Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01071/02.0BTLSB
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:NULIDADE
PLANO DE PORMENOR
VIOLAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
Sumário:I - À luz do CPA91 o desvalor associado a qualquer vício que enferme um regulamento era o da nulidade por decalque do regime da invalidade do regulamento ao da invalidade da lei.
II - A LPTA não prevê, em sede de recursos contenciosos, que haja lugar a qualquer fase instrutória e/ou que o Tribunal deva proferir despacho com especificação e questionário.
III - Nos termos da alínea l), do n.º 1, do artigo 2.º, 2.4 e n.º 1 do artigo 45.º do RPDM de Cascais à data, 1º do Regulamento do PP aqui em causa, a violação pelo PP do PDM apenas deixaria de ocorrer com a aquisição de caraterísticas urbanas pela ratificação do PP.
IV - Ou seja, pelo facto de não ter sido ratificado, o PP está em desconformidade com o PDM, pelo que não se pode manter na ordem jurídica, nos termos do n.º 1 do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT), por falta de compatibilidade ou conformidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial com o desvalor jurídico da nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma.
V - A deliberação recorrida, ao violar expressamente o artigo 102º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22/09 é ineficaz na parte em que não atribui qualquer direito a indemnização, que a recorrente tem direito por lei.
Nº Convencional:JSTA00071324
Nº do Documento:SA12021111801071/02
Data de Entrada:11/03/2020
Recorrente:A..........., S.A.
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE CASCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:SENT TAC LISBOA
Decisão:CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 02.º, art. 45.º PDM CASCAIS
art. 101.º, art. 102.º do DL. n.º 380/99, de 22/09 (RJIGT)
art. 133.º, n.º 2, al. d), do CPA/1991
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO

1. A…………, S.A., que sucedeu à primitiva Autora B…………., S.A., em 24.06.2002, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação da Assembleia Municipal de Cascais de 29.04.2002, no TAF de Lisboa, «que declarou a nulidade do “Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário de Tires».

2. Por sentença de 6.02.2005 foi proferida sentença, pelo 1º Juízo Liquidatário do TAF de Lisboa, que, com fundamento na procedência do vício de ilegitimidade ativa, rejeitou o recurso, por ilegalidade da sua interposição.

3. O Recorrente interpôs recurso para o STA, que, por acórdão de 23.11.2005 proferido no Proc. nº 871/05, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do recurso contencioso.

4. Remetidos os autos ao TAC de Lisboa, veio a ser proferida sentença, em 18.5.2010, que negou provimento ao recurso contencioso, mantendo o ato recorrido.

5. Inconformado, o Recorrente interpôs então recurso para este STA, ao abrigo do art. 26º, nº1, al. b) do DL 129/84 (ETAF84), na redação do DL. 229/96, de 29.11, ex vi do art. 2º da L. 13/2002 de 19.2., o qual veio a ser admitido.

6. Por acórdão de 11.10.2018 do STA foi declarada nula a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos ao TAF de Lisboa para proferir nova sentença que se pronunciasse sobre todas as questões objeto do recurso jurisdicional.

7. Em cumprimento deste aresto, foi proferida sentença no TAC de Lisboa, em 27.09.2019, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, e manteve o ato de 29.04.2002, que havia declarado a nulidade do Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário, em Tires.

8. Inconformado, o Recorrente dela interpôs o presente recurso jurisdicional para o STA.

9. Uma vez admitido o recurso, por despacho de 21.10.2019, foi proferido o despacho de sustentação, em 14.01.2020, no qual foi manifestado o entendimento de não se verificação dos vícios assacados pelo Recorrente à sentença recorrida.

10. Tendo o recurso sido interposto para este STA, foi, no entanto, remetido ao TCAS, que por Despacho de 28.09.2020, se declarou incompetente, determinando a sua remessa para este STA.

11. O Recorrente deduziu as suas alegações, juntando 5 pareceres, e concluiu da seguinte forma:

“1.ª A declaração de nulidade do Plano de Pormenor proclamada na deliberação impugnada foi erradamente assumida pelo Tribunal a quo como indiscutível, presumindo a sentença recorrida o acerto de tal declaração administrativa sem ter operado um verdadeiro controlo jurisdicional dos pressupostos da atuação subjacente e à margem de qualquer factualidade dada por assente que permita substanciar tal conclusão, não existindo nos autos factualidade provada que permita sustentar a ilegalidade do plano.

2.ª Ao contrário do que parece ter sido pressuposto na decisão recorrida, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (arts. 342º e segts do Código Civil) não é exigível à ora recorrente o ónus de demonstrar que o Plano de Pormenor não é nulo, sendo antes à entidade recorrida que cabe demonstrar a afirmada nulidade provando que se verificaram os pressupostos de facto e de direito que lhe permitem agir com autoridade declarando a nulidade do Plano (cfr. Ac. STA de 24/11/99 no Proc. n.º 032434 e Acs de 26/01/2000 no Proc. n.º 037739 (Mário Torres) e de 24/01/2002 no Proc. 048154 (Santos Botelho), in www.dgsi.pt).

