamento da operação o dia 31 de Outubro de 2009, o sujeito passivo possibilitou à C……………… o reembolso das prestações acessórias adquiridas nesta operação independentemente do pagamento da aquisição das mesmas à alienante (B………….).

Com efeito, constata-se, com base em elementos fornecidos, que o pagamento associado a esta operação de alienação por parte da C……………. só ocorreu durante o exercício de 2007 enquanto que o reembolso das prestações acessórias à sociedade C…………….. ocorreu de forma parcial em 2006 e em 2007, isto é, verificou-se o reembolso parcial antes do pagamento da aquisição das prestações acessórias.

As tabelas seguintes evidenciam as datas efectivas dos fluxos financeiros da D………….. para a C………. e da C………… para a B……….. :

Resulta da leitura dos dados acima que a sociedade C………… foi reembolsada em quase € 11 milhões, em Abril de 2006, ou seja, cerca de nove meses antes de efectuar o primeiro pagamento à B……………., pagamento este da ordem dos € 7 milhões que ocorreu em Janeiro de 2007.

Em Outubro de 2006, a C…………. recebeu mais € 47 milhões, montante que só foi pago à B…………. aproximadamente onze meses depois, ou seja, em Setembro de 2007, juntamente com o montante recebido em Abril de 2006 e não pago em Janeiro de 2007.

C) ENTIDADES ENVOLVIDAS NAS OPERAÇÕES COM A B………….

C.1) D……………., SGPS, SA (D…………)

A sociedade D………….., SGPS, SA (D………….) é detida em 100% pela B………….., SA (B…………) e esta, por sua vez, é detida em 90,11% pela A……………, SA.

A D………….. iniciou a sua actividade em Dezembro do ano 2000, sendo o seu objecto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

Analisadas as demonstrações financeiras dos exercícios de 2001 a 2004 e tendo em conta o objecto social da empresa, constata-se que o principal activo da empresa é o Investimento Financeiro correspondente à participação de 100% na empresa B………….., SA, empresa com sede em Espanha dedicada à fabricação de vidro de embalagem. A rentabilidade dos capitais próprios desta empresa espanhola tem-se mantido próxima dos 20%, em média, desde o exercício de 2003.

Quanto à D………….., destaca-se nos exercícios acima referidos alguma solidez financeira na empresa na medida em que os rácios de autonomia financeira e de solvabilidade nesse período foram, em média, cerca de 67% e 200%, respectivamente.

Também o coeficiente de dependência medido pela relação entre os capitais alheios e os capitais próprios ronda os 50%, em média.

Salienta-se ainda no que respeita ao exercício de 2004, o apuramento de resultados líquidos da ordem dos € 66 milhões associados à alienação, em Novembro, da participação da B…………… Esta participação foi readquirida em Abril de 2005. O preço de € 95 milhões, praticado na alienação e na posterior aquisição, resultou de um estudo de valor elaborado pela empresa G……………….. Realça-se assim a forte valorização do activo detido pela empresa.

C.2) C…………., SGPS, SA (C……….)

Quanto à sociedade C……….., SGPS, SA, a mesma detém directamente 47,4% do capital da A……………., pelo que é, indirectamente, detentora de 42,71% (90,11% x 47,4%) quer no capital da B………… quer no capital da D……………, SGPS, SA. A sociedade C…………. iniciou a sua actividade em Janeiro de 2005, sendo o seu objecto social a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.

A 31 de Dezembro de 2005, o principal activo da empresa, para além do crédito adquirido à B…………... no âmbito da operação descrita na alínea B.2 deste ponto do relatório, é o Investimento Financeiro correspondente à detenção de 47,4% da A………….. e as prestações acessórias efectuadas a esta empresa.

Destaca-se o facto de essas prestações acessórias poderem ser remuneradas conforme mencionado no ponto 19 do Relatório e Contas do grupo A…………… e em conformidade com o disposto no artigo sétimo número seis dos Estatutos desta empresa cuja redacção é a seguinte: "seis - As prestações acessórias consistirão em entregas de dinheiro à sociedade, com ou sem contrapartida por parte desta, conforme deliberado nos termos do número anterior, terão como montante global máximo duzentos milhões de euros e (…) ficam sujeitas ao regime fixado na lei para as prestações suplementares de capital, quanto à exigibilidade, regime de obrigação e de restituição (...)" (sublinhado nosso).

Constata-se assim que, apesar de as prestações acessórias serem assumidas pelo contribuinte como prestações suplementares (situação verificada também ao nível das prestações acessórias da (D…………….), o mesmo admite que as mesmas podem ser remuneradas.

É ainda de referir que o activo da empresa está sustentado essencialmente em empréstimos de médio e longo prazo.

D) PRESTACÕES ACESSÓRIAS SEM CARACTERÍSTICAS DE 'QUASI-CAPITAL' E CARÁCTER DE FINANCIAMENTO DAS OPERAÇÕES

D.1) CONCEITO DE "QUASI-CAPITAL"

Poder-se-á definir "Capital quase-próprio" como o capital que se distingue por "formalmente constituir capital alheio, mas, ao mesmo tempo, possuir características do conceito material de capital próprio (…) contribuições financeiras que, embora realizadas sob a forma de capital alheio} desempenham na vida da sociedade uma função semelhante à de capital próprio.

Os empréstimos terão que ser analisados contemplando por um lado a liberdade de os sócios financiarem a sociedade e por outro, a necessidade de proteger os credores sociais, pois os sócios decidirão sempre em que medida e de que modo financiam a sociedade. Refira-se que a nossa ordem jurídica não impõe em geral aos sócios qualquer obrigação de dotar a sociedade com um capital social adequado às necessidades decorrentes da sua actividade.

O regime das prestações acessórias não afecta a liberdade da decisão de financiamento e diversos motivos justificam a realização de prestações acessórias, em vez de entradas de capital ou de prestações suplementares.

No entanto, uma sociedade subcapitalizada de tal forma que não tenha capacidade para obter crédito de terceiros em condições normais de mercado não possui essa liberdade de decisão, pelo que teríamos neste caso um forte indício de que as prestações acessórias se destinariam a satisfazer carências de capital próprio e de que as mesmas apresentariam características de "quasi-capital”.

As operações "quasi-capital" são referenciadas nas Guidelines da OCDE, nomeadamente nos pontos 183 e seguintes do Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 (Cfr. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (1985)).

O ponto 186 deste relatório refere dois elementos para a não consideração de uma operação como "quasi-capital", a saber:

- Intenção de criar uma relação devedor/credor;

- Relação entre recursos alheios e os recursos próprios.

Este relatório não enumera quais os factores indiciadores de intenção de criação da relação devedor/credor, nem estipula o nível de recursos alheios a partir do qual se poderá considerar um empréstimo como uma operação de "Quasi-capital". No entanto, relativamente aos efeitos legais da operação, a doutrina internacional tem considerado que um empréstimo usualmente cria relações de devedor/credor (veja-se que em virtude do empréstimo não podem ser adquiridos direitos de voto).

Nos EUA, a qualificação de um empréstimo como capital baseia-se na relação entre o capital próprio e o capital alheio. Se um sócio emprestar dinheiro numa situação em que um credor externo não estaria disposto a financiar a sociedade, esse empréstimo será qualificado como capital próprio.

Na Alemanha, um empréstimo será considerado como substitutivo de capital se foi realizado num momento em que a sociedade não obteria crédito em condições normais de mercado.

Em Portugal, de acordo com o previsto no artigo 287. º do Código das Sociedades Comerciais, a aplicação do regime das Prestações Acessórias não está sujeita a qualquer requisito relacionado com a situação financeira da sociedade.

Face ao exposto nos parágrafos anteriores e aos factos descritos na alínea B deste ponto do relatório é de concluir que está patente nas operações descritas - operação de realização de prestações acessórias e operação de alienação das mesmas com diferimento do pagamento - a intenção de criação de uma relação de devedor/credor conforme dispõem as Guidelines da OCDE acima referenciadas quanto à não consideração de uma operação como “quasi-capital”.

Demonstra-se de seguida o carácter de financiamento das operações e as razões que apontam para a sua remunerabilidade.

D.2) PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS COMO CRÉDITO REMUNERÁVEL

A realização das prestações acessórias, descrita na alínea B.1, constituiu para o sujeito passivo a cedência de fundos sem qualquer remuneração.

Esta cedência de fundos por parte do sujeito passivo confere-lhe a titularidade de um crédito junto da entidade receptora dos fundos (D…………..), na medida em que os mesmos não apresentam características de "quasi-capital".

Com efeito, nesta operação de cedência de fundos da B…………. para a D………., a limitação da liberdade de escolha entre o financiamento com capitais próprios ou alheios não se coloca devido a vários factores observados ao nível das demonstrações financeiras da D………….. dos exercícios de 2001 2004 (vide ponto C.1), entre os quais se destacam:

- O rácio capitais alheios sobre capitais próprios não é desfavorável (50% em média);

- O rácio de autonomia financeira apresenta valores consistentes com os padrões mínimos exigidos pelo sistema financeiro (67% em média);

- O rácio de solvabilidade ronda os 200%;

- A participação financeira de 100% detida pela D………… na B……….. (…), encontra-se bastante valorizada, podendo, por isso, constituir garantia em caso de financiamento junto de entidades externas. Esta empresa participada apresenta uma rentabilidade dos capitais próprios da ordem dos 20%;

- O bom desempenho económico da D…………. destacado no exercício de 2004, com resultados do exercício da ordem dos € 66 milhões.

Portanto, a D…………. apresenta indicadores que lhe conferem capacidade de financiamento no mercado".

Também o facto de as prestações acessórias terem sido cedidas à sociedade C………….., sociedade não sócia da D……………. (conforme operação descrita na alínea B.2) demonstra que o sujeito passivo tratou as prestações acessórias como um crédito, apesar de registado na conta 41 e de estar sujeito ao regime das prestações suplementares conforme disposto nos Estatutos da D…………..

De facto, em face do regime previsto no Código das Sociedades Comerciais (CSC) para as prestações suplementares (artigos 210.° a 213.° inclusive), não é admissível a detenção, por um não sócio, de prestações suplementares sobre uma sociedade. A sociedade C…………. não é accionista directa da sociedade D…………. pelo que não poderia ser detentora de prestações acessórias com características de "quasi-capital" na D……………

Nesta medida, apenas a cedência de um crédito é compatível com as condições das operações e o regime fixado no CSC, pelo que se pode concluir que a B………… efectuou à D…………. a concessão de um crédito sob a forma de cedência de fundos a título de prestações acessórias.

Destaca-se ainda o facto de a cedência de fundos a título de prestações acessórias ter constituído em substância cedência de fundos para permitir à D…………. efectuar o pagamento dos dividendos à própria accionista, entidade mutuante. Este facto também afasta as prestações acessórias da qualificação como "quasi-capital". Com efeito, os fundos não foram cedidos para realização de grandes investimentos associados à expansão da actividade da empresa.

Convém, aliás, relembrar que, em Novembro de 2004, assistiu-se a uma operação entre a D………… e a sociedade A………… que conduziu ao apuramento de resultados positivos da ordem dos € 66 milhões na D…………. sem que houvesse qualquer encaixe financeiro associado. Não obstante a D…………… deliberou a restituição de dividendos.

Os fluxos financeiros correspondentes ao pagamento de dividendos, pela D………. à B……….., e à realização das prestações acessórias, pela B……….. à D……….., foram ambos efectuados a 11 de Abril de 2005 e são ambos da ordem dos € 66 milhões.

Acresce ainda que, apesar de o pacto social da D……….. permitir a realização de prestações acessórias, estipular que não são remuneradas e classificar as mesmas como prestações suplementares ao nível da exigibilidade, regime de obrigação e de retenção, não há impedimento quanto a considerar remuneração para as mesmas numa óptica fiscal de garantia do Princípio de Plena Concorrência ao nível da matéria de preços de transferência.

