Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0617/14.6BALSB
Data do Acordão:01/10/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
EXTEMPORANEIDADE
Sumário:O pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser considerado extemporâneo se, não obstante requerido antes da elaboração da conta, o tenha sido posteriormente ao trânsito em julgado da última decisão prolatada.
Nº Convencional:JSTA000P24043
Nº do Documento:SA1201901100617/14
Data de Entrada:05/26/2014
Recorrente:PARTIDO SOCIALISTA
Recorrido 1:ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A fls. 386, a Relatora respondeu a uma informação do Sr. Oficial de Justiça contador relativa à elaboração da conta, resposta que, dada a sua natureza, o tinha como único destinatário, não tendo sido ordenada, em consonância, a notificação das partes. Porém, a dita resposta acabaria por ser notificada às partes. De seguida, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo:
Requerimento de fls. 340:
O requerimento em apreço, apresentado pela recorrida AR e relativo à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, não foi objecto de qualquer pronúncia expressa, estando esgotado o poder jurisdicional dos juízes deste Supremo Tribunal com o trânsito em julgado do acórdão do Pleno de 25.11.18. Nem a este acórdão nem aos anteriores acórdãos do colectivo (de 22.03.17 e 29.06.17) foi imputada nulidade por omissão de pronúncia quanto ao pedido de dispensa em causa e nem foi requerida a reforma do segmento dos acórdãos em que se decidiu a responsabilidade pelas custas.
Proceda à elaboração da conta”.
2. A fls. 390 a 393, a recorrida Assembleia da República (AR) vem reclamar para a conferência do ‘despacho’ supra citado. Conclui do seguinte modo (cfr. fls. 392-3):
“1) A Assembleia da República requereu, em 16 de junho de 2017, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, norma que permite que o juiz, nas causas de valor superior a 275.000€, possa dispensar, em decisão fundamentada, o pagamento da totalidade ou de parte do remanescente da taxa de justiça devida a final, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes;
2) A presente ação não se revestiu de especial complexidade, desde logo porque não implicou a análise de questões de elevada especialização jurídica nem a realização de complexas diligências, incluindo as relativas à prova; também no que respeita à conduta processual das partes, pautou-se a mesma de acordo com as regras da boa cooperação processual, boa-fé e recíproca correção, não merecendo, por isso, qualquer censura;
3) O artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais admite uma interpretação no sentido de permitir às partes requererem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça até à elaboração da conta e à sua notificação, posto que, verdadeiramente, só a partir desse momento, é que estão em condições de avaliar se existe correspetividade entre o serviço que lhe foi prestado e a taxa de justiça que lhe deve ser cobrada em função do valor da causa e se, portanto, existem razões para se considerar verificada uma situação de violação do princípio da proporcionalidade;
4) Acresce que o requerimento em questão é anterior à interposição do recurso para o Pleno e que a matéria a que respeita não foi incluída nas conclusões das alegações e contra-alegações oportunamente produzidas nem a mesma é versada no respetivo corpo alegatório, pelo que, não constituindo tal matéria objeto do recurso, não ocorre nulidade por omissão de pronúncia que a Assembleia da República devesse ter arguido;
5) Não pode, pois, afirmar-se, como no despacho reclamado, que se encontra esgotado o poder jurisdicional dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo para apreciar o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado através de requerimento de 16 de junho de 2017.
Nestes termos, e no mais de Direito, deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência, ser emitida pronúncia sobre o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça formulado pela Assembleia da República em 16 de junho de 2017”.
3. Notificado para se pronunciar, o recorrente Partido Socialista (PS) nada disse.
4. Sem vistos, dada a simplicidade da questão, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:
Os factos com pertinência para a decisão são os que constam do Relatório.