3.ª Ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida, os poucos factos dados por assentes nos autos são incapazes de poder colocar em crise a legalidade do Plano de Pormenor, evidenciando, por isso, a ilegalidade da deliberação impugnada por falta de demonstração – no processo administrativo e no processo judicial – dos pressupostos que legitimariam uma tal atuação por parte do Município.

4.ª A não se entender que do resultado dos factos provados se deva concluir pela plena validade e eficácia do Plano de Pormenor, por falta de prova legal em contrário (com a consequente ilegalidade da deliberação impugnada), deverá a matéria de facto apurada ser objeto de ampliação para permitir a boa decisão da causa, possibilitando ver decididas as questões de facto subjacentes à declaração de nulidade do Plano e cuja decisão parece ser pressuposta na sentença, não tendo sobre as mesmas sido produzida qualquer prova, nem foram identificadas pelo Tribunal a quo como questões a provar.

5.ª Ao decidir pela improcedência dos erros imputados à deliberação impugnada no que concerne à afirmação de nulidade do Plano de Pormenor, abstendo-se de organizar especificação e questionário ou por qualquer forma abrir uma fase de instrução probatória nos termos do disposto no artigo 845.º do Código Administrativo, aplicável ex vi do artigo 24.º, al. a) da LPTA, a sentença impugnada violou o citado normativo e o direito da Recorrente à prova e à tutela judicial efetiva.

6.ª A sentença recorrida não identifica concretamente os meios de prova que serviram de base à decisão dos diversos pontos de facto que alinha como provados, limitando-se com frequência a remeter em bloco para o instrutor, assim como não procede ao exame crítico das provas, em violação do que lhe é exigido pela lei de processo (v. art. 607.º, n.º 4 do CPC, anterior art. 659º, n.º 3) e com prejuízo para a impugnação da decisão de facto.

7.ª A decisão de facto expressa na sentença recorrida revela-se insuficiente tendo o Tribunal a quo ignorado os factos alegados pela Recorrente nos artigos 5.º, 11.º a 19.º, 20.º, 23.º, 28.º e 34.º da p.i., factos esses que apresentam relevância para a decisão da causa de acordo com a solução plausível e que deveriam ter sido dados por assentes ou submetidos a instrução probatória.

8.ª O julgamento de facto expresso sob a alínea H) do elenco dos factos provados na sentença recorrida, ao restringir a prova do alegado no artigo 32.º da p.i. (isto é, a alegação de que o parecer ali referido teria por objeto toda a área de intervenção do Plano), dando por assente que esse parecer foi dado (apenas) para a área do Hospital, enferma de erro, pois tal decisão não encontra apoio no parecer de 21.06.1999 comunicado por ofício RO 1546, de 29.06.1999 e confirmado em posterior ofício n.º 5772, de 17.03.2000, documentos que figuram a fls. 89 e 92 do Vol. IV do instrutor, devendo tal ponto de facto passar a corresponder ao alegado no citado artigo 32.º da p.i. com base nos apontados documentos.

9.ª Se dúvidas porventura subsistissem sobre a prova da factualidade alegada no artigo 32.º da p.i. – e não existem –, designadamente quanto ao objeto ou à amplitude do parecer prestado por aquele órgão, deveria o Tribunal a quo ter sujeitado tal questão a instrução probatória apurando se a autorização em causa fora dada para toda a operação ou só para o hospital.

10.ª O julgamento de facto expresso sob a alínea “M)” do elenco dos factos provados na sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao afirmar como provado que o pedido de licenciamento foi requerido pelo Presidente da Câmara (e não pela Recorrente, como por esta foi alegado), não apresentando tal facto a menor correspondência com o documento de fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor, devendo tal ponto passar a ter a seguinte redação: “Em novembro de 2001, a Recorrente requereu à CM Cascais a aprovação e o licenciamento de uma operação de loteamento com obras de urbanização para os terrenos referidos em A) integrados na área de intervenção do Plano de Pormenor aprovado.- cfr. fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor”.

11.ª Os autos evidenciam a existência de um conjunto de atos e formalidades que envolveram a aprovação do Plano de Pormenor (atos dos próprios órgãos do Município e de dezenas de entidades exteriores a este, designadamente, do Ministério do Ambiente) que permitem arredar qualquer juízo de invalidade que a entidade recorrida pretenda assacar ao citado Plano, antes fazendo impender sobre o mesmo uma verdadeira presunção de legalidade (e de conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor) resultante, designadamente, do registo do Plano na DGOTDU (cfr. PAULO OTERO, Loc. cit., págs. 24 a 29 e ANA ALVOEIRO DELGADO e ANA MARGARIDA CUNHA RIBEIRO, Ob. cit, pág. 221) e da reapreciação posteriormente feita por essa mesma entidade a pedido do Município e na qual se veio a concluir expressamente que “no que respeita à RAN, o seu regime jurídico foi respeitado pelo Plano de Pormenor (…) Relativamente à REN, o regime jurídico desta Reserva também foi salvaguardado (…) julga-se não haver desconformidade do Plano de Pormenor com o PDM (…) o Plano de Pormenor foi devidamente registado e publicado nos termos legais, pelo que não se vê que haja fundamentação para se dar sem efeito o registo do mesmo” – cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i. e alíneas U) e V) dos factos provados.

