Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01362/12
Data do Acordão:01/28/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO CONTENCIOSO
DEFESA DO AMBIENTE
ACÇÃO POPULAR
LEGITIMIDADE ACTIVA
ACTO RECORRÍVEL
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
PERDA DE OBJECTO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário:I - A legitimidade processual ativa duma «ONGA» para a dedução de recurso contencioso de impugnação de ato jurídico radica no facto de estarem ou haverem sido violadas pelo ato impugnado “disposições legais que protegem o ambiente” [arts. 02.º, 03.º e 07.º, 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, e 03.º da LAP].
II - Com o emprego de tal expressão ter-se-ão querido abarcar todas as disposições legais em cuja esfera de proteção se incluam, ou se visem prosseguir ou defender, o ambiente nas suas várias componentes de harmonia com aquilo que são os comandos decorrentes do art. 66.º da CRP e da Lei de Bases do Ambiente e isso independentemente do assento, natureza, catálogo e/ou inserção sistemática das mesmas disposições.
III - Tal impõe a adoção dum sentido amplificador, abrangente, do conceito de “ambiente” que albergue no seu seio também regras doutros domínios, nomeadamente, do urbanismo, do ordenamento do território, da arquitetura urbana, do domínio público, já que o que releva e se exige é que as mesmas visem prosseguir a defesa e valorização do ambiente, do património natural (v.g., preservação da paisagem da orla costeira) e edificado, ou a conservação da Natureza.
IV - Um ato é lesivo quando o mesmo seja apto a produzir efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares e estes efeitos não possam ser afastados por meios administrativos.
V - A garantia do recurso contencioso mostra-se focalizada no conceito da “lesão das posições subjetivas dos particulares” pelo que um ato é recorrível se, definindo autoritariamente a sua situação jurídica concreta, o mesmo constitua uma decisão produtora de efeitos jurídicos ablativos na esfera de direitos e interesses do recorrente.
VI - É ilegal interposição de recurso contencioso dirigido a actos administrativos que haviam sido revogados, por substituição, mercê da falta de objeto.
VII - Em recurso contencioso a questão da tempestividade da sua dedução [art. 28.º da LPTA] só releva para quando se invoquem fundamentos de ilegalidade determinantes de mera anulabilidade e não de nulidade.
VIII - Mostrando-se os fundamentos de ilegalidade invocados fulminados, em termos legais, com o desvalor da nulidade e não com a mera anulabilidade terá de improceder a exceção de caducidade do direito de ação.
IX - Não viola do disposto no art. 38.º da LPTA a dedução de recurso contencioso de anulação dirigido contra vários atos praticados por órgãos administrativos pertencentes à mesma pessoa coletiva já que relativos a procedimentos conexos, promovidos por um mesmo requerente junto daquela mesma pessoa, e em que, em termos de causa de pedir, a invocação das ilegalidades foi feita, no essencial, de forma comum, e sem que as impugnações dos vários atos estivesse sujeita a outra forma de processo e a competência para delas conhecer fosse pertença doutro tribunal.
X - Nos termos do art. 589.º, n.º 1, do CPC [redação anterior à Lei n.º 41/2013], é ilegal indeferir o requerimento de uma segunda perícia quando o requerente dela alegar “fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.
Nº Convencional:JSTA00069540
Nº do Documento:SA12016012801362
Data de Entrada:12/03/2012
Recorrente:A... SA E CM DE SANTA CRUZ E OUTRO
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:CONST ART52 N3 ART66 ART9 ART268.
L 35/98 ART10.
L 83/95 ART1 ART2 ART12.
L 10/87 ART7 ART3 ART4 ART5 ART6 ART13 ART17 ART18 ART19 ART27.
LPTA ART25 ART55 ART28 ART29 ART31 ART38.
CPA91 ART134 ART137 ART127 ART136 ART141 ART135 ART133.
LAL84 ART88 ART89.
CPC ART589 ART587 ART712.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC047701 DE 2002/02/07.; AC STA PROC047545 DE 2003/04/29.; AC STA PROC0413/04 DE 2004/06/03.; AC STAPLENO PROC01334/03 DE 2004/06/29.; AC STA PROC0308/05 DE 2006/03/07.; AC STAPLENO PROC044960 DE 2004/03/09.; AC STA PROC0896/03 DE 2004/03/18.; AC STA PROC0963/03 DE 2004/06/22.; AC STA PROC01115/04 DE 2005/01/11.; AC STA PROC01127/05 DE 2006/01/25.; AC STAPLENO PROC046262 DE 2007/05/03.; AC STAPLENO PROC044141 DE 2005/11/12.; AC STA PROC0713/13 DE 2013/06/20.; AC STJ PROC4B3648 DE 2004/11/25.
Referência a Doutrina:JOSÉ ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLIV PAG302-303.
J. ANTUNES VARELA E OUTROS - MANUAL DE PROCESSO CIVIL 2ED PAG600.
J. LEBRE DE FREITAS - CÓDIGO PROCESSO CIVIL ANOTADO VOLIII PAG521.
C. LOPES DO REGO - COMENTÁRIOS AO CÓDIGO PROCESSO CIVIL VOLI 2ED PAG508.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “B…………….”, organização não governamental de ambiente [«ONGA»] sediada no Funchal e melhor identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal [doravante TAF/F], contra a “CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA CRUZ” [«CMSC»], “VEREADOR DA CÂMARA MUNICIPAL SANTA CRUZ COM PELOURO DAS OBRAS PARTICULARES” e C…………….., este último na qualidade de recorrido particular e, entretanto, substituído na sequência de habilitação de adquirente por “A……………, SA” [cfr. decisão de fls. 39/41 do apenso A], o presente recurso contencioso de anulação no quadro de ação popular administrativa prevista no art. 12.º da Lei n.º 83/95, pedindo, pela motivação aduzida no articulado inicial, a declaração de nulidade das deliberações daquela edilidade, datadas de 22.09.1982, de 05.09.1984, de 20.03.1985, de 17.12.1986 e de 09.10.2000 e, bem assim, dos atos praticados pelo referido Vereador, ao abrigo de subdelegação de competências [seus despachos de 21.02.2000, de 08.10.2000 e de 16.10.2000], respeitantes ao licenciamento das operações de loteamento e de licenciamento de obras particulares promovidas pelo recorrido particular no prédio rústico sito em ……….. (……….), freguesia de ………., concelho de Santa Cruz.

1.2. No prosseguimento dos autos veio a ser proferido, em 18.02.2004, despacho saneador [cfr. fls. 385 e segs.] no qual se julgaram improcedentes as exceções de ilegitimidade processual ativa, de intempestividade/caducidade do direito, de irrecorribilidade [quanto às deliberações impugnadas] e de ilegal cumulação de pedidos e de coligação de recorridos.

1.3. Inconformados com tal decisão as entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC» interpuseram recurso jurisdicional [cfr. fls. 425 e 460 e segs. e fls. 1088/1089 na sequência de convite inserto no despacho do Relator de fls. 1083 v.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
1. Essencial à legitimidade da ora recorrida seria o facto de as normas ditas violadas pelos atos impugnados visarem a proteção do ambiente, o que não acontece, pois, os interesses ou valores que tutelam não têm esse objetivo e incidência.
2. Ao considerar a «B…………..» como dispondo de legitimidade ativa o despacho agravado violou o art. 53.º, n.º 2, da CRP, o art. 10.º da Lei n.º 35/98 e os arts. 1.º, 2.º e 12.º da Lei n.º 83/95, de 31 de julho.
3. O recurso de impugnação dos atos em questão é intempestivo, porquanto, os poucos vícios que importariam «nulidade» não ocorrem e os demais, importam mera anulabilidade, pelo que, de há muito, haviam precludido os prazos de impugnação.
4. As certidões dos atos em causa, não suspendem os prazos de impugnação e, por isso, ocorre, em todos os casos, intempestividade.
5. Dada a revogação das deliberações de 22.09.82 e 05.09.84, apenas subsistiu a deliberação de 20.03.85, e só esta é sindicável.
6. O despacho recorrido lavrou em erro, quando considera que as deliberações de 22.09.82 e de 05.09.84, eram suscetíveis de impugnação.
7. O despacho do Vereador recorrido, de 08.10.2000 é meramente confirmativo do despacho de 21.02.2000 e, como tal, não é impugnável.
8. Por sua vez, o despacho do Vereador, de 16.10.2000, é um mero ato de execução de decisão anterior o despacho de 21.02.2000, não sendo, também, impugnável.
9. Por outro lado, verifica-se que, com a impugnação das deliberações camarárias e a dos atos individuais do Vereador, têm distintas causas de pedir, pelo que ocorre uma cumulação ilegal de pedidos, ao contrário do decidido no despacho recorrido, que violou o disposto no art. 38.º da LPTA...”.

1.4. Devidamente notificada a aqui ora recorrida «B……………» após apresentação, na sequência de despacho do Relator, das conclusões das alegações que haviam sido omitidas, a mesma não veio, entretanto, produzir quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 496 e segs. e fls. 1087 e segs.].

1.5. No decurso dos ulteriores termos veio a ser proferido, em 27.02.2006, despacho a indeferir o requerimento para realização de uma 2.ª perícia [cfr. fls. 687], despacho esse que foi, igualmente, objeto de impugnação por parte das entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 701 e 719 e segs. e fls. 1088/1089 na sequência de convite inserto no despacho do Relator de fls. 1083 v.], apresentando como quadro conclusivo o seguinte:
...
1. Na resposta ao quesito 6.º os peritos consideraram que não foram encontrados sinais que afetem a solidez e a estabilidade da arriba, não havendo risco de desmoronamento das construções.
2. Já na resposta aos quesitos 7.º e 8.º admitem que, teórica e potencialmente, tal possa eventualmente acontecer.
3. Nos esclarecimentos que prestaram a tal respeito os peritos dizem, por um lado, não haver dados suficientes para admitir tal probabilidade, e, ao mesmo tempo, referem que é «fortemente provável» que isso aconteça, sem adiantar, no entanto, qualquer previsão temporal para tanto.
4. A insuficiência do esclarecimento, que não foi concludente por parte dos peritos, em matéria relevante, justificava, assim, uma 2.ª perícia, que o despacho recorrido recusou.
5. O despacho recorrido que recusou a 2.ª perícia, não está fundamentado, e violou o disposto no art. 589.º do CPCivil ...”.

1.6. Notificada devidamente a aqui ora recorrida «B…………» após apresentação, na sequência de despacho do Relator, das conclusões das alegações que haviam sido omitidas, a mesma também não veio, entretanto, produzir quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 741 e segs. e fls. 1087 e segs.].

1.7. Após instrução e julgamento naquele TAF/L veio a ser proferida sentença [cfr. fls. 917/945], datada de 25.05.2012, a julgar, por um lado, procedente a exceção de irrecorribilidade dos atos praticados pelo Vereador da «CMSC» de 08.10.2000 [por ser mero ato confirmativo do despacho de 21.02.2000] e de 16.10.2000 [por constituir mero ato de execução do despacho de 21.02.2000] e, por outro lado, também procedente o presente recurso contencioso de anulação, declarando-se “a nulidade de todos os atos impugnados e atrás identificados, com exceção dos de 8.10.2000 e de 16.10.2000 (estes por não serem impugnáveis)”, dada a verificação dos fundamentos de ilegalidade consubstanciados: i) na violação dos arts. 01.º, 03.º, 05.º, 08.º, 10.º, 17.º, 18.º, todos do DL n.º 468/71, dada a falta de reconhecimento estatal da propriedade privada ou concessão de uso privativo; ii) na falta de consulta prévia a entidades externas competentes como a Administração Central do Estado e da Direção Regional de Portos ou depois da Administração dos Portos da Madeira [DR 20/81/M e DLR 13/96/M] o que nos termos dos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91, 68.º, al. c) do RJUE é gerador de nulidade; iii) na ofensa aos arts. 18.º e 128.º, 1.ª parte do RGEU conducente à anulabilidade da “licença de construção e seus atos consequentes”; iv) na violação do art. 24.º, n.º 1, als. a) e c), do DL n.º 289/73 dada a caducidade da licença de 20.03.1985; v) na violação dos arts. 12.º do DL n.º 468/71, 48.º e 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91, por parte do despacho de 21.02.2000, dado não haver sido precedido das consultas e autorizações exigidas; vi) nas várias disparidades e divergências entre o alvará de loteamento e o pedido de licenciamento e o alvará de construção conducentes à nulidade dos atos recorridos nos termos do art. 52.º, n.º 2, al. b) in fine, do DL n.º 445/81; vii) sendo que as “cit. nulidades e anulabilidades dos atos relativos ao loteamento têm como consequência legal e lógica a nulidade da licença de construção (v. art. 133.º-2-i CPA)”. No mais foram julgados improcedentes os fundamentos invocados referentes a: i) violação dos arts. 66.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da CRP, 121.º in fine do RGEU, 17.º e 18.º da Lei n.º 11/87; ii) a violação dos arts. 14.º e 40.º do DL n.º 448/91 quanto à caducidade da licença de loteamento de 09.10.2000; iii) a revogação das deliberações de 22.09.1982 e de 05.09.1984 pelas deliberações de 05.09.1984 e de 20.03.1985.

