Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02595/15.5BEPRT
Data do Acordão:03/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24351
Nº do Documento:SA22019032002595/15
Data de Entrada:12/07/2019
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………, LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 31 de Janeiro de 2018, que julgou improcedente a oposição deduzida à execução fiscal nº 3190201501277669 e apensos, instaurada pelo Serviço de Finanças do Porto 5 para cobrança de dívidas de Imposto de Selo, no valor total de € 23.288,10.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao declarar a oposição totalmente improcedente, por entender que “não foi alegado qualquer fundamento permitido pelo artº 204º do CPPT, que fosse susceptível de extinguir os processos de execução fiscal”.
B. A Recorrente fundamentou a sua oposição à execução fiscal, apresentando, como argumentos, entre outros, (i) a existência de ilegalidade e (ii) inconstitucionalidade da lei com base na qual foram emitidas as liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1), no ano de 2014, cuja falta de pagamento originou as execuções fiscais em causa nos presentes autos, (iii) bem como a impossibilidade de emissão das liquidações com base na letra da lei.
C. O fundamento previsto no artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT, abarca (i) tanto os casos de ilegalidade da lei que dá origem a um imposto, (ii) como os casos de inconstitucionalidade de tal dispositivo legal.
D. Para além da inconstitucionalidade, verifica-se que a ilegalidade em abstracto pode ocorrer em duas situações distintas: (i) quando o imposto não se encontra previsto na lei em vigor à data do facto tributário ou (ii) quando a sua cobrança não estava autorizada, designadamente por a lei que criava o tributo ser inconstitucional.
E. A ilegalidade abstracta não compreende apenas os casos em que a ilegalidade reside apenas na lei cuja aplicação é feita, ocorrendo, também para os casos em que o imposto pedido não se encontrava previsto em nenhuma lei.
F. O Tribunal Constitucional, em sede de acórdão n.º 250/2017, proferido no âmbito do processo n.º 156/2016, declarou inconstitucional a verba 28.1, da TGIS, por violação do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa.
G. Os Tribunais não têm que ficar vinculados quanto à solução jurídica apresentada pelas partes, podendo decidir com os fundamentos de direito que entenderem ser mais adequados para satisfazer o pedido do requerente, quando o mesmo tem razão.
H. As alegações de (i) existência de ilegalidade e (ii) inconstitucionalidade da lei com base na qual foram emitidas as liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1), no ano de 2014, cuja falta de pagamento originou as execuções fiscais em causa nos presentes autos, (iii) bem como de impossibilidade de emissão das liquidações com base na letra da lei, ínsita na oposição à execução fiscal, consubstanciam fundamento de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 204.º, n.º 1, al. a), do CPPT.
I. Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo deveria de ter analisado os fundamentos apresentados pela Recorrente, na sua oposição à execução fiscal, em virtude de os mesmos poderem ser abarcados na al. a), do n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT.
Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser anulada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que declare procedente a oposição à execução fiscal e, consequentemente, sejam extintos os processos de execução fiscal em causa.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Corre termos contra a Oponente, no Serviço de Finanças de Porto 5, o processo de execução fiscal n.º 3190201501277669 e aps., instaurados para cobrança de dívidas Imposto de Selo de 2014, no valor de € 23.288,10.
B) A Oponente apresentou reclamação graciosa das liquidações exequendas.
C) A Oponente foi citada em 22-09-2015.
D) A presente oposição foi apresentado no SF de Porto 5 em 16-10-2015.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
O presente recurso vem interposto da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida contra execução fiscal instaurada para cobrança de dívida de imposto de selo, no montante de € 23.288,10 euros.
Para o efeito alega que invocou os seguintes fundamentos subsumíveis no artigo 204º, nº 1, alínea a), do CPPT:
(i) existência de ilegalidade e (ii) inconstitucionalidade da lei com base na qual foram emitidas as liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1), no ano de 2014, cuja falta de pagamento originou as execuções fiscais em causa nos presentes autos, (iii) bem como de impossibilidade de emissão das liquidações com base na letra da lei, ínsita na oposição à execução fiscal, consubstanciam fundamento de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 204.°, n.º 1, al. a), do CPPT, pelo que, com o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao ter entendido que não foi alegado qualquer fundamento permitido pelo artigo 204.°, do CPPT.
Conclui, assim, que «o Tribunal a quo andou mal ao declarar a oposição totalmente improcedente, por entender que “não foi alegado qualquer fundamento permitido pelo art. 204° do CPPT, que fosse susceptível de extinguir os processos de execução fiscal”.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e «em consequência, ser anulada a sentença recorrida e substituída por Acórdão que declare procedente a oposição à execução fiscal e, consequentemente, sejam extintos os processos de execução fiscal em causa».