12.ª Contrariamente ao pressuposto pelo Tribunal a quo, a afirmação de que o Plano de Pormenor é nulo por não respeitar o PDM de Cascais deve ser sindicada tendo presente que, de acordo com a lei (art. 101.º do DL 380/99, de 22 de set.) não são de haver como nulos os Planos de Pormenor cujas disposições apesar de discrepantes das estabelecidas em Planos Diretores Municipais sejam com estes compatíveis bastando para tanto que o PP não contrarie os princípios fundamentais consagrados no PDM, sendo certo que no caso em apreço o Plano de Pormenor constitui a própria execução das opções contidas no PDM para o local em causa (cfr. Pareceres jurídicos juntos aos autos).

13.ª Mesmo que por hipótese existisse (e se provasse nos autos) uma eventual incompatibilidade entre o PP e o PDM, a mesma nunca seria geradora da sua invalidade mas apenas da sua ineficácia até que o PP viesse a ser ratificado, já que a lei admite expressamente que um Plano de Pormenor possa alterar um Plano Diretor Municipal, desde que para isso seja objeto de parecer favorável da DGOTDU (que no caso existe) e de ratificação governamental (v. art. 80º/3/e) do DL 380/99), sendo a ratificação um requisito de eficácia do Plano.

14.ª Em termos de classificação e qualificação dos solos, quer o PDM de Cascais quer o PP em apreço, classificam os solos em causa como solo urbano (solo não rural), prevendo para o local a construção de um hospital e de um empreendimento residencial e definindo-lhe parâmetros urbanísticos, sendo manifesto que o modelo de estrutura espacial do território que o PP preconiza é exatamente o mesmo que é apresentado no PDM, o mesmo sucedendo com todas as condicionantes que PDM prescreve para o local que são reproduzidas no PP (subordinando este, inclusive, as suas disposições aos condicionamentos estabelecidos no PDM), não se verificando a alegada violação do PDM de Cascais por parte do PP afirmada na deliberação impugnada e pressuposta na sentença recorrida.

15.ª Contrariamente ao pressuposto na decisão recorrida, a deliberação impugnada junto do Tribunal a quo enferma de erro de facto e de direito ao declarar a nulidade do Plano de Pormenor invocando que este “não respeita o PDM de Cascais no que diz respeito às condicionantes da RAN e da REN”, já que o PP se limita a reproduzir as soluções de ocupação do território já definidas no PDM, quer quanto à classificação dos solos como urbanos (não rurais), quer quanto às condicionantes RAN e REN definidas no PDM e reproduzidas no PP.

16.ª A circunstância do PP identificar na sua carta de condicionantes, condicionantes RAN e REN não é inconciliável com a previsão de uma disciplina urbanística para o local constante da respetiva planta de ordenamento e Regulamento, sendo certo que também a carta de condicionantes do PDM de Cascais identifica zonas RAN e REN em solos onde a respetiva carta de ordenamento e o Regulamento do PDM contemplam como objetivo estratégico a execução de um Hospital e de um empreendimento residencial com “índices de média densidade e ou de equipamento”, tendo o PDM sido objeto de ratificação governamental que torna indiscutível a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor, nomeadamente a RAN e a REN (cfr. art.16º, n.º 2 do DL n.º 69/90, em vigor aquando da ratificação do PDM de Cascais).

17.ª A circunstância do PP identificar na sua carta de condicionantes, condicionantes RAN e REN não é inconciliável com a previsão de uma disciplina urbanística para o local constante da respetiva planta de ordenamento e Regulamento, significando tão só que para a concretização do modelo urbanístico previsto se impõe respeitar os regime legais que regulam a REN e da REN (os quais admitem derrogações pontuais às proibições consagradas).

18.ª O PP nem viola as condicionantes RAN e REN previstas no PDM, nem viola diretamente os regimes jurídicos da RAN e da REN (DL 196/89, de 14 de jun. e DL 93/90, de 19 de mar.), tanto mais que no caso concreto verifica-se a existência de atos derrogatórios desses regimes gerais proibitivos, atos esses que são orgânica e materialmente conformes com o previsto nesses diplomas (v. art. 9º do DL 196/89 e n.º 2 do art. 4º do DL 93/90.