1.8. A recorrida-particular «A…………, SA» e as entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC», inconformadas, interpuserem, de per si, recursos jurisdicionais, formulando o quadro conclusivo que se reproduz:
i) recorrida-particular «A………., SA» [cfr. fls. 951 e segs.]
...
A) Como certamente decidirá o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, assiste inteiramente razão aos Recorridos no que concerne às suas alegações de agravo de fls. 460 a 473 e 719 a 722 dos autos, devendo julgar-se procedentes as exceções de ilegitimidade ativa, de intempestividade, de irrecorribilidade e de ilegalidade da cumulação dos pedidos e da coligação, assim como, caso assim não se entenda, a pretensão dos Recorridos em verem realizada uma segunda perícia.
B) A resposta à questão de saber qual a área afeta à extinta Direção Regional de Portos, e consequentemente se o terreno em causa nos autos se enquadra nessa área, resulta diretamente de disposições legais que definem a mesma, não podendo ser objeto de prova testemunhal.
C) O Tribunal a quo fez mau julgamento da prova produzida em juízo, não se podendo manter a Sentença recorrida na parte em que dá como provado o facto 87. apenas com base na prova testemunhal produzida, a qual sempre se diga, nem tão pouco surge especificada.
D) Nem se poderá manter a Sentença recorrida na parte em que dá como provado o facto 88. por não existir qualquer prova produzida nos autos que o sustente.
E) Sendo uma das questões controvertidas dos presentes autos, não podia o Tribunal a quo deixar de cumprir o dever de fundamentar a sua conclusão de que «o terreno sobre o qual incidiram os atos administrativos aqui em causa se situa em domínio público marítimo», explicitando os factos, o Direito e os elementos de prova constantes dos autos com base nos quais formou a sua convicção. Não o tendo feito, é nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
F) O douto Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento quanto à questão da alegada dominialidade pública do terreno sobre o qual incidiram os atos administrativos recorridos, nomeadamente ao não interpretar e aplicar corretamente o disposto no … artigo 5.º n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 468/71 de 5 de novembro.
G) Conforme resulta de fls. 413 a 422, o Recorrido Particular fez prova de que o terreno objeto dos atos administrativos impugnados é sua propriedade, não existindo nada nos presentes autos de onde resulte o inverso, estando o terreno excluído do domínio público marítimo nos termos do artigo 5.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro.
H) O terreno dos autos situa-se junto à crista de uma arriba alcantilada da ilha da Madeira, pelo que, sendo o n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, uma norma com carácter especial face à regra geral determinada no n.º 1 dessa disposição legal, sempre estaria afastada a presunção de dominialidade a favor do Estado.
I) Resultando diretamente do n.º 4 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro que o terreno em causa é propriedade privada, ou uma presunção legal nesse sentido que não foi elidida.
J) Resulta dos presentes autos que a verificação dos pressupostos a que alude o artigo 5.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, já se encontra reconhecida por Sentença transitada em julgado proferida no processo n.º 1224/08.8TBSCR que correu termos no 1.º juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz.
K) Embora não existam quaisquer dúvidas sobre a competência da jurisdição administrativa para julgar a presente ação, o douto Tribunal a quo teria de se abster de julgar se o terreno em causa nos autos se situa em domínio público, uma vez que é materialmente incompetente para o efeito, sendo nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d), do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
L) Tendo em conta o teor da Sentença e do Acórdão juntos aos autos pela Contrainteressada ora Recorrente como documentos n.º 6 e 7 do seu requerimento de 26/04/2012, é manifesto que o douto Tribunal a quo estava obrigado a verificar a existência de caso julgado no que diz respeito à questão da dominialidade pública do terreno em causa nos presentes autos, pelo que, não o tendo feito é nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
M) É nula a Sentença recorrida por ter violado o caso julgado constante da Sentença proferida em 1/10/2009 no âmbito do processo n.º 1224/08.8TBSCR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 12/01/2012.
N) O Tribunal a quo apreciou, ainda que indiretamente, uma questão que não podia conhecer, designadamente a questão da legitimidade da Região Autónoma da Madeira para transigir nos termos em que o fez no processo n.º 1224/08.8TBSCR do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Cruz, sendo nula a Sentença recorrida, nos termos do artigo 668.º, n.º 1 alínea d) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
O) Ao dizer que a transação é irrelevante «porque é apenas a RAM a reconhecer um direito sobre uma coisa que não lhe pertence, mas sim pertence ao Estado», o Tribunal a quo incorreu num gritante erro de julgamento, tendo desconsiderado por completo o disposto no artigo 144.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, de onde resulta que em nenhum caso se poderia afirmar a irrelevância da transação, pois, a existir domínio público sobre o terreno dos autos, o que não se verifica, este sempre pertenceria à Região Autónoma da Madeira e não ao Estado.
P) O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, ou o artigo 4.º da Lei n.º 54/2005, de 11 de novembro, sempre serão inconstitucionais quando interpretados no sentido constante da Sentença recorrida, ou seja, de que todo o domínio público marítimo situado nas Regiões Autónomas pertence ao Estado, atendendo à violação de lei de valor reforçado, constitucionalmente garantido, designadamente por violação do artigo 144.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, o que expressamente se invoca.
Q) Andou mal o douto Tribunal a quo ao decidir que «Está provado que o terreno sobre o qual incidiram os atos administrativos aqui em causa se situa em domínio público marítimo, domínio público necessariamente do Estado, como definido no DL 468/71 de 5.11», sendo que, e ao invés, resulta dos factos alegados e da prova produzida nos presentes autos que, por força da lei, designadamente do artigo 5.º n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, o prédio em causa nos autos integra o domínio privado não obstante a sua localização, como de resto já foi judicialmente reconhecido.
R) Sendo o terreno objeto dos presentes autos propriedade privada, falece o julgamento do Tribunal a quo quanto à nulidade dos atos recorridos por alegada falta de consulta prévia «a entidades externas competentes: seja a Direção Regional de Portos (v. D.R 20/81/AI) ou depois a Adm. dos Portos da Madeira (v. DLR13/96/M,), seja a Adm. Central do Estado».
S) É manifesta a falta de fundamentação de facto e de direito de que padece a Sentença recorrida na parte em que, na sua página 23, vem julgar verificar-se a nulidade dos atos recorridos com base na afirmação de que «há aqui falta de consulta prévia a entidades externas competentes: seja a Direção Regional de Portos (v. DR 20/81/M) ou depois a Adm. dos Portos da Madeira (v. DLR1S/96/M,), seja a Adm. Central do Estado», sendo nula nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
T) A alínea c) do artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, (RJUE) só foi introduzida pela alteração legal operada pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, ou seja, em momento posterior à prática de qualquer um dos atos administrativos em causa nos autos, pelo que, ao julgar verificada a nulidade dos atos administrativos recorridos por força da referida disposição legal, o douto Tribunal a quo incorreu num gritante erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.
U) Atendendo à data em que foram praticados, os atos administrativos recorridos de 09/10/2000 e 21/02/2000 nunca poderiam ser julgados nulos com base no artigo 56.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, porquanto esta disposição legal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto, sanciona com mera anulabilidade os atos administrativos que violam a sua previsão, tendo o Tribunal a quo incorrido num evidente erro de julgamento quanto ao Direito aplicável.
V) Os alegados vícios geradores do desvalor de anulabilidade não poderiam ser conhecidos e apreciados pelo Tribunal a quo, porquanto, aquando da interposição do presente recurso contencioso há muito estava ultrapassado o prazo legal para a sua interposição com tal fundamento, nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea a) e do artigo 29.º n.º 1 ambos da LPTA.
W) Contrariamente ao que resulta da Sentença recorrida, o terreno objeto dos atos administrativos recorridos não se incluía na área de jurisdição da Direção Regional de Portos ou posteriormente da Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira, nada na lei impondo a sua audição, ou a audição da Administração Central do Estado, devendo julgar-se não verificada a nulidade dos atos recorridos nos termos dos artigos 14.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 289/73, 56.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 400/84, 56.º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 448/91, ou do artigo 68.º alínea c) do RJUE.
X) A perícia realizada nos autos não incidiu sobre as fundações dos edifícios construídos, sobre as características dos edifícios em si ou sobre os elementos de construção, nem dos autos resultam quaisquer factos ou outros elementos de prova de onde se possa extrair a conclusão de que as fundações dos edifícios não foram estabelecidas em terreno estável e suficientemente firme, por natureza ou consolidação artificial, para suportar com segurança as cargas que lhe são transmitidas pelos elementos da construção.
Y) Também não resultando dos autos quaisquer elementos ou factos provados que permitam concluir que as edificações não foram delineadas e construídas de forma a ficar sempre assegurada a sua solidez.
Z) Ao invés do que resulta da Sentença recorrida, impunha-se julgar não verificada a violação do disposto nos artigos 18.º e 128.º do RGEU, uma vez que dos presentes autos não só não resultam quaisquer elementos que permitam concluir que a construção violou as referidas disposições legais, como da prova testemunhal produzida se pode retirar a conclusão absolutamente inversa, tendo o douto Tribunal a quo incorrido num gritante erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito, bem como na valoração dos factos e elementos de prova constantes dos autos.
AA) Das disposições conjugadas dos artigos 9.º, 24.º n.º 1 alíneas a) e c) do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, e do artigo 135.º do CPA, resulta que a caducidade das licenças, conduz, quando muito, ao desvalor da anulabilidade dos atos praticados ao seu abrigo, e à consequência a que alude o artigo 24.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho, não podendo tal vício ser conhecido e apreciado pelo Tribunal a quo, porquanto, aquando da interposição do presente recurso contencioso há muito estava ultrapassado o prazo legal para o efeito nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea a) e do artigo 29.º n.º 1 ambos da LPTA.
BB) Face à gritante falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão sobre a alegada caducidade das licenças de 22/09/1982 e de 20/03/1985, é nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
CC) O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao julgar verificada a caducidade das licenças de loteamento aprovadas em 22/09/1982 e em 20/03/1985, uma vez que, como resulta dos autos, o Requerente do loteamento respeitou os prazos fixados nos arts. 9.º n.º 1 e 24.º n.º 1 alínea) c) do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho.
DD) Nada nos autos permite a conclusão de que as obras de urbanização não foram iniciadas no prazo de um ano a contar da data do alvará de loteamento, ou concluídas no prazo fixado pela câmara municipal, pelo que, em qualquer caso, não poderia o Tribunal a quo decidir pela caducidade da deliberação de 20/03/1985 com base na violação do artigo 24.º n.º 1 alínea c) do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de junho,
EE) A decisão sobre a nulidade do despacho de 21/02/2000 do Recorrido Vereador está logo à partida completamente inquinada por erro nos seus pressupostos, porquanto resulta dos factos alegados e da prova produzida nos presentes autos que, por força da lei, designadamente do artigo 5.º n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, o terreno é propriedade privada não obstante a sua localização, como de resto já foi judicialmente reconhecido.
FF) Ao decidir que «Tal despacho, licença de construção, é nulo (arts. 48.º e 52.º-2-c do DL 445/91), porque, além do mais, efetivamente não foi precedido da consulta e autorizações exigidas no DL 468/71, dado estarmos em DPM» o Tribunal a quo não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo nula a Sentença recorrida nos termos do artigo 668.º n.º 1 alínea b) do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA.
GG) O artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 468/71 e o artigo 48.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, têm âmbitos de aplicação diferentes, sendo inaplicável o artigo 48.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, à licença prevista no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 468/71.
HH) As obras de construção em causa nos presentes autos não necessitavam da aprovação da Administração Central, estando fora do âmbito de aplicação do artigo 48.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro.
II) O despacho do Recorrido Vereador de 21/02/2000 não padece do desvalor que lhe é imputado nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, tendo o douto Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao julgar verificada a nulidade do referido ato administrativo.
JJ) Não estando as deliberações da Recorrida Câmara Municipal de Santa Cruz referentes ao loteamento feridas de qualquer nulidade, também não poderia ser julgado nulo o ato administrativo do Recorrido Vereador de 21/02/2000 com esse fundamento.
KK) Contrariamente ao que diz a Sentença recorrida, as nulidades dos atos relativos ao loteamento não têm «como consequência legal e lógica a nulidade da licença de construção», porque a licença de construção não é um ato consequente do ato administrativo de licença de loteamento, não estando preenchida a previsão do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA.
LL) Conforme é possível constatar inequivocamente da própria letra do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA, da referida disposição legal não resulta de forma direta a nulidade dos atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, uma vez que só serão nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados quando não se verifique a condição de haver «contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente»:
MM) Ao decidir pela aplicação do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA estava o douto Tribunal a quo obrigado a fundamentar e julgar inaplicável a condição prevista na 2.ª parte do artigo, pelo que, não o tendo feito, incorreu num gritante erro na aplicação do Direito.
NN) A Sentença recorrida padece de um evidente erro de julgamento ao julgar verificada a nulidade do despacho do Recorrido Vereador de 21/02/2000 com base na aplicação do artigo 133.º n.º 2 alínea i) do CPA.
OO) Não é correto o julgamento contido na Sentença recorrida ao afirmar que «os atos administrativos praticados pelo Vereador recorrido, que licenciaram as indicadas obras de construção civil, violam assim o dito alvará de loteamento», uma vez que não corresponde minimamente à realidade que o despacho de 21/02/2000 tenha permitido obras de construção em termos diferentes, diversos e antagónicos dos expressamente previstos e licenciados naquelas operações de loteamento.
PP) Não padecendo o despacho do Recorrido Vereador de 21/02/2000 de vício de violação de lei e do consequente desvalor de nulidade que lhe é imputada na Sentença recorrida nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro ...”;
ii) entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 1036 e segs. e fls. 1078 e segs. na sequência de convite inserto no despacho do Relator de fls. 1073 v.]
...
1. A douta decisão sobre a matéria de facto enferma de nulidade (alínea b) do n.º 1 do art. 668.º CPCivil), por total falta de fundamentação exigida pelo art. 653.º, n.º 2 do CPCivil, ex vi do art. 1.º da LPTA, preceitos que a decisão recorrida violou, nulidade esta que terá de ser suprida, por força do art. 712.º, n.º 5 do CPCivil ex vi do art. 102.º da LPTA.
2. Igualmente, a decisão de mérito enferma de nulidade por falta de fundamentação (alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPCivil), tendo a sentença recorrida violado o disposto nos arts. 158.º e 659.º do CPCivil, ex vi do art. 1.º da LPTA, designadamente no que toca à alegação de que terá havido preterição da audiência de terceiras entidades.
3. Acresce que a douta sentença recorrida enferma de erro ao considerar que o terreno em causa integrava área afeta à extinta Direção Regional de Portos e, posteriormente, a chamada «zona adjacente» ao «cais de pesca», quando os elementos disponíveis nos autos apontam exatamente em sentido contrário (V. art. 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 20/81/M, de 2 de outubro), uma vez que a única área de jurisdição da DRP é a ocupada pelo próprio cais.
4. Dos elementos constantes dos autos (fls. 458, 520 e 760) resulta que a resposta dada ao quesito 1, com referência ao ponto 88 deveria ser «não provado».
5. Na sentença recorrida o Tribunal a quo incorreu em grave erro de julgamento, na apreciação jurídica da causa, quando afirma perentoriamente que o terreno em causa nos autos integra o Domínio Público Marítimo que pertenceria ao Estado, decisão que contradiz tudo quanto ficou provado nos autos.
6. Mas mais do que isso, tal ofende o caso julgado constituído pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.01.2012, de que estão juntas aos autos certidões, com menção do seu trânsito em julgado.
7. O argumento da sentença recorrida vai no sentido de que tal caso julgado não relevaria, pela circunstância de o Estado não ter sido parte na ação que deu lugar à sentença de 1.10.2009, do Tribunal Judicial de Santa Cruz, no processo n.º 1224/08.8TBSCR, e que a Relação de Lisboa confirmou por Acórdão de 12.01.2012.
8. Ora, acontece que o recurso daquela sentença de 01.10.2009, que o Venerando Tribunal da Relação confirmou, assenta exatamente na defesa de que o Estado teria de ser parte na referida ação, o que foi contrariado pelo Acórdão da Relação de Lisboa em causa, tendo concluído que, por força do disposto no art. 144.º da Lei n.º 13/91, de 3 de junho (Estatuto Político-Administrativo da RAM), o domínio público sito na Região, pertence exclusivamente à Região, e só assim não seria se estivesse afeto à defesa nacional, e não está, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no n.º 2, do art. 205.º da CRP e o art. 671.º do CPCivil.
9. Ora, resultando daquele caso julgado que o terreno em causa é domínio privado, a sentença recorrida não podia decidir, como decidiu, que o terreno dos autos integra o domínio público.
10. Tal, aliás, resulta do art. 5.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, uma vez que se trata de terreno implantado em escarpa ou arriba, o que, na Madeira e nos Açores, é, desde tempos imemoráveis, considerado domínio privado, disposição que a sentença recorrida, igualmente, violou.
11. Aliás, face à presunção que decorre do art. 5.º, n.º 4, do Dec.-Lei n.º 468/71, de 5/11, que não foi ilidida, temos que é secundário, ou irrelevante, querer saber se, no caso, o domínio público é do Estado ou da Região, na medida em que, na realidade, se está perante domínio privado (V. documentos juntos aos autos, e Parecer da Comissão do Domínio Público Marítimo).
12. A sentença recorrida ao errar sobre a natureza do terreno em causa nos autos e sua titularidade, acabou por errar também, ao considerar que se está perante ato ilegal de licenciamento de loteamento e de obras de construção sobre domínio público marítimo.
13. Em qualquer caso, e ao contrário do decidido na sentença recorrida, o licenciamento de operações urbanísticas sobre terrenos de domínio público, não consubstancia vício gerador de nulidade dos respetivos atos administrativos de controlo prévio, já que tal possível invalidade está submetida ao regime geral de anulabilidade previsto no art. 135.º do CPA.
14. Assim sendo, atentas as datas dos atos impugnados e a circunstância de, a enfermarem de qualquer vício (e não enfermam), seria de mera anulabilidade, quando a petição de impugnação dá entrada em juízo - 27.05.2002 -, de há muito que havia precludido o prazo do art. 28.º, n.º 1, alínea a) da LPTA, que a sentença recorrida violou.
15. Assim, a ter havido quaisquer vícios, os mesmos estariam há muito, completamente sanados.
16. A sentença recorrida enferma, igualmente, de erro de julgamento, ao considerar que ocorre falta de consulta prévia de entidades terceiras - DRP, APRAM ou a Administração Central do Estado -, pela razão simples de que não estava em causa domínio público, registando-se, a este propósito, uma total falta de fundamentação bem como a violação do DLR n.º 20/81/M e do DLR n.º 13/96/M, que não exigiam tal consulta.
17. Mas mesmo que tais consultas fossem necessárias (e não são), ao contrário do decidido, tal omissão não geraria qualquer nulidade, pois a lei só comina de nulidade a falta de consulta da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (art. 14.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 289/73), na RAM, Secretaria Regional do Equipamento Social, por referência ao Dec.-Lei n.º 365/79, de 4/9, o qual foi violado pela sentença recorrida.
18. Ainda no que respeita ao art. 65.º do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de dezembro, com referência ao Decreto Legislativo Regional n.º 19/86/M, de 1 de outubro, artigo 56.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, com referência ao Decreto Legislativo Regional n.º 16/92/M, de 30 de abril, sempre estaríamos perante meras anulabilidades, já sanadas ao tempo da interposição do recurso contencioso de impugnação em causa.
19. Acontece ainda que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao aplicar o Dec.-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro, sem ter em conta a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto.
20. Enferma ainda de erro, a sentença recorrida, quando entende que foram violados os arts. 18.º e 128.º do RGEU, já que, dos factos provados, nada se retira que autorize semelhante conclusão e, tanto assim, que não há quaisquer sinais de menor instabilidade ou insegurança da construção em causa.
21. A peritagem é insuficiente para permitir tal conclusão e a prova testemunhal vai em sentido contrário.
22. Ao invés do decidido, não é verdade que não tenham sido respeitados os prazos dos arts. 9.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Dec.-Lei n.º 289/73, que a sentença recorrida violou.
23. A deliberação de 22.09.82 aprovou, condicionalmente, o projeto de loteamento, sendo que só em 23.02.1984 foram verificadas as condições, pelo que a produção de efeitos do ato de deferimento do loteamento só se deu nesta última data, não ocorrendo assim qualquer caducidade, que, ao contrário do decidido, não é automática.
24. E no mesmo erro incorreu a sentença recorrida, relativamente à licença de 20.03.1985, que também não caducou, por não ter havido ato administrativo expresso para tanto, como o exige a lei, a Jurisprudência e a Doutrina.
25. A exigência da apresentação de um projeto de infraestruturas já anteriormente entregue, constituiria um ato de todo inútil, por elementares razões de economia e de simplificação procedimental.
26. É igualmente absurda, e ilegal, a decisão de considerar nula a licença de construção, já que a sentença recorrida insistiu em considerar «domínio público», terreno que é do domínio exclusivamente privado.
27. 0 licenciamento também não enferma de qualquer ilegalidade, pela razão simples de que se trata de licenciamento sob condição suspensiva (art. 129.º, alínea b) do CPA), ou seja, a obtenção das necessárias alterações ao alvará de loteamento, o que é inteiramente legal, alterações que foram aprovadas por deliberação de 09.10.2000.
28. Enferma, pois, de erro, a sentença recorrida, ao decidir que ocorre a nulidade prevista na alínea c) do n.º 2, do art. 52.º, do Dec-Lei n.º 445/91, pois tal não acontece ...”.