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar a questão suscitada pela reclamante, que se consubstancia na pretensão de obter uma decisão deste STA relativamente a um pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça contido no requerimento de fls. 340. Trata-se de uma situação sui generis, dado o insólito desta pretensão, se tivermos em conta o contexto que a rodeia e o momento em que é apresentada. Ainda assim, como a resposta da Relatora dirigida ao Sr. Oficial de Justiça contador contém uma ordem que afecta as partes, sobre ela teremos de nos pronunciar.


2.2. Comecemos por uma cronologia dos factos:

i) Com a data de 22.03.17 é prolatado acórdão em que se julga improcedente a acção interposta pelo PS.

ii) De fls. 323 consta o despacho da Relatora, datado de 11.05.17, com o seguinte teor:

Admito o recurso interposto para o Pleno, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Notifique para contra-alegações nos termos do artigo 145.º do CPTA.
Uma vez que se mostra suscitada a nulidade da decisão, deverão os autos oportunamente ser conclusos para efeitos de decisão de sustentação”.

ii) O requerimento de fls. 340 tem a data de entrada neste STA de 16.06.17;

iii) Com a data de 29.06.17 é prolatado acórdão em que se julga não verificada a nulidade assacada ao Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste STA que decidiu a acção. Não foram fixadas custas deste incidente.

iv) No mencionado aresto não é tratada a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

v) Por acórdão do Pleno de 25.01.18 é negado provimento ao recurso apresentado pelo PS. Não é tratada de forma autónoma a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, antes sendo fixadas custas a cargo do recorrente, sem mais.

vi) Com data de 23.03.18, o Sr. Oficial de Justiça contador envia à AR o Ofício n.º 2485 com o seguinte teor:

Junto tenho a honra de devolver a Vossa Excelência os elementos abaixo especificados, que serviram para a instrução ao processo acima referenciado, já decidido com trânsito em julgado, e em que foi autor Partido Socialista e entidade demandada Assembleia da República”.

vii) Em 12.04.18, o Sr. Oficial de Justiça contador envia à Relatora seguinte informação:

Em 12.04.18 à Excelentíssima Conselheira Relatora, informando que quando pretendia elaborar a conta dos presentes autos, visto haver remanescente de taxa de justiça por pagar, verifiquei que existe um requerimento a fls. 340, que não foi objecto de qualquer despacho. Levo tal facto ao conhecimento de V. Exa., a fim de ordenar o que tiver por conveniente”.

Quid juris?

Antes de tudo, convém salientar que o despacho da Relatora de fls. 386 contém uma incorrecção, uma vez que, sendo o requerimento relativo ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça posterior ao acórdão da Secção que julgou a acção, obviamente que a ora reclamante não poderia ter invocado omissão de pronúncia ou peticionado a reforma do acórdão quanto a custas.
Quanto ao acórdão de 29.06.17, que apreciou e decidiu a questão da nulidade assacada ao Acórdão da Secção de Contencioso Administrativo deste STA, nada impedia a ora reclamante de invocar a omissão de pronúncia do mesmo por nele não ter sido julgado o pedido formulado no requerimento de fls. 340 – sem embargo da necessidade de apreciação da questão de saber se um tal incidente era o meio processualmente adequado para nele se decidir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Mas, e o que mais interessa, o acórdão do Pleno, já transitado em julgado, não decidiu de forma autónoma o pedido de dispensa em causa. Mas condenou em custas o recorrente PS. E a ora reclamante não reagiu judicialmente, nem através da figura da omissão de pronúncia, nem através da figura da reforma do acórdão quanto a custas.


2.3. Vejamos, agora, como tem sido tratada a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na jurisprudência deste Supremo Tribunal, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Constitucional. É que, justamente, na resposta da Relatora já profusamente citada expressou-se orientação seguida pelo Tribunal Constitucional (TC), por este Supremo Tribunal Administrativo (STA) e pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – quanto a estes dois últimos convocam-se, respectivamente, o Acórdão de 29.10.14, Proc. n.º 547/14, e o Acórdão de 13.07.17, Proc. n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1 (que cita vários arestos do TC sobre esta matéria).

