Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:045296
Data do Acordão:06/17/2004
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA.
DIREITO DO AMBIENTE.
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO.
RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL.
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL.
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO.
Sumário:I. O regime de aplicabilidade directa, próprio dos direitos liberdades e garantias, traduz-se em que, por um lado, os preceitos constitucionais relativos aos direitos liberdades e garantias não carecem de mediação, desenvolvimento ou concretização legislativa para serem aplicáveis, pelo que se aplicam mesmo na ausência de lei; e, por outro lado, em que são inválidas as leis que infrinjam os preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias (tal como as que infrinjam qualquer outra norma constitucional), sendo eles aplicáveis nesse caso, contra a lei e em vez da lei.
II. Assim, é infundado o apelo a esse regime de aplicabilidade directa, se não se invoca ausência de concretização legislativa do preceito constitucional em causa nem a necessidade de se afastar a aplicação de norma legal que eventualmente o infrinja.
III. Nos termos do artigo 4º, número 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março, com a redacção dada pelo DL 213/92, de 12 de Outubro, exceptuam-se da proibição estabelecida no número 1 do mesmo preceito as acções já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria de aprovação das áreas a integrar e a excluir da REN, prevista no número 1 do artigo 3º do referido diploma legal.
IV. Está abrangida por essa excepção a realização de obra correspondente à ultimação da execução de um projecto de rede de esgotos de determinada localidade, cuja instalação estava prevista no correspondente Plano Director Municipal e respectivo Regulamento, aprovados por Resolução do Conselho de Ministros em data anterior à da publicação da portaria referida em III.
V. Após a entrada em vigor do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, manteve-se a vigência do Decreto-lei nº 181/70, de 28 de Abril, nos termos do qual deve ser precedido de aviso público e audiência dos interessados o acto da Administração que constitua servidão administrativa.
VI. Não afecta a validade de um tal acto, por se degradar em mera irregularidade, o vício de forma consistente na preterição das formalidades prescritas no indicado DL 181/70, se o formalismo efectivamente seguido, embora não inteiramente correspondente ao indicado neste diploma, atingiu os objectivos nele visados, assegurando eficazmente a possibilidade de exercício do direito de audiência dos interessados.
VII. O artigo 30º, número 1, da Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) prevê, de modo genérico, a realização de estudo de impacto ambiental, relativamente a planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, os quais são determinados, em concreto, por aplicação das normas legais densificadoras e regulamentadoras do preceito daquele número 1, publicadas conforme a previsão do nº 2 do mesmo artigo 30 da Lei de Bases do Ambiente.
VIII. Assim, relativamente a acções não incluídas na previsão de qualquer destas normas legais regulamentadoras, não é exigível a realização de estudo de impacte ambiental.
IX. De acordo com a regra estabelecida no artigo 11º do Código das Expropriações de 1991, a competência para a declaração de utilidade pública cabe ao ministro a cujo departamento compete a apreciação final do processo.
X. Nos termos do DL 191/93, de 24.5, que estabelece a orgânica do Instituto da Água (INAG), cabe a este organismo a organização do processo respeitante a pedido de uma autarquia, formulado ao abrigo do Decreto-Lei nº 34 021, de 11 de Outubro de 1944, de declaração de utilidade pública dos trabalhos de construção de infra-estruturas de saneamento e drenagem de águas residuais não pluviais e consequente sujeição à correspondente servidão administrativa dos terrenos de implantação dessa obra.
XI. Nos termos dos artigos 1º do referido DL 191/93 e 7º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 230/97, de 30 de Agosto, o INAG é tutelado pelo Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.
XII. Assim, é desta última entidade a competência para a declaração de utilidade pública referida em X.
Nº Convencional:JSTA00061435
Nº do Documento:SAP20040617045296
Data de Entrada:07/22/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:MIN DAS CIDADES ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC STA DE 2001/10/19.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Legislação Nacional:CONST97 ART66.
DL 93/90 DE 1990/03/19 ART4 N1.
DL 181/70 DE 1970/04/28 ART1 ART2 ART3 ART4 ART5 ART6.
CEXP99 ART8 ART14.
L 11/87 DE 1987/04/07 ART30.
DL 191/93 DE 1993/05/24 ART2 ART9 N1.
Jurisprudência Estrangeira:GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 3ED PAG145-146.