Efectivamente, o facto de um acto de gestão poder ser considerado como legítimo à face do Direito Comercial, não implica que no Direito Fiscal se aceitem sem mais as respectivas consequências.

Face ao exposto, conclui-se ainda que os fundos cedidos a título de prestações acessórias pela B……….. à D…………. poderiam ter sido obtidos, por esta última, junto de entidades terceiras independentes, com a consequente existência de remuneração sob a forma de juros. Não assumindo um carácter de “quasi-capital” a cedência de fundos sob a forma de prestações acessórias deverá ser remunerada.

Na esfera da B…………, as prestações acessórias representam uma opção de investimento ao lado de outras, pelo que, mesmo enquanto accionista, a mesma não se privará do capital mutuado sem a obtenção de um rendimento compensador.

Assim conclui-se que, relativamente a esta operação de realização de prestações acessórias, a B………….. violou o Princípio de Plena Concorrência previsto no art. 58.º n.º 1 do CIRC.

D.3) CONCESSÃO DE CRÉDITO REMUNERÁVEL INERENTE À ALIENAÇÃO DE PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS, COM DIFERIMENTO DO PAGAMENTO

Com a operação descrita na alínea B.2 o sujeito passivo alienou um activo e concedeu crédito à entidade adquirente pelo facto de permitir o diferimento no tempo do pagamento desse activo. O activo corresponde ao crédito associado aos fundos cedidos pela B…………. a título de prestações acessórias à D…………, conforme relatado na alínea anterior.

Cumpre-nos referir que esta operação não poderá ser considerada uma operação comercial atendendo a que está associada a uma cessão de créditos e por conseguinte constitui uma operação financeira. Tal entendimento é também preconizado pelo Código do Imposto do Selo ao incluir a cessão de créditos na verba 17 (subponto 17.1) a qual tem como epígrafe "Operações Financeiras".

Por sua vez, do lado da C…………, a aquisição de um direito sobre a D………… (crédito correspondente às prestações acessórias) com obtenção simultânea de diferimento no tempo quanto ao pagamento dessa aquisição constitui a obtenção de um financiamento.

A partir do momento da aquisição do crédito, a C……….. passou a dispor de um activo transaccionável e susceptível de proporcionar a obtenção de fluxos financeiros, quer através de nova alienação desse activo quer do reembolso do mesmo, independentemente do pagamento à entidade alienante. A utilização do crédito ocorreu assim na data da aquisição do activo.

Por outras palavras, o não pagamento imediato da aquisição permitiu à C…………. ser titular de um crédito do qual pôde vir a ser reembolsada com a libertação de fundos para o exercício da sua actividade, sem qualquer esforço financeiro prévio. Efectivamente esse reembolso ocorreu de forma parcial, conforme descrito na alínea B.2, cerca de 9 meses antes de a C………. efectuar o primeiro pagamento junto da B………..

Com a operação, criou-se uma relação de devedor/credor entre a C………. e a B……….. . Na esfera da C…………. passou a existir uma situação de endividamento associada a esta operação.

Importa aqui realçar que as Guidelines da OCDE, nomeadamente o ponto 182 do Relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979 (Cfr. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (1985)), consideram como empréstimos todas as formas de endividamento que surjam de qualquer forma de crédito.

A existência de uma entidade disposta a adquirir o crédito confere à operação uma oportunidade de negócio para a B……….. que só faz sentido na perspectiva da maximização do lucro e portanto da obtenção de proveitos.

Entre entidades independentes a concessão de crédito sob a forma de cessão de créditos com diferimento do pagamento é remunerável dado o custo de oportunidade associado à operação financeira.

Ao mesmo tempo, se o crédito alienado é um crédito remunerável à luz do Princípio de Plena Concorrência, conforme defendido na alínea anterior deste relatório, este é mais um motivo para a operação financeira atrás descrita ser remunerável.

É assim de concluir que, relativamente a esta operação de alienação de prestações acessórias com diferimento do pagamento e inerente concessão de crédito, a empresa violou o Princípio de Plena Concorrência previsto no art. 58.º n.º 1 do CIRC.

E) OPERAÇÕES E PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

E.1) PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA E CÓDIGO DO IRC

O art. 58.º n.º 1 do CIRC refere que "(...) nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e uma qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.”

As operações em análise - concessão de crédito sob a forma de cedência de fundos a título de prestações acessórias e concessão de crédito sob a forma de cessão de crédito associado a prestações acessórias, com diferimento do pagamento – consubstanciam operações financeiras praticadas por entidades relacionadas, pelo que as condições praticadas deverão estar em conformidade com o Princípio de Plena Concorrência descrito no parágrafo anterior.

A jurisprudência portuguesa tem vindo a defender que a avaliação de qualquer operação e encargo/proveito associado deverá ser efectuado numa perspectiva individualizada de cada empresa ou instituição, em detrimento de uma óptica de gestão do grupo. Por outro lado, tem vindo a ser defendido por alguma doutrina que, a existência de empréstimos sem remuneração não pode ser baseada em opções de estratégias de negócio.

Refira-se ainda que, de acordo com o disposto no parágrafo 1.10 do Relatório da OCDE em matéria de preços de transferência, poderão existir problemas de ordem prática na aplicação do princípio de plena concorrência quando empresas associadas realizam operações que empresas independentes não efectuariam. A realização de tais operações, tornam difícil a aplicação do princípio da plena concorrência, podendo conferir alguma artificialidade às operações. No entanto, e de acordo com doutrina internacional nesta matéria, esta artificialidade é endémica da aplicação do princípio de plena concorrência e não poderá impedir a sua aplicação.

Quer a B……….. e a D………, no que respeita à operação de realização de prestações acessórias, quer a C……… e a B………., na operação de alienação das prestações acessórias com diferimento do pagamento, encontram-se numa situação de relação especial uma vez que, em ambas as operações, a primeira entidade mencionada tem o poder de exercer sobre a outra entidade envolvida na operação, de forma directa ou indirecta uma influência significativa nas decisões de gestão desta (cfr. art. 58.º n.º 4 do CIRC).

Nos termos do art. 58.º n.º 4 alínea a) do CIRC verifica-se que uma entidade tem o poder de exercer um influência significativa nas decisões de gestão da outra, designadamente, quando detenha directa ou indirectamente uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto.

Efectivamente, a B……….. detém directamente 100% do capital da D……….. e é detida indirectamente numa percentagem de 42,71% pela C………, pelo que as condições referidas no art. 58.º n.º 4 alínea a) do CIRC acima transcrito estão preenchidas, concluindo-se pela existência de relações especiais entre as entidades envolvidas nas operações controvertidas.

E.2) PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA E DOUTRINA INTERNACIONAL

O preâmbulo da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, recomenda "... a consulta dos relatórios da OCDE...” que desenvolvem a matéria dos preços de transferência para efeitos de aplicação da regulamentação concebida para o efeito. A OCDE tem vindo a publicar diversos relatórios versando sobre a temática dos preços de transferência.

De acordo com o ponto 192 do Relatório da OCDE de 1979, o princípio geral que convém acolher é o de que o empréstimo deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes.

Foram analisadas, nesse relatório, as particularidades de 3 situações específicas, a seguir enumeradas:

1. Créditos Comerciais (juros resultantes de atrasos nos pagamentos)

2. Dificuldades financeiras iniciais

3. Outras dificuldades financeiras

Na primeira situação (créditos comerciais) dever-se-á adoptar a noção de práticas comerciais normais, ou seja, possibilidade de não aplicação de juros no caso de um credor independente em situação análoga, não aplicar juros. No entanto, alerta-se para o facto de no preço dos bens ou serviços poder estar incluído um elemento de juro implícito.

Na segunda situação há que considerar serem sempre devidos juros (ainda que o seu pagamento se encontre diferido definitivamente), salvo se, em circunstâncias idênticas, um mutuante independente consentisse em renunciar a esses juros.

Na terceira situação o mutuante pode renunciar à, ou diferir a cobrança de juros sobre um empréstimo pendente quando a mutuária se debata com dificuldades financeiras.

No que respeita às operações financeiras em análise nesta acção inspectiva, verifica-se que as mesmas não estão associadas à dilação do prazo de pagamento de qualquer crédito comercial, pelo que se elimina a possibilidade de enquadramento na primeira situação acima apresentada.

Quanto à segunda e terceira situações, atendendo às observações s constantes das alíneas C.1) e D.2) relativamente à operação com a D…………., poder-se-á concluir pela solidez financeira da empresa, pelo que parece não ser aceitável o cenário de renúncia a juros se a operação se efectuasse entre entidades independentes.

Na esfera da sociedade C………… poder-se-ia considerar a existência de dificuldades financeiras iniciais, dado a empresa ter iniciado a sua actividade em 2005. No entanto, a possibilidade de entidade independente renunciar ou diferir o pagamento de juros numa operação comparável não está demonstrada. Verifica-se inclusive nas demonstrações financeiras da C…………. a existência de custos financeiros associados a empréstimos de médio e longo prazo.

Com efeito, o ponto 193 do Relatório da OCDE estipula que nas situações atrás descritas, o ónus da prova incumbirá, em regra, ao contribuinte. Assim sendo, estando as entidades envolvidas nas operações perante uma daquelas situações, o Dossier de Preços de Transferência teria que conter de forma clara e inequívoca a demonstração de enquadramento da situação em apreço o que não acontece com o referido dossier relativo ao exercício de 2005.

Acresce ainda que o Relatório da OCDE abre caminho a uma de duas situações: a não cobrança de juros ou o diferimento do seu pagamento. A opção por um destes caminhos também teria que ser devidamente fundamentada pelo contribuinte.

Face ao já exposto nesta alínea e atendendo ao conteúdo da alínea D é de concluir que as condições praticadas nas operações descritas nas alíneas B.1) e B.2), são diferentes das que seriam praticadas entre entidades independentes, pelo que se violou o Princípio de Plena Concorrência previsto no art. 58.º n.º 1 do CIRC.

E.3) DETERMINAÇÃO DO PREÇO DE PLENA CONCORRÊNCIA

De acordo com o n.º 2 do artigo 58.º do CIRC "O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais (...)".

Também a Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro (adiante referida como Portaria), no seu art. 4.º n.º 1 estipula que "O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações (...)" (sublinhado nosso). O n.º 2 refere que "Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas (...)"

Os métodos que podem ser utilizados na determinação do preço de transferência estão previstos no art. 58.° n.º 2 do CIRC e são:

1. Método do Preço Comparável de Mercado;

2. Método do Preço de Revenda Minorado;

3. Método do Custo Majorado;

4. Método do Fraccionamento do Lucro;

5. Método da Margem Líquida da Operação.

E.3.1) UTILIZAÇÃO DO MÉTODO DO PREÇO COMPARÁVEL DE MERCADO

O método do Preço Comparável de Mercado compara o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação vinculada com o preço pago por bens, direitos ou serviços transferidos numa operação comparável não vinculada.

Este método pode ser utilizado, designadamente quando o sujeito passivo em análise realiza uma operação da mesma natureza, que tenha por objecto um serviço idêntico, com uma entidade independente. (Ver alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° da referida Portaria).

O método do Preço Comparável de Mercado assume-se como o método mais adequado a aplicar. A sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais directa de determinar se as condições acordadas entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência.

Assim, uma vez que se encontram reunidas condições de aplicação deste método às operações de financiamento em análise, está perfeitamente justificada a escolha deste método em detrimento dos demais.

E.3.2) REJEIÇÃO DO MÉTODO DO PREÇO DE REVENDA MINORADO

O Método do Preço de Revenda Minorado tem como base o preço de revenda praticado pelo sujeito passivo numa operação comparável realizada com uma entidade independente, tendo por objecto um produto adquirido a uma entidade com a qual esteja em situação de relações especiais, ao qual é subtraída a margem de lucro bruto praticada por uma terceira entidade numa operação comparável (Cfr. artigo 7.° da Portaria).