19.ª O PP limita-se a reproduzir a planta de condicionantes do PDM (integrando até um extrato dessa planta) e este, por sua vez, reproduz as cartas de delimitação da RAN e da REN aprovadas para o Município de Cascais; em qualquer caso, a carta de delimitação da RAN para o Município de Cascais, aprovada pela Portaria n.º 911/94, de 13 de Outubro, caducou com a entrada em vigor do PDM de Cascais (publicado na Iª Série-B do Diário da República de 19.06.1997), nos termos do n.º 6 do art. 32.º DL 196/89, de 14 de Junho, e ainda em todo o caso, não se integram em RAN os solos destinados a expansões urbanas, consignados em planos diretores municipais (cfr. art. 7.º/a) do DL 196/89).

20.ª Ao contrário do que é pressuposto na sentença recorrida, a declaração de nulidade impugnada junto do Tribunal a quo, enferma de erro de facto e de direito já que, sendo errado que o Plano de Pormenor enferme de qualquer invalidade, não tendo o Município Réu logrado demonstrar, como lhe competia, qualquer facto capaz de se subsumir à afirmada invalidade e arredar a presunção de legalidade de que goza o citado Plano de Pormenor.

21.ª Ao contrário do decidido na sentença sub judice, à data da deliberação impugnada cabia em exclusivo aos Tribunais e à função jurisdicional, a declaração de invalidade de normas regulamentares, pelo que, ao declarar a nulidade de um Plano de Ordenamento – e com menção expressa do não reconhecimento, com eficácia retroativa, de quaisquer efeitos e sem o dever de indemnizar – o ato administrativo impugnado junto do Tribunal a quo não apresenta base legal e imiscuiu-se em matéria reservada aos Tribunais, enfermando de usurpação de poderes jurisdicionais, sendo ilegal e nula e de nenhum efeito ex vi do disposto no artigo 133º/2/a) do CPA (cfr. neste sentido, o parecer da Digna Procuradora Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal Administrativo que pugna no sentido da nulidade da deliberação impugnada).

22.ª Ao contrário do que parece ter sido pressuposto na sentença sub judice, ao declarar em decisão unilateral e autoritária a nulidade do Plano de Pormenor, no sentido preconizado pelo Presidente da Câmara e pela Câmara Municipal de Cascais – com os novos titulares resultantes da eleições autárquicas de Dezembro de 2001 - e contra o entendimento expressamente manifestado pela Administração Central (DGOTDU) junto do Município (v. factos sob as alíneas U) e V) da sentença recorrida), a deliberação recorrida imiscui-se na solução de um concreto conflito de interesses sendo - também por essa causa – nula por usurpação de poderes jurisdicionais ex vi do disposto no já citado art. 133.º, n.º2, al. a) do CPA (cfr. Acs. do STA de 20/01/99 no Proc. n.º 036550 e de 25/02/99 no Proc. n.º 044566, in www.dgsi.pt. (cfr. neste sentido, o parecer da Digna Procuradora Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal Administrativo que pugna no sentido da nulidade da deliberação impugnada).

23.ª Ao contrário do decidido na sentença sub judice, ao estatuir que a declaração de nulidade por si declarada não envolverá qualquer dever de indemnizar por parte do Município, a deliberação recorrida é – também por essa causa – ilegal e nula por usurpação de poder administrativo (se se entender que tal declaração define a indemnização no caso concreto) ou de poder legislativo (se se entender que tal declaração estabelece em abstrato as condições de indemnização dos danos decorrentes da declaração) (v. art. 133º/2/a) do CPA).

24.ª Ao contrário do que parece ter sido pressuposto na sentença sub judice, ao declarar a nulidade de um Plano de Pormenor registado e publicado pela Administração Central (DGOTDU), sobre o qual a DGOTDU havia emitido aquando do registo um juízo de conformidade legal no exercício dos seus poderes de tutela de legalidade – juízo de legalidade reiterado posteriormente junto do Município de Cascais (v. Doc. n.º 4 junto com a p.r.) – a deliberação impugnada junto do Tribunal a quo, enferma de vício de incompetência absoluta por invadir a esfera de atribuições que a Constituição e a lei confiam ao Estado / Administração Central (usurpação do exercício do poder de tutela), sendo o ato recorrido por isso nulo ex vi do disposto no art. 133º/2/a) e b) do CPA.

25.ª Ao declarar a nulidade do Plano de Pormenor com o não reconhecimento, para efeitos do artigo 102º, n.º 2 do DL n.º 380/99, de 22 de setembro, com eficácia rectroactiva, de quaisquer efeitos, de direito ou de facto, ao Plano de Pormenor e sem o dever de indemnizar, a deliberação recorrida viola o disposto na citada norma, já que a mesma impõe justamente o oposto, ou seja, impõe que a declaração de nulidade de um plano só possa afetar atos praticados a coberto desse plano se for acompanhada de uma declaração acompanhada da assunção expressa do dever de indemnizar.

26.ª Ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, a declaração de nulidade impugnada, ao englobar a indicação expressa de que integra o não reconhecimento, com eficácia retroativa, de quaisquer efeitos, de direito ou de facto, e de que é feita sem o dever de indemnizar, afronta o regime legal da responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública, violando o disposto nos artigos 22º e 271º da Constituição, bem como os artigos 96º e 97º da Lei n.º 169/99, de 18 de Set. e o artigo 70º do DL n.º 555/99, de 16 de Dez.