1.9. Devidamente notificada a aqui ora recorrida «B……….» não veio produzir quaisquer contra-alegações [cfr. fls. 957 e segs.].

1.10. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido: i) da parcial procedência do recurso jurisdicional dirigido ao despacho saneador apenas no segmento relativo à insindicabilidade contenciosa das deliberações camarárias de 22.09.1982 e de 05.09.1984, por terem sido revogadas, por substituição, pela deliberação de 20.03.1985; ii) da improcedência, do mesmo passo, do recurso jurisdicional relativo ao despacho que indeferiu a segunda perícia requerida, por serem claros os fundamentos de facto e de direito dele constante; iii) do provimento parcial dos recursos jurisdicionais interpostos da sentença final, devendo esta “ser anulada por falta de fundamentação de facto e de direito e, em consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal recorrido para efeito da sua reforma, de acordo com o disposto no art. 731.º, n.º 2 CPC, por não ser possível o conhecimento em substituição do tribunal a quo nos recursos interpostos para este STA das decisões dos tribunais administrativos de círculo, uma vez que o preceituado no art. 715.º, n.º 1, do CPC para os Tribunais Relação, em recurso de apelação, tem carácter excecional, ao suprimir um grau de jurisdição, não sendo aqui aplicável” [cfr. fls. 1098 e segs.].

1.11. Tal pronúncia objeto de contraditório mereceu apenas a resposta em parte discordante das entidades recorridas «CMSC» e Vereador da «CMSC» [cfr. fls. 1120/1121].

1.12. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para decisão.


2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
Presentes os termos dos recursos jurisdicionais que se mostram interpostos nos autos e do parecer do Digno Magistrado do MºPº junto deste Supremo Tribunal [cfr. fls. 1098/1106] importa que se aprecie:
a) quanto ao recurso dirigido ao despacho saneador de fls. 385 e segs., do alegado erro de julgamento assacado à referida decisão no segmento em que improcedeu as exceções de ilegitimidade processual ativa [por infração do disposto nos arts. 53.º, n.º 2, da CRP, 10.º da Lei n.º 35/98, 01.º, 02.º e 12.º, todos da Lei n.º 83/95 («LAP»)], de intempestividade/caducidade do direito [por violação do disposto nos arts. 28.º, n.º 1, al. a), 29.º e 31.º, todos da LPTA], de irrecorribilidade [por incorreta aplicação, mormente, do previsto nos arts. 25.º e 55.º, ambos da LPTA] e de ilegal cumulação de pedidos [por violação do disposto no art. 38.º da LPTA], assim como, da questão da rejeição do recurso contencioso por falta de objeto, enquanto fundada na ilegalidade da sua interposição relativamente às deliberações da edilidade de 22.09.1982 e de 05.09.1984 dado as mesmas haverem sido revogadas, questão essa veiculada no parecer do MP junto deste Supremo;
b) quanto ao recurso interposto relativamente ao despacho de fls. 687 que, no âmbito da fase de instrução probatória, indeferiu o requerimento de realização duma 2.ª perícia, do alegado erro de julgamento assacado à referida decisão por infração ao preceituado no art. 589.º do CPC [na redação anterior às alterações produzidas pelo DL n.º 303/2007 e pela Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário];
c) quanto aos recursos dirigidos à sentença de fls. 917 e segs., das alegadas nulidade de decisão [por ofensa aos arts. 158.º, 653.º, 659.º e 668.º, todos do CPC, este último no seu n.º 1, als. b) - por: i) falta de explicitação/fundamentação da factualidade fixada como provada de que o terreno sobre o qual incidiram os atos recorridos se situa em «domínio público marítimo» - n.ºs LXXXVII) e LXXXVIII); ii) por falta de fundamentação/especificação de facto e de direito relativamente ao julgamento de verificação de nulidade dos atos recorridos por falta de consulta prévia das entidades externas, mormente, da que justificam a decisão de declaração de nulidade do despacho recorrido de 21.02.2000 por falta de consulta e de autorizações exigidas pelo DL n.º 468/71; iii) por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão sobre alegada caducidade das licenças de 22.09.1982 e de 20.03.1985; e d) - por ofensa do caso julgado quanto à questão da dominialidade do terreno firmado na ação n.º 1224/08.8TBSCR e incompetência do tribunal para a apreciação da mesma questão (arts. 66.º, 67.º, ambos do CPC, 26.º da LOTJ, 211.º, n.º 1, e 212.º, n.º 3, da CRP, 04.º do ETAF/84, e 04.º do ETAF/02), bem assim, pela apreciação de questão que não podia conhecer relativa à legitimidade da Região Autónoma da Madeira - «R.A.M.» - para transigir nos termos em que o fez na referida ação], e dos alegados erro de julgamento de facto [quanto aos n.ºs LXXXVII) e LXXXVIII) dos factos provados - pelo facto dos mesmos deverem ser considerados não provados; quanto aos n.ºs XCII) e XCIII) - pelo facto dos mesmos não poderem ser dados como provados na sua integralidade] e de direito [por ofensa ao disposto: nos arts. 05.º, n.ºs 1 e 4, do DL n.º 468/71 (quanto à questão da dominialidade pública do terreno); no art. 144.º da Lei n.º 13/91 - Estatuto Político-Administrativo da «R.A.M.», e inconstitucionalidade dos arts. 05.º do DL n.º 468/71 e 04.º da Lei n.º 54/2005; no DR 20/81/AI e no DLR 13/96/M e nos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73 por referência ao DL n.º 365/79, 65.º, n.º 1, (não «56.º, n.º 1» como por lapso se refere nas conclusões), do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91, 68.º, al. c), do RJUE (quanto à nulidade dos atos recorridos por alegada falta de consulta prévia às entidades externas competentes - Direção Regional de Portos, Adm. dos Portos da Madeira e Adm. Central do Estado visto o terreno em questão não se incluir no domínio público marítimo e como tal não haver lugar à audição das mesmas entidades externas); no art. 68.º, al. c), do RJUE (por à data da prática dos atos a redação o preceito introduzida pelo DL n.º 177/2001 ainda não estar em vigor); nos arts. 28.º, n.º 1, al. a), e 29.º, n.º 1, da LPTA e 56.º, n.º 1, do DL n.º 448/91 (por esta última disposição da redação dada pela Lei n.º 26/96 sancionar as ilegalidades com a mera anulabilidade e nunca com a nulidade dos atos como se veio declarar quando tais ilegalidades já não poderiam ser conhecidas e apreciadas pelo tribunal dada a caducidade do direito de ação); nos arts. 18.º e 128.º, ambos do «RGEU» (dada a ausência de prova de que a construção haja infringido as referidas normas); nos arts. 09.º, 24.º, n.ºs 1, als. a) e c), e 3, do DL n.º 289/73, 135.º do CPA, 28.º, n.º 1, al. a), e 29.º, n.º 1, da LPTA (dado a ilegalidade gerar apenas a anulabilidade dos atos e a mesma já não poderia ser conhecida e apreciada pelo tribunal dada a caducidade do direito de ação); nos arts. 09.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 289/73 (por nada nos autos permitir que se conclua pela verificação da caducidade das licenças de loteamento); nos arts. 48.º, 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91, 05.º, n.ºs 1 e 4, do DL 468/71 (por erro sobre os pressupostos dado o despacho recorrido de 21.02.2000 haver incidido sobre terreno privado e não público); nos arts. 12.º do DL n.º 468/71, 48.º e segs. do DL n.º 445/91 (pelo facto das obras em causa não necessitarem de aprovação da Adm. Central); no art. 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91 (dado o despacho recorrido de 21.02.2000 não padecer do desvalor imputado naquele preceito); no art. 133.º, n.º 2, al. i), do CPA (em virtude da nulidade dos atos relativos ao loteamento não possuir como consequência legal e lógica a nulidade da licença de construção); no art. 52.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 445/91 (dado os atos recorridos praticados pelo Vereador da «CMSC» não violarem o alvará de loteamento); nos arts. 144.º do Estatuto Político-Administrativo da «R.A.M.», 205.º, n.º 2, da CRP, 671.º do CPC (por ofensa ao caso julgado firmado na ação n.º 1224/08.8TBSCR)] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].