Este método é especialmente recomendado para actividades de distribuição (Cfr. parágrafo 2.14 a 2.31 do Relatório da OCDE 1995).

Assim, uma vez que as operações em análise não se enquadram como actividades de distribuição, rejeitamos a utilização deste método.

E.3.3) REJEIÇÃO DO MÉTODO DO CUSTO MAJORADO

O Método do Custo Majorado tem como base o montante dos custos suportados por um fornecedor de um produto ou serviço fornecido numa operação vinculada, ao qual é adicionada a margem de lucro bruto praticada numa operação não vinculada comparável (cfr. artigo 8.° da Portaria).

A utilização deste método é recomendada pela OCDE essencialmente no caso de vendas de produtos semi-acabados entre empresas associadas, no quadro de acordos celebrados entre empresas associadas com vista à usufruição em comum de equipamentos ou ao aprovisionamento a longo prazo, ou quando a operação vinculada consiste na prestação de serviços (cfr. parágrafo 2.32 do Relatório da OCDE de 1995).

Assim, atendendo às operações alvo de análise, rejeitamos a utilização deste método.

E.3.4) REJEIÇÃO DOS MÉTODOS NÃO TRADICIONAIS

Os vulgarmente designados métodos não tradicionais (método do fraccionamento do lucro e método da margem líquida da operação) apenas serão susceptíveis de utilização quando os métodos tradicionais (método do preço comparável de mercado, método do preço de revenda minorado e método do custo majorado) não possam ser aplicados (cfr. alínea b) in fine do número 1 do artigo 4.º da Portaria).

Face ao exposto neste ponto e aos ensaios de comparabilidade adiante apresentados, o Método do Preço Comparável de Mercado revela-se o mais apropriado em conformidade com o previsto no número 2 do artigo 4.º da Portaria, pelo que será utilizado na pesquisa de condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares às ora analisadas.

E.4) PESQUISA DE COMPARÁVEIS

Conforme vimos nos pontos anteriores o Método do Preço Comparável de Mercado pode ser utilizado comparando as condições ocorridas numa operação vinculada com as condições praticadas numa operação realizada com uma entidade independente.

De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º da Portaria "Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.”

Para efeitos de comparação entre as operações financeiras vinculadas e as operações financeiras realizadas entre entidades independentes, ter-se-á de considerar os seguintes factores de comparabilidade:

1. A natureza das operações;

2. Moeda utilizada nas operações;

3. Notação de risco da entidade mutuária;

4. Prazo de reembolso;

5. Existência de garantias.

Atendendo a estes factores de comparabilidade, poderemos utilizar comparáveis internos para aferir das condições de Plena Concorrência.

Procedeu-se à análise das operações efectuadas pela B……….., SA, com vista à sua utilização como operações comparáveis. Foram identificadas as operações discriminadas em anexo, operações constantes da conta 23 e respeitantes aos empréstimos obtidos a médio e longo prazo (ANEXO II.1).

À excepção das operações relativas à emissão de Papel Comercial, as operações financeiras passivas de médio e longo prazo identificadas no anexo reúnem todos os factores de comparabilidade:

1. Quanto à natureza das operações, quer as operações vinculadas quer as operações não vinculadas tratam-se de operações de crédito;

2. A moeda utilizada quer nas operações vinculadas quer nas não vinculadas é a mesma, ou seja, o Euro;

3. Quanto à notação de risco da entidade mutuária e atendendo designadamente ao disposto no parágrafo 7.13 do Relatório da OCDE de 1995, será susceptível de utilizar os empréstimos contraídos pela B…………., SA;

4. Quanto ao prazo de reembolso é de salientar que todas as operações se referem a empréstimos de médio e longo prazo, com excepção das operações respeitantes aos contratos celebrados com a CGD e com o BPI no âmbito de Programas de emissão de papel comercial.

Esses contratos definem Papel Comercial como sendo valores mobiliários escriturais de prazo inferior a um ano (portanto, valores mobiliários escriturais de curto prazo).

O sujeito passivo, através da emissão de títulos representativos de dívidas de curto prazo, realiza operações passivas de financiamento nas quais intervém uma instituição de crédito como intermediária entre a entidade emitente e a(s) entidade(s) subscritora(s).

Nestas operações o sujeito passivo incorre, para além dos juros, em comissões junto das entidades intermediárias ('dealers');

5. Quanto à existência de garantias ou colaterais, cumpre-nos referir que contrariamente às operações vinculadas em análise, em algumas observações tomadas para efeito da análise de comparabilidade existem garantias (nomeadamente a operação com o BEI). A inclusão dessas observações no apuramento de um intervalo de plena concorrência implicaria a realização ajustamentos (situação que não se verificará no caso concreto, conforme a seguir se explicará).

Na esteira do preconizado no parágrafo 1.45 do Relatório da OCDE de 1995, a fixação dos preços de transferência não é uma ciência exacta pelo que a aplicação do método mais adequado conduz a um intervalo de valores (intervalo de plena concorrência), todos eles com uma fiabilidade mais ou menos equivalente. No mesmo sentido dispõe o número 5 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001. Assim, qualquer valor que se encontre no intervalo de plena concorrência poderá ser considerado conforme ao Princípio de Plena Concorrência, mas "na medida em que for possível distinguir os diferentes tipos do intervalo, o ajustamento deve ser operado utilizando o ponto de intervalo que melhor reflicta os factos e as circunstâncias da operação vinculada em apreço" (Cfr. parágrafo 1.48 do Relatório da OCDE de 1995).

Atendendo ao disposto no parágrafo anterior, a observação que melhor reflecte as condições das operações sob apreciação é a correspondente ao Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o BPI em 20.01.2005, observação destacada no ANEXO 1/.1.

Para além dos factores de comparabilidade acima justificados, o contrato identificado é o ponto do intervalo que melhor reflecte os factos e as circunstâncias das operações vinculadas em apreço devido essencialmente ao facto de ser o único contrato de montante aproximado ao das operações vinculadas e o único contrato comparável celebrado no exercício de 2005. Acresce ainda o facto de o mesmo não ter garantia associada.

Refira-se ainda que, não obstante os restantes contratos (com excepção do contrato de financiamento celebrado com o BEI) terem valores muito inferiores aos das operações vinculadas em análise, as taxas de juro contratadas são em todos eles indexadas à EURIBOR 6M e na maioria os spreads negociados são próximos do spread de 0,9% do contrato tomado como comparável (a média dos spreads dos seis contratos sem garantia é 0,86%).

Face ao exposto, para efeito de determinação do preço que seria praticado entre entidades independentes foram consideradas as condições do Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o BPI a 20.01.2005 (juros semestrais e EURIBOR 6M cotada no segundo dia útil anterior ao inicio do período de contagem dos juros), tendo sido apurados juros no montante de € 1.575.958,86 (1.180.316,09 + 395.642,76) conforme cálculos evidenciados no ANEXO II.2.

F) CONCLUSÕES

Atendendo ao disposto nos pontos anteriores desta fundamentação, ou seja, análise e implicações fiscais das operações realizadas entre o sujeito passivo e as empresas relacionadas D………….., SGPS, SA e C…………, SGPS, SA, destacam-se as seguintes conclusões:

O facto de um acto de gestão poder ser considerado como legítimo à face do Direito Comercial, não implica que no Direito Fiscal se aceitem sem mais as respectivas consequências, ou seja, apesar de o sujeito passivo não ter remunerado as operações analisadas não há impedimento quanto à remuneração das mesmas para efeitos fiscais;

As prestações acessórias representam para o accionista uma opção de investimento ao lado de outras, pelo que, normalmente, o accionista não se privará do capital mutuado sem a obtenção de um rendimento compensador. Só assim não será se o capital mutuado pelo accionista tiver características de "quasi-capital";

Os fundos cedidos a título de prestações acessórias à D………… pela B………. não têm características de "quasi-capital" não só pelo facto de resultar dessa operação de cedência de fundos a criação de uma relação de devedor/credor, conforme dispõem as Guidelines da OCDE, mas também pelo facto de existirem condições para a D………. obter financiamento junto de entidades independentes (são vários os indicadores que conferem à D………… capacidade de financiamento no mercado). Acresce ainda que os fundos não foram cedidos para realização de grandes investimentos associados à expansão da actividade da empresa;

O facto de o crédito relativo às prestações acessórias ter sido alienado à sociedade C…………. (sociedade não sócia da D………….) constitui também uma evidência de que as prestações acessórias não têm as características de "quasi-capital";

Com a operação de alienação do crédito correspondente às prestações acessórias o sujeito passivo concedeu crédito à entidade adquirente (C…….) na medida em que permitiu o diferimento do pagamento dessa operação;

A concessão de crédito na sequência de cessão de créditos com diferimento do pagamento consubstancia a realização de um negócio que só faz sentido na perspectiva de obtenção de remuneração compensadora;

As operações controvertidas foram realizadas por entidades que se encontram em situação de relação especial conforme previsto no art. 58.º n.º 4 do CIRC.

Ao não remunerar as operações de financiamento descritas, o sujeito passivo violou o Princípio de Plena Concorrência previsto no art. 58.º n.º 1 do CIRC;

Efectuada a pesquisa de comparáveis no âmbito da metodologia de determinação do preço de plena concorrência, segundo o Método do Preço Comparável de Mercado, foi identificada uma operação que reflecte com grande aproximação os factos e circunstâncias das operações vinculadas sob apreciação;

Considerando as condições da operação de plena concorrência conclui-se que o resultado fiscal da B………… está subvalorizado no montante de € 1.575.958,86, pelo que se propõe um acréscimo ao lucro tributável declarado relativo ao exercício de 2005 nesse montante, nos termos previstos no art. 58. º do CIRC e uma vez verificados os requisitos enumerados no art. 77.º n.º 3 da Lei Geral Tributária.

Esta correcção tem implicações ao nível dos benefícios fiscais conforme se descreve no ponto III - 3. deste relatório.

G) NOTA FINAL-AJUSTAMENTO CORRELATIVO

Nos termos do art. 17.º n.º 1 da Portaria n.º 1446 – C/2001, "Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo de IRC ou de IRS, na determinação do lucro tributável deste último deve ser efectuado o ajustamento adequado que seja reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.".

Verifica-se assim que, de acordo com esta disposição, deve ser promovido pela DGCI o ajustamento correlativo na esfera das sociedades D………… e C………… decorrente da correcção ao lucro tributável promovida neste ponto do relatório na esfera do sujeito passivo, B………….

Não obstante, é de realçar o disposto no art. 20. º n.º 1 da mesma portaria, segundo o qual, "Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 17.º, a Direcção-Geral dos Impostos deve proceder ao ajustamento correlativo adequado na determinação do lucro tributável do sujeito passivo no prazo de 180 dias a contar da data do conhecimento, ou da data em que for possível obter o conhecimento, do trânsito da decisão, quer administrativa quer judicial, das correcções positivas efectuadas ao lucro tributável do outro sujeito passivo por virtude de ambos se encontrarem numa situação de relações especiais e de não ter sido entre eles observado o principio de plena concorrência. "

É ainda de referir que as entidades relacionadas nas operações analisadas são SGPS, pelo que, em caso de promoção do ajustamento correlativo acima mencionado deve ser dada especial atenção ao disposto no art. 31.º n.º 2 do EBF, nomeadamente quanto à limitação da dedutibilidade de encargos financeiros pelas SGPS. – cfr. Relatório de inspecção constante de fls. 126 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

19. Por referência à impugnante, foi emitida pela Direcção-Geral dos Impostos “Demonstração de acerto de contas”, de onde constava, além do mais, o seguinte:

Data limite de pagamento: 2008-06-02 Saldo a pagar: € 474.215,82

- cfr. doc. 1, junto com a PI, a fls. 125 dos autos físicos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3.1.2. Na sentença recorrida ficaram fixados como não provados os seguintes factos

A. A realização de prestações acessórias foi determinada pela necessidade de reforçar a estrutura de capitais próprios da D………….., SGPS, perspectivada pelo grupo como sociedade veículo, que concretizaria os seus propósitos de expansão, através de eventuais aquisições de participações sociais.