27.ª Ao atingir desse modo o conteúdo essencial do direito fundamental à indemnização por prejuízos sofridos em resultado de atuações de entes públicos, o ato recorrido é nulo ex vi do disposto no artigo 133º/2/d) do CPA, contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida que desse modo enferma de erro de julgamento.

28.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição e os artigos 124.º, n.º 1, als. a), c), d) e e) e 125.º, n.º 1 do CPA (redação ao momento em vigor) ao julgar improcedente o vício de forma imputado à deliberação impugnada nos autos. (...)”

12. O Recorrido; Município de Cascais, apresentou contra-alegações, concluindo:

“A. A Recorrente vem, agora, assacar à deliberação impugnada vícios que, tendo já sido julgados pela sentença de 18/05/2010, não cumpre conhecer em sede do presente recurso, em razão do âmbito fixado pelo Acórdão do STA de 11/10/2018.

B. A matéria constante das alíneas w) e x) dos factos assentes, nomeadamente por via da reprodução do conteúdo dos pareceres do Prof. Fausto Quadros e do urbanista Luís Neff, demonstram que o Plano de Pormenor violou as disposições consagradas (leia-se o regime jurídico) no PDM de Cascais, tal como se mostra em desconformidade com o regime jurídico da RAN e da REN e com o disposto no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (doravante “RJIGT” ou “DL 380/99”), nomeadamente por não ter sido objeto de ratificação pelo Governo à revelia do estatuído no artigo 80.º deste diploma. E a sentença recorrida “convocou” ipsis verbis a matéria de facto dada por assente nas instâncias, conforme se lê na página 3, daquela decisão, pelo que os factos considerados relevantes para a decisão da causa não se restringem a quanto consta da sentença sindicada.

C. Não estava o Tribunal a quo vinculado à prolação de despacho saneador, com especificação e questionário, uma vez que não tem aplicação ao presente processo o disposto no artigo 845.º do Código Administrativo, pela simples razão que os artigos 834.º e 862.º deste Código (que fixavam as normas aplicáveis ao processo nas auditorias), devem considerar-se revogados por força do estatuído no artigo 134.º, n.º 1, da LPTA. E, por outro lado, a LPTA não prevê, em sede de recursos contenciosos, que haja lugar a qualquer fase instrutória e/ou que o Tribunal deva proferir despacho com especificação e questionário.

D. Os factos alegados pela Recorrente nos artigos 5.º, 11.º a 19.º, 20.º, 23.º, 28.º e 34.º da petição inicial são irrelevantes para a decisão da causa, ou constituem matéria de direito, ou são conclusivos, sendo certo que, quando tal não sucede, foram ponderados pela sentença recorrida, embora contraditados ou alterados pelos factos que esta considerou assentes.

E. O facto constante da alínea H) da matéria assente não enferma de qualquer erro uma vez que descreve o conteúdo essencial da deliberação da Comissão Regional da Reserva Agrícola, naquilo que releva para a decisão da causa, sendo certo que tal facto da alínea H) jamais poderia corresponder ao alegado no artigo 32.º da p.i., visto que esse artigo 32.º distorce o conteúdo da referida deliberação da Comissão Regional, não encontrando suporte no respetivo documento do processo instrutor.

F. O erro que a Recorrente aponta à alínea M) dos factos assentes configura um manifesto lapso de escrita, como tal irrelevante e insuscetível de gerar qualquer vício da sentença sob recurso.

G. A sentença recorrida não padece de qualquer vício ou insuficiência quanto à matéria de facto que deu por assente.

H. O registo dos planos de ordenamento na DGOTDU não faz presumir a legalidade dos mesmos, nem afasta a possibilidade das respetivas normas serem declaradas inválidas, destinando-se tal registo apenas a permitir a consulta pelos interessados dos instrumentos de gestão territorial existentes, conforme sem margem para dúvidas, do estatuído no artigo 150.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT de 1999) na redação então vigente.

I. E tanto assim é que, o Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro que alterou, parcialmente, o Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT), substituiu a palavra “registo”, constante do seu artigo 150.º, pela palavra “depósito”, o que, claramente, comprova que estamos em presença de uma mera formalidade procedimental que nenhum conteúdo jurídico possui.

J. E o artigo 193.º do atual RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio (doravante RJIGT de 2015), confirma a interpretação acima expendida ao estatuir, sob a epígrafe “Depósito e consulta”, que a Direção-Geral do Território procede, através de uma mera plataforma informática, “ao depósito de todos os (…) planos territoriais”, ou seja dos planos diretores municipais, dos planos de urbanização e dos planos de pormenor.