Atentemos no que é dito no Acórdão do STA de 29.10.14, Proc. n.º 547/14, que se aplica, mutatis mutandis, ao caso dos autos:

Já vimos, que a questão que se coloca nestes autos, passa por saber se, uma vez proferida a decisão sobre custas, sem ter sido feita a ponderação a que alude o artigo 6º, n.º 7 do RCP, e não tendo sido deduzido pedido de reforma ou recurso contra tal segmento decisório, pode ainda em sede de reclamação da conta de custas ser feita tal ponderação.
Desde já se poderá afirmar, com segurança, que nos termos do disposto no artigo 614º do CPC, existindo a condenação em custas, sem que seja feita aquela ponderação, não ocorre a omissão da sentença quanto a custas. Ou seja, apenas nos casos em que não exista qualquer pronúncia quanto a custas na sentença é que verdadeiramente se pode falar de omissão, todas as outras situações devem ser reconduzidas ao erro de julgamento.
Dispõe este artigo 6º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Do teor literal desta norma podemos surpreender que a regra é o do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Apenas nos casos em que o juiz, ex officio, a requerimento das partes ou do Ministério Público, entenda ser de dispensar tal pagamento é que se lhe exige que pondere de forma fundamentada essa mesma dispensa de pagamento.
Tal ponderação ex officio, apenas se justifica no caso de o juiz estar convencido de que há fundamento bastante para dispensar o pagamento, caso o juiz entenda que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não se justifica, limitará a sua pronúncia quanto a custas aos termos habituais, sem fazer qualquer ponderação, uma vez que, neste caso, funcionará a regra estabelecida na 1ª parte daquele preceito legal, ou seja, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, não lhe sendo exigível que oficiosamente trate de uma questão se, a final a julgará improcedente – igualmente não ocorrerá a nulidade da decisão se o juiz oficiosamente não conhecer da questão, a nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixe de apreciar qualquer questão que tenha sido expressamente suscitada pelas partes.
E ao proferir esta decisão sobre custas, nos termos habituais, já o juiz está a fazer um julgamento expresso quanto a custas, uma vez que sabe que, faltando a ponderação a que alude a 2ª parte do preceito em análise, será aplicado aquele regime regra estabelecido na 1ª parte do mesmo preceito.
Sendo certo, como resulta do disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC (novo), o momento próprio para a condenação das partes, ou de alguma delas, em custas é precisamente a decisão que julga a acção.
O próprio texto do artigo 6º, n.º 7 do RCP, sugere que a ponderação da dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser feita antes da elaboração da conta final. E isto é assim, porque a condenação em custas tem necessariamente que preceder o acto de contagem, é antecedente lógico e pressuposto deste acto.
Este acto de contagem, enquanto acto eminentemente material, sem conteúdo decisório, cujos limites são impostos pela lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não afecta de forma negativa ou positiva a esfera jurídica das partes.
Portanto, existindo condenação expressa em custas, nas decisões proferidas nos autos, podemos concluir que não existiu qualquer omissão no tocante à condenação em custas, sendo que o “vício” imputado pelos recorrentes a essa mesma condenação se terá que reconduzir, necessariamente, a um eventual erro de julgamento.
Já anteriormente vimos que, o erro de julgamento quanto a custas apenas poderá ser conhecido pelo juiz que proferiu a decisão, no caso de lhe ser expressamente pedida a reforma quanto a custas, e pelo Tribunal Superior, por via do recurso; no caso dos autos as partes não lançaram mão de qualquer um destes expedientes processuais de modo a sindicarem a decisão com a qual não concordam. Apenas vieram agora, após o acto de contagem, que se conformou com os estritos limites resultantes das decisões judiciais e da lei aplicável, não ocorrendo, sequer, qualquer erro ou lapso de natureza aritmética, impugnar aquele erro de julgamento que teria existido nas decisões recorridas.
A este respeito, refere Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201, que, “O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas” e mais à frente, págs. 354 e 355, refere ainda que, “Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.”.
Aqui chegados, teremos necessariamente que concluir que o despacho recorrido não enferma de qualquer uma das ilegalidades que lhe vêm apontadas. Efectivamente estava o Sr. Juiz a quo impedido de alterar o decidido quanto a custas, uma vez que as decisões proferidas nos autos já se haviam consolidado na ordem jurídica e já se havia esgotado o poder jurisdicional para tanto.
Nem este Supremo Tribunal pode, agora, proceder à modificação do decidido quanto a custas, pelas mesmas razões que o não pode o Sr. Juiz a quo.