ALVES CORREIA MANUAL DO DIREITO DO URBANISMO I ALMEDINA 2001 PAG213.
PEDRO MACHETE A AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO LISBOA 1995 PAG283.
PERESTRELO DE OLIVEIRA CÓDIGO DAS EXPROPRIAÕES ANOTADO ALMEDINA 2ED PAG45.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Tribunal Pleno do acórdão, de 19.10.01, da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que negou provimento ao recurso contencioso interposto do despacho nº 9491/99 da Ministra do Ambiente, que declarou a utilidade pública, a fim de nela passar a rede de águas pluviais, de uma parcela de terreno, de que é proprietária, integrada no prédio rústico nº ..., Secção ..., da freguesia e concelho de ....
Apresentou alegação, com as seguintes conclusões:
1 - O acto recorrido para a Subsecção dessa Secção deste Supremo Tribunal contém uma violação de lei constitucional pois contraria a alínea c) do n° 2 do art. 66° da Constituição, uma vez que atenta contra uma reserva e contra uma paisagem e sítio, de modo a afectar a conservação da natureza.
2 - O acto recorrido consiste em construções na Reserva Ecológica Nacional que são proibidas, por envolverem obras hidráulicas, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, que não são excepcionados pelo n° 2 do art. 4° do Decreto-Lei n° 93/90, na sua redacção actual, pelo que viola o n° 1 desse artigo, violação de lei essa que provoca a sua nulidade.
3 - Além disso está ferido de violação de lei por erro de facto por ter como motivo determinante um pressuposto errado – o de que não haveria alternativa económica preferível para o trajecto do emissário.
4 - Também está ferido de vício de forma por preterição das formalidades essenciais prescritas, para protecção dos legítimos direitos dos administrados, nos arts. 10º a 6° do Decreto-Lei n° 181/70, de 28 de Abril, aplicável à declaração de utilidade pública para servidão administrativa.
5 - Igualmente está ferido de vício de forma por não ter sido precedido de estudo de impacte ambiental contra o preceituado no art. 30° da Lei de Base do Ambiente, por ser intervenção da Administração Pública em área incluída na REN.
6 - Finalmente padece de incompetência em razão da matéria por lhe faltar a assinatura do Ministro do Equipamento, sucessor do Ministro das Obras Públicas, que era a entidade competente nos termos do diploma em que se funda o acto recorrido – o Decreto-Lei n° 34 021.
7 - Qualquer dos vícios referidos nos 3 a 6 causam a anulabilidade do acto recorrido.
8 - O acórdão da Subsecção, não tendo decidido pela declaração de nulidade e pela anulação do acto recorrido, decidiu mal, salvo o devido respeito.
9 - Nomeadamente errou quanto à identificação das normas legais em vigor e quanto à aplicação das mesmas ao caso concreto.
10 - O Decreto-Lei n° 181/70, de 28 de Abril, está em vigor, mesmo depois da publicação dos Códigos das Expropriações de 1991 e de 1999.
11 - O Decreto-Lei n° 34 021 deve ser entendido como conferindo as competências nele atribuídas ao Ministro das Obras Públicas e Comunicações, ao Ministro do Equipamento Social.
12 - O acórdão ora recorrido deve pois ser substituído por outro em que o acto recorrido seja declarado nulo e de nenhum efeito ou, pelo menos, anulado, como é de

JUSTIÇA!
Contra-alegou o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. Sustenta, em síntese, o seguinte:
- tenha ou não sido o DL 181/0 tacitamente revogado pelo CE/91, as garantias que aquele diploma visa assegurar foram, no caso, acauteladas pela observância do disposto no art. 14 do CE/91 e, designadamente, pela notificação da recorrente;
- a organização do processo respeitante ao pedido de declaração de utilidade pública, para a instalação da rede de drenagem de águas residuais não pluviais, cabia ao INAG, que está sujeito, nos termos da respectiva Lei Orgânica (DL 193/93) à tutela do Ministro do Ambiente, cabendo, por isso, a esta entidade emitir aquela declaração de utilidade pública;
- o projecto/obra em questão integra-se na previsão do art. 4, al. a) do DL 93/90, por decorrer a respectiva aprovação do PDM aprovado, por sua vez, antes da delimitação da REN de Alter do Chão;
- de qualquer modo, o art. 61/2/b) do Regulamento do PDM excepciona ‘as infra-estruturas de abastecimento de água e de condução e tratamento de esgotos, desde que não haja alternativa viável’;
- a recorrente não apresenta qualquer estudo ou projecto que consubstancie, técnica e economicamente, alternativa à solução apresentada pela Câmara;
- não era exigível, no caso, qualquer procedimento dos referidos nºs 3 a 7 do art. 4 do DL 93/90, pois que existe plano director municipal de ordenamento do território;
- as normas legais concretizadoras do art. 30 da Lei de Bases do Ambiente, não exigem, para a obra em questão, a realização de estudo de impacte ambiental;
- a obra em causa, por ser conforme ao regime legal da REN, criado em execução do art. 62/2/c) da Constituição, não implica violação deste preceito constitucional.
