Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0862/12 |
Data do Acordão: | 09/19/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA PRESCRIÇÃO |
Sumário: | I - Só pode ocorrer nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio. II - Não se verifica, assim, nulidade por omissão de pronúncia se o juiz evoca razões para justificar a abstenção de conhecimento de questão que lhe foi colocada, mesmo que, segundo a sua tese tivesse cabimento ou fosse justificado o conhecimento dessa questão. III - A nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada. IV - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença – já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664º do CPC). V - Considerando como lícita a nova e oficiosa apreciação jurisdicional da questão da prescrição na instância judicial competente, bem andou a sentença recorrida ao decidir que perante este novo julgamento da questão ficava prejudicada a apreciação da validade formal da decisão que o órgão da execução fiscal proferira sobre a matéria. |
Nº Convencional: | JSTA00067786 |
Nº do Documento: | SA2201209190862 |
Data de Entrada: | 07/26/2012 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF VISEU PER SALTUM |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL |
Área Temática 2: | DIR PROC CIV |
Legislação Nacional: | CPC96 ART660 N2 ART664 ART668 N1 B D CPPTRIB99 ART125 ART175 ART276 |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0898/06 DE 2007/09/11; AC STA PROC0510/08 DE 2008/07/14; AC STA PROC0540/08 DE 2008/12/03; AC STAPLENO PROC046592 DE 2005/05/24 |
Referência a Doutrina: | ALBERTO DOS REIS CODIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLV PAG140 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……. recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a reclamação por si apresentada, ao abrigo do disposto nos arts. 276°.º e seguintes do CPPT, contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2550200401506234, indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda. 1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1. O ora recorrente deduziu reclamação da decisão do Exmo. Sr. Chefe do SE de Mangualde que não atendeu à prescrição invocada quanto ao tributo em causa nos autos. 2. Foi agora proferida douta sentença que julgou totalmente improcedente a reclamação apresentada. Sucede que, 3. Não pode o recorrente conformar-se com a douta decisão proferida. Porquanto, 4. A douta sentença entrou, salvo o devido respeito, em insanável contradição e padece de omissão de pronúncia. Pois, 5. A douta decisão aqui em crise escusou-se a pronunciar-se sobre a invocada falta de fundamentação do despacho reclamado, invocando, para tanto, possuir os elementos necessários para conhecer da prescrição. Sendo certo que, 6. A douta decisão considerou não se verificar a dita prescrição. Ora, 7. Diferentemente do plasmado na douta decisão, quando o Tribunal conhece da prescrição é que pode deixar de se pronunciar sobre as demais questões invocadas por manifesta inutilidade. Assim, 8. O facto de ter sido analisada a invocada prescrição, sem que, contudo, tenha a mesma sido reconhecida, não invalida o conhecimento da falta de fundamentação. Aliás, 9. O seu não conhecimento implica uma irremediável omissão de pronúncia. Pois, 10. A douta decisão recorrida não se pronuncia quanto à ausência da fundamentação do despacho recorrido. Pelo que, 11. A douta decisão é nula por falta de pronúncia, de acordo com o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.2 do CPC e do art. 125.º do CPPT. 1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações. B) A citação da devedora originária, “B……, Ldª” ocorreu em 06/01/2005; C) A devedora originária, apresentou reclamação graciosa em 03-01-2005; D) Em 10-09-2005, a devedora originária procedeu à Impugnação Judicial da liquidação em execução nestes autos; E) À Impugnação mencionada em D) coube o n.º 1352/05BEVIS, encontrando-se ainda pendente; F) O executado, aqui reclamante, foi citado, na execução mencionada em A), em 28-09-2005, na qualidade de responsável subsidiário; G) Em 19-09-2005, o executado deduziu oposição judicial à execução mencionada em A), ainda pendente, com o n.2 1489/05BEVIS; H) No âmbito da execução identificada em A), o Reclamante requereu, em 28-12-2005, a suspensão da execução através da prestação de garantia bancária n.º 137-43.000024-0 da ……, datada de 17/11/2005; I) A Garantia bancária referida na alínea F), datada de 17/11/2005, tinha o prazo de 2 (dois) anos; J) Em 09-03-2006, foi proferido despacho, pelo Chefe do SF (competência delegada), a ordenar a suspensão dos autos, aludindo à apresentação da oposição mencionada em G); K) No despacho mencionado em J), mais consta: “Tendo presente: 2. A existência de garantia bancária existente nos autos, ainda que limitada em termos temporais, e sem prejuízo de serem desenvolvidas as diligências de renovação próximo da data do seu vencimento; Nos termos do n.º 1 do art. 169º do CPPT, ordeno a suspensão dos autos.”; L) Através do oficio n.º 4321, datado de 17-10-2007, foi notificado, pelo Serviço de Finanças, o mandatário (com conhecimento ao executado revertido) para que fosse prestada garantia idónea para suspensão do PEF identificado em A); M) Na notificação mencionada em L) é feita a alusão a notificações anteriores, tendo sido junto as respectivas cópias; N) No oficio mencionado em L) mais fez constar a AF que: “...atento ao preceituado no art. 183.º do CPPT e sob pena da mesma ser recusada, a garantia a apresentar não deve ser limitada no tempo.”; O) Através do oficio 1342, de 24-05-2011, o SF notificou o ora reclamante para substituir no prazo de 15 dias a garantia bancária, então apresentada, por uma nova garantia, invocando a caducidade da garantia bancária mencionada na alínea H), datada de 17/11/2005 e apresentada em 28/12/2005; P) A notificação mencionada em O) foi também efectuada na mesma data a coberto do ofício n.