3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente na decisão judicial recorrida o seguinte quadro factual:
I) Por requerimento, com data de entrada nos serviços do Município de Santa Cruz de 01.04.1982, o ora recorrido particular requereu o licenciamento de operações de loteamento para um prédio rústico situado ao sítio das ….. (……..), freguesia de ………, concelho de Santa Cruz, que confronta a norte com a Estrada Regional ….., a sul e oeste com a ………. e a leste com herdeiros de Dr. ………, com a área de 7.000 m2 - documento junto n.º 01 [fls. 01 e 06].
II) As quais operações de loteamento consistiriam, segundo a memória descritiva e justificativa, na ocupação de 5.599 m2 e na criação de oito lotes de terreno, sendo sete destinados para moradia unifamiliares, com um índice de ocupação de 0,5 - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 03 e 04].
III) Com um número máximo de dois pisos, a partir das cotas do terreno, com exceção de caves, e um lote destinado para apartamentos em banda, com índice de ocupação de 0,3 e com o mesmo número de pisos - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 03 e 04].
IV) As infraestruturas propostas pelo recorrido particular consistiam em acessos, abastecimento de água, esgotos e eletricidade, conforme melhor consta da memória descritiva e justificativa do documento n.º 01, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
V) A Câmara Municipal recorrida solicitou, por ofício n.º 361, de 12.04.1982, o parecer da Comissão do Plano Diretor da Frente ………… - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 08].
VI) Por ofício, com data de entrada de 06.07.1982, a Direção Regional do Turismo comunicou ao órgão recorrido o teor do parecer n.º 13, de 23.06.1982, da firma “D………….., Lda.”, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual sociedade era a encarregada pelo estudo do referido plano - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 12, 13, 10].
VII) Posteriormente, a Câmara Municipal recorrida na sua reunião de 22.09.1982, e conforme consta da ata respetiva, deliberou o seguinte:
Aprovado nas seguintes condições: Um - o índice de ocupação dos terrenos ser zero virgula três; Dois - Nos lotes números um e dois o número de pisos acima do nível da Estrada Regional atual ser um; Três - ser mantida uma zona pública para passagem de peões ao longo da falésia com a largura dois metros. A passagem do respetivo alvará fica pendente da apresentação dos seguintes documentos: Um - correção de acordo com a informação prestada pela D……………; Dois - Documento comprovativo de que o requerente é proprietário do terreno a lotear ou possui poderes bastantes para o fazer; Três - Projeto de águas e esgotos, eletricidade e arruamentos; Quatro - Estudo económico do empreendimento e cinco - Orçamento do custo total dos trabalhos a realizar - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 17].
VIII) O recorrido particular foi notificado desta deliberação por ofício datado de 20 do mesmo mês e ano - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 18].
IX) No dia 23.02.1984, o mesmo recorrido particular apresentou o projeto das infraestruturas e requereu a emissão do respetivo alvará de loteamento - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
X) O Presidente da Câmara Municipal por despacho de 29.03.1984 ordenou que fosse solicitado parecer à Secretaria Regional do Equipamento Social - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
XI) Pelo ofício de 02.08.1984, o Chefe de Gabinete do Secretário Regional do Equipamento Social emitiu o referido parecer, em termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 39 e 40].
XII) A Câmara Municipal recorrida, na sua reunião de 05.09.1984, deliberou o seguinte:
Deverá rever o projeto de acordo com a informação do Gabinete Técnico- doc. ora junto sob o n.º 01 [fls. 25 v.].
XIII) O mencionado Gabinete Técnico prestou informação nos seguintes termos:
Face à informação prestada pela Secretaria Regional do Equipamento Social ofício 7374, o processo de loteamento não poderá ser aprovado. Conforme focado no ofício atrás referido, no caso de o requerente manter a intenção de lotear o terreno deverá ser observado as alíneas do ponto 2 - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 25].
XIV) O recorrido particular foi notificado desta deliberação por ofício datado de 20 de setembro do mesmo ano - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 38].
XV) Por ofício com data de entrada nos serviços do órgão recorrido de 13.03.1985, o Chefe de Gabinete do Secretário Regional do Equipamento Social comunicou o seguinte:
Face aos antecedentes de todo este processo, é autorizado o loteamento na base do deferimento e respetivos condicionamentos da deliberação da Câmara Municipal de 22 de setembro de 1982. (…) Trata-se de um caso isolado que não poderá constituir precedentes, já que pela legislação em vigor a anterior Câmara só poderia aprovar os loteamentos após parecer prévio da SRES- cfr. doc. junto n.º 01 (fls. 54).
XVI) A Câmara Municipal recorrida, por deliberação de 20.03.1985, e constante de fls. 152 do Livro de Atas n.º 38, aprovou as operações de loteamento requeridas - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 41].
XVII) Novamente por ofício de 08.03.1986, o Chefe de Gabinete do «SRES» informou o órgão recorrido do seguinte:
1. O processo foi autorizado por esta Secretaria Regional.
2. No entanto essa Câmara deveria salvaguardar as áreas cedências exigidas por lei em benefício do Património Camarário- cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 55].
XVIII) No dia 09.06.1986 foi emitido o alvará de loteamento n.º 68 (sessenta e oito), conforme se extrai das referências do recorrido particular e desta autoridade recorrida a fls. 56, 58, 62 e 63 do documento junto n.º 01.
XIX) Por requerimento com data de entrada de 20.11.1986, o recorrido particular requereu a “harmonização do referido alvará com a nova matriz cadastral, já em vigor neste concelho” e sobre o mesmo recaiu informação do Gabinete Técnico, os quais documentos dão-se aqui por reproduzidos - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 56, 57 e 58].
XX) Sobre este requerimento, a Câmara Municipal recorrida, na sua reunião de 17.12.1986, deliberou o seguinte:
Deferido, de harmonia com a informação da Secretaria- doc. ora junto sob o n.º 01 (fls. 56).
XXI) No dia 10.02.1987 foi emitido o alvará de loteamento n.º 86 (oitenta e seis), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 62 e 63].
XXII) Por requerimento, com data de entrada de 06.07.1999, o recorrido particular requereu “um pedido de informação prévia, relativo à alteração das especificações do alvará de loteamento n.º 86/87, de uma urbanização, ao sítio das ……., freguesia de ……, concelho de Santa Cruz- documento junto n.º 02 [fls. 02].
XXIII) Para tanto juntou a respetiva memória descritiva e justificativa - que aqui se dá por integralmente reproduzida -, nos termos da qual as operações envolveriam a constituição de três únicos lotes de terrenos:
Lote A - área de 785 m2; unificação dos lotes 1 e 2; destinado a espaços de utilização coletiva, sendo de 672 m2 de espaços verdes e 113 m2 para a construção de um edifício de 2 pisos destinado a equipamentos, ficando o piso superior (à cota da antiga estrada regional) com o uso de comércio e o piso inferior com o uso de serviços.
Lote B - área de 1.348 m2; unificação dos lotes 3, 4, 5 e 6; destinado a habitação coletiva; número de pisos acima da cota de soleira; 3 (três); números de fogos: 21 apartamentos (18 T2 + 3 T3) índice de ocupação previsto 40% (539 m2); índice de utilização previsto: 120% (1.617 m2).
Lote C - área de 2.150 m2; unificação dos lotes 7 e 8; destinado a habitação coletiva; número de pisos acima da cota de soleira; 3 (três); número de fogos: 298 apartamentos (21 T2 + 7 T3 (Índice de ocupação previsto: 35% (753 m2); Índice de utilização previsto: 110% (2.365 m2)- cfr. doc. ora junto sob o n.º 02 [fls. 03 a 08].
XXIV) Pelo ofício n.º 1821 de 09.07.1999, o Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz solicitou à Secretaria Regional do Equipamento Social parecer e o Vereador insistiu no sentido da sua obtenção através do ofício n.º 2248 de 10 de agosto do mesmo ano - cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 12 e 14].
XXV) A Secretaria Regional do Equipamento Social, pelo ofício com data de entrada nos serviços do Município de 07.09.1999, comunicou o parecer da “DRU e DRE”, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 15 e 16]
XXVI) No dia 07.04.2000, o recorrido particular requereu o licenciamento das “... alterações das especificações do referido alvará de loteamento” que, como o próprio fazia ver, “... vem no seguimento do pedido de informação prévia de 1991- junho -21, do parecer da Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente S 9702 1999/09/02 e do projeto de licenciamento de 1999-outubro-21 para permitir a edificação de habitação coletiva a custos controlados ... - cfr. doc. junto n.º 02 (fls. 18). Mantinha o requerente e ora recorrido particulares os três lotes de terreno, assim identificados:
Lote A - área de 653 m2; unificação dos lotes 1 e 2; destinado a espaços de utilização coletiva, sendo 216 m2 de espaços verdes e 236 m2 para a construção de um edifício de três pisos destinado a equipamentos, ficando o piso superior (à cota da antiga estrada regional) com o uso de comércio e os restantes pisos com o uso de serviços.
Lote B - área de 1.375 m2, unificação dos lotes 3, 4, 5 e 6; destinado a habitação coletiva, número de pisos acima da cota de soleira: 3 (três); número de fogos: 18 apartamentos (9 T2 + 9 T3); índice de ocupação previsto: 40% (551 m2); índice de utilização previsto: 120% (1.653 m2).
Lote C - área de 2.224 m2; unificação dos lotes 7 e 8; destinado a habitação coletiva; número de pisos acima da cota da soleira: 3 (três); número de fogos: 30 apartamentos (T2); índice de ocupação previsto 35% (771 m2); índice de utilização previsto: 104% (2.313 m2)”.
XXVII) Por ofício de 12.04.2000, foi solicitado à Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente parecer sobre a alteração do loteamento n.º 86/87.
XXVIII) Este departamento do Governo Regional, por ofício com data de entrada nos serviços do Município de 28.09.2000, comunicou o parecer da “DRU” do teor seguinte:
O processo destina-se à implementação de um conjunto habitacional a custos controlados e foi seguido nas fases anteriores pela DRU e IHM, pelo que não se vê inconveniente na sua viabilização, desde que sejam cumpridas as premissas subjacentes ao mesmo- cfr. doc. junto sob o n.º 02 [fls. 24].
XXIX) A Câmara Municipal recorrida, por deliberação tomada na sua reunião de 09.10.2000, aprovou as operações de loteamento peticionadas pelo recorrido particular - cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 18, 26 e 27].
XXX) No dia 09.02.2001 foi emitido o “Aditamento ao Alvará de Loteamento n.º 86/87”, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 30 e 31].
XXXI) O mesmo recorrido particular, por requerimento com data de entrada de 03.10.2001, requereu “a alteração das especificações” do alvará n.º 86 (oitenta e seis) relativamente ao lote A, que passaria a ter a seguinte descrição:
Lote A- área de 653.00 m2, destinado a espaços de utilização coletiva, sendo 80,85 m2 de espaços verdes e 274.00 m2 para a construção de um edifício de 3 pisos + 1 cave, destinado a equipamentos, com os usos de comércio e serviços ficando o piso superior (à cota da antiga estrada regional)- cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 34].
XXXII) No dia 19 de novembro do mesmo ano, o recorrido particular repete o mesmo requerimento e no dia 16.01.2002 junta os elementos em falta - cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 36, 38 a 42].
XXXIII) Foi solicitado parecer à Secretaria Regional do Equipamento Social e Transportes pelo ofício datado de 30 de janeiro e este departamento do Governo Regional, por documento com data de entrada de 02 de março último, comunicou o “parecer da DROT” do teor seguinte:
A alteração proposta do alvará de loteamento n.º 86/87, é viável nos moldes pretendidos- cfr. doc. junto n.º 02 [fls. 46].
XXXIV) O recorrido particular, por requerimento com data de entrada nos serviços do Município de Santa Cruz de 15.11.1999, requereu o licenciamento “de uma habitação coletiva a custos controlados...” a “...levar efeito no Sítio das ….. - ……., Concelho de Santa Cruz- documento junto n.º 03 [fls. 01].
XXXV) Instruiu o referido pedido com o alvará de loteamento n.º 86 (oitenta e seis) e com o respetivo projeto de arquitetura que aqui se dá por reproduzido - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 02 a 32].
XXXVI) Por ofício número 3.150, de 17.11.1999, foi solicitado parecer à Secretaria Regional do Equipamento Social e do Ambiente, que o emitiu nos termos do documento com data de entrada de 28.12.1999 e que aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 35].
XXXVII) O Arquiteto E……………., por informação de 16.02.2000, após reproduzir o parecer da SRES de 02.09.1999 [que considera viável a alteração ao alvará de loteamento desde que se destine à promoção de habitação da responsabilidade direta ou indireta de entidades públicas], informa o Vereador com o Pelouro das Obras do seguinte “... o que existe nesta Câmara é um estudo prévio da alteração do alvará de loteamento n.º 86/87, pelo que o presente pedido de licenciamento dum conjunto habitacional deverá aguardar pela evolução e aprovação daquela alteração, ainda não efetuada, a fim de procederemos a uma apreciação segundo o disposto no ofício da SRESA n.º S 13757, de 99/12/23... - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 38].
XXXVIII) O qual ofício, continuava o indicado funcionário, expressava que “... não existem objeções à viabilização deste conjunto habitacional apresentado desde que esteja conforme o loteamento suporte, competindo a esta autarquia verificar e garantir o cumprimento das questões formais e legais inerentes e respeitar os condicionamentos previstos no ponto 2 daquele ofício- cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 38].
XXXIX) Ao abrigo de subdelegação de competências do Presidente da Câmara Municipal, o Vereador com o Pelouro das Obras Particulares, …………., exarou, no dia 21.02.2000, o seguinte despacho:
Deferido nos termos da presente informação - cfr. doc. junto sob o n.º 03 [fls. 38 e 39].
XL) O Recorrido particular foi notificado do indicado despacho pelo ofício de 22.02.2000 - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 39].
XLI) No dia 13.03.2000, o recorrido particular requereu a junção ao procedimento administrativo dos documentos a fls. 44 a 56 do documento junto n.º 03 - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 43].
XLII) E, no dia 13 de outubro, requereu a emissão do correspondente alvará de licença de construção - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 57].
XLIII) O Diretor Regional do Gabinete de Gestão Litoral - por ofício com data de entrada nos serviços do Município de 18.10.2000 e sob a epígrafe “Escavação em curso em área do domínio público marítimo, no sítio das ……., freguesia de …….., concelho de Santa Cruz- dá conta que “foi detetada uma escavação ...” e que “... pelas características do local, a área onde parece estar prevista a construção das casas constitui ainda domínio público marítimo, pelo que qualquer aprovação, carecerá da apreciação e decisão de atribuição do direito de uso privativo - cfr. doc. n.º 03 [fls. 64].
XLIV) A 23 do mesmo mês e ano, o Vereador recorrido mandou juntar aos autos procedimentais aquele ofício e a fazer constar que “... volte a despachar- cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 64].
XLV) Este mesmo Vereador com o Pelouro das Obras Particulares, por seu despacho de 08.10.2000, ordenou a emissão da licença e, por seu despacho de 16 do mesmo mês e ano, voltou a ordenar a “emissão da licença condicionada aos processos em falta - doc. junto n.º 03 [fls. 43 e 57].
XLVI) No dia 03.11.2000, foi emitido o alvará de construção n.º 580/2000, que aqui se dá por integralmente reproduzido - cfr. doc. junto n.º 03 (fls. 43 e 69) -, do qual alvará consta expressamente que a licença “... fica condicionada aos pareceres em falta, nomeadamente, Empresa de Eletricidade da Madeira, …………., Projeto de Estabilidade, Projeto de Gás e Projetos de Águas e Esgotos- cfr. doc. ora junto sob o n.º 03 [fls. 69].
XLVII) Por ofícios com data de entrada de 08.11.2000 e 27.12.2000, a «……» e a «Electricidade da Madeira» aprovaram os projetos de especialidade apresentados - doc. junto n.º 03 [fls. 71 e 72].
XLVIII) O prédio rústico sobre o qual o recorrido particular requereu o licenciamento de todas as operações de loteamento e o licenciamento das obras particulares fica situado no sítio das ………. (……….), freguesia da ……, concelho de Santa Cruz - cfr. docs. n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129].
XLIX) E com “uma ampla vista panorâmica sobre o Oceano Atlântico e as ilhas Desertas - cfr. doc. junto sob o n.º 02 [fls. 05].
L) O dito prédio, como mostram as plantas de localização com que o recorrido particular instruiu os procedimentos administrativos, fica implantado à direita - de quem vê do Mar - da enseada ou baia natural do ……….. - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04, 05, 12 a 15.
LI) Ou à esquerda dessa mesma enseada para quem a vislumbra da terra para o Mar - cfr. docs. junto n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04, 05, 12 a 15.
LII) E implantado e situado no cimo de uma arriba, escarpa ou margem elevada - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 13.
LIII) Esta dita margem, escarpa ou arriba é, por seu turno, um alcantil, posto que cai, de forma abrupta, a prumo e a pique sobre as águas do Mar - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 13.
LIV) O prédio tem por limite a oeste - à direita de quem vê do mar - a crista da mencionada arriba alcantilada - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 15.
LV) Todas e cada uma das operações de loteamento vão até aquela concreta aresta da elevação rochosa que do mar se levanta - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 15.
LVI) E as obras de urbanização e de construção civil objeto do licenciamento das obras particulares ficam implantadas no terreno a leste da mencionada aresta da elevação rochosa - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 15.
LVII) A distância para o limite do alcantil varia entre os quatro a oito metros - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 06 a 09, 12 a 14.
LVIII) Por outro lado, as águas do Mar e do Oceano Atlântico banham diretamente parte da arriba e o limite do seu leito é parte da própria escarpa - cfr. docs. juntos n.ºs 04 a 12.
LIX) Em cerca de um quarto da extensão do mesmo lado - a oeste - e na confrontação sul, o referido prédio divisa diretamente com parte do cais do ………… - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 08, 12 a 15.
LX) O qual cais, com uma largura de 12 metros, deita, também e por sua vez, para sul diretamente para o calhau e para as águas do Mar - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129], 04 a 08, 12 a 15.
LXI) A sul, entre o leito do Oceano Atlântico e o prédio em apreço vai uma largura não superior a 30 metros.
LXII) A implantação e situação física e real do prédio contígua àquele troço da costa marítima da enseada do ……….., sítio das ……….., mantêm-se inalterada, desde 1982 até à presente data - cfr. docs. juntos n.ºs 01 [fls. 03 a 07, 24, 46, 64, 65], 02 [fls. 02 a 08, 18 e 19, 47 e 48], 03 [fls. 10, 13 a 29, 96 a 99, 115, 124 a 129].
LXIII) Dou como reproduzida fls. 64 do doc. junto como n.º 03 [fls. 209 deste processo].
LXIV) De todos e de cada um dos descritos procedimentos administrativos não consta qualquer ato de licença praticado por qualquer das entidades estatais.
LXV) Em todos os procedimentos administrativos em apreço e relativos ao licenciamento das operações de loteamento e obras de urbanização, a Autoridade Recorrida não realizou consultas a órgãos do Estado.
LXVI) A «CMSC» não consultou a «DRP» nem a «APRAM».
LXVII) A deliberação da Autoridade Recorrida «CMSC» de 22.09.1982 foi precedida dos docs. de fls. 08 a 13 do doc. junto à «p.i.» com o n.º 01 [fls. 33 a 38 deste processo], que dou aqui como reproduzidos.
LXVIII) A alteração do local pelas obras é visível a várias dezenas de quilómetros de distância, seja do mar ou da terra - cfr. docs. juntos n.ºs 04 a 09, 12 a 15.
LXIX) A área bruta total de construção é de 3.797.46 m2 e a área do terreno é de 6.330 m2 - cfr. doc. junto n.º 03 [fls. 21].
LXX) Após a deliberação de 20.03.1985 da Autoridade Recorrida «CMSC», o recorrido particular não requereu o licenciamento de quaisquer obras de urbanização, que efetivamente executou - cfr. doc. junto n.º 01 [fls. 58 e 59].
LXXI) Nem muito menos declarou nos respetivos autos procedimentais que reiterava o projeto de infraestruturas apresentado no dia 23.02.1984.
LXXII) O recorrido particular não formulou nem reiterou pedido de emissão do alvará de loteamento.
LXXIII) O mesmo voltou a suceder com a emissão do alvará consequente à deliberação de 09.10.2000.
LXXIV) Em outubro de 2000, o recorrido particular pediu ao Presidente da «CMSC» a passagem da certidão de aditamento ao alvará de loteamento n.º 86/87 [fls. 119 destes autos; fls. 28 do doc. n.º 02 da «p.i.»].
LXXV) Em 24.01.2001, o Vereador despachou:
«Emita-se o alvará de loteamento em virtude de as obras de infraestruturas se encontrarem todas executadas» [fls. 117 destes autos; fls. 26 do doc. n.º 02 da «p.i.»].
LXXVI) Este despacho está exarado sobre ofício da «CMSC», assinado pelo Vereador ……….., datado de 13.12.2000, destinado ao recorrido particular, donde consta que:
- por deliberação da «CMSC» de 09.10.2000, foi deferido o pedido de licenciamento da operação de loteamento urbano;
- poderá requerer o licenciamento das obras de urbanização no prazo de 01 ano a contar do recebimento da notificação, devendo apresentar certos documentos;
- caso não cumpra o prazo, caduca a deliberação.
LXXVII) Não houve, quanto às obras particulares, a apresentação ou obtenção de documento com a licença prévia referida nos art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de novembro, e art. 48.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro.
LXXVIII) Dou aqui como reproduzido o teor do doc. de fls. 64 do documento da «p.i.» junto como n.º 03 [fls. 209 destes autos].
LXXIX) O recorrido particular, aquando da apresentação do requerimento inicial no sentido do licenciamento das obras de construção civil, instruiu-o com o alvará de loteamento n.º 68 (sessenta e oito) - cfr. doc. junto n.º 03 (fls. 02 a 04).
LXXX) Dou aqui como reproduzidos os teores do documento junto à «p.i.» como n.º 01 - fls. 62 e 63, e n.º 03 - fls. 02, 13, 18, 21 a 24, 53, 54, 67 a 69.
LXXXI) Em 15.11.1999, o recorrido particular pediu à «CMSC» o projeto de licenciamento para uma habitação coletiva a custos controlados [fls. 146 deste processo - fls. 01 do doc. n.º 03].
LXXXII) Por ofício de 08.09.1999, o Vereador notificou o recorrido particular do parecer da «SRES», comunicado à «CMSC» pelo ofício da «SRES» de 02.09.1999 [fls. 106 a 108 deste processo - fls. 15 a 17 do doc. n.º 02], donde consta:
«Assunto: parecer sobre alteração do alvará de loteamento n.º 86/87, Sítio das ………, …….
(…) desde que a intervenção se enquadre no preconizado no art. 45.º-B (exceções específicas) do DLR 9/97/M de 18.7, que altera o POTRAM, e se destine à promoção de habitação da responsabilidade direta ou indireta de entidades públicas, a intenção, em termos urbanísticos, poderá ser viabilizada, devendo a CM garantir a apresentação da documentação que comprove tal situação (…)».
LXXXIII) Por ofício de 17.11.1999 dirigido à «SRES», sobre o “Assunto: Pedido de parecer sobre construção de habitação coletiva, Sítio das ………., ………”, o Vereador informou que, em 06.07.1999, fora apresentado na autarquia um pedido de informação prévia de alteração do alvará de loteamento n.º 86/87, que fora enviado à SRES em 09.07.1999 [fls. 178 deste processo - fls. 33 do doc. n.º 03].
LXXXIV) Por ofício da «SRES» de 23.12.1999 [fls. 180 deste processo - fls. 35 do doc. n.º 03], a «CMSC» obteve o parecer da «DRU» e «DRE» sobre a viabilidade de construção de habitação coletiva no local:
«(…) não existem objeções à viabilização do mesmo, desde que este esteja conforme com o loteamento de suporte, o que competirá à Câmara Municipal verificar (…)».
LXXXV) De todos e de cada um dos descritos procedimentos administrativos não consta qualquer contrato de concessão de usos privativos que incida sobre o trato de terreno contíguo e sobranceiro ao Mar e situado naquele troço da respetiva costa marítima.
LXXXVI) A deliberação da Autoridade Recorrida de 22.09.1982 não foi precedida de qualquer parecer da «DRUHA».
LXXXVII) O trato do terreno ficava situado em área afeta à extinta Direção Regional de Portos [v. prova testemunhal e fls. 458 e 509].
LXXXVIII) E, mais recentemente, integra a denominada “zona adjacente” do referido cais de pesca [v. perícia, prova testemunhal e fls. 458 e 509].
LXXXIX) O alcantil em questão é objeto de erosão marinha provocada pelas ondas do Mar [v. perícia].
XC) E, na parte do alcantil diretamente banhada pelas ditas águas do Mar e para leste tendo por ponto de referência a crista daquele e da arriba, existem escavações/grutas [v. perícia].
XCI) Estas são visíveis com a baixa-mar, algumas das quais têm entre 01 e 10 metros e são causadas pela ação erosiva do Mar [v. perícia].
XCII) As operações de loteamento e edificação licenciadas pela Autoridade Recorrida podem diminuir as condições de estabilidade da arriba [v. perícia].
XCIII) As construções acentuam o processo [natural] de desagregação da arriba [v. perícia].
XCIV) O «INH» homologou em análise final, em agosto 2000, o projeto do empreendimento de 48 fogos no Sítio das ……….. - Santa Cruz [doc. a fls. 198].
XCV) Dou aqui por reproduzido o doc. n.º 06 [transação no processo n.º 1224/08.8TBSCR] junto pelo requerimento de 27.04.2012 [v. art. 524.º, n.º 2, CPC].