K. Estatui o n.º 1 do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT) que “a compatibilidade ou conformidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial é condição da respetiva validade”, determinando o n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma que “São nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devêssemos ser compatíveis ou conformes” pelo que, em ambos os preceitos, o legislador faz apelo (exige) uma relação de compatibilidade e de conformidade entre os planos de grau inferior e os planos hierarquicamente superiores.

L. Não há, pois, que apurar – contrariamente ao que defende a Recorrente – se as divergências entre o PP e o PDM, agora em causa se reconduzem a uma relação de “desconformidade” ou a uma relação de “incompatibilidade”, sendo suficientes as ditas divergências para, em obediência ao “princípio da ordenação hierárquica do planeamento urbanístico” se concluir pela invalidade do PP (vide Fernando Alves Correia, “O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade”, pág. 294).

M. Do Plano de Pormenor em causa não consta qualquer fundamentação para as alterações (supostamente) introduzidas no PDM de Cascais e muito menos a identificação e publicitação das normas daquele PDM objeto de alteração, pelo que violou os artigos 101.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, do RJIGT.

N. O que equivale a dizer que o PP em causa violou o princípio da hierarquia dos planos, e, consequentemente, padece de nulidade, tal como foi declarada pela deliberação da Assembleia Municipal de Cascais agora posta em crise.

O. Os requisitos da eficácia dos instrumentos de gestão territorial vêm regulados no artigo 148.º do RJIGT, dependendo apenas da respetiva publicação no Diário da República, enquanto que os requisitos de validade daqueles instrumentos é matéria tratada no artigo 102.º do RJIGT, o qual prevê que tal validade depende, não da publicação do plano, mas da inexistência de violação das normas de outros planos hierarquicamente superiores.

P. O Plano de Pormenor padece de invalidade uma vez que não ratificado pelo Governo tendo violado o disposto no artigo 80.º do RJIGT (D.L. 380/99), tanto mais que consta dos fatos assentes que “não existe parecer final escrito sobre o projeto do Plano de Pormenor que deveria ter sido emitido pela CCDRLVT” e que tal plano “foi aprovado em 12/11/2001 numa (agitada) reunião da Assembleia Municipal de Cascais, sem aquele parecer essencial” [cfr. alínea x) da matéria assente, páginas 24 e 25 da sentença recorrida].

Q. A área de intervenção do PP insere-se na classe de “espaços de desenvolvimento estratégico”, prevista no artigo 45.º do Regulamento do PDM (doravante também RPDM), conforme resulta do n.º 2.4 deste preceito, sendo expressamente reconhecido pelo n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento do PP.

R. Estatui a alínea l), do n.º 1, do artigo 2.º, e com o n.º 1 do artigo 45.º do RPDM, que os solos situados na classe de espaços de desenvolvimento estratégico “podem vir a adquirir as características das classes de espaços urbanos, urbanizáveis ou de outras desde que a sua implementação seja precedida da elaboração e ratificação de plano de pormenor”, pelo que os solos abrangidos pelo PP não estão classificados como “espaço ou solo urbano”.

S. O PP violou o disposto no n.º 1 do artigo 45.º do RPDM visto não ter sido objeto de ratificação do Governo, e pela mesma razão, também violou o estatuído no artigo 80.º do DL 380/99.

T. Resulta dos factos assentes que o PP em causa violou os objetivos definidos no PDM, designadamente porque, ao contrário do fim visado naquele Plano (vide artigo 45.º, n.º 2.4, segundo parágrafo do RPDM), nada previu ou dispôs quanto à unidade hospitalar, nem quanto ao equipamento escolar, nem quanto a fogos PER, não obstante a instalação destes empreendimentos constituírem o elemento central e determinante da classificação de “espaço de desenvolvimento estratégico” feita pelo PDM e da feitura do PP nele previsto.

U. O PP previu ocupação urbanística de solos da RAN e da REN em clara violação aos respetivos regimes jurídicos, conforme resulta dos factos assentes.

V. Os atos derrogatórios da RAN e da REN, que a Recorrente invoca não possuem o alcance e efeitos que esta lhes atribui, uma vez que deles não resulta qualquer autorização para afetar os solos da RAN e da REN aos usos urbanísticos ou à edificação que ficou plasmada no PP.

W. O despacho relativo à REN ficou condicionado à ratificação do PP, pelo que não tendo esta ocorrido, imperioso se torna concluir que o dito despacho não autoriza, por si só, a ocupação de áreas da REN, autorização essa que apenas existiria caso o PP fosse ratificado, o que não sucedeu, pelo que violado foi o regime jurídico da REN.

X. A deliberação autorizativa da utilização não agrícola de solos da RAN visava, exclusivamente, a realização de obras de interesse público (maxime o Hospital), pelo que tal deliberação não foi respeitada uma vez que o PP prevê a localização de 2846 fogos nos ditos solos, cuja construção nenhum interesse público prossegue, violando, por isso, o Plano de Pormenor o regime jurídico da RAN.