B. A D…………….., SGPS estava a desenvolver negociações para aquisição de participações sociais de outras empresas, no sentido da expansão do grupo.

C. A operação de alienação de prestações acessórias foi proposta a terceiros (bancos e investidores), não tendo suscitado o seu interesse, optando-se, em consequência, pela sociedade C……………

D. A impugnante prestou garantia idónea com vista à suspensão do processo executivo (não identificado).

4. Fundamentação de direito

4.1. Como resulta do que ficou exposto nos pontos antecedentes, o presente recurso incide sobre sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a Impugnação Judicial intentada pela ora Recorrente contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativo ao exercício fiscal de 2005.

Para a Recorrente a sentença, por um lado, é nula por existir contradição entre os fundamentos e a decisão e por não ter nela sido apreciada uma questão que subsidiariamente colocara ao Tribunal a quo e que se impunha que tivesse apreciado verificado que tinha ficado o circunstancialismo condicionador de que estava dependente; por outro, enferma de erro de julgamento de direito por a requalificação das operações não ter fundamento legal, do que decorre necessariamente a ilegalidade da liquidação adicional por erro sobre os pressupostos de facto, determinante da sua anulação e consequente procedência da Impugnação Judicial.

4.2. Tendo por referência a síntese acabada de fazer quanto à motivação da reacção recursória, passamos a apreciar as questões colocadas em recurso, o que faremos pela precisa ordem porque ficaram enunciadas na delimitação do objecto que realizamos no ponto 2 deste acórdão atentos o efeito de prejudicialidade de conhecimento das questões de mérito que eventualmente resultará se se impuser a declaração de nulidade da sentença recorrida.

4.3. Das nulidades da sentença recorrida

Considerando que as duas nulidades imputadas à sentença recorrida se encontram regulamentadas no mesmo normativo legal e que há muito anos que não existe divergência na doutrina e jurisprudência que em regra acompanha a apreciação destes vícios, limitar-nos-emos a fazer um breve enquadramento legal e teórico sobre ambas as nulidades suscitadas.

Sendo assim, do ponto de vista legal, começamos por mencionar simplesmente que no artigo 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário se encontra expressamente previsto que «Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer» (negrito de nossa autoria).

No que respeita à alegada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão é absolutamente pacífico que a mesma se verificará sempre que os fundamentos invocados pelo juiz conduzem logicamente a resultado oposto ao que foi expresso na decisão, ou seja, regista-se um vício real no raciocínio do julgador que afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia ou nulidade por falta de pronúncia sobre questão que o juiz deva apreciar, a mesma existirá sempre que, tendo sido suscitada pela parte questão de cuja apreciação possa resultar a procedência ou improcedência da sua pretensão, o juiz a não tenha conhecido e decidido, salvo se houver razões para a julgar prejudicada pela solução dada a outras e o tenha expressamente deixado consignado no julgado.

4.3.1. Feito este singelo enquadramento e vertendo agora a nossa atenção no que vem alegado pela Recorrente para suportar as nulidades invocadas, há forçosamente que concluir que nem uma nem outra se verificam.

4.3.1.1. Na verdade, como se vê da leitura da conclusão 10. das alegações do recurso (densificada a fls. 572-573 das alegações de recurso dos autos em suporte de papel), a alegada contradição surge suportada no facto de a Meritíssima Juíza ter rejeitado num momento inicial do seu raciocínio fundamentador que o artigo 58.º do CIRC constituísse habilitação normativa para que a Autoridade Tributária procedesse à requalificação de operações praticadas pelo sujeito passivo ou que o envolvesse enquanto empresa dominante do grupo e, posteriormente, fundado nesse regime a decisão de legalidade dessa mesma requalificação.

Embora se compreenda o contexto em que esta contradição surge invocada (sobre o qual melhor nos debruçaremos em sede de apreciação das questões de mérito suscitadas), não é, porém, salvo o devido respeito, o que resulta da sentença.

É verdade que o Tribunal a quo rejeitou em absoluto que o artigo 58.º do CIRC, per se, constituísse quadro normativo legitimador da requalificação operada, revelando expressa e claramente, como o faz a Recorrente, bem saber que o âmbito de aplicação deste preceito não abrange a requalificação das operações comerciais, realçando de forma clara que à luz deste preceito apenas era possível realizarem-se “correcções quantitativas sempre que estes sejam susceptíveis de afastar ou falsear a plena concorrência”. Todavia, a legitimação ou legalidade da liquidação reconhecida pelo Tribunal a quo à requalificação operada não assentou nesse preceito, mas, sim, na interpretação que fez do comando consagrado no artigo 36.º, n.º 4 da LGT.

Ou seja, para o Tribunal a quo a admissibilidade da requalificação emerge directamente do facto de o legislador ter estabelecido como regra geral que a “ A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” (citado artigo 36.º, n.º 4 da LGT), pelo que, entendendo a Administração Tributária que estávamos perante “mútuos encapotados”, devia ser-lhe aplicável (requalificado que estava o “negócio”) o regime dos preços de transferência consagrado no artigo 58.º do CIRC, atenta a especial relação entre os intervenientes na operação comercial.

Assim exposto o raciocínio do julgado não podemos entender que haja contradição entre os fundamentos invocados e o sentido do julgamento.

Questão distinta é a de saber se o raciocínio da Administração Tributária, reforçado pelo Tribunal a quo, encerra outro vício que não a nulidade da sentença. Em concreto, se substanciará erro de julgamento por a norma ou regra geral invocada (artigo 36.º, n.º 4 da LGT) não servir os propósitos de requalificação nas circunstâncias concretas, designadamente por existir norma ou regime especialmente consagrado para esse efeito (como defende a Recorrente na censura que igualmente dirigiu ao mérito do julgado) ou por a conjugação das normas invocadas, nos termos em que foi realizada, não ser de admitir por traduzir uma construção meramente artificial de conjugação de regimes.

Em conclusão, não correspondendo à realidade que os fundamentos invocados pela Meritíssima Juíza devessem ter conduzido logicamente a resultado oposto ao que ficou expresso na decisão, ou seja, não se verificando nenhum vício real no raciocínio da Meritíssima Juíza que afecte a estrutura lógica da sentença que proferiu, há que concluir, como começamos por afirmar, que é de julgar improcedente a nulidade da sentença suscitada na conclusão 10. das alegações deste recurso.

4.3.1.2. Relativamente à alegada omissão de pronúncia, salvo o devido respeito, é ostensivo que a mesma se não verifica.

Como se constata da leitura da petição inicial, ao sindicar a liquidação a Recorrente colocou igualmente em crise o método de comparabilidade, aduziu diversos argumentos, incluindo, para o que ora releva, que o método de comparação estabelecido não podia ser sufragado por serem muito dissemelhantes as realidades em presença ou que estavam a ser objecto de comparação.

Dito de forma directa: a Recorrente alicerça o seu inconformismo com a liquidação fundamentalmente na requalificação das operações, discordando, outrossim, do método de comparação utilizado, que defende ser totalmente desadequado e ilegal. Consequentemente, quase se pode afirmar, pelo menos na economia da sua alegação inicial, que a Recorrente discorda, por “arrastamento”, do juro arbitrado pela Autoridade Tributária - juro aplicado pelo BPI aos contratos de mútuo - entendendo que não há qualquer semelhança entre a operação que realizou e um mútuo, incluindo a remuneração (juro) que sobre este pode incidir quando realizado junto de terceiros, designadamente entidades bancárias.

Em suma, a Recorrente, contrariamente ao que afirma na conclusão 34. (fragilmente concretizada nas suas alegações, mais concretamente a fls. 576-578 dos autos) não colocou, a qualquer título, nem sequer subsidiariamente, qualquer questão no que respeita aos juros que seriam exigíveis se a requalificação viesse a ser reconhecida como legal, limitando-se, como resulta do que expusemos quanto à argumentação referida, a questionar essa requalificação e a legalidade do método de comparação eleito pela Autoridade Tributária.

Ora, quer a questão da requalificação quer do método de comparação porque a Autoridade Tributária optou foram objecto de expressa pronúncia do Tribunal a quo, que identificou tais questões com precisão, incluindo nesta vertente argumentativa (como se denota do que ficou exarado no § 4 da fundamentação de direito – fls. 39 da sentença e 507 dos autos em suporte de papel), e posteriormente as decidiu, ainda que de forma sintética na segunda parte da sentença, remetendo em termos de fundamentação para o que anteriormente já explanara aquando da apreciação da operação de realização de prestações acessórias (cfr., em especial, § 3.º e 4.º de fls. 61 da sentença recorrida, fls. 529 dos autos em suporte de papel).

Não houve, pois, da parte da Meritíssima Juíza a quo qualquer falta de apreciação de questão suscitada, o que se conclui sem prejuízo, até pela remissão operada em termos de fundamentação, de existir no seu julgamento erro de direito, o que, na sede própria, porque também questionado, se apreciará.

4.3. Do erro de julgamento de direito

4.3.1. Como deixámos já expresso, o litígio dos autos tem por objecto a liquidação adicional relativa ao exercício de 2005 realizada à Recorrente em sede de IRC, traduzida em correcções técnicas decorrentes de alterações de qualificação de um conjunto de operações que por aquela haviam sido realizadas, concretamente, por um lado, a “ requalificação da operação de prestações suplementares efectuada pela “B………….., S.A.” em “contrato de mútuo” e, por outro, a requalificação da operação de cessão das prestações acessórias pela “B…………., S.A.” à “C………., SGPS, com pagamento deferido” em operação de cedência de fundos remunerados.

Na sentença recorrida, em sede de fundamentação de direito, a Meritíssima Juíza optou por iniciar a apreciação das questões identificando os dois vectores essenciais que em seu entender se dividia a impugnação: “saber se o princípio da plena concorrência, à data consagrado no artigo 58.º do CIRC, impõe que a operação de cedência de fundos da B…………. à D………….. SGPS, através da realização de prestações acessórias, com a natureza de prestações suplementares, sem exigibilidade jurídico-comercial de juros, fosse tributada como se os vencesse” e “deslindar se a operação de alienação de prestações acessórias à sociedade C…………., com diferimento de preço, envolve ou não uma concessão de crédito a essa entidade, a qual, nesse caso, haveria de ser tributada pelo vencimento dos correspondentes juros, por aplicação do mesmo princípio da plena concorrência”, mais adiantando que quer num quer noutra destas vertente ou vectores, “é ainda objecto de discussão a aplicação do método do preço de mercado comparável, em concreto, dos contratos utilizados para modelar as operações em causa”.

Na sentença recorrida, como da mesma decorre claramente, foi dada resposta afirmativa a ambas as questões.

Adiantamos desde já que, pese embora seja evidente o profundo labor revelado no julgado, é nosso entendimento que assiste razão à Recorrente nos erros de julgamento de direito que imputa à sentença que ora se avalia.

Explicitemos porque assim o entendemos, acompanhando a opção de análise autónoma da fundamentação das correcções que suportam a liquidação adicional seguida pela sentença recorrida.

4.3.2. Da requalificação da operação de prestações suplementares efectuada pela “B……………, S.A.” em “contrato de mútuo” - com as consequentes tributação dos juros e correcção do lucro tributável, realizada pela Administração Tributária e legitimada pelo julgado ao abrigo, conjugadamente, dos regimes consagrados nos artigos 58.º do CIRC e 36.º, n.º 4 da LGT das orientações internacionais em matéria de preços de transferência.