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3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação dos recursos jurisdicionais e questões que se nos mostram dirigidos, apreciação essa que se fará considerando a sua ordem de interposição, na certeza de que, no caso, tal conhecimento se imporá assim dever ser feito até pelas consequências ou implicações preclusivas advenientes duma eventual procedência das questões que nos mesmos foram suscitadas.


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3.2.1. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DO DESPACHO SANEADOR[18.02.2004]
3.2.1.1. DA EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA

I. Sustentam as entidades recorridas, aqui ora recorrentes, que não assiste legitimidade processual ativa à recorrente contenciosa para a dedução do presente recurso contencioso de anulação no quadro da ação popular administrativa já que, pese embora aquela constituir uma associação destinada à defesa e promoção do ambiente, os fundamentos de ilegalidade e normas tidas por violadas pelos atos administrativos impugnados e que se mostram invocados na petição de recurso não visam a defesa do ambiente nem tal faz parte da esfera de proteção do invocado quadro normativo.
Ao assim não haver considerado a decisão judicial em crise infringiu o disposto nos arts. 53.º, n.º 2, da CRP, 10.º da Lei n.º 35/98, 01.º, 02.º e 12.º, todos da Lei n.º 83/95 [doravante «LAP»].

II. Argumentou-se na decisão judicial sob impugnação que a recorrente contenciosa “por ser uma ONG dedicada ao ambiente e à qualidade de via, tem a legitimidade processual conferida pelo art. 10.º da Lei n.º 35/98 …”, sendo que “as normas que, segundo a recorrente, foram violadas (inseridas em sede de urbanismo e ordenamento do território, bem como de domínio público marítimo) também visam proteger o ambiente e a qualidade de vida dos cidadãos, onde se inserem as questões da paisagem e da orla marítima, aqui em causa”, termos em que improcedeu a exceção em epígrafe.

III. Através do pressuposto processual relativo à legitimidade visa-se proceder à seleção dos sujeitos de direito que são admitidos a participar ou a intervir em cada processo e litígio submetido a tribunal.

IV. Estamos em presença de recurso contencioso de anulação deduzido pela aqui recorrida no quadro da ação popular administrativa tendo para o efeito a mesma invocado o disposto nos arts. 52.º, n.º 3, da CRP, 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, 01.º, 02.º, 03.º e 12.º, todos da «LAP».

V. Convocando o quadro normativo tido por violado e, bem assim, aquele que se reputa como pertinente para a análise da questão temos que, em termos da Constituição da República, se prevê no n.º 3 do art. 52.º que “[é] conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais”, sendo que, entre as “tarefas fundamentais do Estado”, se conta, nomeadamente, a defesa do ambiente [art. 09.º, al. e)], para além de que decorre do seu art. 66.º que “[t]odos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender” [n.º 1] e que “[p]ara assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: (…) b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correta localização das atividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; (…) e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitetónico …” [n.º 2].

VI. No quadro da lei ordinária e para além do acervo normativo inserto na Lei de Bases do Ambiente aplicável [«LBA»] [Lei n.º 11/87, de 07.04, vigente à data dos factos em discussão e, bem assim, à data da propositura do recurso contencioso - diploma entretanto revogado pela Lei n.º 19/2014, de 14.04 (cfr. art. 24.º)] [no caso, nomeadamente, os arts. 02.º, 04.º, 05.º, 06.º, 17.º, 18.º, 27.º e 45.º daquela Lei], estipula-se no art. 10.º da Lei n.º 35/98, no que releva, que “[a]s ONGA, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda, têm legitimidade para: (…) c) Recorrer contenciosamente dos atos e regulamentos administrativos que violem as disposições legais que protegem o ambiente”, para além de que as mesmas gozam do “direito de consulta e informação junto dos órgãos da Administração Pública sobre documentos ou decisões administrativas com incidência no ambiente, nomeadamente em matéria de: a) Planos e projetos de política de ambiente, incluindo projetos de ordenamento ou fomento florestal, agrícola ou cinegético; b) Planos setoriais com repercussões no ambiente; c) Planos regionais, municipais e especiais de ordenamento do território e instrumentos de planeamento urbanístico …” [art. 05.º, n.º 1].

VII. E resulta, por sua vez, do art. 12.º, n.º 1, da «LAP» [na redação à data vigente e considerando a Retificação n.º 4/95] que “[a] ação popular administrativa compreende a ação para defesa dos interesses referidos no artigo 1.º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos lesivos dos mesmos interesses”, sendo que, de harmonia, com o art. 01.º, n.º 2, da mesma Lei, “[s]ão designadamente interesses protegidos pela presente lei a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público”, prevendo-se, ainda, no seu art. 02.º, n.º 1, que “[s]ão titulares do direito procedimental de participação popular e do direito de ação popular quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos no artigo anterior, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda”, na certeza de que constituem “requisitos da legitimidade ativa das associações e fundações: a) A personalidade jurídica; b) O incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate; c) Não exercerem qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou profissionais liberais” [art. 03.º do mesmo diploma].

VIII. Estamos em face de recurso contencioso de anulação no qual se impugna a legalidade de atos administrativos praticados por órgãos da administração pública local e que se regia e rege pela LPTA [cfr. art. 05.º da Lei n.º 15/2002], bem como, naquilo que não se mostra nela previsto, pelo que decorre do Código Administrativo e legislação complementar deste [cfr. arts. 51.º, n.º 1, al. c), do ETAF/84, 24.º, al. a), da LPTA], sendo que, neste último, continham-se normas que definiam, em termos de regra geral, aquilo que era a legitimidade processual ativa [cfr. arts. 821.º (legitimidade dos recorrentes contenciosos: i) legitimidade ativa pública - MP; ii) legitimidade ativa dos particulares - quem, na terminologia legal, fosse “titular de interesse direto, pessoal e legítimo no provimento do recurso”, terminologia essa devidamente lida, interpretada e adaptada pela jurisprudência à luz do preceituado, mormente, no art. 268.º, n.º 4, da CRP), 822.º (legitimidade na ação popular “corretiva”) e 823.º (legitimidade nos recursos de deliberações dos órgãos das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa)].

IX. O direito de ação popular consagrado e previsto no quadro normativo supra enunciado, sendo um direito de ação judicial, traduz-se, por definição, num alargamento do aludido regime regra da legitimidade processual ativa [cfr., entre outros, os Ac. deste STA de 07.02.2002 - Proc. n.º 047701, de 29.04.2003 - Proc. n.º 047545, de 03.06.2004 - Proc. n.º 0413/04, de 29.06.2004 (Pleno) - Proc. n.º 01334/03, de 07.03.2006 - Proc. n.º 0308/05, todos in: «www.dgsi.pt/jsta»], tanto mais que esta afasta-se da noção de interesse direto e pessoal e não é averiguada de modo concreto e casuístico, mas antes é aferida em termos gerais e abstratos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa, já que por referência ou a partir da integração objetiva de certas qualidades ou inserção em determinada categoria de indivíduos/entes.

X. O referido direito constitui um instrumento que visa assegurar a proteção de interesses difusos e coletivos, sendo que, à luz do que decorre, nomeadamente, dos arts. 52.º, n.º 3, da CRP, e 01.º, n.º 2, da «LAP», compreende-se no mesmo a defesa de interesses que se prendam com a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público, defesa essa realizada no quadro dos meios processuais previstos à data no contencioso administrativo, mormente, o recurso contencioso de anulação, cientes de que no n.º 1 do art. 12.º daquela Lei não se instituiu no contencioso administrativo um qualquer processo especial de “ação popular” para além dos meios processuais que estavam previstos na LPTA [cfr., por todos, o citado Ac. do Pleno deste Supremo de 29.06.2004 - Proc. n.º 01334/03].

XI. No caso vertente discute-se se a recorrente contenciosa, enquanto «ONGA», goza de legitimidade processual ativa à luz, nomeadamente, do art. 10.º, al. c), da Lei n.º 35/98, para vir impugnar os atos administrativos em crise à luz dos fundamentos de ilegalidade que se mostram invocados dado, no entendimento das entidades recorridas, as disposições tidas por alegadamente violadas não constituírem normas de proteção do ambiente para cuja defesa apenas aquela estaria habilitada, visto, tão-só, estarem em crise alegadas violações de regras de direito urbanístico.

XII. É certo que, como resulta do teor do referido normativo na sua articulação com os arts. 02.º, 03.º e 07.º do mesmo diploma e 03.º da «LAP» [pressuposto da especialidade das atribuições estatutárias], a legitimidade processual ativa duma «ONGA» para a dedução de recurso contencioso de impugnação de ato jurídico radica no facto de estarem ou haverem sido violadas pelo ato impugnado “disposições legais que protegem o ambiente”, exigência essa que implica que seja precisado, para esse efeito, o conceito de “ambiente” inserto na referida al. c) do art. 10.º.

XIII. De notar que tal como já havia sido feito antes na Lei n.º 10/87 [cfr. art. 07.º, n.º 1, al. b)] o legislador, ao disciplinar aquilo que sejam os termos exigidos para a legitimação processual ativa das «ONGA’s» no quadro do exercício do direito de ação popular em matéria ambiental, não o fez dum modo amplo e irrestrito porquanto circunscreveu ou condicionou a legitimidade popular daqueles entes em termos daquilo que podem constituir os fundamentos de ilegalidade invocados no quadro impugnatório não a todos os interesses acobertados naquele direito e a um qualquer quadro normativo tido por violado, mas apenas ao “ambiente” e aos normativos com o mesmo conexionados, e fê-lo mediante a introdução no preceito ora em referência da aludida exigência.

XIV. Ora enquanto concretização no plano da lei ordinária do comando constitucional relativo ao direito de ação popular em matéria de “ambiente” temos que a definição daquilo que no referido preceito seja uma disposição legal em matéria de proteção de “ambiente” terá de ser encontrada com suporte naquilo que se mostre enunciado pela «LBA» dado, por um lado, a própria indefinição do bem jurídico “ambiente” que o art. 66.º da CRP não soluciona e quiçá “agrava”, e, por outro lado, a própria perceção de que “hoje tudo é ambiente”.

XV. O ambiente constitui um bem jurídico merecedor de tutela e que, enquanto tal, é tutelado em si e por si mesmo, já que o Direito o protege e regula, quer encaremos o mesmo na sua globalidade, quer sob a perspetiva dos seus diversos componentes, dos vários bens ambientais considerados em sentido estrito.

XVI. Assim e considerando tal enquadramento temos que no conceito de disposição legal em matéria de proteção do “ambiente” se terão querido abarcar todas as disposições legais em cuja esfera de proteção se incluam, ou se visem prosseguir ou defender o ambiente nas suas várias componentes e isso independentemente do assento, natureza, catálogo e/ou inserção sistemática das mesmas disposições.

XVII. Por outras palavras, para uma adequada tutela e concretização do direito de ação popular em matéria de defesa do ambiente por parte duma «ONGA», nomeadamente do uso de meios contenciosos de impugnação de atos jurídicos, terá de estar na mira da al. c) do art. 10.º da Lei n.º 35/98 a inclusão de todas disposições legais infringidas que, nos seus fins, se encontrem também preocupações de natureza ambiental ou de defesa deste bem jurídico, as quais, aliás, não têm de ser exclusivas, impondo-se, desta feita, a adoção dum sentido amplificador, abrangente, do conceito de “ambiente” que albergue no seu seio também regras doutros domínios, nomeadamente, do urbanismo, do ordenamento do território, da arquitetura urbana, do domínio público, já que o que releva e se exige é que as mesmas visem prosseguir a defesa e valorização do ambiente, do património natural (v.g., preservação da paisagem da orla costeira) e edificado, ou a conservação da Natureza.

XVIII. É esse sentido amplo do conceito de “ambiente” que se colhe da leitura quer da CRP [cfr. arts. 09.º e 66.º], quer da «LBA» [cfr., entre outros, seus arts. 03.º, 04.º, als. a) e b), 05.º, n.ºs 1, als. a) e d), e 2, als. a), b) e c), 06.º, 13.º, n.ºs 1 e 5, 17.º, 18.º, 19.º e 27.º, n.º 1, als. c) e e)] e donde se extrai uma clara interligação e interpenetração, mormente, entre o ambiente e o ordenamento território/urbanismo, o papel que estes últimos representam e potenciam para a construção, manutenção e existência dum ambiente equilibrado, sadio e sustentável, e, bem assim, a afirmação do solo e do subsolo como elementos componentes do ambiente e pelo mesmo abrangidos.

XIX. E é em face ou tendo presente um tal sentido do conceito de “ambiente” que importa fazer, também, da norma de contencioso em crise uma leitura que se mostre adequada e compatível com o mesmo de molde a que se permita efetivar uma plena e ampla tutela jurisdicional da defesa do bem jurídico “ambiente” por parte das «ONGA’s» sem que as mesmas vejam a sua legitimidade processual ativa fortemente cerceada ou limitada.

XX. De fora ficarão, necessária e nomeadamente, todas as disposições legais contendo regras procedimentais, de competência, de organização administrativa, conferindo garantias procedimentais e/ou definindo trâmites e procedimentos, que não contem o bem jurídico “ambiente” como abrangido na sua esfera de proteção, ou que não integrem um qualquer procedimento em matéria ambiental.

