Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01282/17.4BELRA
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23765
Nº do Documento:SA12018102201282/17
Data de Entrada:10/01/2018
Recorrente:C............, SA
Recorrido 1:A............, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, LDA e B………… intentaram, no TAF de Leiria, contra o Município de Leiria, acção de contencioso pré contratual onde formularam os seguintes pedidos:
1. Nestes termos e nos melhores de direito, deverá a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência, declarar-se a nulidade do procedimento contratual em discussão nos autos por violação dos princípios da publicidade, transparência e concorrência, ordenando-se, em consequência, que o Município de Leiria proceda à publicação de novo anúncio de abertura do procedimento pré-contratual sub judice.
2. Ou, quando assim se não entenda, deverá, então, a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência:
a) Declarar-se a invalidade das normas do Programa do Concurso que constam das alíneas b), f) do art.º 11.º, da al.ª d) do n.º 2, do n.º 3 do art.º 8.º daquela peça procedimental conjugados com as al.ªs i) e j) do art.º 11.º, ordenando a sua correcção conforme à Directiva n.º 2014/24/UE e ao CCP;
b) Declarar-se a anulabilidade da deliberação da CM de Leiria, de 08/08/2017, que exclui a candidatura ao concurso limitado por prévia qualificação nº 1/2007 e qualificou as contra-interessadas.
c) Condenar-se a entidade adjudicante a retomar o procedimento concursal, declarando que autor preenche os requisitos da capacidade técnica exigidos, admitindo, assim, a sua candidatura, qualificando-a e endereçando-lhe um convite para apresentar uma proposta ao concurso limitado por prévia qualificação n° 1/2007, DIAP, aberto pelo Município de Leiria.”

Indicou como contra-interessados C…………, S.A.; D…………, S.A.; E…………, S.A., F…………, S.A.; G…………; H…………, S.A., I…………, S.A. e J…………, S.A..

O TAF julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, anulou o procedimento concursal objecto dos autos.

E o TCA Sul, para onde a Recorrida e as contra-interessadas apelaram, negou provimento a ambos os recursos.
É desse Acórdão que a C………… SA, E…………, SA e D…………, SA, vêm recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF, após análise dos vícios imputados ao acto impugnado, proferiu a seguinte decisão:
“Anulo o procedimento concursal objecto dos autos (em virtude da anulabilidade dos anúncios publicados no DR e no JOUE para publicitação da prorrogação do prazo para apresentação de candidaturas) e determino que a Entidade Demandada proceda à publicitação de novos anúncios sem repetir as omissões detectadas.”

A Câmara Municipal de Leiria e as contra-interessadas apelaram para o TCA Sul mas este negou provimento aos recursos.
Com efeito, depois de afastar a alegada ilegitimidade das Autoras e a nulidade da sentença, o Acórdão confirmou a sentença recorrida pelas razões que ele próprio sumariou do seguinte modo:
“III. Nos termos do n.º 1 do artigo 167.º do CCP, o concurso limitado por prévia qualificação é publicitado no Diário da República através de anúncio conforme modelo aprovado por portaria.
IV. Considerando a data de abertura do procedimento, o diploma a que se refere o n.º 1 do artigo 167.º do CCP é a Portaria n.º 701-A/2008, de 29/09, a qual estabelece o modelo de anúncio aplicável ao concurso limitado por prévia qualificação, no seu Anexo III.
V. Resulta do Anexo III da referida Portaria n.º 701-A/2008, de 29/09, a obrigação de o aviso mencionar os requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira.
VI. Nos termos do n.º 2 do artigo 167.º do CCP ao concurso limitado por prévia qualificação é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 131.º.
VII. O n.º 1 do artigo 131.º do CCP, ao regular o anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, estipula que quando a entidade adjudicante pretenda publicitar o concurso público no Jornal Oficial da União Europeia deve fazê-lo através de um anúncio conforme modelo constante do anexo II do Regulamento (CE) n.º 1564/2005, da Comissão, de 07/09, que estabelece os formulários-tipo para publicação de anúncios no âmbito dos processos de adjudicação de contratos públicos em conformidade com as Directivas 2004/17/CE e 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, respeitando o seu anexo II ao formulário de Anúncio de Concurso, o qual é aplicável por força da remissão prevista no n.º 2 do artigo 167.º CCP.
VIII. Nos termos do disposto no ponto III. 2) do citado Anexo II ao Regulamento (CE) n.º 1564/2005, relativo às "Condições de participação", previstas nesse anexo, do anúncio de concurso devem constar, entre outras, as menções previstas no ponto III. 2.2), relativas à capacidade económica e financeira e no ponto 111.2 3), relativas à capacidade técnica.
IX. Quanto ao regime da publicitação de rectificações ou esclarecimentos, importa o disposto no artigo 175.º do CCP.
X. O anúncio de publicitação da abertura do concurso limitado por prévia qualificação e o respectivo anúncio rectificativo devem prever expressamente os requisitos mínimos de capacidade técnica e económico-financeira dos candidatos.
XI. Viola o regime legal aplicável o anúncio que omita totalmente essas menções, assim como o anúncio que preveja esses requisitos mediante remissão para as normas aplicáveis do Programa do concurso, se neste último caso não for possível assegurar a completa apreensão das alterações introduzidas ao primitivo anúncio publicitado, por em ambos os casos não ser possível assegurar a plena publicitação e transparência dos requisitos aplicáveis, designadamente, em face de tais requisitos terem sofrido alteração em relação aos primitivos anúncios publicitados.