Y. O PP também violou o PDM de Cascais, uma vez que não respeitou os parâmetros urbanísticos nele fixados, já que encontra-se provado [alínea x), pág. 36 e 37] o seguinte: “Considerando que a área de construção da urbanização de 2846 fogos é 381.350 m2, o índice de utilização bruto é 0,97 e a densidade habitacional 74,6 fogos/ha.

Assim conclui-se que, em matéria de parâmetros urbanísticos, o PP não está conforme ao PDM, violando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 40.º do seu regulamento, (Quando à alínea d) e salvo melhor opinião, não se devem considerar como edifícios de referência 12 edifícios com cércea de 19 metros)”. Resumindo, neste contexto o Plano de Pormenor (…) é nulo porque viola o Plano Diretor Municipal de Cascais”.

Z. O artigo 102.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (D.L. 380/99 ou RJIGT de 1999) prevê, expressamente, a figura da declaração administrativa de nulidade de planos municipais de ordenamento do território pelo que o Plano de Pormenor em causa poderia ser, como foi, objeto de uma declaração administrativa de nulidade.

AA. Sendo inerente ao regime da “nulidade”, por força do artigo 134.º, n.º 2, do CPA, a susceptibilidade de a mesma ser declarada, a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo e inexistindo lei expressa que vede aos órgãos próprios do Município, maxime à Assembleia Municipal, a declaração de invalidade dos atos, administrativos ou normativos, inseridos na sua esfera (exclusiva) de atribuições e competências, forçoso será reconhecer que a deliberação impugnada não está eivada dos vícios invocados pela Recorrente.

BB. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, é logicamente absurda a ocorrência de um conflito de interesses entre o mesmo órgão do município, ou seja entre a Assembleia Municipal antes e depois das eleições autárquicas de 2001, pela simples razão que a mudança de titulares do órgão não implica a existência de dois órgãos distintos com distintos interesses.

CC. A eventual divergência de opiniões jurídicas entre uma Direção Geral, integrada na pessoa coletiva Estado, e um Município não se reconduz a um qualquer conflito de interesses, uma vez que a elaboração e aprovação de planos municipais de ordenamento do território (como é o caso do Plano de Pormenor em apreço) constitui matéria da exclusiva competência dos municípios, e não do Estado, apenas a eles estando adstrita a prossecução do interesse público subjacente à feitura de tais planos.

DD. A afirmação de que a declaração de nulidade não comporta qualquer efeito indemnizatório, constante do ato recorrido, se não pretende sequer vincular a Recorrente, muito menos pretenderá vincular os tribunais.

EE. O teor do ato impugnado, naquilo que respeita ao dever de indemnização, resulta de um juízo formulado no exercício de uma competência de interpretação da lei, que todo e qualquer operador jurídico, incluindo a Administração, pode exercer, pelo que dele não se infere qualquer intuito de definição do direito com validade geral.

FF. Não se infere do artigo 150.º do D.L. 380/99 invocado na Declaração da DGOTDU que o registo nesta entidade pressuponha, ou exija, qualquer juízo sobre a conformidade legal do plano em causa, antes se concluindo que tal formalidade apenas se destina à constituição de uma base de dados de todos os instrumentos de gestão territorial, em ordem a permitir a respetiva “consulta de todos os interessados” (vide parte final do n.º 1 e n.º 3 do artigo 150.º do referido diploma).

GG. A publicação em Diário da República prevista no artigo 148.º do citado D.L. n.º 380/99 é condição de eficácia dos instrumentos de gestão territorial, igualmente não implicando qualquer apreciação prévia da legalidade dos mesmos.

HH. O facto do Plano de Pormenor ter sido registado na DGOTDU, e publicado no Diário da República, não significa, não atesta, nem demonstra, a plena conformidade daquele Plano com as normas legais e regulares aplicáveis, ou seja a validade do mesmo.

II. Não competia à DGOTDU emitir qualquer pronúncia, ou decisão, sobre a validade do Plano de Pormenor, pelo que a deliberação sindicada, ao abrigo das competências atribuídas à Assembleia Municipal de Cascais pelo n.º 1 do artigo 79.º do D.L. 380/99, não invadiu (contrariamente ao que alega a Recorrente) a “esfera de atribuições” do Estado, e, consequentemente, não padece tal deliberação dos vícios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA.

JJ. O procedimento administrativo que é realizado pela DGOTDU aquando do registo de um instrumento de gestão territorial de âmbito municipal não tem, nem poderia ter, por efeito cercear as competências dos órgãos municipais no tocante à declaração da nulidade dos seus atos ou deliberações, por força do princípio da autonomia autárquica, consagrado nos artigos 235.º e seguintes da Constituição.

KK. A tese da Recorrente quanto aos efeitos do registo do PP na DGOTDU corresponde a uma interpretação do artigo 150.º do D.L. 380/99 não conforme à Constituição, por violação dos princípios da autonomia do poder local consagrado nos artigos 235.º e seguintes do texto constitucional.