O Presidente da Câmara Municipal de Alter do Chão apresentou também alegação, na qual defende a manutenção do acórdão recorrido, afirmando, em resumo:
- o DL 181/70 só tem aplicação nos casos em que a constituição da servidão é promovida por entidades diversas da Câmara Municipal;
- com a entrada em vigor do Código das Expropriações (CE), toda a restrição ou compressão de direitos relativos a imóveis na sequência de actos praticados pela Administração Pública passou a estar sujeita à regulamentação fixada nos arts 10 e seguintes desse diploma, que acautela adequadamente as garantias dos interessados;
- a recorrente não indica, nem existe, alternativa viável para a canalização dos esgotos da Zona Industrial de Alter do Chão a não ser pela solução de implantação gravítica, pelo que tal procedimento se enquadra na excepção prevista no art. 61, nº 2 do regulamento do PDM de Alter do Chão;
- nos termos do art. 2, als. d), e) e g) da Lei Orgânica do Ministério do Ambiente (DL 230/97, de 30.8) e 3 da Lei Orgânica do INAG (DL 46/94, de 22.2), conjugados com o art. 11 do CE, cabe ao Ministério do Ambiente a competência para a emissão da impugnada declaração de utilidade pública.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o parecer no qual, remetendo para as razões do que precedeu o acórdão recorrido, se pronunciou no sentido de que deve ser mantido, por não ser passível de qualquer censura.
Colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos, cumpre decidir.
2. O acórdão recorrido baseou-se a seguinte matéria de facto:
A) A Ministra do Ambiente, a requerimento da Câmara Municipal de Alter do Chão, por despacho de 29 de Abril, de 1999, publicado na II Série nº 111, de 13.5.99, determinou “a sujeição das parcelas de terreno assinaladas na planta anexa ao regime de utilidade pública, prevista no DL 34 021 …, sendo que a servidão administrativa a constituir no referido prédio abrange uma faixa de terreno com o desenvolvimento de 193,8 m e 10 m de largura.”
B) A recorrente é proprietária do prédio rústico inscrito na matriz sob o nº ..., Secção ..., da freguesia de Alter do Chão, em que se situa a parcela a sujeitar a servidão administrativa.
C) Em reunião ordinária de 6 de Março de 1996, aprovou o loteamento da Tapada do Lago para implantação de indústrias e actividades similares, para o qual foi emitida a licença nº 297/98-DAS/DAA/SF pela Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Alentejo.
D) A Câmara Municipal de Alter do Chão publicou o edital nº 4/94, de fls. 146-147, cujo teor se dá por reproduzido, publicitando o requerimento da declaração de sujeição a servidão de utilidade pública, nos termos dos artigos 10º e 14º do Código das Expropriações, da parcela de terreno da recorrente necessária à implantação, reparação e manutenção do emissário de águas residuais não pluviais da respectiva rede municipal de drenagem, por não ter sido possível obter o consentimento da proprietária.
E) A recorrente foi pessoalmente notificada pelo ofício nº 593 para se pronunciar em 15 dias sobre a legalidade e oportunidade do requerimento de declaração de utilidade pública efectuado pela CMAC (fls. 148, 149 e 150).
F) Em 6 de Setembro de 1999 uma técnica da Câmara informou, em resposta a pedido da recorrente, que a razão de não poder seguir-se um traçado alternativo para o emissário a atravessar a sua propriedade era o de à data da execução do projecto do emissário da zona industrial já se encontrar em execução o emissário da ETAR pelo que os cálculos de inclinação tinham de ser efectuados com base na cota de chegada à caixa B junto à Ribeira da Abóbada.