Na verdade, o julgamento que se fez quanto a custas nos presentes autos, que já transitou em julgado em devido tempo, impede tal modificação, mesmo que se entenda que foram desrespeitados os princípios e parâmetros constitucionais invocados pelos recorrentes, precisamente, por razões de segurança e estabilidade inerentes à própria decisão judicial”.
No que respeita ao Acórdão do STJ de 13.07.12, Proc. n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, atentemos no seguinte trecho que dele extraímos:
4. Saliente-se que, quanto a esta precisa questão, o TC teve oportunidade de se pronunciar recentemente, decidindo no Ac. 527/16 : Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.
Tal decisão assentou na seguinte fundamentação:
«(…)
2.2.3. É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito momento da elaboração da conta.
Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.
Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.
Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos
Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.
Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito (“[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo.
Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de “[…] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria” nem se vê privada de “[…] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo”, como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.
2.2.4. Cumpre referir, ainda, que – tal como a decisão recorrida evidencia – pese embora a discussão que vinha sendo mantida na jurisprudência, a interpretação em causa já havia sido afirmada em outras decisões, pelo que a Autora, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação.
Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Assim, a interpretação normativa questionada pela Recorrente não traduz qualquer “ónus processual oculto” ou (nas suas palavras) uma “armadilha processual” com a qual a parte não podia contar.
2.3. As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso».
5. Não se vê que esta linha argumentativa - no essencial coincidente com o entendimento seguido no acórdão recorrido – seja posta em causa pela argumentação da entidade recorrente.
Não nos parece, na verdade, que a recorrente não tenha tido oportunidade processual para, antes da feitura e notificação da conta de custas, requerer a dispensa do remanescente da taxa de justiça: na verdade, importa salientar que esta dispensa decorre necessariamente de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados – sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa: implica isto que o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça deverá ser exercitado durante o processo, ou seja, no caso, nomeadamente, mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere, sem excepções ou limitações, à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para, só então, reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa…
É que o incidente de reclamação da conta sempre foi reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil – instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objecções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática).
Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se a revista, confirmando a decisão recorrida acerca da questão da intempestividade do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça”.

Tendo em consideração que o aresto do STJ do qual extraímos o excerto acabado de reproduzir contém, ele próprio, um excerto de um acórdão do TC de onde se extrai a orientação jurisprudencial que aí se defende quanto à questão que agora se aprecia, abstemo-nos de reproduzir outros excertos de acórdãos do TC (acórdãos que, aliás, são citados pelo próprio TC no excerto acima transcrito) sobre o mesmo assunto. O que resulta claro de todos estes arestos (do STA, do STJ e do TC) é que se admite que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça possa ser apresentado até ao momento da elaboração da conta, desde que em momento anterior ao trânsito em julgado da última decisão jurisdicional prolatada – o que não sucedeu no caso dos autos. Mais ainda, neles se afirma que as partes têm meios à sua disposição para contestar a decisão quanto a custas, meios que não foram utilizados pela ora reclamante – daí não sendo de atender a eventual invocação do desrespeito do princípio da proporcionalidade. E, mais ainda, e em resposta a um dos argumentos apresentados pela ora reclamante, “«A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos»” (Acórdão do TC citado no excerto do acórdão do STJ acima reproduzido).

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em indeferir a reclamação para a conferência do despacho da Relatora.


Custas pela reclamante
Lisboa, 10 de Janeiro de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro.