Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/18
Data do Acordão:01/25/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22837
Nº do Documento:SA120180125018
Data de Entrada:01/10/2018
Recorrente:A... CRL
Recorrido 1:ERC - ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………., CRL intentou, no TAF de Braga, contra a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acção administrativa especial impugnando a deliberação do respectivo Conselho Regulador que decidiu “ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 3, al. e) dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei nº 53/2005, de 8/11, e artigo nº 17, nº 1, da Lei da Rádio, não renovar a licença do operador A……….., CRL, para o concelho de Vila Verde, frequência …… MHz, com a denominação “A…………”.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
E o TCA, para onde a Autora apelou, não admitiu o recurso, não conhecendo do seu objecto.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Resulta do probatório que a Autora requereu à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a renovação da sua licença para o exercício de radiodifusão sonora e que tal pedido foi indeferido pela deliberação impugnada com a seguinte fundamentação:
analisando o processo relativo ao pedido de renovação de licença em causa e respectivos argumentos apresentados em sede de audiência prévia e concluindo-se que o operador não tem a sua situação contributiva e financeira regularizada perante a Segurança Social e as Finanças, o Conselho Regulador da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social delibera, ao abrigo do disposto no artigo 24°, n.º 3, alínea e), dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.º 53/2005, de 8/11, e artigo 17°, n.º 1, da Lei da Rádio, não renovar a licença do operador A…………, CRL, para o concelho de Vila Verde, frequência …… MHz, com a denominação de “A……….”.

A Autora impugnou esta deliberação alegando, no essencial, que a renovação da referida licença não só não dependia da comprovação da inexistência de dívidas perante a Segurança Social e o Fisco como a Autora estava a pagar as suas dívidas àquelas entidades de forma faseada. Acrescia que a Ré não se pronunciou sobre o seu pedido no prazo legal, pelo que aquele fora tacitamente deferido. Ademais, o acto impugnado não estava fundamentado nem não tinha sido publicado e o mesmo violava diversos dos princípios a que estava sujeita a actividade administrativa.

O TAF, por sentença de 16/03/2016, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido. Para tanto e, entre outras, teceu as seguintes considerações:
“Dentre as atribuições da ERC, a que acima vem sublinhada, sob a alínea c) do art.° 8° merece particular destaque, no que respeita às exigências feitas no sentido de que os concessionários do serviço público de radiodifusão tenham a sua situação económica minimamente estabilizada e as suas “contas em ordem” mormente com as Finanças e a Segurança Social.
….
A autora alega que está a pagar faseadamente à Segurança Social a sua dívida e está a proceder a pagamentos pontuais e por conta ao serviço de Finanças de Vila Verde. No entanto, no âmbito do procedimento que correu termos nos serviços da ERC, os elementos necessários para que se pudesse comprovar cabalmente que a situação perante o Fisco e a Segurança Social estava regularizada não foram disponibilizados, não cabendo à ERC substituir-se às entidades competentes para emitir tais declarações ou concluir pela reclamada regularização.
Ademais, “a realização de pagamentos” pode cessar em qualquer altura e, pela sua natureza precária, não poderá ser susceptível de ilustrar uma situação tributária regularizada, não ser que, nos termos do disposto no art.° 2°, b) do DL n° 236/95, de 13/09 (regula a situação dos contribuintes que estejam a regularizar as suas dívidas à Fazenda Nacional), esteja a ser feito nos termos e condições autorizados. Ainda assim, novamente se frisa, será a entidade competente que terá de passar a respectiva declaração comprovativa, não cabendo à ERC substituir-se-lhe.
A Autor apelou para o TCA e este não conheceu do recurso por razões que foram assim enunciadas:
Os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC, são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados. ….
No entanto, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação da matéria de conhecimento oficioso.
…..
Analisando agora a nossa situação concreta verificamos que a Autora veio solicitar a declaração de nulidade ou a anulação da deliberação do Conselho Regulador da ERC, datada de 8 de Julho de 2009, e que não lhe renovou a Licença de operador de Rádio.
Invocou para o efeito que a decisão incorria em vários vícios invalidantes, nomeadamente que o indeferimento teve como base o disposto numa circular e não numa Lei ou Decreto-Lei, vício de forma por falta de fundamentação, não publicação da deliberação, referindo ainda que se encontravam violados os princípios da prossecução do interesse público, da legalidade, da proporcionalidade e da justiça.
Foram estas as questões analisadas pela decisão da 1ª instância.
Agora, no recente recurso, vem a recorrente referir que em 28 de Fevereiro 2014 apresentou processo Especial de Revitalização, tendo o mesmo sido aprovado. Juntou dois documentos que referem nada dever à Segurança Social e à Autoridade Tributária.
Estas questões, como facilmente se conclui são questões novas, não foram apreciadas em 1ª instância e nada têm a ver com o acto impugnado. Na verdade o acto impugnado é de Julho de 2009, e os motivos ora invocados pelo recorrente são datados de 2014. A legalidade dos actos administrativos afere-se pela data em que os mesmos foram prolatados nos termos do princípio tempus regit actum, e não por alterações que entretanto se vieram a verificar, decorridos que foram vários anos. No entanto, como estamos perante a apresentação de dados novos, e que nada têm a ver com o acto impugnado, não tendo por isso mesmo sido apreciados pelo Tribunal a quo, não pode o recurso ser admitido.”