Na sentença recorrida firmou-se o julgamento de que a actuação da Autoridade Tributária é perfeitamente legítima, concluindo-se que as correcções vertidas na liquidação adicional nesta parte não padeciam de qualquer ilegalidade.

Para o demonstrar, a Meritíssima Juíza realizou a abordagem factual e jurídica que em seu entender a decisão envolvia, que, pela sua profundidade e pertinência do quadro legal, a que também atentaremos no nosso julgamento, não prescindimos de transcrever:

«A questão traduz-se, em suma, em saber se o princípio da plena concorrência exige ou impõe que uma operação de realização de prestações acessórias, no âmbito de um grupo de sociedades seja tributada como se vencesse juros, mesmo que, de facto, se tenha convencionado que não os vence.

A questão não é de simples dilucidação e pressupõe prévio enquadramento conceptual e jurídico, a que importa proceder.

As obrigações de prestações acessórias conhecem a sua regulamentação legal nos artigos 209.º, para as sociedades por quotas, e 287.º, para as sociedades anónimas, ambos dispositivos do Código das Sociedades Comerciais.

Coincide a respectiva redacção, no essencial, citando-se o n.º 1 do art.º 287.º, atinente à situação em apreço:

“O contrato de sociedade pode impor a todos ou a alguns accionistas a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação legal própria desse contrato.”

Da norma transcrita resultam desde logo as principais características destas obrigações. Assim, são «“acessórias” porque acrescem às prestações “principais” – as entradas em dinheiro ou em espécie, que vinculam todos os sócios (adquirentes originários de participações sociais). Contudo, em termos de importância para a vida da sociedade, as prestações acessórias serão muitas vezes as “principais”.» [COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, Vol. II, Almedina, Outubro de 2005, p. 320, nota (268)].

Resulta do exposto, então, o carácter acessório e facultativo destas obrigações sociais, assim como a exigência formal essencial de previsão nos estatutos (o que pode ser superado, não obstante, por via de deliberação que há-de vincular os sócios que voluntariamente votem nela ou ainda, naturalmente, pela alteração do contrato de sociedade – neste sentido, CAROLINA CAÇADOR, em tese de mestrado subordinada ao tema “Da admissibilidade de realização espontânea de prestações acessórias nas sociedades comerciais”, Lisboa, 2014, p. 53 – disponível em http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16890/1/Tese.pdf).

Mais se extrai do regime legal, em particular da norma citada, que o objecto das prestações acessórias não é definido, nem balizado, pelo legislador, donde se deduz a ampla possibilidade de conformação do conteúdo da obrigação ou da prestação que nela se consagre.

Na parte final do preceito, não obstante, impõe-se que quando o conteúdo da obrigação corresponda ao de um contrato típico, se aplique a regulamentação legal própria desse contrato.

Assim, como explica PEREIRA DE ALMEIDA, “se a obrigação consistir na prestação de um serviço à sociedade, aplicar-se-á o regime do contrato de prestação de serviços (art. 1154.º e segs. do C. Civ.) ou de trabalho; se a obrigação consistir na cedência do gozo de um imóvel mediante o pagamento de uma renda, aplicar-se-á o regime da locação (art. 1022.º e segs. do C. Civ.), etc.” [autor citado, “Sociedades Comerciais”, Coimbra Editora, Setembro de 2006, pp. 337- 338].

Apesar de discutida na doutrina [v.g., por todos, Rui Pinto Duarte, “Suprimentos, prestações acessórias e prestações suplementares – Notas e questões”, in Problemas do Direito das Sociedades, Almedina, Julho de 2002, p. 280, onde pode ler-se: “Já a possibilidade de as prestações acessórias poderem consistir em contribuições em dinheiro parece um erro legislativo (...) ”], da lei resulta expressamente a possibilidade de as obrigações de prestações acessórias revestirem natureza pecuniária.

Focando agora a atenção sobre o conteúdo da prestação convencionada, ficou apurado para o probatório que a mesma revestia natureza pecuniária, não seria remunerada e, no mais, se remetia para a tipologia e características das prestações suplementares, quanto à exigibilidade, regime de obrigação e de restituição.

Ora, as prestações suplementares, tal como resulta da sua previsão legal e elaboração doutrinal, “[visto que] se destinam a suprir insuficiências de capital e constituem capitais próprios da sociedade, (...) não podem vencer juros (art.º 210.º, n.º 5) e a sua restituição fica sujeita ao princípio da intangibilidade do capital social” [PEREIRA DE ALMEIDA, in ob. cit., p. 337].

As características apontadas remetem-nos inequivocamente para a figura do mútuo, contrato típico a que corresponderá, materialmente, uma obrigação de emprestar dinheiro (ou outro bem fungível), mediante a obrigação recíproca de restituição, com identidade de género e quantidade (art.º 1142.º do Código Civil).

À luz do enquadramento que vem de se fazer, fica exposto o ponto de dissídio entre impugnante e ré:

A primeira entende que esta “cedência de fundos”, legitimamente, em face das normas civis e comerciais aplicáveis, não vence juros, e que o mecanismo previsto no art.º 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“CIRC”) não permite a requalificação material da operação, mas apenas a sua requantificação.

A segunda contrapõe que a lei fiscal não está subordinada à qualificação civil ou comercial da operação, daquela podendo resultar a exigência de juros (em termos fiscais), por imposição do princípio da plena concorrência, a que o instituo dos preços de transferência visa oferecer resposta.

A questão da requalificação material da operação merece análise prévia. E quanto a isto dir-se-á desde logo que, com a impugnante, se entende que do teor do art.º 58.º do CIRC não resulta credencial legislativa para a modificação da natureza qualitativa da operação em causa. Na verdade, sufraga-se o entendimento de acordo com o qual o mecanismo dos preços de transferência, previsto, à data dos factos, no mencionado art.º 58.º, é vocacionado para – permitindo apenas – a correcção dos aspectos quantitativos da operação, sempre que estes sejam susceptíveis de afectar ou falsear a plena concorrência.

Porém, tanto não é habilitante da conclusão de que a actuação da administração tributária é inviável ou ilegal. E basta, para infirmar uma conclusão de tal teor, atentar no regime decorrente do art.º 36.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (“LGT”), incluído no capítulo dedicado à constituição e alteração da relação jurídico-tributária (III), e com a epígrafe “Regras gerais”: “A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária.”

Do exposto decorre com clareza que a administração tributária norteará a sua actuação de acordo com a regra geral permissiva da requalificação do negócio efectuado pelas partes, nos termos do estatuído na norma citada.

A actuação da ré, no concreto ponto da requalificação material da operação em causa não só não é ilegal, como se mostra ancorada neste parâmetro-base de actuação, consentida e imposta pela lei “que enuncia e define os princípios gerais que regem o direito fiscal português e os poderes da administração tributária e garantias dos contribuintes” [cfr. LGT, preâmbulo].

Por outro lado, aquilo que a impugnante antevê como requalificação da operação, nada mais traduz do que a associação da operação ao contrato típico em que pode subsumir-se, de acordo com o comando ínsito na norma legal disciplinadora da figura das prestações acessórias (cfr. o citado art.º 287.º, n.º 1 do CSC).

A qualificação da operação de “cedência de fundos”, mediante a realização de prestações acessórias, como mútuo afigura-se, assim, legítima, não incorrendo os factos tributários em apreço, neste ponto, em erro nos pressupostos, de facto ou de direito.

Avançando, o que importa decifrar a este ponto é se o art.º 58.º é de molde a exigir ou impor que a operação em causa vença juros, para efeitos fiscais.

Vejamos.

Para uma compreensão cabal da questão, importa atentar no regime e propósito do mecanismo dos preços de transferência.

Antes de mais, o artigo 58.º do CIRC, na redacção em vigor à data dos factos, estatuía do seguinte modo:

“Artigo 58º Preços de transferência

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respectivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha recta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos temos em que esta é definida nos diplomas que estatuem a obrigação de elaborar demonstrações financeiras consolidadas;

g) Entidades entre as quais, por força das relações comerciais, financeiras, profissionais ou jurídicas entre elas, directa ou indirectamente estabelecidas ou praticadas, se verifica situação de dependência no exercício da respectiva actividade, nomeadamente quando ocorre entre si qualquer das seguintes situações:

1) O exercício da actividade de uma depende substancialmente da cedência de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de know-how detidos pela outra;

2) O aprovisionamento em matérias-primas ou o acesso a canais de venda dos produtos, mercadorias ou serviços por parte de uma dependem substancialmente da outra;

3) Uma parte substancial da actividade de uma só pode realizar-se com a outra ou depende de decisões desta;

4) O direito de fixação dos preços, ou condições de efeito económico equivalente, relativos a bens ou serviços transaccionados, prestados ou adquiridos por uma encontra-se, por imposição constante de acto jurídico, na titularidade da outra;

5) Pelos termos e condições do seu relacionamento comercial ou jurídico, uma pode condicionar as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional.

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do Ministro de Estado e das Finanças.

5 - Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indirecta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não há regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483º do Código das Sociedades Comerciais.

6 - O sujeito passivo deve manter organizada, nos termos estatuídos para o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 121º, a documentação respeitante à política adoptada em matéria de preços de transferência, incluindo as directrizes ou instruções relativas à sua aplicação, os contratos e outros actos jurídicos celebrados com entidades que com ele estão em situação de relações especiais, com as modificações que ocorram e com informação sobre o respectivo cumprimento, a documentação e informação relativa àquelas entidades e bem assim às empresas e aos bens ou serviços usados como termo de comparação, as análises funcionais e financeiras e os dados sectoriais, e demais informação e elementos que tomou em consideração para a determinação dos termos e condições normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e para a selecção do método ou métodos utilizados.

7 - O sujeito passivo deve indicar, na declaração anual de informação contabilística e fiscal a que se refere o artigo 113º, a existência ou inexistência, no exercício a que aquela respeita, de operações com entidades com as quais está em situação de relações especiais, devendo ainda, no caso de declarar a sua existência:

a) Identificar as entidades em causa;

b) Identificar e declarar o montante das operações realizadas com cada uma; c) Declarar se organizou, ao tempo em que as operações tiveram lugar, e mantém, a documentação relativa aos preços de transferência praticados.

8 - Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância. 9 - Nas operações realizadas entre entidade não residente e um seu estabelecimento estável situado em território português, ou entre este e outros estabelecimentos estáveis daquela situados fora deste território, aplicam-se as regras constantes dos números anteriores.

10- O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às pessoas que exerçam simultaneamente actividades sujeitas e não sujeitas ao regime geral de IRC.

11 - Quando a Direcção-Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo do IRC ou do IRS, na determinação do lucro tributável deste último devem ser efectuados os ajustamentos adequados que sejam reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro.

12 - Pode a Direcção-Geral dos Impostos proceder igualmente ao ajustamento correlativo referido no número anterior quando tal resulte de convenções internacionais celebradas por Portugal e nos termos e condições nas mesmas previstos.

13 - A aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, o tipo, a natureza e o conteúdo da documentação referida no n.º 6 e os procedimentos aplicáveis aos ajustamentos correlativos são regulamentados por portaria do Ministro das Finanças.”

A norma reflecte as preocupações, de âmbito nacional e internacional, surgidas a par e passo com um crescimento exponencial do comércio internacional, a expansão das empresas a um nível multinacional e as exigências ditadas pelo princípio da livre concorrência.

Ora, em resposta, o legislador nacional, inspirado por soluções preconizadas internacionalmente, consagrou o mecanismo dos preços de transferência que, simplificando ao extremo, visa na sua base salvaguardar a plena concorrência de mercado, obstando ao falseamento dos preços dos produtos ou serviços fornecidos/adquiridos entre entidades relacionadas e evitando transferências internas de resultados entre entidades de um mesmo grupo.

Tanto se deixou expresso, na verdade, na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12 [que, em concretização do n.º 13 do artigo transcrito, veio regular os preços de transferência nas operações efectuadas entre um sujeito passivo do IRS ou do IRC e qualquer outra entidade], em cujo Preâmbulo pode ler-se:

“O regime dos preços de transferência tem como paradigma o princípio de plena concorrência, em torno do qual se foi firmando um amplo consenso internacional por se entender que a sua adopção permite não só estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes como neutralizar certas práticas de evasão fiscal e assegurar a consequente protecção da base tributável interna.

(...) O novo quadro legal revela um alinhamento com os princípios directores da OCDE sobre preços de transferência dirigidos às empresas multinacionais e às administrações fiscais e colheu inspiração também nas regulamentações de carácter legal e administrativo e num conjunto de boas práticas seguidas por países com maior experiência nesta área.”

Ora, a expressa menção da Portaria remete-nos, pois, para os princípios de tributação internacional adoptados pelos países Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”), com o propósito de servir estes objectivos. A referência corresponde ao documento publicado por aquela organização, que contém, em síntese, os princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais.

Na secção dedicada à “orientação na aplicação do princípio de plena concorrência” (“C.”) pode desde logo ler-se, com pertinência para a solução do caso em presença: “A aplicação do princípio de plena concorrência assenta, de um modo geral, numa comparação entre as condições praticadas numa operação vinculada e as condições praticadas numa operação entre empresas independentes. Para que essa comparação seja significativa, é necessário que as características económicas das situações consideradas sejam suficientemente comparáveis. (...) Para determinar o grau de comparabilidade, e nomeadamente os ajustamentos a introduzir para obter essa comparabilidade, é necessário entender o modo como as sociedades independentes avaliam os termos de eventuais operações. Na ponderação das condições de uma eventual operação, as sociedades independentes vão comparar essa operação com outras opções que realisticamente se lhes oferecem e só concluem a operação se não tiverem outra alternativa claramente mais vantajosa. A título de exemplo, refira-se que é pouco provável que uma empresa aceite um preço proposto em relação a um seu produto por uma empresa independente se souber que outros clientes potenciais estão dispostos a pagar mais caro em condições idênticas. Este elemento é relevante para a questão da comparabilidade, dado que as empresas independentes tomam geralmente em linha de conta todas as diferenças economicamente significativas entre as opções que se lhes oferecem em termos realísticos (...), quando ponderam essas opções. Por consequência, ao efectuar as comparações decorrentes da aplicação do princípio de plena concorrência, a Administração Fiscal deve igualmente ter em consideração essas diferenças ao definir se as situações consideradas são comparáveis e quais os ajustamentos que se podem revelar necessários para efeitos da referida comparabilidade.” [parágrafo 1.15 do documento].

A mesma síntese das guidelines da OCDE na matéria revela, no ponto 1.36, quanto ao reconhecimento das operações efectivamente realizadas (ii.), e com particular acuidade para a questão que nos ocupa:

«1.36.. A verificação pela Administração Fiscal de uma operação vinculada deve basear-se na operação efectivamente ocorrida entre as partes e no modo como foi estruturada pelas partes, segundo os métodos utilizados pelo contribuinte na medida em que sejam conformes com os métodos expostos nos capítulos II e III. Salvo em casos excepcionais, a Administração Fiscal não deve abstrair das operações efectivas, nem substituí-las por outras operações. A reestruturação de operações comerciais legítimas relevaria de um procedimento totalmente arbitrário, cuja iniquidade seria mais agravada ainda por uma dupla tributação, no caso da outra Administração Fiscal envolvida ter uma opinião diferente sobre o modo como a operação deveria ser estruturada.

1.37. Existem, todavia, dois casos específicos em que, excepcionalmente, as autoridades fiscais podem ter justificação para não atenderem à estrutura adoptada por um contribuinte para realizar a operação vinculada. O primeiro caso surge sempre que há uma discordância entre a forma da operação e a sua substância económica. As autoridades fiscais poderão ignorar então a qualificação feita pelas partes e requalificá-la em função da respectiva substância. Podemos ilustrar este primeiro caso através do exemplo de uma empresa que investe numa empresa associada sob a forma de um empréstimo remunerado quando, em condições de plena concorrência, tendo em atenção a situação económica da empresa mutuária, o investimento não revestiria normalmente essa forma. As autoridades fiscais terão então legitimidade para qualificar o investimento em função da sua substância económica e para tratar o empréstimo como uma subscrição de capital.”

Dos excertos transcritos resulta com toda a clareza a directriz a adoptar no tratamento da questão que nos ocupa.

E, adiantando, é possível fazer desde já a seguinte asserção:

Se o fito do mecanismo dos preços de transferência é tratar materialmente cada empresa, inserida num grupo de empresas, e beneficiária das relações especiais que no seu seio se criam, como uma “entidade separada”, uma “empresa independente”, não inserida no âmbito de especiais relações, e se, em concreto, a neutralização dos efeitos associados a tais relações passa designadamente pela qualificação do investimento em função da sua substância económica, eis que se revela, à evidência, como legítima a opção da ré, proposta pelos serviços inspectivos e materializada nos actos de liquidação que se analisam.

Explica-se, detalhadamente:

O tratamento da empresa D…………… como uma entidade separada implica, nestes termos, que o respectivo financiamento, em condições normais de mercado, se processasse, nas condições e na conjuntura existentes, tal como apurado para os autos, com recurso a crédito de uma entidade externa, e não mediante uma cedência de fundos que, a este título, se revela efectivamente insusceptível de ser qualificada como “capital quase próprio”.

Com efeito, vimos com Pereira de Almeida que a realização de prestações suplementares, para cujo regime se remeteu, por deliberação e contrato de sociedade, a operação de prestações acessórias, se destina a fazer face a uma situação de subcapitalização.

Situação em que reconhecidamente, logo à partida, não se encontrava a sociedade D…………... Ainda que possa ver-se fragilidade neste fundamento, outros são de avançar, no sentido do suporte do entendimento sufragado.

É certo que, como bem refere a impugnante, na linha do que se vem afirmando na jurisprudência [sobretudo arbitral – v.g., por todos, o acórdão do CAAD de 08.07.2013, proferido no âmbito do processo n.º 12/2013-T], impera neste âmbito um princípio de liberdade de gestão, não resultando da lei civil ou comercial qualquer vinculatividade quanto à forma ou aos limites de financiamento da sociedade pelos sócios.

Porém, o conceito da opção de gestão esbarra necessária e frontalmente com o âmbito da realização do escopo social.

Melhor dizendo, afigurar-se-á legítima a opção de realização de prestações acessórias sempre que esta sirva ainda, mesmo que mediatamente, o objecto social fixado nos estatutos que, como é consabido, constitui limite inultrapassável à capacidade da sociedade comercial. Deste modo, a viabilidade da categorização da realização de prestação acessória como “opção de gestão” depende ontologicamente da finalidade da realização da operação.

É que o enquadramento da obrigação acessória de capital no âmbito da liberdade de gestão da empresa depende, assim, da assertividade com que se possa ver nelas uma acção dirigida à obtenção de lucro.

E isto revela-se e perpassa por toda a alegação da impugnante, que empreende nuclearmente a tentativa de demonstrar que a realização das prestações acessórias visava o reforço da estrutura de capitais próprios da participada, meio dirigido à consecução do propósito expansionista do grupo.

Ora, como se deixou exposto, soçobrou a prova daquela materialidade, revelada, ao invés, a necessidade de liquidez da D........... para a realização da deliberada distribuição de dividendos. Registaram-se, como se deixou assente no elenco dos factos provados, dois fluxos financeiros de idêntico montante, na mesma data, e de sentido inverso. Um de cedência de fundos, pela A…………. à D……….., a título de prestações acessórias, outro de distribuição de dividendos à A……….., por aquela D…………….

Admite-se assim que, em tese, seria possível caracterizar-se uma operação de “cedência de fundos” a uma sociedade (mesmo não subcapitalizada), em vista do reforço dos seus capitais próprios, no ensejo último (ainda que não imediato) de prosseguir o escopo lucrativo do grupo, como uma verdadeira operação de realização de prestações acessórias, não remunerada e não sujeita a tributação.

Mas afigura-se, ao invés, inadmissível, a qualificação de operação de cedência de fundos, destinada a realizar a liquidez necessária a uma deliberada distribuição de dividendos, como uma opção de gestão, justamente por não se estar perante um acto que dê realização ao fim social.

Não podem opor-se, assim, a este entendimento as razões relacionadas com um princípio de liberdade de gestão, tanto mais que esta liberdade se mantém intacta, quanto à eficácia económica e financeira que visa alcançar: o que se reajusta, mediante a aplicação do regime dos preços de transferência, são as consequências fiscais daquelas opções de gestão, por forma a assegurar a plena concorrência, em termos fiscais.

Na esclarecedora expressão adoptada pelo Tribunal Central administrativo Sul, em acórdão de 15.02.2011 (proc. n.º 04255/10), “(...) não estando, nem podendo estar em causa a liberdade de escolha do contribuinte na conformação dos seus negócios, ou, dito de outro modo, não estando em causa o exercício da sua autonomia privada, o que se limita é a possibilidade de a vontade do contribuinte ser relevante no que respeita ao grau da sua oneração fiscal” [acórdão disponível em www.dgsi.pt].

É igualmente inoponível a este entendimento o que é versado pela impugnante, quando alega que a operação de prestações acessórias é, por natureza e essência, incomparável com uma concessão de crédito. E assim é desde logo à vista de uma consideração elementar: a qualificação de uma qualquer operação, pelas empresas envolvidas, como de realização de prestações acessórias seria condição necessária e suficiente a obstaculizar a sua caracterização por referência à materialidade e substância económica em causa. O que notoriamente redunda em absurdo (além de frontalmente contraditado pelo teor do citado art.º 36.º, n.º 4 da LGT).

A tanto acrescem, no mais, os argumentos invocados pela Administração Tributária para caracterização da operação como mútuo: por um lado, a transmissão destas prestações acessórias a favor de quem, nos termos do CSC, não poderia ser delas titular (não-sócio), remete para a sua caracterização como simples créditos, de valor económico autónomo, susceptível de transacção económica; por outro, a impossibilidade de caracterização da operação como “quasi-capital”, de acordo com os critérios avançados pelo relatório do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1979, em vista da criação de relação do tipo credor/devedor entre as duas sociedades.

Todos a apontar pela legitimidade da requalificação e tributação da operação efectuadas pela administração fiscal e, reversamente, pela inexistência de qualquer erro sobre os pressupostos, quer de facto, quer de direito.

Cumpre nesta matéria, por fim, debruçar a nossa atenção sobre o método utilizado para a determinação do preço de plena concorrência, que é objecto de refutação por parte da impugnante.

Considera esta, na matéria de que ora nos ocupamos, que “a comparabilidade nunca se alcançaria com o método do preço de mercado comparável – porque não há operações comparáveis à prestação acessória. Um mútuo (abertura de crédito) tem condições muito diversas de uma prestação acessória”.

O argumento não é, assim, próprio do recurso a um particular método de comparabilidade, mas meramente decorrente, e acessório, da requalificação da operação como mútuo. A asserção de que se parte para recorrer ao método do preço comparável de mercado como instrumento de correcção de tributação é, nos termos do que fixou exposto e assente, válida. Da invalidade da asserção sobre a (possibilidade de) requalificação dependeria, na linha de raciocínio da impugnante, a invalidade do recurso ao método de comparabilidade utilizado. Soçobra, por conseguinte, e sem necessidade de outras considerações, a pretensão da impugnante neste ponto».

Ora, salvo o devido respeito, há nesta fundamentação um erro de base que inquina todo o percurso conducente à solução final e que inclusive induziu, como vimos já na apreciação das nulidades apontadas à sentença, a que a Recorrente defendesse que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão.