G) Por Resolução do Conselho de Ministros nº 103/95, de 13/10, foi ratificado o PDM de Alter do Chão e seu regulamento, que entraram em vigor no dia imediato.
H) Por Resolução do Conselho de Ministros nº 75/97, publicada no DR I S-B, nº 111, de 14.5.97, foi aprovada a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do Concelho de Alter do Chão, que abrange o prédio rústico da recorrente nº ..., secção ....
I) A construção da ETAR de Alter do Chão iniciou-se no final de 1997 e já se encontrava em funcionamento em Novembro de 1998 (Doc. de fls. 98, 99).
J) O projecto de loteamento da Zona Industrial foi aprovado por deliberação da CMAC de 96.02.06 e a segunda fase da Zona Industrial que compreende a drenagem dos respectivos esgotos para a ETAR foi projectada depois de iniciados os trabalhos da ETAR e do emissário desta à caixa B, junto à Ribeira da Abóbada. Atenta a cota de trabalho da “caixa B” não era possível para a drenagem gravítica outro traçado senão aquele que atravessa a faixa de terreno da recorrente onde foi estabelecida a servidão (fls. 74; 75vº; 76 e 82-83).
K) Quando a CMAC aprovou a apresentação de petição para declaração de utilidade pública da servidão sobre a faixa do prédio da recorrente, em 16 de Dezembro de 1998, já se encontrava construída a estação de tratamento de águas residuais e o emissário da ETAR à “caixa B” que foi considerada pelos técnicos como o ponto viável para receber os esgotos da zona industrial
L) A delimitação da REN para a área do concelho de Alter do Chão foi efectuada pela Resolução do CM nº 75/97, de 17 de Abril de 1997, publicada no DR I Série B, 111, de 14.5.97.
3. Como se relatou, o acórdão recorrido decidiu pela inexistência de qualquer dos vícios pela recorrente imputados ao acto impugnado, que declarou a utilidade pública de uma parcela de terreno pertencente à mesma recorrente, necessária à implantação, reparação e manutenção do emissário de águas residuais não pluviais de ligação da rede de drenagem da zona industrial de Alter do Chão à estação de tratamento de águas residuais.
A recorrente, na respectiva alegação, impugna o entendimento seguido no acórdão, persistindo na imputação ao acto impugnado de todos os vícios que invocou em sede de recurso contencioso.
Vejamos, pois, da consistência dessa impugnação.
O acórdão recorrido começou por apreciar da invocada ofensa ao art 66, nº 2 al. c) da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo a qual «para assegurar o direito ao ambiente … incumbe ao Estado … c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico».
Face a esta clara remissão do texto constitucional para uma posterior actividade reguladora do Estado, o acórdão recorrido considerou não ser possível aplicar directamente ao caso esse mesmo texto constitucional, concluindo que só na medida em que se indicassem preceitos legais ou regulamentares que tivessem sido desrespeitados pelo acto impugnado se poderia caracterizar vício de violação de lei.
Perante o que a recorrente defende (Concl. 1) que, por consagrar o direito ao ambiente, incluído nos direitos liberdades e garantias, o preceito do citado art. 66 CRP é de aplicação directa, não carecendo de ser regulamentado, para que possa ser invocado como sendo afectado pela construção em causa.
Não colhe, porém, esta alegação.
Como ensinam G. Canotilho/V. Moreira (Vd. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição Revista, 145/6.), o regime de aplicabilidade directa, próprio dos direitos liberdades e garantias, «traduz-se no seguinte: (a) os preceitos constitucionais relativos aos direitos liberdades e garantias não carecem de mediação, desenvolvimento ou concretização legislativa para serem aplicáveis, pelo que se aplicam mesmo na ausência de lei; (b) são inválidas as leis que infrinjam os preceitos relativos aos direitos liberdades e garantias (tal como as que infrinjam qualquer outra norma constitucional), sendo eles aplicáveis nesse caso, contra a lei e em vez da lei
Pelo que é infundada a pretensão da recorrente, de aplicação directa do citado art. 66 CRP. Pois que tal pretensão não se baseia na necessidade de se afastar a aplicação de norma legal que eventualmente o infringisse nem a recorrente invoca ausência de concretização legislativa desse mesmo preceito constitucional.