XXI. A recorrente contenciosa, aqui ora recorrida, impugnou os atos administrativos em crise por, alegadamente, estarem em infração:
1) as operações de loteamento e de urbanização [deliberações da edilidade recorrida tomadas em 22.09.1982, 05.09.1984, 20.03.1985, 17.12.1986 e 09.10.2000], dos: i) arts. 03.º, 05.º, 08.º, 12.º a 17.º, 18.º, 21.º e 22.º, todos do DL n.º 468/71, dado respeitarem a zona de propriedade pública do Estado os entes públicos recorridos careciam de competência para a sua aprovação e licenciamento o que conduz à sua nulidade por incompetência absoluta [cfr., ainda, os arts. 363.º, n.º 1, do Cód. Administrativo, 88.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 100/84 («LAL») e 133.º, n.º 2, al. b), do CPA]; ii) arts. 05.º, n.º 2, 08.º, 12.º a 16.º, do DL n.º 468/71, 02.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 03.º, n.ºs 1, als. a) e b), 4, 12.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 24.º, n.º 2, e 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 02.º, n.º 2, 42.º e 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91, por ausência de realização de consultas prévias junto de entidades exteriores à edilidade recorrida legalmente exigidas no âmbito dos procedimentos administrativos em referência e ainda que a faixa de terreno do prédio em apreço fosse objeto de propriedade privada, e que seria gerador do desvalor da nulidade [cfr., ainda, os arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91]; iii) arts. 04.º do DR n.º 20/81/M, 03.º e 04.º do Anexo I e Anexo II do DLR n.º 13/96/M, 01.º do DL n.º 299/79, por ausência de realização de consultas prévias junto da extinta Direção Regional de Portos e da Administração dos Portos da Região Autónoma da Madeira no âmbito dos procedimentos administrativos em referência exigidas pelo facto do prédio numa sua parte a oeste e a sul ser contíguo aos cais do …………, omissão essa sancionada com o desvalor da nulidade [cfr., os mesmos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, 56.º, n.º 1, al. a), do DL n.º 448/91]; iv) arts. 02.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 03.º, n.ºs 1, als. a) e b), 12.º, n.ºs 1, 2, 24.º, n.º 2, do DL n.º 400/84, 40.º e 43.º, do DL n.º 448/91, 01.º, 02.º e 03.º do DL n.º 365/79 por ausência de realização de consultas prévias junto de entidades exteriores à edilidade recorrida [da Adm. Central e da Adm. Regional (sucessivamente, “Direção Regional Habitação, Urbanismo e Ambiente”, “Direção Regional Urbanismo e Ambiente” e “Direção Regional de Ordenamento do Território”)] legalmente exigidas no âmbito dos procedimentos administrativos em referência e por audição de entidades sem competência [arts. 26.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 30.º, n.º 2, al. p), 31.º, n.º 1, al. c) e d) DRR n.º 13/80/M, 16.º do DL n.º 289/73, 08.º, 14.º, 25.º e 28.º do DL n.º 400/84], ilegalidade esta que seria geradora do desvalor da nulidade [cfr., ainda, os arts. 02.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 26.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 30.º, n.º 2, al. p), 31.º, n.º 1, al. c) e d) DRR n.º 13/80/M]; v) arts. 06.º, 14.º e 18.º da Lei n.º 11/87 [«LBA»], 66.º, n.º 1, da CRP, e 128.º do DL n.º 38282 [«RGEU»], pelo facto das operações de loteamento e das obras de urbanização ficarem situadas e localizadas no topo da falésia e confinam com a aresta desta, como tal em zona sujeita a forte erosão marinha, sendo que a falta ou diminuição da solidez e da estabilidade da arriba é agravada pelas referidas operações urbanísticas, desfigurando as mesmas a paisagem natural envolvente, ilegalidades essas conducentes ao desvalor da nulidade porquanto se traduzem numa “ofensa ecológica/ambiental” lesivas do núcleo essencial do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida [cfr. arts. 66.º, n.º 1, 17.º e 18.º da CRP, 133.º, n.ºs 1, 2, als. c) e d), do CPA]; vi) arts. 09.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, al. a) do DL n.º 289/73, 14.º e 40.º do DL n.º 448/91, dada a caducidade do deliberado em 22.09.1982 quando foi apresentado o projeto de infraestruturas, e da impossibilidade de revogação de deliberações nulas, sendo nulas por natureza as deliberações de 05.09.1984 e de 20.03.1985;
2) o licenciamento das obras particulares [despachos do Vereador recorrido de 21.02.2000, 08.10.200 e 16.10.2000], dos: i) arts. 12.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 468/71, 04.º, n.º 3, e 48.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 445/91, pelo facto do licenciamento de construção haver sido feito com base em operações de loteamento e de urbanização nulas e, assim, gerando igual nulidade aos referidos atos de licenciamento [arts. 52.º, n.º 2, al. c), do DL n.º 445/91, 133.º, n.º 2, als. b) e i), do CPA]; ii) do alvará de loteamento dadas as disparidades, contrariedades e divergências entre aquele, o pedido de licenciamento e o alvará de construção de obras, gerador, também, de nulidade [cfr. art. 52.º, n.º 2, al. b) in fine, do DL n.º 445/91]; iii) do art. 133.º, n.º 1, do CPA, porquanto ao despacho datado de 21.02.2000 falta um seu elemento essencial e que é o da existência duma vontade manifesta do licenciamento ou de aprovação das obras de construção civil que haviam sido requeridas, e como tal é nulo; iv) os despachos de 08.10.2000 e de 20.10.2000 “são consequentes” do despacho de 21.02.2000 e como tal, igualmente, nulos; v) os mesmos despachos “manifestam uma vontade contrária àquele outro ato” de 21.02.2000, mas não podem ser revogatórios deste [art. 139.º, n.º 1, al. a), do CPA], sendo nulos, nos termos do art. 133.º, n.º 2, al. c), do CPA, porquanto têm um objeto impossível.

XXII. Presentes aqui os antecedentes fundamentos de ilegalidade invocados pela recorrente contenciosa e o respetivo quadro normativo tido por infringido importa, então, aferir da legitimidade processual ativa da mesma à luz daquilo que foi a linha de entendimento definida supra quanto ao comando inserto na al. c) do art. 10.º da Lei n.º 35/98.

XXIII. A decisão judicial recorrida após invocação do preceito em referência improcedeu, como vimos, a exceção em epígrafe sustentando, para o efeito, que todas as disposições legais que se mostram invocadas pela recorrente contenciosa visavam a proteção do ambiente.

XXIV. Ora tal juízo não se revela como acertado na sua plenitude já que nem todo o acervo legal invocado se pode integrar naquilo que constitui a exigência condicionadora de atribuição à recorrente contenciosa, enquanto «ONGA», de legitimidade processual ativa nos termos daquela alínea.

XXV. Na verdade, é de aceitar como integrando tal exigência aquilo que constituem os fundamentos de ilegalidade e os normativos legais descritos em 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do antecedente ponto XXI), já que respeitantes a disposições legais relativamente às quais se pode considerar haver finalidades e objetivos de defesa, valorização e proteção ambiental com os contornos atrás enunciados.

XXVI. Para além da generalidade das disposições legais aludidas em 1) al. v), em que o objetivo da proteção ambiental se ressalta evidente não só pela sua inserção mas também pelo seu expresso teor e finalidades, incluem-se, ainda, naquela exigência, desde logo, as disposições que, incidindo, nomeadamente, sobre a orla marítima, sobre as zonas costeiras, visam disciplinar, em primeira linha e no que releva para o litígio, aquilo que é o domínio público marítimo e hídrico, sua definição, titularidade e formas de uso, bem como sua delimitação com propriedade privada. Tal orla marítima e zonas costeiras mostram-se dotadas de importância estratégica para o nosso país, constituem zonas densamente povoadas e que são fonte de riqueza, de cultura e de lazer, estando sujeitas também, por isso, a fortes pressões a vários níveis, mormente urbanístico e com as claras implicações em termos da ocupação/artificialização da linha da costa, das alterações das drenagens, duma potencial ou efetiva degradação global da biodiversidade dos ecossistemas e da paisagem natural, em suma, do ambiente, pelo que tais normas que as disciplinam e regulam, assim como as relativas ao regime jurídico das operações urbanísticas particulares respeitantes ao uso, ocupação e transformação do solo, constituem normas funcionalmente protetoras do ambiente.

XXVII. Mas também idêntica conclusão se chega quanto às normas referentes quer às condições de solidez e segurança dos próprios edifícios, por aquilo que aportam ao bem-estar, à promoção da qualidade de vida e a um ambiente sadio, quer às relativas à realização de prévias audições e da necessidade de obtenção de pareceres, dado na emissão e elaboração dos mesmos presidirem finalidades ou estarem também preocupações no domínio da proteção do ambiente.

XXVIII. Já o mesmo não se passará quanto aos fundamentos de ilegalidade e os normativos legais que constam em 1) als. i) e vi) e 2, als. ii) a v) do mesmo ponto.

XXIX. Com efeito, relativamente a estes últimos não se divisa nos normativos convocados para sustentar os fundamentos de ilegalidade em questão e naquilo que constitui a sua esfera de proteção quaisquer finalidades, ainda que remotas, de defesa, preservação e/ou valorização do ambiente, visto aos mesmos presidirem ou objetivos de afirmação e/ou definição de regras de competência administrativa para emissão de decisão de certos procedimentos por determinadas entidades, ou então de enunciação de regras relativas à legalidade e às garantias ao nível procedimental, propósitos esses em nada conexionados com a defesa daquele bem jurídico.

XXX. Nessa medida, assistia e assiste legitimidade processual ativa à recorrente contenciosa, aqui recorrida, quando, no respeito e prossecução dos seus fins estatutários, impugnou os atos administrativos em crise relativos à aprovação e licenciamento de operações urbanísticas [de loteamento, de urbanização e de construção] em terreno contíguo ou sobranceiro ao mar com os fundamentos de ilegalidade e normativos tidos por violados referidos em 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do antecedente ponto XXI), carecendo, todavia, de tal legitimidade processual quanto ao que de mais se mostra invocado como fundamento impugnatório e cujo conhecimento, assim, fica precludido, termos em que o recurso jurisdicional apenas neste âmbito procede.

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3.2.1.2. DA EXCEÇÃO DE IRRECORRIBILIDADE
Sustentam os aqui recorrentes jurisdicionais que o juízo de improcedência da exceção firmado em sede do despacho saneador se mostra contrário ao disposto, mormente, nos arts. 25.º e 55.º da LPTA, porquanto as deliberações da edilidade recorrida que foram tomadas em 22.09.1982 e em 05.09.1984 não constituíam atos recorríveis e, como tal, eram insuscetíveis de impugnação contenciosa [mercê de haverem sido revogadas a primeira pela segunda e esta pela deliberação de 20.03.1985], o mesmo ocorrendo quanto aos despachos do Vereador proferidos em 08.10.2000 [já que meramente confirmativo do que havia sido prolatado em 21.02.2000] e em 16.10.2000 [visto ser ato de mera execução daquele mesmo ato de 21.02.2000].

XXXI. A decisão judicial recorrida conheceu e improcedeu a exceção em epígrafe apenas no segmento relativo às deliberações de 22.09.1982 e de 05.09.1984, sustentando que ambas constituíam atos autónomos e recorríveis, dado a deliberação de 20.03.1985 não haver revogado àquelas visto, por um lado, ser em parte meramente confirmativa da deliberação de 22.09.1982 e, por outro lado, não tem conteúdo e campo de incidência coincidente com a de 05.09.1984, sendo que ao decidir e aprovar o projeto de infraestruturas apresentado em 23.02.1984 a mesma é, também ela, autónoma e recorrível.
Vejamos.

XXXII. Pese embora resultar do teor da previsão do art. 25.º, n.º 1, da LPTA de que só era admissível interpor recurso contencioso dos atos que fossem “definitivos” temos que, após a revisão constitucional realizada em 1989, o critério da recorribilidade contenciosa passou a ser o da “lesividade” daqueles mesmos atos de direitos ou interesses legalmente protegidos [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 09.03.2004 (Pleno) - Proc. n.º 044960, de 18.03.2004 - Proc. n.º 0896/03, de 22.06.2004 - Proc. n.º 0963/03, de 11.01.2005 - Proc. n.º 01115/04, de 25.01.2006 - Proc. n.º 01127/05, de 03.05.2007 (Pleno) - Proc. n.º 046262, de 12.11.2015 (Pleno) - Proc. n.º 044141 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»], carecendo aquele normativo de ser lido e interpretado à luz do comando constitucional inserto no art. 268.º, n.º 4, da CRP, na certeza de que o princípio da impugnação unitária tinha de ser visto àquela luz e deveria ceder sempre que pusesse em crise a garantia da tutela judicial efetiva em relação a um ato imediatamente lesivo.

XXXIII. E para efeitos deste comando constitucional um ato é lesivo quando o mesmo seja apto a produzir efeitos negativos na esfera jurídica dos particulares e estes efeitos não possam ser afastados por meios administrativos.

XXXIV. Nessa sequência, da redação dada e mantida do citado preceito constitucional, temos que a garantia do recurso contencioso passou a estar focalizada no conceito da “lesão das posições subjetivas dos particulares”, impondo-se que o ato em questão, definindo autoritariamente a sua situação jurídica concreta, constitua uma decisão produtora de efeitos jurídicos ablativos na esfera de direitos e interesses do recorrente.

XXXV. Cientes destes considerandos de enquadramento e presentes os termos fundamentadores do juízo recorrido afigura-se que a argumentação expendida pelas entidades recorridas no quadro da matéria de exceção em análise e reiterada em sede de recurso jurisdicional deverá improceder.

XXXVI. Assim, por um lado, temos que o presente recurso falha por completo a crítica que dirige à decisão judicial em crise no segmento relativo à exceção de irrecorribilidade relativamente aos despachos do Vereador da «CMSC» de 08.10.2000 e de 16.10.2000, porquanto a mesma, tendo relegado o seu conhecimento para final, não emitiu qualquer pronúncia quanto a tal questão.

XXXVII. Nessa medida, não sendo assacado ao juízo sob impugnação uma qualquer ilegalidade quanto àquilo que seriam os deveres e ordem de conhecimento das matérias de exceção ou qualquer nulidade, soçobra, por falta de objeto, uma qualquer crítica feita no quadro do recurso jurisdicional que se mostre dirigido contra segmento da decisão judicial que efetivamente inexiste já que não constante da pronúncia firmada, sendo certo que a final, como se extrai da sentença proferida, tal matéria de exceção veio a ser julgada procedente [cfr. fls. 07/08 daquela decisão - fls. 923/924 dos autos] e tal juízo não foi impugnado.

XXXVIII. Por outro lado, uma tal alegação fundamentadora da matéria de exceção enquanto reportada e assente no facto das deliberações da edilidade impugnadas de 22.09.1982 e de 05.09.1984 haverem sido revogadas, a primeira pela segunda e esta última pela deliberação de 20.03.1985, também não conduz, não integra ou preenche, manifestamente, aquilo que é o âmbito da exceção de irrecorribilidade do ato, improcedendo, necessariamente, o recurso jurisdicional que assim quer ver afirmado já que a alegada revogação conduzirá ou implicará não a irrecorribilidade do ato revogado, mas, ao invés, a ilegalidade de interposição do recurso contencioso e sua consequente rejeição por falta de objeto nesse âmbito.

XXXIX. Pelo exposto, improcede o recurso neste âmbito.

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3.2.1.3. DA ILEGALIDADE DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CONTENCIOSO RELATIVAMENTE ÀS DELIBERAÇÕES DA EDILIDADE DEMANDADA DE 22.09.1982 e DE 05.09.1984
Sustenta-se no parecer do Digno Magistrado do MP junto deste Tribunal que, no caso, deveria rejeitar-se a impugnação daquelas deliberações no âmbito do presente recurso contencioso de anulação dada a sua ilegal interposição, por falta de objeto, visto as mesmas se mostrarem revogadas.
Assegurado que se mostra o contraditório cumpre, pois, conhecer de tal questão.

XL. E, desde já, para a julgar procedente porquanto, efetivamente, o presente recurso contencioso de anulação, no segmento que tem por objeto a impugnação das deliberações referidas em epígrafe, enferma de ilegalidade na sua interposição, por falta de objeto, impondo-se, nesse âmbito, a sua rejeição já que tais atos recorridos se mostram revogados na ordem jurídica.