Na verdade, para legitimar a actuação administrativa o Tribunal rejeitou que a requalificação da operação resultasse directamente da aplicação do regime de preços de transferência consagrado no artigo 58.º do CIRC, que, como expressamente admitiu, tem o seu campo de aplicação ou vocação natural limitado às correcções quantitativas que devam ser determinadas se e quando as operações em análise, nos termos e que foram realizadas, violarem o princípio da plena concorrência que o legislador nacional, por imposição do próprio direito da União Europeia, instituiu no direito interno.

Diga-se que o admitiu expressamente e admitiu bem. Ou seja, o regime consagrado no artigo 58.º do CIRC não visa habilitar ou facultar a possibilidade de alteração da qualificação ou da natureza de determinadas operações realizadas entre sociedades com relações especiais, mas, sim, exclusivamente, regular o modo como devem ser realizadas eventuais correcções quantitativas a operações realizadas entre sociedades com relações especiais, verificados os seus pressupostos, deixando incólume a natureza ou qualidade da operação, por referência à qual, nos exactos termos em que foi “qualificada”, o procedimento correctivo do preço é desencadeado.

Entendeu porém o Tribunal a quo, que, no entanto, nada obstava a que essa alteração qualitativa se realizasse por recurso a uma norma de carácter geral – artigo 36.º, n.º 4 da LGT – e que a partir dessa requalificação se avançasse então para a tributação da operação requalificada à luz do regime consagrado no artigo 58.º do CIRC.

Em suma, para o Tribunal a quo, não estando a Autoridade Tributária vinculada à qualificação que as partes atribuíram ao negócio ou operação comercial realizada, é perfeitamente legítimo desconsiderar essa qualificação, requalificar essa operação e, posteriormente, com base nessa nova qualificação recorrer ao regime dos preços de transferência para, com base nele, proceder então às correcções quantitativas que entenda adequadas atentas as relações especiais existentes entre os intervenientes na operação.

No caso, o Tribunal a quo concluiu que as prestações acessórias serviram o exclusivo propósito de realizar a liquidez necessária ao cumprimento da deliberada distribuição de dividendos, pelo que, não devendo tal acto ser considerado um acto de gestão por não se estar perante um acto que dê realização ao fim social, há que julgar o mesmo inadmissível. Ou seja, para o Tribunal, secundando integralmente a fundamentação da Administração Tributária, não se encontrando a D………… numa situação de subcapitalização, tinha que ter recorrido a uma entidade externa para obter aquele financiamento e não financiar-se mediante a cedência de fundos, pelo que se impunha a requalificação do negócio ao abrigo do n.º 4 do artigo 36.º da LGT com a consequente tributação ao abrigo do artigo 58.º do CIRC.

Contra este julgamento concorrem no caso concreto dois fundamentos. Por um lado os factos apurados que não permitem sustentar, como defende o Tribunal a quo, a requalificação da operação por recurso ao preceituado no artigo 36.º, n.º 4 da LGT. Por outro a existência de um regime legal especialmente consagrado para a realização deste tipo de correcções de que decorre que o recurso ao regime dos preços de transferência, por não ter sido gizado para esse efeito, é inadequado e juridicamente incapaz de sustentar a liquidação impugnada.

Começando pelos factos apurados, salientemos o essencial:

- a “E……………………., S.A.”, na qualidade de única accionista da sociedade “D……………….., SGPS, S.A.”, e na sequência de deliberação tomada em assembleia geral desta última, realizou a favor desta, em 11-4-2005, prestações acessórias, em dinheiro e não remuneradas, no valor de € 66.540.000,00, montante este que havia recebido daquela a título de dividendos no exercício de 2004 (cfr., em particular, os factos constantes dos n.ºs 4., e 7. 8. a 10. do probatório);

- a 3-11-2005, a “B…………… S.A.” cedeu as prestações acessórias à sociedade “C……………., S.G.P.S.”, sem vencimento de juros, pelo seu valor nominal, a pagar até 31-10-2009 (cfr. facto apurado sob o n.º 14.);

- a “C……………, S.G.P.S.” detém 47,40% do capital social da “A………………. S.A.2, a qual por sua vez detém 90,11% da “B………………, S.A.”, que por sua vez detém 100% da sociedade “D………………, SGPS, S.A.”.

Foi com base nestas operações realizadas entre estas entidades que a Administração Fiscal veio a corrigir o lucro tributável do grupo, em resultado de correcções operadas na esfera individual da sociedade “B…………...,S.A.”, acrescendo ao lucro tributável o montante de € 1.586.272,23 euros, sendo que, desse valor, € 1.575.958,86 euros são imputáveis a juros relativos às referidas operações financeiras, que requalificou como mútuos remunerados, ao abrigo do disposto no artigo 58º do CIRC.

Atentando de forma pormenorizada no Relatório de Inspecção, consta-se que a alteração da qualificação jurídica da operação em análise ficou aí vertida, em resumo, no seguinte: em face do regime previsto no Código das Sociedades Comerciais (CSC) para as prestações suplementares (artigos 210° a 213°, inclusive), não é admissível a detenção, por um não sócio, de prestações suplementares sobre uma sociedade, pelo que, não sendo a C……………. S.A. accionista directa da D…………., não podia ser detentora de prestações acessórias com características de “quasi-capital” na D…………... E embora o pacto social da D……….. permitir a realização de prestações acessórias, estipular que não são remuneradas e classificar as mesmas como prestações suplementares ao nível da exigibilidade, regime de obrigação e de retenção, não há impedimento quanto a considerar remuneração para as mesmas numa óptica fiscal de garantia do princípio de plena concorrência ao nível da matéria de preços de transferência nos termos do artigo 58.º do CIRC.

É com base nestes aspectos nucleares da sua fundamentação que a Administração Tributária conclui que os fundos cedidos a título de prestações acessórias pela B…………. à D………….. poderiam ter sido obtidos por esta última junto de entidades terceiras independentes, com a consequente existência de remuneração sob a forma de juros e que, não assumindo um carácter de “quasi-capital” a cedência de fundos sob a forma de prestações acessórias deverá ser remunerada.

Ou seja, conclui que a B…………., com esta operação de realização de prestações acessórias, violou o princípio de plena concorrência previsto no artigo 58°, n°1, do CIRC, que impõe que nas operações comerciais, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

Como de forma clarividente é realçado pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, o que «subjaz ao entendimento sufragado pela AT no relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária é que a sociedade “D………….., SGPS, S.A.” apresentava indicadores económicos que lhe conferiam capacidade de financiamento junto do mercado, pelo que a operação em causa realizada pela “A………………” deve ser encarada como a “concessão de um crédito sob a forma de cedência de fundos a título de prestações acessórias”, o qual podia ser obtido junto de entidades terceiras independentes, que neste caso estava sujeita a remuneração sob a forma de juros».

Em suma, para a Autoridade Tributária não existindo fundamento económico para a realização de prestações acessórias por parte da accionista da “D……………”, a concessão de fundos a esta sociedade por parte da accionista “B…………… S.A.” deve ser qualificada como a concessão de um empréstimo remunerado, cujos juros estão sujeitos a tributação, em observância do preceituado no artigo 58.º do CIRC.

Acontece porém que, contrariamente ao que conclui a Administração Tributária e a sentença recorrida, não é verdade que não exista fundamento económico para a realização das prestações acessórias nem, de resto, esse argumento, mesmo que tivesse resultado comprovado, e não está, constitui elemento factual bastante à alteração da qualificação jurídica à luz do artigo 58.º do CIRC ou da regra geral consagrada no n.º 4 do artigo 36.º da LGT.

Não pretendemos significar com o que vimos dizendo, que a factualidade apurada permita sustentar qualquer dúvida quanto à existência de relações especiais, nos termos definidos no n.º 4 do artigo 58.º do CIRC, entre as sociedades “B……………” e “D……..”, uma vez que está provado que aquela primeira tem o poder de exercer uma influência significativa nas decisões de gestão desta última, por ser titular de 100% do seu capital social.

Ou seja, se a aplicação do regime constante do artigo 58.º, n.º 4 do CIRC estivesse exclusivamente dependente da verificação deste circunstancialismo, a questão em apreço seria de simples resolução.

Todavia, como já deixamos indiciado e agora reforçamos, o regime dos preços de transferência não foi gizado e é, permitimo-nos dizê-lo, totalmente desadequado para sindicar ou avalizar as operações em apreço e cuja correcção deu origem à liquidação impugnada.

Chamando à colação as alegações da Recorrente nesta parte, a questão nestes autos não é, nem pode ser, a de saber ou apurar se os preços e/ou condições porque foi realizada uma determinada operação viola o princípio da plena concorrência: Isto é, se foram estipulados preços e condições de pagamento distintos dos que seriam praticados se as mesmas operações tivessem sido realizadas por entidades totalmente independentes. Do que se trata, ou tudo quanto é legítimo que se tivesse tratado, é de aferir se a opção por um determinado “financiamento intra-social” é admissível e, sendo-o, se é admissível que não seja remunerado, sendo que, no caso, a resposta a tais questões, face aos estatutos e ao preceituado no artigo 210.º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, é indiscutível que só pode ser afirmativa.

Como refere o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, citando Manuel Anselmo Torres, cujo entendimento também acompanhamos, “A falta de vencimento de juro é própria das prestações de capital, pelo que não poderá ser objecto de correcção fiscal. Já vimos acima por que razão uma prestação suplementar, classificada como capital próprio é insuscetível de vencer juros e porque, caso a sociedade a tanto se obrigasse, a deveria classificar como um passivo, como se de um suprimento se tratasse. Sendo os sócios livres de optar por financiar a sociedade com capitais próprios (capital social ou prestações suplementares) ou com capitais alheios (suprimentos), e não podendo aqueles, por natureza, vencer juros, nada poderá obrigar os sócios a reconhecer um proveito fiscal equivalente a um juro como resultado da prestação suplementar.».(Autor citado, inPrestações suplementares, seu Regime Comercial, contabilístico e tributário” - Estudos em Memória do Frof. Dr. Saldanha Sanches, vol. IV.)

Prosseguindo no seu raciocínio, adianta o mesmo Autor que «o regime de preços de transferência consagrado no artigo 63° do IRC não põe em causa as relações de capital entre sócios e sociedades nem determina que os sócios financiem parte dos capitais das suas participadas com dívida remunerada». Por outro lado porque estamos perante uma situação em que não nos podemos abstrair da realidade das relações especiais entre duas entidades. Ou seja, não se pode equiparar o financiamento de uma sociedade por um seu acionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira. São duas realidades distintas com planos de abordagem igualmente diversos. O facto de no caso concreto a entidade acionista ser uma sociedade e esta ter por escopo o lucro não altera essa realidade.

Como refere Jaime Carvalho Esteves (in “Da irrelevância da “fat capitalization” de uma “sociedade instrumental”¹), «...a conclusão por uma eventual fat capitalization da subsidiária não decorre da comparação entre a opção económica concretamente tomada e aquela que teria adotada por uma parte independente. E que estando a realização do capital próprio reservada a sócios ou àqueles que pela dita entrada o venham a ser, uma não relacionada não disporá de alternativas equivalentes àquelas que se deparam as entidades objeto do teste de plena concorrência. Não podendo ser encontrada uma entidade independente que se encontra em idêntica posição à da entidade relacionada e não tendo aquela as mesmas possibilidades de opção de que esta dispõe, estão em causa os próprios fundamentos do regime de preços de transferência, tornando-o absolutamente inadequado para analisar a operação em causa». (…) «a ineficácia tributária de um facto (leia-se de uma operação ou de uma estrutura) decorrerá da intervenção, com sucesso, de uma cláusula específica anti-abuso ou, na sua ausência, da cláusula geral anti-abuso constante do n°2 do art. 38° da LGT. A conclusão é, assim, evidente: a estrutura será de desconsiderar se for abusiva, sendo que tal efeito útil poderá ser alcançado se fundamentado nos exatos termos e condições que se encontram previstos para o abuso fiscal, i.e., nos termos do art. 38° da LGT.