Aliás, a própria recorrente indica, como tendo sido violado pelo acto impugnado, o DL 93/90, de 19.3, onde se estabelece o regime jurídico, revisto, da REN, que, a par com a reserva ecológica nacional, é instrumento da politica do ambiente a prosseguir pelo Estado, conforme a incumbência constitucional, definida no citado art. 66 (vd. Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 17.4), Artigo 27º (Instrumentos): 1 – São instrumentos da política do ambiente e do ordenamento do território: …; d) A reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional; …).
Assim, alega a recorrente (Concl. 2) que o acto impugnado viola a proibição, estabelecida no art. 4, nº 1 do citado DL 93/90, com a redacção dada pelo DL 213/92, de 12.10, de realização na área da REN de «acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal». Sendo que, segundo defende a recorrente, a obra em causa não está abrangida pela excepção estabelecida no nº 2 do mesmo preceito, que excluiu dessa proibição «a realização de acções já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria prevista no nº 1 do artigo anterior», ou seja, à data da aprovação da portaria de delimitação da REN.
O acórdão recorrido concluiu que não ocorreu violação de tal proibição, com base na seguinte argumentação:
A delimitação da REN foi efectuada pela Resolução do CM de 14.5.97.
A criação e a delimitação da zona industrial e a realização da rede de esgotos está prevista e autorizada, pelo menos desde a aprovação por ratificação do PDM de Alter do Chão e seu Regulamento, que teve lugar por Resolução do CM de 14.9.95, e foi publicado em 13.10.95, para entrar em vigor no dia imediato – art. 50, nº 3 do regulamento e carta de infra-estruturas.
A realização dos estudos de execução da totalidade da rede não estava efectuada, é certo, quando foi aprovada a REN, nem estaria concluído o projecto de emissário cujo estudo optou pelo atravessamento do terreno da recorrente, mas a exigência da excepção criada por lei também não vai ao ponto de determinar que estivessem concluídos os projectos de execução das infra-estruturas, mas apenas, e em alternativa, que as acções a efectuar na área da REN estivessem previstas ou autorizadas.
Estas palavras utilizadas pelo legislador são suficientemente precisas para se haver de reportar a previsão ou a aprovação a um instrumento em que tenha havido intervenção da Administração Central, como é o caso do PDM, mas não inculcam a exigência rígida de estar definido o traçado e concretizados os pormenores pelos respectivos projectos de execução, sendo que no caso das redes de esgotos é o projecto de execução aquele que determina o local de implantação da rede e dos emissários.
Assim, pela letra da lei e pela própria natureza da acção a desenvolver se conclui que se deve considerar como prevista a aprovada pelo PDM a rede de esgotos, incluindo a da zona industrial, bem como a respectiva ligação à ETAR, embora sem os estudos de execução de alguma ou algumas das suas partes, o que significa necessariamente que sem a definição dessas partes do traçado naquele momento.
É de manter este entendimento, que a recorrente não infirma, pois que se limita, na respectiva alegação, a defender que, mesmo antes da delimitação pela referenciada portaria, a parcela de terreno em questão estava já legalmente incluída na REN, por se tratar de leito de curso de água. O que em nada prejudica a conclusão de que o acto impugnado se reportou a acção já prevista ou autorizada antes da entrada em vigor da portaria do delimitação da REN de Alter do Chão.
Improcede, pois, a conclusão 2 da alegação da recorrente.
E é também improcedente esta alegação, ao persistir em que é errado o pressuposto, no qual se baseou o acto impugnado, de que não havia alternativa economicamente viável para o trajecto do emissário.
Com efeito, tal como afirma o acórdão recorrido, sem contestação da recorrente, «segundo os elementos factuais e técnicos fornecidos e que se consideram seguros, tinha sido antes efectuado ou estava em execução um emissário de condução dos esgotos à ETAR que deveria servir para conduzir os esgotos da zona industrial a partir da caixa B existente junto à Ribeira da Abóboda, e a cota desta caixa inviabilizava outro traçado para a condução gravítica dos esgotos.