3. A Recorrente pretende a admissão desta revista para que se reapreciem as seguintes questões:
c) Definir se, face ao disposto no art.° 88.º, n.º 2, do CPTA, em caso de saneador-sentença que tenha julgado genericamente que as Recorridas, enquanto autoras da acção, tinham legitimidade activa para pedir a declaração de invalidade do procedimento pré-contratual - sem que a sua legitimidade tenha sido invocada em sede de contestação -, fica vedada a apreciação de tal decisão em sede de recurso;
b) Definir se as supostas falhas detectadas nos Anúncios do Concurso importam inexoravelmente a sua invalidade, tendo em conta os factos dados como provados e o regime jurídico aplicável.”
E isto porque a Recorrente sustenta que tendo em conta que:
“a) o saneamento do processo se fez, apenas, na decisão final - o que constitui, portanto, um saneador-sentença, como o próprio Acórdão recorrido sublinha -, não tendo esta decisão transitado em julgado, porque recorrida no devido prazo;
b) que a legitimidade das partes, em particular a legitimidade activa das ora Recorridas, constitui matéria de conhecimento oficioso;
c) que a decisão tomada sobre a legitimidade das Recorridas - e bem assim sobre qualquer outro pressuposto processual - não se debruçou em concreto sobre qualquer questão que sobre tal legitimidade se pudesse levantar, o que tem sido entendido, pelo menos na jurisdição cível, como uma não-decisão;
uma leitura do art.° 88.º, n.º 2, do CPTA no sentido de que esta questão não pode mais ser apreciada, nem mesmo em sede de recurso, resulta totalmente incorrecta, violadora dos mais básicos princípios processuais, como o são o da preponderância do fundo e da verdade material sobre a forma, assim como do duplo grau de jurisdição”
Por outro lado,
“dúvidas não resultam que a Entidade Demandada, tendo procedido a rectificações nas peças do Concurso que determinavam a prorrogação do prazo de apresentação de candidaturas, concedeu tal prorrogação, cumprindo o disposto no art.° 175.º, n.º 2, do CCP, e que a publicitou, cumprindo igualmente o n.º 4.
Resulta manifesto, através de uma simples e imediata interpretação literal desta norma, que a publicação que importa fazer é das decisões de prorrogação, seguindo evidentemente os modelos de anúncios estabelecidos, tal como já o era relativamente aos anúncios iniciais.”

3. As questões suscitadas neste revista – sobretudo, a possibilidade do Tribunal de recurso reapreciar a legitimidade da Autora nas circunstâncias dos autos – são de importância jurídica fundamental pelo que essa razão bastava para que o recurso fosse admitido.
Acresce que foi atribuído à acção um valor superior a 30 milhões de euros o que também é suficiente para se considerar que estamos perante uma causa que, pela sua relevância social, se reveste de importância fundamental.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 22 de Outubro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.