Na sentença recorrida deu-se como assente que contra oponente e aqui Recorrente foi instaurada execução fiscal para cobrança de dívida relativa a imposto de selo, no valor de € 23.288,10 euros, relativo ao ano de 2014, a qual foi objeto de reclamação graciosa.
Para se decidir pela improcedência da ação considerou o tribunal “a quo” que os fundamentos invocados pela oponente não configuravam “ilegalidade abstrata”, mas sim “ilegalidade concreta” da liquidação que deu origem à dívida exequenda, pelo que não era subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, tal como invocado pela oponente.

A questão que vem colocada pela Recorrente consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento ao dar como não subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT os fundamentos invocados na oposicão.
A Recorrente assenta a sua dissidência com a sentença recorrida no entendimento sobre a caraterização do fundamento que invocou como “ilegalidade abstracta”, já que considera que ao ter invocado a inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual foi feita a liquidação, tal se reconduz a uma ilegalidade abstracta, pois a proceder tal vício deixa de existir norma a prever a liquidação de tal imposto.
Como se alcança da sentença recorrida, o tribunal “a quo” considerou que a oponente invocou como fundamento da oposição “a ilegalidade das liquidações em cobrança”, fundamento este que qualificou como “ilegalidade concreta”, não subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT. Daí que importe analisar a petição inicial de modo a caraterizar o vício invocado como fundamento por parte da oponente.
Nos primeiros artigos da sua petição a oponente começa por alegar que os prédios sobre os quais incidiu o imposto de selo são terrenos para construção relativamente aos quais não existia em 2014 qualquer projeto de construção, pelo que a AT não podia concluir que os mesmos se destinassem a construção para habitação. E argumenta nos artigos seguintes que a ratio legis da norma - verba 28.1 da TGIS - é a tributação de casas de luxo, pelo que não é subsumível na mesma um terreno para construção que ainda que possa ser destinado a habitação, o seja em propriedade horizontal cujas frações tenham valor inferior a um milhão de euros. E termina argumentando que estando perante uma mera “expetativa jurídica” a mesma não constitui facto tributário, sendo a interpretação da norma da verba nº 28 em sentido oposto inconstitucional, por violar o disposto no nº 2 do artigo 103º da CRP. E conclui estar perante a inexistência de imposto à data dos factos.
Constata-se, assim, que a oponente assenta o fundamento de “inexistência de imposto à data dos factos”, que entende ser subsumível na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, numa interpretação da norma da verba nº 28.1 da TGIS, que entende só abranger aqueles casos em que a edificação destinada a habitação já tenha sido autorizada ou esteja prevista, pois considera que a interpretação subjacente à liquidação não é conforme à Constituição da República, por violar o disposto no nº 2 do artigo 103º da CRP.
A oponente assenta a sua argumentação da oposição à execução no entendimento de que a norma invocada pela AT para praticar os atos de liquidação que deram origem à dívida exequenda não abarca a realidade predial de que é titular e que no entendimento oposto a norma do artigo 28.1 da TGIS é inconstitucional, por violar o disposto no artigo 103º, nº2, da CRP.
Ora, podemos considerar que a argumentação da oponente/Recorrente convoca a verificação de dois vícios: (i) por um lado um vício de ilegalidade do próprio ato de liquidação, por a realidade predial não ser subsumível na previsão da norma de incidência (e não propriamente a invocada inexistência de imposto); e (ii) por outro lado um vício de ilegalidade da própria norma de incidência, ao abranger uma realidade predial, em violação do princípio consagrado no nº2 do artigo 103º da CRP.
No segundo caso e como defende a Recorrente, tem-se considerado que estamos perante uma ilegalidade abstrata, pois a proceder o vício de inconstitucionalidade, a norma deixa de ter aplicação e o imposto deixa de poder ser cobrado. Estes casos, como se deixou exarado no acórdão do STA de 07/04/2005, proc. 01108/03, em que «existe a norma em que o acto se baseia, mas ela é inválida, quer por a sua nulidade resultar de norma especial, quer por ela ser inconstitucional ou ofender qualquer norma de categoria superior» são subsumíveis na alínea a) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.
Todavia, o Tribunal Constitucional já foi chamado por várias vezes a pronunciar-se sobre a conformidade da verba nº 28.1 da TGIS com a Constituição, tendo no acórdão do Plenário n 378/2018, de 04/07/2018, pronunciado-se no sentido de «Não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igualou superior a €1.000.000,00».
Atenta a força do julgamento ampliado efetuado pelo Tribunal Constitucional sobre a matéria, temos que concluir que o vício de inconstitucionalidade assacado pela oponente à norma legal com base na qual foi efetuada a liquidação que deu origem à divida exequenda, não deve ser atendido.
E assim sendo, ainda que por outras razões e com outra fundamentação, impõe-se a confirmação da sentença recorrida, no sentido da improcedência da oposição.

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 20 de Março de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.