A existência do referido emissário para cobrir uma parte do percurso condiciona económica e tecnicamente a solução sobre o traçado, como é evidente, mas a este respeito, isto é, considerando estes aspectos, a recorrente nem procurou demonstrar que se pudesse justificar outra solução como “alternativa viável”».
E, na respectiva alegação, a recorrente continua sem fazer a demonstração da viabilidade de outra alternativa, designadamente do ponto de vista técnico. Limita-se, a este propósito, a considerar, de forma vaga, que, mesmo estando já construída a estação de tratamento, «poderia, por exemplo, proceder-se à sua elevação para cota mais alta, obra que não seria decerto incomportável, que permitisse o posterior escoamento pela força da gravidade». E, de forma igualmente vaga, reconhece que isso «custaria, talvez, mais algum investimento», que, segundo também afirma, deveria aceitar-se como «sobrecusto inerente à solução boa para o ambiente».
Assim, deve concluir-se pelo acerto da decisão afirmada no acórdão recorrido, no sentido de que, diversamente do que pretende a recorrente, não existia alternativa viável ao trajecto do questionado emissário de águas residuais.
Pelo que improcede a conclusão 3 da alegação da recorrente.
Nesta alegação (Concl. 4), a recorrente impugna também o acórdão recorrido, por nele se ter decidido pela manifesta improcedência do vício de forma atribuído ao acto impugnado, por preterição das formalidades essenciais prescritas, para protecção dos direitos dos administrados, nos arts 1 a 6 do DL 181/70, de 28 de Abril. Diploma este que veio estabelecer, conforme dispõe o respectivo art. 1, que «1. Sempre que a constituição de uma servidão administrativa exija a prática de um acto da Administração, deverá este ser precedido de aviso público e ser facultada audiência aos interessados».
O acórdão recorrido baseou a decisão de improcedência de tal vício em duas ordens de razões: (i) ter sido o referido DL 181/70 derrogado pelo Código das Expropriações (CE) de 91, aprovado pelo DL 438/91, de 9.11, na medida em que toda a compressão, restrição ou ablação de direitos sobre imóveis, designadamente a constituição de servidões administrativas, passou a ser regulada pelas normas desse Código, no qual se instituiu um sistema muito mais eficaz que o anterior para dar a conhecer o acto aos directamente interessados, que são notificados pessoalmente, regulando em novos moldes os editais destinados a publicitar a declaração de utilidade pública, designadamente da servidão, perante os interessados não previamente identificados; (ii) terem sido observadas, no caso, as formalidades prescritas no art. 14 do mesmo CE, designadamente no aspecto fundamental relativo à notificação da recorrente.
Esta impugna o assim decidido, sustentando que o CE 91 não revogou, expressa ou tacitamente o indicado DL 181/70, o qual, sendo lei especial, se manteve em vigor, segundo também defende, mesmo após a publicação do CE aprovado pelo DL 169/99, de 18 de Setembro. E alega, ainda, que não foram cumpridas as formalidades indicadas naquele diploma legal, pois que foi de 15 dias e não de 30 dias o prazo concedido aos interessados para reclamarem da constituição da servidão, a publicitação do acto impugnado não foi feita no jornal do concelho e o edital publicado referia-se à declaração de utilidade pública e não, directamente, à constituição duma servidão administrativa.
Vejamos.
Como refere a nota preambular ao diploma legal (DL 438/91, de 9.11) que aprovou o CE 91, este veio estabelecer, em conformidade com os princípios constitucionais, a disciplina jurídica a observar “sempre que a realização do interesse público implique a ablação, restrição ou qualquer outra limitação ao direito de propriedade”. Assim, e na sequência do CE aprovado pelo DL 845/76, de 11.12, e da Lei 2030, de 22.6.48 (art. 3, nº 1) o CE 91 abrange na respectiva previsão não só a expropriação propriamente dita mas, ainda, a constituição de servidões administrativas (art. 8 (Artigo 8º (Constituição de servidões administrativas): 1 – Podem constituir-se sobre imóveis as servidões administrativas necessárias à realização de fins de interesse público. 2 - … .), em que, embora em grau menor, se verifica uma compressão do referido direito de propriedade (Vd., a propósito, F. Alves Correia, Manual do Direito do Urbanismo, I, Liv. Almedina 2001, 213, ss..) .