Procurar contornar a questão por recurso a um outro instituto, e.g., em sede de preços de transferência, constituiria um artifício do qual decorreria uma evidente violação de lei, já que este último é absolutamente inadequado para o efeito, pela inexistência de entidades independentes em posição análoga à do sócio. Aliás, nesta matéria, importará sempre ter presente que a forma natural de um sócio aportar fundos à sua participada para que esta desenvolva as suas actividades corresponde, exatamente, a capitais próprios e não a mútuos ou figuras similares» (negrito de nossa autoria).

Foi precisamente esta opção de requalificação da operação através do instituto do preço de transferência que a Administração Tributária concretizou, pois, como nos é revelado pelo Relatório de Inspecção, em especial nas partes a que já demos oportuno destaque, e que consta quase integralmente do probatório, foi partindo do pressuposto de facto – e apenas desse - de que a “D………….” estava em condições de aceder a financiamento de terceiros que a Administração Tributária veio a concluir que a qualificação formal da operação realizada – prestações acessórias por parte da sua única sócia - não correspondia à sua efectiva substância económica, havendo, pois, que a requalificar como mútuo.

Vimos já que tal pressuposto não constitui pressuposto válido para o efeito de alteração da qualificação à luz do regime dos preços de transferência nem muito menos, como se diz no douto parecer do Ministério Público «para que seja imposto ao sujeito passivo uma operação mais gravosa só porque dela resulta maior tributação”. E só por si também não é suficiente para que se julgue legítima a requalificação da operação à luz da não vinculação da Administração Tributária à qualificação jurídica que as partes atribuam ao negócio jurídico postulada no artigo 34.º, n.º 6 da LGT.

Desde logo porque não resultou apurado nos autos que a operação financeira avaliada constitua um mútuo remunerado e não efectivas prestações acessórias realizadas pela accionista única.
Por outro, o facto, que se reconhece, de não ser comum a cedência de créditos emergentes de prestações acessórias e/ou suplementares a não accionistas também só por si não permite sustentar a requalificação da operação como um “típico contrato de mútuo” como se faz na sentença recorrida.
Dito de outro modo, o facto de não ser comum a cedência de créditos emergentes de prestações acessórias a não accionistas não é suficiente para destruir as características da obrigação acessória fixada em pacto social, as quais, como é sabido, podem ser transmitidas - cfr. o art. 209º nº2 e 287º nº2 do CSC, revelando, outrossim, o raciocínio da Autoridade Tributária uma total desconsideração pelo restante regime jurídico aplicável, nomeadamente o regime de restituição previsto no 213º do CSC que lhes confere o carácter indiscutível de prestações de quase-capital. Aliás, tendo durante muito tempo sido discutida a admissibilidade de prestações suplementares de capital nas sociedades anónimas, mas sendo a maioria da doutrina favorável a essa prestação, a consagração nos pactos sociais da figura das obrigações acessórias seguindo o regime das prestações suplementares surgia como uma solução para a possibilidade de financiamento interno da sociedade anónima, via legítima porque coberta pelo princípio da autonomia privada. (Vide, por todos, Paulo Olavo Cunha em Direito das Sociedades Comerciais, 3ª edição, Almedina, 2007, páginas 441 e 442 (em anotação contemporânea com o quadro legal então em vigor).)
Acresce ainda, como salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, cujo raciocínio pela sua assertividade não prescindimos novamente de convocar, “A tal situação não é estranho o facto de na estrutura societária em causa, a sociedade “C………….” ter uma participação maioritária na sociedade “A……………”, havendo mesmo doutrina que defende “a possibilidade da transmissão dos créditos resultantes das prestações suplementares autonomamente da qualidade de sócio” - numa explícita alusão ao entendimento perfilhado por Rui Pinto Duarte. (Autor citado, “Escritos sobre Direito das Sociedades”, Coimbra Editora, 2008.)

Em conclusão: se a Administração Tributária entendia que dos elementos que lograra apurar, a que fizemos já expressa referência, resultava fortemente indiciado que com a operação em apreço o que as partes verdadeiramente pretendiam era a concessão de financiamento à sociedade “C…………… S.A.”, impunha-se que tivesse lançado mão da cláusula anti-abuso (Embora na doutrina haja autores que incluem igualmente o art. 58° do CIRC nas normas especiais antiabuso — cfr. a este propósito Rui Duarte Morais, “Sobre a Noção de “cláusulas antiabuso”, Direito Fiscal, Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Dr. António Sousa Franco III 2006, pág.879/894.) e utilizar o procedimento previsto no artigo 63° do CPPT, tal como alega a Recorrente. O que não é, porém, legitimo, nessas circunstâncias, «face à letra da lei e à teleologia do regime dos preços de transferência tal como consagrado no Código do IRC e desenvolvido na Portaria n° 1446-C/2001, é usar este regime para efectuar uma espécie de meia correção e, na outra metade, i.e., na parte do preço que difere do preço de mercado, efectuar uma diferente qualificação do rendimento...Para casos dessa natureza existe na ordem jurídica um instrumento legal específico — a CGAA — especialmente desenhado e vocacionado para combater esse tipo de práticas…»(Bruno Santiago & António Queiroz Martins, “Os preços de transferência na compra e venda de participações sociais entre entidades relacionadas”, Cadernos Preços de Transferência, Almedina, 2013, Coordenação João Taborda Gama.)

E, sendo assim, há que reconhecer razão à Recorrente no ataque dirigido ao julgado que, nesta parte, face à procedência das conclusões 1. a 9. e 11. A 19. das alegações de recurso, será revogado, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas quanto ao método comparativo eleito para fixar o valor da taxa de juro.

4.3.2. Da requalificação da operação de cessão onerosa de prestações acessórias com diferimento de pagamento à sociedade “C……………., SGPS”

No que a esta operação respeita o Tribunal elegeu como questão fundamental a de saber se a alienação das prestações acessórias pela “B………… S.A.” à “ C…………….., S.A.”, com diferimento do preço constitui na realidade uma concessão de crédito pela primeira à segunda.

Ou seja, se bem interpretamos a sentença recorrida, a questão que se apreciava e a resposta que se visava alcançar era a de saber se sob a forma de uma operação de “cessão onerosa de prestações acessórias” o que efectivamente se negociara fora uma concessão de crédito remunerado.

A esta questão dão as correcções determinadas pela Administração Tributária resposta concludentemente afirmativa, sustentando-se as mesmas no entendimento, exarado no Relatório de Inspecção, de que tendo as prestações sido restituídas pela “D……………” em momento anterior à data limite de pagamento estabelecida no contrato celebrado com a “C…………….. S.A.”, esta acabara por beneficiar dessa antecipação de restituição, devendo, por isso, entender-se que o que verdadeiramente existiu foi uma cedência de fundos que só tem justificação se for remunerado, o que implica a sua requalificação em conformidade com a efectiva substância económica que a caracteriza e, consequentemente, ser objecto de tributação.

Na sentença recorrida, que perfilhou este mesmo entendimento, não se adianta muito mais em termos de fundamentação de facto e de direito. No essencial, do juízo adiantado decorre que ficou provado que da operação em apreço resultou para a “B……………. S.A.”, a privação ou indisponibilidade do valor correspondente ao preço da venda (atento o prazo fixado para o seu pagamento) e uma clara vantagem para a “C…………….. S.A.” viabilizada pela antecipação do reembolso das prestações.

Assim, constituindo a referida disponibilidade de meios financeiros o objecto de uma típica operação de crédito que, por natureza, não pode deixar de ser remunerada vem a concluir-se na sentença recorrida que estavam verificados os pressupostos para a requalificação da operação em obediência à respectiva substância económica, remetendo-se aí, em geral e complementarmente, para os fundamentos de direito aduzidos na apreciação da questão antecedente, incluindo quanto à valia do método comparativo e exigibilidade dos juros nos termos do artigo 58.º do CIRC.

Também nesta parte começamos por salientar que a única factualidade que com relevo ficou apurada é a que consta dos pontos 14. e 15. do probatório, ou seja, que a 3-11-2005 a “B…………… S.A.” cedeu as prestações acessórias à sociedade “C……………….”, pelo seu valor nominal, a pagar até 31-10-2009 e que as prestações acabaram por ser restituídas pela “D……………..” em data anterior ao prazo fixado à sociedade “C……………” para o seu pagamento.

Com interesse para a decisão da questão nada mais resultou provado, sendo que, no âmbito do processo em que nos movemos e tendo por referência o procedimento que no caso foi adoptado pela Autoridade Tributária, é indiferente o que ficou por provar ou, em bom rigor, indiferente que não se saiba se são ou não verdade (porque apenas se não provou) as alegações vertidas na petição inicial e que expressamente constam dos factos não provados.

Ora, a factualidade, dizemo-lo de novo convictamente, é insuficiente para sustentar o julgamento – subjacente ao Relatório de Inspecção e perfilhado pelo Tribunal a quo – de que o único objectivo da operação em referência foi beneficiar a “ C……………. S.A.” ao fixar um alargado prazo de pagamento e, simultaneamente, ao permitir a restituição antecipada das prestações acessórias. Ou seja, para a Administração Tributária e para o Tribunal tais factos são suficientes para se concluir que a “formal cessão onerosa das prestações acessórias com diferimento do prazo de pagamento” apenas serviu para encapotar uma disponibilização financeira ou concessão de crédito à “C……………., S.A.”.

Ora, para além de não acompanharmos a sentença recorrida na interpretação de suficiência factual apurada e, consequentemente, na extrapolação ou conclusão definitiva que extrai – note-se que não há no probatório qualquer factualidade que, isolada ou conjugadamente nos permita concluir que era previsível a ocorrência da antecipação da restituição das prestações suplementares ou que as partes visaram transferir resultados com o propósito de diminuir a carga fiscal e que as cláusulas vertidas no contrato celebrado e que acompanham o deferimento do preço também comportavam elevados riscos financeiros para a adquirente que quer a Administração tributária quer o Tribunal a quo desconsideraram em absoluto, ainda que admitissem a imprevisibilidade dessa antecipada restituição – vale, nesta parte, tudo quanto expusemos quanto à legalidade de actuação da Administração Tributária ou conformação procedimental das correcções atento o âmbito de aplicação do regime dos preços de transferência.

Em suma, é para nós evidente que as correcções preconizadas, e que substanciam a liquidação impugnada nesta parte também não podem ser concretizadas por recurso ao regime ou instituto dos preços de transferência consagrado no artigo 58.º do CIRC, assistindo mais uma vez razão à Recorrente quando defende (como a doutrina já citada e transcrita também afirma) que não é possível equiparar-se a cessão do crédito sobre as prestações acessórias, mesmo com o benefício da sua restituição em relação ao prazo para o seu pagamento, como uma simples concessão de crédito, um empréstimo financeiro encapotado, por estarmos perante realidades insusceptíveis de comparação.

São, pois, de julgar procedentes as conclusões 20. a 33. das alegações de recurso ou, o mesmo é dizer, de reconhecer que a liquidação padece, também nesta parte, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, consequentemente, porque ilegal, não pode deixar de ser anulada, julgando-se, outrossim, igualmente prejudicadas as demais questões a este propósito suscitadas quanto ao método de comparação seleccionado e utilizado pela administração Tributária (vertidas nas conclusões 35. e seguintes das conclusões do recurso jurisdicional).

4.4. As respostas afirmativas dadas às questões apreciadas nos pontos 4.2. e 4.3. determinam a procedência do recurso jurisdicional o que, a final, se determinará, com custas pela Recorrida, porque integralmente vencida, em 1ª e nesta instância sem prejuízo de, nesta última, ficar dispensada do pagamento de taxa de justiça uma vez que não contra-alegou (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)

5. Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a Impugnação Judicial.

Custas pela Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. - Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora) – José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.