3. A Autora não se conforma com esse julgamento alegando que quando as decisões das instâncias foram proferidas já tinha a sua situação regularizada perante o Fisco e a Segurança Social e, por outro lado, que, em sede de recurso, havia que distinguir entre factos supervenientes – os que ocorrem ou são desculpavelmente desconhecidos depois de proposta a acção – e factos velhos – os que já eram conhecidos aquando da instauração da acção e, por isso, podiam ter sido invocados na petição inicial.
Ora, no caso, só em 21/08/2014, isto é, após a apresentação dos seus articulados, é que foi aprovado, em sede de Processo Especial de Revitalização, o Plano de recuperação que lhe permite estar regularizar as suas dívidas e a poder afirmar que tem a sua situação contributiva regularizada perante ao Fisco e a Segurança Social. Daí que estes factos, tal como a doutrina e a jurisprudência entendem, devam ser considerados supervenientes e, por essa razão, deverem ser atendidos, atenta a sua importância no presente julgamento.

4. A leitura do antecedente relato evidencia o erro em que o Acórdão recorrido incorreu quando afirmou que o TAF não tinha conhecido a questão da regularização das dívidas da Autora ao Fisco e à Segurança Social e por essa razão concluiu que não poderia conhecer da apelação. E isto porque o TAF conheceu dessa questão de forma expressa.
Todavia, e apesar de afirmar que não iria conhecer do recurso, a verdade é que conheceu ao afirmar que “o acto impugnado é de Julho de 2009, e os motivos ora invocados pelo recorrente são datados de 2014. A legalidade dos actos administrativos afere-se pela data em que os mesmos foram prolatados nos termos do princípio tempus regit actum, e não por alterações que entretanto se vieram a verificar, decorridos que foram vários anos.” E que, por isso, os dados apresentados em 2014 – o Plano Regularização das dívidas da Autora – não podiam ser tidos em conta para se aferir da legalidade do acto impugnado.
E há que reconhecer que tal consideração é juridicamente acertada uma vez que, como é pacífico, a legalidade do acto impugnado tem de ser analisada em função das normas vigentes na data da sua prática e dos pressupostos de facto que aí se verificavam.
Ora, como sublinhou o Acórdão do Tribunal de 1.ª instância, cumprindo à entidade recorrida analisar se a Recorrente tinha a sua situação regularizada perante o Fisco e a Segurança Social na data em que se pronunciou sobre a sua pretensão e, respondendo negativamente a essa interrogação, haveria que a indeferir. Daí que o acto impugnado não pudesse ser anulado com este fundamento.
Ora, o Acórdão recorrido acabou por confirmar esse julgamento, apesar de ter afirmado que não conheceria da apelação.
Sendo assim, e sendo certo que ao assim decidir tudo indica que as instâncias fizeram correcto julgamento, não se justifica a admissão da revista por a mesma não ser necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.

DECISÃO.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.