º 1343 ao mandatário do reclamante; Q) Na notificação mencionada em O), o SF solicitou uma nova garantia susceptível de assegurar a divida e acrescido, no montante de € 115.095,41, sob pena de proceder de imediato à penhora de bens suficientes para pagamento da divida exequenda e do acrescido; R) Na sequência vinda de referir, o Executado solicitou ao Exm.º Chefe do Serviço de Finanças de Mangualde, “...que declare a prescrição da dívida exequenda...”; S) Na sequência do requerimento mencionado em R), foi proferido despacho em 04/07/2011, não reconhecendo a verificação da prescrição e reiterando a obrigação de prestação idónea. Destacando-se o seguinte teor: “... corroboro a não verificação da prescrição da dívida e ordeno a notificação do presente despacho reiterando a obrigatoriedade de prestar garantia idónea, sob pena de se remover a suspensão dos autos e o desencadeamento de todas as diligências legalmente definidas conducentes à constituição de garantia idónea para reposição da suspensão dos autos”; T) O despacho mencionado em N) foi notificado ao executado a coberto do ofício n.º 1899, de 04-07-2011, aí constando a indicação do meio de reacção correspondente; U) O AR da notificação mencionada na al. imediatamente anterior foi assinado em 06-07-2011; V) A reclamação que deu origem aos presentes autos visa o despacho descrito em N), tendo sido enviada por correio em 2011/07/18 (segunda feira). 3. A questão que o Recorrente coloca à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida, proferida pelo TAF de Viseu a fls. 212/224 dos autos, é nula à luz do disposto nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC e do análogo art. 125.º do CPPT. Tendo em atenção que a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º dispõe que é nula a sentença quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», e que a alínea d) dispõe que é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento», há que olhar para o teor da sentença recorrida, proferida na reclamação que o executado deduziu com vista à anulação da decisão do órgão de execução fiscal de indeferimento do pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda com fundamento em falta de fundamentação e violação de lei por verificação de todos os pressupostos de facto e de direito para a ocorrência da prescrição. Como não se verifica, igualmente, a nulidade da sentença por violação da alínea b) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, já que, como vem entendendo uniformemente a doutrina (Cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 140.) e a jurisprudência (Cfr., entre muitos outros, os acórdãos proferidos pelo STA em 10-10-90, no proc. nº 11946, em 31-1-90, no proc. nº 11921, em 29-5-91, no proc. nº 24722, em 22-2-1995, no proc. n.º 18494, em 5-2-1997, no proc. n.º 21024, em 12-7-2000, no proc. n.º 25056, em 21-1-2003, no proc. n.º 633/02, em 14-7-2008, no proc. n.º 510/08, e em 3-12-2008, no proc. n.º 540/08.), tal nulidade só ocorre quando se verifica falta absoluta de fundamentação, e não quando a fundamentação enunciada é insuficiente, medíocre, contraditória ou errada, Como ensina ALBERTO DOS REIS, na obra citada, «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.» Ora, como se viu, a sentença contém a motivação que levou o julgador a abster-se de conhecer do referido vício, pelo que não existe falta de fundamentação. Se, eventualmente, essa motivação é contraditória e/ou desacertada, estar-se-á perante erro de julgamento e não de nulidade da sentença por falta de fundamentação. Não estando, porém, este tribunal de recurso impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença – já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664º do CPC) (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de CA, proferido em 24/05/2005, no proc. n.º 046592.) – e visto que se deve considerar como implicitamente invocado o erro de julgamento – pois o recorrente alegou que, ao contrário do decidido, só a procedência da questão da prescrição seria susceptível de levar à inutilidade do conhecimento do vício de falta de fundamentação, e não já a improcedência dessa questão, assim sustentando a “insanável contradição” de que padeceria a sentença e o “manifesto erro” em que se teria incorrido – cumpre examinar a matéria alegada na apontada perspectiva. Como se viu, o acto reclamado era constituído pela decisão do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda com base em falta de fundamentação dessa decisão e violação de lei por verificação de todos os pressupostos de facto e de direito para a ocorrência desse facto jurídico extintivo da dívida. Ora, considerando que o tribunal pode, efectivamente, conhecer oficiosamente a questão da prescrição da dívida tributária, mesmo em sede de reclamação deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276.º e segs. do CPPT e ainda que o objecto da reclamação nada tenha a ver com a prescrição nem a questão tenha sido previamente colocada ao órgão da execução fiscal; e visto que, no caso vertente, o Mmº Juiz entendeu, e bem, que face a esse poder de conhecimento oficioso não estava limitado à apreciação da legalidade da decisão reclamada, podendo, antes, proceder a um novo julgamento, sobrepondo-se, assim, ao órgão da execução na apreciação e decisão da matéria, é manifesto que o conhecimento dos vícios imputados à decisão do órgão da execução fiscal ficaram prejudicados pelo novo julgamento efectuado pelo Juiz do tribunal tributário. Em suma, considerando como lícita esta nova e oficiosa apreciação jurisdicional da questão da prescrição na instância judicial competente, bem andou a sentença recorrida ao decidir que perante este novo julgamento da questão ficava prejudicada a apreciação da validade formal da decisão que o órgão da execução fiscal proferira sobre a matéria. Nesta conformidade, a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe é dirigida, improcedendo todas as conclusões do recurso.
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