XLI. Com efeito, a deliberação de 22.09.1982 aprovou condicionadamente o pedido de licenciamento do loteamento em causa apresentado pelo recorrido particular em 01.04.1982 [cfr. n.ºs I) a IV), VI) e VII) dos factos provados], sendo que a deliberação de 05.09.1984 acabou por vir revogar aquela deliberação, porquanto esta indefere tal pedido de licenciamento do loteamento dado o mesmo não estar em condições de poder ser aprovado, convidando-se o requerente a rever o projeto apresentado de acordo com a informação do gabinete técnico [cfr. n.ºs IX), XII) e XIII) dos mesmos factos e ofício de 20.09.1984 - fls. 63 dos autos].

XLII. Já esta deliberação de 05.09.1984 se mostra, por sua vez, revogada pela deliberação tomada em 20.03.1985 visto nesta última se haver voltado a aprovar, também agora condicionadamente e em termos correspondentes àquela primeira deliberação de 22.09.1982, considerando os antecedentes de todo o procedimento e que haviam sido invocados quer no parecer da «SERES/RAM», quer em requerimento do recorrido particular que o mesmo formulou uma vez confrontado com a deliberação de 05.09.1984 a qual era negativa e desfavorável para a sua pretensão [cfr. n.ºs XV) e XVI) daquela factualidade; requerimento de fls. 66/67 dos autos; ofício da SRES dirigido à edilidade de 12.03.1985 - fls. 79; e ata reunião da edilidade de 20.03.1985 - fls. 373 e segs., especialmente, fls. 376/377].

XLIII. Daí que tal como se afirma no parecer do Digno Magistrado do MP aludido “com fundamento na sua ilegalidade, cada uma das duas primeiras deliberações foi revogada, por substituição, pela que se lhe seguiu, tendo tal revogação operado o desaparecimento de ambas da ordem jurídica”.

XLIV. Nestes termos e na procedência da questão sob análise, importa rejeitar, com todas as legais consequências, o presente recurso contencioso de anulação enquanto dirigidos contra as deliberações de 22.09.1982 e de 05.09.1984 dada a sua ilegal interposição mercê da falta de objeto.
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3.2.1.4. DA EXCEÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE/CADUCIDADE DIREITO DE AÇÃO
Argumentam os aqui recorrentes que a decisão judicial recorrida ao improceder a exceção em referência violou o disposto nos arts. 28.º, n.º 1, al. a), 29.º e 31.º, todos da LPTA, já que tendo o recurso contencioso sido instaurado em 27.05.2002 foi-o decorrido o prazo de dois meses para impugnação contenciosa dos atos recorridos [atos esses datados dos anos de 1982, 1984, 1985, 1986 e 2000], porquanto, com exceção dos fundamentos de ilegalidade invocados relativos à incompetência absoluta, à violação do núcleo essencial de direito fundamental, à infração dos arts. 14.º, n.º 1, do DL n.º 289/73, 65.º, n.º 1, do DL n.º 400/84, e 52.º, n.º 2, al. b), do DL n.º 445/91, todos os demais fundamentos geram apenas a mera anulabilidade e, como tal, tais atos estão consolidados na ordem jurídica por esgotado se mostrar o prazo de impugnação com tal motivação.
Apreciemos, sendo que a decisão judicial sob impugnação, no âmbito em análise desatendeu a exceção, afirmou para o efeito que a recorrente contenciosa “invoca a nulidade dos atos administrativos em causa, com base em vários motivos de direito e de facto, que de facto correspondem a nulidade das decisões impugnadas. E, de facto, com os fundamentos constantes da petição inicial, este recurso é tempestivo, uma vez que a nulidade é invocável a todo o tempo (art. 134.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo) …”.

XLV. Previa-se no art. 28.º da LPTA, sob a epígrafe de “prazos de recurso”, que “[o]s recursos contenciosos de atos anuláveis são interpostos nos seguintes prazos, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 18.º do Estatuto Orgânico de Macau: a) 2 meses, se o recorrente residir no continente ou nas regiões autónomas; b) 4 meses, se o recorrente residir no território de Macau ou no estrangeiro; c) 1 ano, se o recorrente for o Ministério Público; d) 1 ano, se respeitarem a indeferimento tácito, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de junho” [n.º 1] e que “[o]s prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, sem prejuízo do disposto nos artigos 31.º, n.º 2, e 85.º” [n.º 2], sendo que, nos termos do art. 29.º do mesmo diploma, relativo ao “recurso de ato expresso”, “[o] prazo para a interposição de recurso de ato expresso conta-se da respetiva notificação ou publicação, quando esta seja imposta por lei” [n.º 1], na certeza de que “[o] disposto no número anterior não prejudica a faculdade de o interessado interpor recurso antes da notificação ou publicação do ato, se tiver sido iniciada a execução deste” [n.º 2], que “[o] prazo para a interposição de recurso de ato não sujeito a publicação obrigatória conta-se, para os interessados que não tenham de ser notificados, a partir do conhecimento do início da respetiva execução” [n.º 3] e que “[o] prazo para a interposição de recurso pelo Ministério Público conta-se da data da prática do ato ou da sua publicação, quando esta seja imposta por lei” [n.º 4].

XLVI. Estipulava-se ainda no seu art. 31.º que “[s]e a notificação ou a publicação não contiver a fundamentação integral da decisão e as demais indicações a que se refere o artigo anterior, pode o interessado, dentro de um mês, requerer a notificação das que tenham sido omitidas ou a passagem de certidão que as contenha” [n.º 1], que “[s]e o interessado usar da faculdade concedida no número antecedente, o prazo para o recurso conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida” [n.º 2], sendo que “[a] apresentação do requerimento, previsto no n.º 1 pode ser provada por duplicado do mesmo, com o registo de entrada no serviço que promoveu a publicação ou a notificação, ou por outro documento autêntico” [n.º 3].

XLVII. No que releva para os autos e face àquilo que ainda constituem os atos recorridos temos que a regulamentação legal relativa à matéria das formas de invalidade constava dos arts. 88.º e 89.º da LAL/84 [DL n.º 100/84] e depois nos arts. 133.º a 136.º do CPA/91, sendo que, anteriormente, mostrava-se inserta nos arts. 363.º e 364.º do Código Administrativo.

XLVIII. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, tendo, em tese, como seus elementos caraterizadores, o facto do ato ser ab initio totalmente ineficaz, não produzindo qualquer efeito [cfr. n.º 1, do art. 134.º do CPA], ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão [cfr. n.º 2, art. 88.º da LAL/84, n.º 2, do art. 134.º e n.º 1, do art. 137.º ambos do CPA/91], ser suscetível de impugnação a todo o tempo e perante qualquer tribunal, bem como ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo.

XLIX. Já a anulabilidade reveste um desvalor menos gravoso, possuindo como traços essenciais o facto de o ato anulável ser juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão [cfr. n.º 2, do art. 127.º do CPA/91 a contrario], de ser suscetível de sanação pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão [cfr. arts. 89.º, n.º 3, da LAL/84, 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2, e 141.º, todos do CPA/91], de ser obrigatório para os particulares enquanto não for anulado, de carecer de impugnação num prazo certo e determinado ou fixado por lei [cfr. arts. 89.º, n.º 2, da LAL/84, 136.º, n.º 2, do CPA/91, e 28.º da LPTA], de o pedido de anulação de determinado ato administrativo ter de ser deduzido apenas perante um tribunal administrativo [cfr. arts. 89.º, n.ºs 1 e 2, da LAL/84, 136.º, n.º 2, do CPA/91], sendo que a sentença que procede ao reconhecimento da anulabilidade do ato possui natureza constitutiva.

L. No nosso ordenamento jurídico-administrativo a forma de invalidade da nulidade revestia e reveste de natureza excecional porquanto o regime regra era e é o da anulabilidade [cfr. arts. 88.º, 89.º da LAL/84, e 135.º do CPA/91].

LI. Daí que os casos de nulidade no nosso ordenamento eram aqueles que vinham estabelecidos em qualquer normativo em diploma avulso, ou então que figuravam no art. 88.º da LAL/84 ou no art. 133.º do CPA/91, na certeza de que este último normativo encerra em si, para além duma remessa para o que se mostre fulminado em lei especial com o desvalor da nulidade, um enunciado genérico que contém a lista das nulidades.

LII. Ora considerando o que se mostra já consolidado e supra decidido em matéria daquilo que ainda constitui objeto de impugnação no presente recurso contencioso [atos administrativos recorridos: deliberações da edilidade de 20.03.1985, 17.12.1986 e 09.10.2000 e despacho do Vereador de 21.02.2000] importa que, por uma questão de utilidade de pronúncia, se cuide do acerto da decisão judicial recorrida no que se reporta à impugnação dos atos administrativos ainda recorridos, fazendo-o por referência aos fundamentos de ilegalidade que lhes foram concreta e respetivamente assacados.

LIII. E, nesse âmbito, afigura-se não assistir razão aos recorrentes porquanto presentes aquilo que são os fundamentos de ilegalidade assacados aos atos ainda recorridos os mesmos, a verificarem-se, o que apenas diz respeito ao julgamento de mérito e, nessa sede, deve ser analisado tanto mais que o mesmo nada contende ou pode ser confundido com o julgamento sobre a matéria de exceção em crise, são fulminados em termos legais, tal como enunciado supra sob o ponto XXI), com o desvalor da nulidade e não com a mera anulabilidade, termos em que improcede sem necessidade de outros desenvolvimentos também este fundamento de recurso.

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3.2.1.5. DA EXCEÇÃO DE ILEGAL CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Defendem os aqui recorrentes de que, no caso, ocorre ilegal cumulação de pedidos impugnatórios já que formulados em infração do disposto no art. 38.º da LPTA visto que os atos recorridos têm natureza diversa porquanto praticados por autores distintos e no exercício de diferentes competências, sendo que também é substancialmente diferente a causa de pedir em relação a cada um dos atos, pelo que a decisão judicial recorrida ao assim não haver entendido violou tal regra processual.
Vejamos.

LIV. Dispunha-se no referido preceito, sob a epígrafe de “cumulação e coligação”, que “[o] recorrente pode cumular a impugnação de atos que estejam entre si numa relação de dependência ou de conexão” [n.º 1] e que “[p]odem coligar-se vários recorrentes quando impugnem o mesmo ato ou, com os mesmos fundamentos jurídicos, atos contidos num único despacho ou outra forma de decisão” [n.º 2], sendo que “[a] cumulação e a coligação não são admissíveis: a) Quando a competência para conhecer das impugnações pertença a tribunais de diferente categoria; b) Quando a impugnação dos atos não esteja sujeita à mesma forma de processo” [n.º 3], na certeza de que “[e]m caso de ilegal cumulação ou coligação, os recorrentes têm a faculdade de interpor novos recursos, no prazo de um mês, a contar do trânsito, em julgado da decisão, considerando-se as respetivas petições apresentadas na data de entrada da primeira” [n.º 4].

LV. No caso em apreço não há dúvida de que as deliberações e o despacho recorridos estão ligados, existindo entre si dependência ou conexão, porquanto, em causa, estão atos de licenciamento de operação de loteamento desenvolvidos e praticados todos, sucessivamente, no mesmo procedimento, e ato de licenciamento de obras particulares, atos esses que se reportam e incidem, também todos, sobre um mesmo terreno loteado e sendo que a recorrente contenciosa configura o ato de licenciamento como consequente daqueles e reputa-o de violador do respetivo alvará.

LVI. Para além disso, os procedimentos foram promovidos pelo mesmo requerente/recorrido particular junto da mesma pessoa coletiva pública [«Município de Santa Cruz»] e os atos em crise foram praticados por órgãos/autoridades da Administração local, pertencentes à mesma pessoa coletiva [no caso a «CMSC» e o Vereador da mesma «CMSC»], sendo que, em termos de causa de pedir, a invocação das ilegalidades que se mostra feita é, no essencial, de forma comum às deliberações impugnadas e, em decorrência, por arrastamento ao despacho impugnado, na certeza de que a competência para conhecer das impugnações pertence ao mesmo tribunal e as impugnações dos atos em crise está sujeita à mesma forma de processo.

LVII. Assim, não merece censura a decisão do julgador a quo, que julgou legal a cumulação à luz do art. 38.º da LPTA, pelo que se improcede o recurso jurisdicional com tal fundamento

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3.2.2. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DO DESPACHO DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA [27.02.2006]
Insurgem-se os mesmos recorrentes quanto ao decidido no despacho em referência [inserto, como referido, a fls. 687 dos autos], o qual, no âmbito da fase de instrução probatória, indeferiu o requerimento de realização duma 2.ª perícia, porquanto tal decisão enferma de erro de julgamento por infração ao preceituado no art. 589.º do CPC visto discutirem-se nos autos questões “complexas e acentuadamente técnicas”, haver sido fundadamente requerida uma 2.ª perícia e não assistir ao julgador “o poder de avaliar do bom fundamento ou não, de tal pedido e, por via dessa avaliação, deferir ou indeferir tal pedido”, não podendo aquele “tolher a iniciativa das partes quando requerida uma 2.ª perícia” já que “só poderá indeferir, se a mesma não for fundamentada e, mesmo nessa hipótese, deverá notificar a parte que a tiver requerido para a fundamentar e só no caso a parte não der cumprimento a esse ónus, é que poderá indeferir a 2.ª perícia”.

LVIII. Reconduz-se a fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de realização de 2.ª perícia, aqui ora sob impugnação, ao seguinte: “[o] tribunal (…) não considera fundadas as razões da discordância em relação à perícia feita e complementada. De facto, a dúvida suscitada pela Entidade Recorrida a fls. 663 foi esclarecida suficientemente a fls. 673 ss.. Não existe qualquer contradição nas respostas aos quesitos 6 a 8; e também não há incompatibilidade entre o último parágrafo do ponto 1.2 do relatório, referente às fachadas 2-A e 2-B e o esclarecimento adicional dado agora, ficando claro que os peritos pretendem dizer que não conseguem dizer quando é que ocorrerá ali desmoronamentos ou movimentos de massa”.

LIX. Dispunha-se no art. 589.º do CPC, relativo à “realização de segunda perícia”, que “[q]ualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” [n.º 1], podendo o tribunal “ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade” [n.º 2], na certeza de que “[a] segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta” [n.º 3].

LX. Deste normativo e na sua conjugação com as demais regras que disciplinam este meio probatório extrai-se que a 2.ª perícia: i) tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre os quais incidiu a 1.ª; ii) visa corrigir uma eventual inexatidão dos resultados daquela; iii) realiza-se por determinação oficiosa do tribunal, neste caso a todo o tempo, ou a requerimento de qualquer uma das partes o qual terá de ser, então, deduzido no prazo de 10 dias após notificação do relatório pericial relativo à 1.ª perícia ou do relatório complementar após reclamação nos termos do art. 587.º CPC; iv) realizando-se a requerimento duma das partes deverá, então, o requerente fundamentar as razões [formais ou materiais] da sua discordância relativamente ao relatório da 1.ª perícia.

LXI. Ora é neste último ponto que o regime introduzido pela Reforma de 1995/1996 [DL n.º 329-A/95 e DL n.º 180/96] diverge substancialmente do que anteriormente prescrevia o art. 609.º, preceito que se bastava com a mera afirmação de discordância do requerente quanto ao resultado da 1.ª perícia, sem que se lhe exigisse, para a realização da 2.ª perícia, uma qualquer fundamentação ou explicitação dos motivos dessa sua divergência, a ponto de doutrinariamente se entendesse que, ao abrigo do prescrito naquele preceito, o Tribunal nunca podia indeferir a realização da 2.ª perícia quando ela fosse requerida por alguma das partes [cfr., entre outros, J. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, págs. 302/303; J. Antunes Varela e outros, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 600].

LXII. Face ao regime entretanto introduzido, que, aliás, se mostra mantido pela recente reforma operada em 2013 [cfr. art. 487.º do CPC na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013], vem sendo doutrinária e jurisprudencialmente defendido que a alteração operada veio aportar uma exigência nova à realização duma 2.ª perícia, restringindo a amplitude com que a realização da mesma era admissível anteriormente, exigência essa decorrente da inclusão do advérbio “fundadamente” à motivação que terá e deverá ser incluída no requerimento contendo tal pedido de instrução probatória, termos em que a parte requerente não se poderá bastar com uma simples dedução de pretensão nesse sentido visto se lhe impor a explicitação dos pontos e razões da sua discordância quanto ao resultado atingido na 1.ª perícia [cfr., entre ouros, J. Lebre de Freitas, in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 521; C. Lopes do Rego, in: “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2.ª ed., pág. 508; Ac. do STA de 20.06.2013 - Proc. n.º 0713/13 consultável in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. do STJ de 25.11.2004 - Proc. n.º 04B3648 consultável in: «www.dgsi.pt/jstj»].