E, no aspecto procedimental, o mesmo CE 91, como também anuncia o referido preâmbulo, propôs-se garantir, além do mais e “em obediência à transparência que deve presidir à actuação da Administração, que os particulares conheçam em tempo útil, as intenções expropriativas da Administração”.
Para o efeito, dispôs o
Artigo 14º
(Publicitação do requerimento para a declaração de utilidade pública)
1. Antes da sua apresentação ao ministro competente, o requerimento da declaração de utilidade pública é dado a conhecer pela entidade requerente, mediante carta registada com aviso de recepção, aos titulares dos bens ou direitos a expropriar.
2. O mesmo requerimento será tornado público, por iniciativa da entidade expropriante, através de edital afixado na sede do município da localização dos bens a expropriar ou, se estes se situarem em mais de um município, na sede daquele a que corresponder maior extensão desses bens.
3. Durante 15 dias a contar da comunicação referida no nº 1 ou, para os restantes interessados, a contar da afixação do edital referido no nº 2, a entidade expropriante facultará na sua sede a consulta, por qualquer pessoa, do requerimento da declaração de utilidade pública e dos documentos que o devem acompanhar, nos termos do artigo 12º.
4. Para os efeitos do número anterior, a comunicação e o edital referidos nos nºs 1 e 2 devem fazer expressa menção da entidade requerente e da possibilidade de consulta dos documentos em questão.
5. Qualquer interessado poderá pronunciar-se sobre a legalidade e a oportunidade da expropriação, mediante exposição escrita apresentada à entidade requerente.
6. A entidade expropriante deverá enviar ao ministro competente, em anexo ao requerimento da declaração de utilidade pública, todas as exposições escritas apresentadas, podendo juntar-lhes, querendo, observações de resposta.
Deste modo, a publicitação do acto da Administração e a audiência dos nele interessados, matéria a que respeita a previsão normativa do DL 181/70, foi regulada em termos que, face ao estabelecido, designadamente no art. 3 (Artigo 3º1. A câmara municipal, no prazo e vinte dias, dará publicidade à comunicação recebida e convidará os interessados a apresentar quaisquer reclamações no prazo de trinta dias. 2. Para esse efeito, a câmara promoverá a afixação de editais nos lugares de estilo e a publicação de correspondente aviso num dos jornais publicados no concelho ou, na sua falta, num dos mais lidos da área. 3. ….) deste diploma, correspondem a um aperfeiçoamento da tutela dos direitos dos interessados, designadamente no respeitante ao apontado direito de audiência (Neste sentido, veja-se Pedro Machete, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, 1995, 283, ss., e L. Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações Anotado, Liv. Almedina, 2ª ed. 2000, 45.)
Neste sentido, basta considerar o alcance das exigências, estabelecidas no citado art. 14, de notificação pessoal do interessado, por carta registada com aviso de recepção (nº 1), e de menção da possibilidade de consulta dos documentos em questão (nº 4).
Deve, pois, entender-se que a matéria sobre que dispunha o DL 181/70, relativa à publicitação do acto de constituição de servidão administrativa e ao correspondente dever, imposto à Administração, de audiência dos interessados, foi regulada, de modo mais desenvolvido e aperfeiçoado, no CE 91. O que se traduziu em revogação, ainda que implícita, daquele diploma legal (art. 7, nº 2 CCivil).
Assim, e porque, como refere o acórdão recorrido, foram observadas, no caso, as formalidades do art. 14 do CE 91, designadamente no tocante à notificação da recorrente, haverá de concluir-se, como nesse acórdão, pela inexistência do invocado vício de forma.
Improcedem, pois, as conclusões 4 e 10 da alegação da recorrente.
Alega, ainda, a recorrente que o acto impugnado padece de um outro vício de forma, por não ter sido precedido de estudo de impacte ambiental (EIA), cuja realização, segundo a recorrente, seria imposta, no caso, pelo disposto no art. 30 da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7.4).
Mas, uma vez mais, sem razão.
O invocado art. 30 dessa Lei de Bases do Ambiente (LBA) dispõe, no respectivo nº 1, que «Os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos … devem respeitar as preocupações e normas desta lei e terão de ser acompanhados de um estudo de impacte ambiental»
Porém, logo no nº 2, acrescenta que «Serão regulamentadas por lei as condições em que será efectuado o estudo de impacte ambiental, o seu conteúdo, bem como as entidades responsáveis pela análise das suas conclusões e pela autorização e licenciamento da obra ou trabalhos previstos».
Assim, como bem considerou o acórdão recorrido, o mero enunciado genérico art. 30, nº1 da LBA não possibilita, por si, a determinação do conceito de “acções possam afectar o ambiente”, cuja definição haverá de retirar-se de outras normas densificadoras e regulamentadoras daquele preceito. No qual, por isso, e ao invés do que pretende a recorrente, não poderia basear-se a exigência de realização, no caso, de EIA.
Para além disso, e como também salienta o acórdão recorrido, a recorrente não aponta qualquer outra norma que estabeleça tal exigência para a acção em causa, que não está integrada no elenco dos empreendimentos sujeitos a EIA, nos termos da legislação aplicável e ao tempo em vigor, não sendo mencionada em qualquer dos Anexos ao DL 186/90, de 6.6, na redacção do DL 278/97, de 8.10, ou ao DR 38/90, de 27.11. Sendo este diploma regulamentador daquele DL 186/90, que, por sua vez, veio «dar concretização aos objectivos que presidem à Lei de Bases do Ambiente», como refere a respectiva nota preambular.
Em suma: o acto contenciosamente impugnado não incorreu no alegado vício de forma por falta de realização de EIA. Pelo que improcede a conclusão 5 da alegação da recorrente.
Por fim, alega a recorrente que cabia ao Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, como sucessor do Ministro das Obras Públicas e não ao Ministro do Ambiente, a competência para a declaração de utilidade pública em que se traduz o acto contenciosamente impugnado.
E, apesar de reconhecer que a gestão das águas, incluindo as residuais, é hoje da competência do Ministro do Ambiente, defende que se trata, no caso, da realização de uma obra pública, devendo, por isso, ser o Ministro do Equipamento o competente para a execução das operações legais e materiais de superintendência na sua realização. E acaba por considerar que, «mesmo que o Ministro do Ambiente tenha a competência» em causa, «também o Ministro do Equipamento a tem». Pelo que, segundo afirma, «não deveria dispensar-se que aquele tomasse parte num acto como o recorrido».
Porém, como se verá, é infundada esta alegação.
Como bem refere o acórdão recorrido, a regra sobre a competência para a declaração de utilidade pública, estabelecida pelo art. 11 do CE 91, em vigor na data do acto impugnado, era a de que tal competência cabe ao ministro cujo departamento compete a apreciação final do processo.
Este, no caso concreto em apreço, respeitava ao pedido, formulado por uma Câmara Municipal, de sujeição ao regime de utilidade pública dos trabalhos de construção de infra-estruturas de saneamento e drenagem de águas residuais não pluviais.
Tal pedido foi dirigido à Ministra do Ambiente e do Ordenamento do Território, por intermédio do Instituto da Água (INAG).
E, com efeito, nos termos do art. 2, DL 191/93, de 24.5, «1 – O INAG é o instituto responsável pela prossecução das politicas nacionais no domínio dos recursos hídricos e do saneamento básico», cabendo-lhe, através do respectiva Direcção de Serviços do Projectos e Obras, «desenvolver e promover os estudos e as actividades necessários à concepção, execução e funcionamento dos empreendimentos hidráulicos e dos sistemas de saneamento básico, quer por iniciativa do INAG quer a solicitação das DRARN, das autarquias ou de outras entidades exteriores» – art. 9, nº 1 do mesmo diploma legal.
Certo é, ainda, que o INAG é tutelado pelo Ministro do Ambiente, como decorre das disposições dos arts 1 do citado DL 191/93 e 7, nº 1, al. a) do DL 230/97, de 30.8.
Assim sendo, cabia apenas ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território a competência para a impugnada declaração de utilidade pública, tal como decidiu o acórdão recorrido.
A alegação da recorrente é, pois, totalmente improcedente.
4. Pelo exposto, acordam negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, sendo a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, de € 400,00 (quatrocentos euros) e € 200,00 (duzentos euros).
Lisboa, 17 de Junho de 2004 – Adérito Santos – Relator – António Samagaio – Azevedo Moreira – Santos Botelho – Rosendo José – Jorge de Sousa – Pais Borges – Angelina Domingues – J Simões de Oliveira