LXIII. Afirmou-se no acórdão do STJ de 25.11.2004 acabado de citar que a “expressão adverbial «fundadamente», significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. (…) Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexatidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira. (…) Trata-se da emissão de um segundo juízo pericial a emitir por uma formação mais alargada, que tem por objeto a averiguação dos mesmos factos (arts. 589.º, n.º 3 e 590.º do Cód. Proc. Civil). (…) É, no fundo, como decorre do art. 591.º do Cód. Proc. Civil, «uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos» ou seja uma prova adicional facultada pela lei às partes”.

LXIV. Note-se, todavia, que razões de discordância da parte requerente não tem necessariamente de incidir sobre a fundamentação e/ou os critérios utilizados no 1.º relatório pericial, já que poderá incidir, tão-só ou apenas, sobre as conclusões do mesmo relatório, porquanto no n.º 3 do art. 589.º do CPC ao se referir que a 2.ª perícia se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da 1.ª perícia tal implica que se mostre abrangida qualquer inexatidão que seja relevante ao nível dos resultados da perícia e possa influir no juízo de avaliação a efetuar pelo tribunal. Nessa medida, estarão abarcadas as inexatidões da 1.ª perícia que se reportem quer à fundamentação, como as relativas à perceção dos peritos ou às conclusões a que chegaram com base nos seus conhecimentos especializados.

LXV. Revertendo ao caso sub specie constitui factualidade controvertida entre as partes e, por isso, levada ao questionário elaborado nos autos [cfr. despacho saneador de fls. 385 e segs.] o determinar e apurar-se se: i) o “alcantil em questão é objeto de acentuada e rápida erosão provocada pelas ondas do Mar?” [quesito 03.º)]; ii) no mesmo “… existem inúmeras solapas ou escavações/grutas?” [quesito 04.º)]; iii) “[t]ais escarpamentos afetam, do ponto de vista geológico, a solidez e a estabilidade da arriba em razão do seu previsível descalçamento e, consequente e provável, desmoronamento?” [quesito 06.º)]; iv) “[a] falta ou diminuição de solidez e estabilidade da arriba provocada pela erosão marítima é, ainda mais, agravada pelas operações de loteamento e pela edificação das obras de urbanização licenciadas pelas Autoridade Recorrida?” [quesito 07.º)]; e v) “[e], bem assim, pelas construções que pelos referidos licenciamentos a Câmara Municipal iria necessariamente permitir no futuro, como efetivamente permitiu, naquela arriba alcantilada?” [quesito 08.º)].

LXVI. Na sequência do que se mostra peticionado e determinado em sede de instrução probatória veio a realizar-se perícia, que recaiu, nomeadamente, sobre tal matéria, solicitada ao “Centro de Geologia da Universidade de Lisboa”, e que consta de relatório pericial donde, no que releva, se extrai o seguinte na resposta ao quesito 06.º) que “[n]ão foram encontrados sinais de que a sua presença afete a solidez e estabilidade da arriba, nomeadamente, por efeito de descalçamento e desmoronamento”, na resposta ao quesito 07.º) que “[a]s operações de loteamento e edificação das obras de urbanização licenciadas podem diminuir as condições de estabilidade da arriba. A erosão marítima não provoca, no caso presente, falta ou diminuição da solidez e estabilidade da arriba” e na resposta ao quesito 08.º) que “[a]s construções referidas neste quesito não afetam a solidez do maciço rochoso no que respeita às suas características resistentes intrínsecas, visto que oferece capacidade de carga adequada; no que respeita à arriba nas fachadas 2A e 2B, a sobrecarga decorrente das construções é fator de acréscimo do processo de desagregação e da eventual instabilização dessa arriba”, sendo que na motivação se pode ler ainda que “[a] instalação de uma sobrecarga sobre o maciço rochoso decorrente da construção dos edifícios previstos no loteamento, origina acréscimo de pressão e portanto de tensões adicionais, que se dissipam em profundidade como figura 15 esquematiza. No caso dos edifícios implantados mais próximo da arriba e de acordo com a Especificação LNEC E-217-1968, as fachadas 2A e 2B da arriba costeira intersetam o campo de dissipação de tensões («bolbo de tensões») gerado pela construção pelo que, em parte da arriba, as tensões horizontais sofrem algum incremento; este aumento, embora estimado de intensidade baixa, contribui para a descompressão do maciço e joga a favor da abertura de fraturas preexistentes” [cfr. decisões de fls. 445, 499 e relatório pericial de fls. 598/629].

LXVII. Confrontadas as partes com tal relatório pericial ambas vieram pedir esclarecimentos, incidindo a pretensão da recorrente contenciosa sobre as respostas deficientes ou contraditórias dadas aos quesitos 03.º), 05.º) e 08.º) [cfr. fls. 662/662 v.] e a das autoridades recorridas, aqui recorrentes, sobre as respostas dadas as quesitos 06.º) a 08.º), argumentando, então, esta contradição no que havia sido respondido ao quesito 06.º) [de que “não encontrados sinais que afetem a solidez e estabilidade da arriba (toda ela considerada), nomeadamente por efeito de descalçamento e desmoronamento, confirmando assim que as construções edificadas não tiveram quaisquer consequências a esse nível] e as respostas aos quesitos 07.º) e 08.º) [em que foi admitido que as construções em causa “podem diminuir as condições de estabilidade da arriba” e que a “sobrecarga das construções é fator de acréscimo do processo de desagregação e da eventual instabilização da arriba], pelo que quiseram que fosse esclarecido se as “hipóteses referidas nas respostas aos quesitos 7.º e 8.º não passam disso mesmo (hipóteses) e de mera eventualidade longínqua ou remota” ou se “há qualquer perigo imediato, ou a prazo, de desmoronamento das construções em causa” [cfr. fls. 663/663 v.].

LXVIII. Solicitada resposta aos pedidos de reclamação que haviam sido produzidos pelas partes os senhores peritos apresentaram, então, relatório complementar onde sustentam a inexistência de qualquer contradição porquanto “(…) nas fachadas 2A e 2B: a) na resposta ao quesito 6. «tais escarpamentos» (solapas) não afetam a solidez e a estabilidade da arriba, porque são de pequenas dimensões e de evolução lenta; b) na resposta ao quesito 7. afirma-se que a erosão marinha (porque secundária) não provoca falta ou diminuição de solidez e estabilidade desta arriba. No entanto a solidez e estabilidade da arriba dependem, neste caso, principalmente, de fatores naturais (e.g. escorrência, infiltração), bem como antrópicos (e.g. imposição de sobrecargas), que transcendem a erosão marinha; por isso se diz que «no que respeita à arriba nas fachadas 2A e 2B a sobrecarga decorrente das construções é fator de acréscimo do processo de segregação e da eventual instabilização dessa arriba» (…)”, para depois, em resposta ao pedido de esclarecimento dos aqui recorrentes afirmarem que “(…) a resposta ao quesito 6. reduz-se exclusivamente à afirmação de que não foram encontrados sinais de que a presença de solapas afetasse a solidez e estabilidade da arriba (…). Não se diz que «não foram encontrados sinais que afetassem a solidez e a estabilidade da arriba» (…)”, sendo que nos elementos técnicos do relatório disse-se que “(…) «não existem dados suficientes para se associar uma probabilidade de ocorrência a eventos de desmoronamento num horizonte temporal futuro». Tal não significa que estes sejam uma «mera eventualidade longínqua ou remota»; de facto, em nossa opinião, esses desmoronamentos ou movimentos de massa de vertente são fortemente prováveis mas não é possível prever se ocorrerão amanhã ou num futuro mais distante (…)”, para concluírem quanto à existência ou não de perigo imediato de desmoronamento das construções em causa que “(…) esse perigo existe e crescerá com o tempo, nas construções mais próximo do bordo superior da arriba (Fachada 2) (…)” [cfr. fls. 674/676].

LXIX. Notificadas as partes deste relatório complementar de resposta às reclamações as ora recorrentes, em discordância com a fundamentação, perceções e conclusões a que os Senhores Peritos haviam chegado nos relatórios periciais apresentados mormente, quanto às implicações ou consequências aportadas na solidez e estabilidade da arriba decorrentes das operações licenciadas pelas mesmas de loteamento e de edificação das obras de urbanização sobre aquela, vieram, tempestivamente [pressuposto que não é controvertido], requerer, nos termos dos art. 589.º e segs. do CPC, a realização duma 2.ª perícia, para o efeito havendo alegado que os “(…) esclarecimentos prestados suscitam a maior perplexidade em matéria que se afigura da maior importância (…)”, que “(…) os senhores peritos passam com grande facilidade de uma versão de que «não existem dados suficientes para se associar uma probabilidade de ocorrência a eventos de desmoronamento num horizonte temporal futuro (…)» para a certeza de que «esses desmoronamentos ou movimentos de massa de vertente são fortemente prováveis mas não é possível prever se ocorrerão amanhã ou num futuro mais distante» (…)”, termos em que não concordam, nem aceitam, que se passe “(…) do reconhecimento de que existem dados suficientes para admitir uma mera probabilidade para a conclusão de um «fortemente provável», sem qualquer previsão temporal, mínima que seja (…)”.

LXX. É esta pretensão instrutória, desatendida pela decisão judicial recorrida nos termos de fundamentação que supra se enunciou, que cumpre equacionar e ponderar da sua pertinência e procedência, à luz do que são os requisitos previstos e exigidos pelo art. 589.º do CPC, no contexto daquilo que constitui a factualidade controvertida e sobre a qual o julgador a quo terá de efetuar e fundamentar seu julgamento, presente que com a reforma processual civil levada a efeito em 1995/1996 se acentuou a supremacia do direito substantivo face ao processual, aprofundaram-se os poderes inquisitórios do julgador e nomeadamente, o princípio da descoberta da verdade material, privilegiando-se uma decisão de mérito justa face a uma decisão de forma.

LXXI. E, neste quadro, a decisão judicial recorrida não pode manter-se já que contrária, mormente, ao art. 589.º do CPC.

LXXII. Na verdade, o despacho recorrido aprecia da bondade das razões da discordância aduzidas pelas recorrentes quanto ao relatório pericial e relatório complemento para concluir pela sua improcedência, dado as dúvidas suscitadas pelas aqui recorrentes se mostrarem devida e suficientemente esclarecidas nos autos, inexistir qualquer contradição nos termos e teor dos relatórios, razão pela qual desatende o pedido de realização de 2.ª perícia.

LXXIII. Ora, a lei, no artigo em referência, confere às partes a faculdade de requerer a 2.ª perícia, fazendo depender a sua realização, somente, do seu requerimento tempestivo e da explicitação das razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, não podendo o juiz basear o indeferimento deste requerimento por discordar das razões aduzidas ou pelo facto de improcederem as razões invocadas para a pretensão formulada.

LXXIV. Extrai e infere-se do sustentado nos vários posicionamentos dos recorrentes, mormente, do requerimento em questão, a total e frontal discordância dos mesmos quanto às implicações ou consequências aportadas na solidez ou na estabilidade da arriba em crise decorrentes das operações que pelas mesmas haviam sido aprovadas e licenciadas [loteamento e edificação das obras de urbanização sobre aquela arriba], considerando que as mesmas não se mostravam devidamente sustentadas e seguras, que não seriam fiáveis e credíveis já que enfermavam de inconsistência.

LXXV. Do alegado e demais atuação processual desenvolvida pelos ora recorrentes não se descortina que o pedido de realização de 2.ª perícia constitua uma diligência impertinente ou dilatória, que suporte uma adjetivação de mera “chicana” processual, já que ela está integrada e fundamentada na lógica de defesa de tese que as mesmas haviam apresentado na sua contestação e que nega a existência de quaisquer efeitos perniciosos advenientes dos atos de aprovação e licenciamento aqui recorridos para a solidez da arriba e para a paisagem, ou lesivos do ambiente [cfr., nomeadamente, arts. 148.º a 173.º daquela peça processual], na certeza de que, como se afirmou, não cabe ao julgador avaliar e ajuizar da procedência ou não da motivação e razões invocadas, porquanto saber e determinar se os fundamentos e razões invocadas têm, efetivamente, razão de ser não constitui fundamento de indeferimento.

LXXVI. Se em face da fundamentação apresentada para o pedido de realização duma 2.ª perícia surgir um estado de dúvida na mente do julgador adveniente do facto de não ser possível saber se as razões invocadas para pedir aquela diligência se confirmarão ou não, já que tal só seria possível saber se se conhecesse o resultado daquela diligência probatória, tal estado de dúvida não significa, nem é suficiente, para fundamentar o indeferimento daquele pedido, pois a existência da dúvida mostra que a perícia já feita não as dissipou.

LXXVII. Ou seja, o estado de dúvida criado será suficiente para justificar a realização duma 2.ª perícia.

LXXVIII. Dada a natureza e delicadeza da matéria, dos contornos da discussão quanto aos impactos, implicações e consequências das operações de emparcelamento e edificação licenciadas na arriba, na paisagem e no ambiente, bem como das dificuldades e exigências que envolvem o ajuizamento da questão em presença, temos que o julgador só poderia considerar a fundamentação insuficiente se resultasse demonstrado, sem margem para quaisquer dúvidas, que o pedido de realização duma 2.ª perícia não colhia ou encontrava qualquer justificação.

LXXIX. Com afirmou este Supremo no seu acórdão de 20.06.2013 [Proc. n.º 0713/13 já supra citado] “(…) sendo sérios os fundamentos por que o requerente da segunda perícia afirmava discordar da primeira, nenhum motivo havia para que aquela fosse denegada; até porque, neste domínio, o tribunal não se rege por critérios incontroláveis de simples conveniência, mas por pressupostos legais. E, se é verdade que a lei de processo é hoje mais restritiva do que o foi no passado no tocante à realização de segundas perícias, também é certo que, ante uma discordância fundada de alguma das partes em relação ao primeiro laudo dos peritos, o tribunal não deve pôr-lhes obstáculos - pois está em causa o apuramento da verdade”.

LXXX. Daí que encontrando-se expostas fundadamente as razões que motivaram os aqui recorrentes a requerer a realização duma 2.ª perícia temos que, na procedência do presente recurso jurisdicional, deve o despacho que indeferiu a sua realização ser revogado.

*

3.2.3. DO RECURSO JURISDICIONAL INTERPOSTO DA SENTENÇA [25.05.2012]

LXXXI. A procedência do recurso apreciado sob o ponto 3.2.2), para a realização da 2.ª perícia requerida pelos recorrentes, inutiliza o conhecimento do recurso dirigido à sentença, na medida em que faz regredir o processo à fase do julgamento, com a consequente anulação da sentença recorrida, sem prejuízo do aproveitamento de todos os atos que não sejam afetados pela anulação, nos termos previstos no n.º 4 do art. 712.º do CPC.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional sub specie dirigido ao despacho saneador, revogando aquela decisão no segmento que improcedeu na totalidade a exceção de ilegitimidade processual ativa da recorrente contenciosa visto lhe assistir legitimidade processual ativa apenas para a impugnação dos atos administrativos em crise quanto aos fundamentos de ilegalidade e normativos referidos no ponto XXI) - 1) als. ii), iii), iv) e v) e 2) al. i) do antecedente, carecendo, no mais, de legitimidade processual;
B) Julgar verificada ilegalidade na interposição do presente recurso contencioso anulação, mercê da falta de objeto, relativamente à impugnação dos atos recorridos da «CMSC» de 22.09.1982 e de 05.09.1984, com todas as legais consequências;
C) Conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie que se mostra interposto do despacho que indeferiu o pedido de realização da 2.ª perícia, em revogar esse despacho e em ordenar que, na vez dele, se profira outro despacho a admitir a diligência;
D) Anular o processado subsequente ao despacho revogado, com a consequente anulação da sentença recorrida, sem prejuízo do aproveitamento de todos os atos que não sejam afetados pela anulação, nos termos previstos no n.º 4 do art. 712.º do CPC;
E) Não conhecer, por prejudicialidade, do recurso jurisdicional sub specie deduzido da sentença.
Não são devidas custas.
D.N.


Lisboa, 28 de janeiro de 2016. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.