LL. A deliberação sindicada não enferma dos vícios previstos nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 133.º do CPA, não padecendo, por isso, da nulidade invocada pela Recorrente, pelo que nenhuma razão assiste à Recorrente, tendo a sentença recorrida feito correta interpretação da lei aplicável ao caso “sub judice”.

MM. Estatui o n.º 2 do artigo 102.º do RJIGT que: “Salvo menção expressa em contrário, acompanhada da necessária comunicação do dever de indemnizar, a declaração de nulidade não prejudica os efeitos dos atos administrativos entretanto praticados com base no plano”.

NN. O referido preceito estabelece uma regra geral segundo a qual, a declaração de nulidade de um plano de ordenamento do território (no caso o PP em apreço) não afeta os efeitos produzidos pelos atos administrativos que tenham sido praticados ao abrigo do plano, no período que mediou entre a entrada em vigor daquele e o momento em que foi proferida a decisão anulatória. Isto em obediência ao princípio “tempus regit actum”.

OO. A regra geral, consagrada no n.º 2 do artigo 102.º do RJIGT, apenas não será aplicável quando a declaração de nulidade determine, expressamente, o contrário, isto é que ficam prejudicados os atos administrativos praticados ao abrigo do plano agora invalidado.

PP. Assim, contrariamente ao alegado pela Recorrente, não determina o preceito em análise (n.º 2, do artigo 102.º do RJIGT) que seja nula uma declaração de nulidade de um plano de ordenamento que não contenha qualquer referência ao “dever de indemnização” a que fez alusão a referida norma do RJIGT.

QQ. Uma eventual omissão da comunicação do referido “dever de indemnização” nunca teria por efeito o afastamento, ou desaplicação, do regime jurídico que regula a responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas (nomeadamente dos municípios), uma vez que as normas jurídicas sempre prevalecem sobre os atos da Administração, fulminando de invalidade as decisões desta que violem as disposições legais aplicáveis.

RR. A deliberação em crise não afetou o conteúdo essencial de um direito fundamental da Recorrente, que, aliás, não se descortina qual seja uma vez que os instrumentos de gestão territorial, ao contrário dos atos administrativos, não são constitutivos de direitos subjetivos, pelo que não padece tal deliberação da nulidade prevista no artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA.

SS. De acordo com o regime geral da nulidade, consagrado no artigo 134.º do CPA, os atos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, pelo que o Plano de Pormenor agora em causa não gerou qualquer direito, e muito menos um direito fundamental, na esfera jurídica da Recorrente.

TT. Não era exigível que a deliberação sindicada contivesse a “comunicação do dever de indemnizar”, a que alude o n.º 2, do artigo 102.º do RJIGT, pelo que improcedente se mostra a invalidade alegada pela Recorrente.

UU. A petição inicial bem como as presentes Alegações sob resposta, demonstram, sem margem para dúvidas, que a Recorrente compreendeu, na perfeição, o conteúdo dos pareceres do Prof. Fausto Quadros e do urbanista Luís Neff que fundamentaram a deliberação impugnada, pelo que a Recorrente não teve qualquer dificuldade em descortinar quais os factos e normas jurídicas que fundamentaram a declaração de nulidade do Plano de Pormenor em causa.

VV. Improcede o alegado vício de falta de fundamentação da deliberação impugnada, porquanto, fundamentando-se esta nos pareceres emitidos pelo Prof. Dr. Fausto Quadros e pelo urbanista Luís Neff, a Recorrente bem conhecia as razões de facto e de direito em que o Município se baseou para decidir como decidiu, declarando a nulidade do Plano de Pormenor.

Termos em que a sentença recorrida não padece das nulidades invocadas pela Recorrente, tendo feito correta aplicação da lei, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”

13. Uma vez notificado, o Ministério Público emitiu Parecer pugnando pelo provimento do recurso e revogação da sentença do TAC de Lisboa e pela declaração de nulidade da deliberação impugnada.

14. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir


***

Fundamentação

- A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

“A) A Recorrente é proprietária de terrenos sitos no perímetro delimitado a sul pelo Estabelecimento Prisional de Tires e o Bairro de 16 de Novembro, a poente pela área sujeita ao aeródromo de Tires, a norte pela via longitudinal e a norte e nascente com a variante à E.N. 249 (cfr. proc. instrutor e admissão por acordo).

B) Em 09.02.1196, o Município de Cascais celebrou com a Recorrente e a C………….., S.A. um protocolo, ao abrigo do qual acordaram a constituição de uma parceria para a execução de um Programa Especial de Realojamento de famílias carenciadas (PER), em Cascais, com referência aos prédios denominados Quinta ……….. e Quinta …………., bem como prometeram a celebração de permuta de terrenos, protocolo cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr proc. instrutor e admissão por acordo).

C) Em 30.07.2006 e 25.11.2006, a Assembleia Municipal de Cascais aprovou o Plano Municipal de Cascais, que foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 96/97, de 19.06.1997, e publicado na I série do D.R. nº 139/97, de 19.06.1997 (cfr. proc. instrutor e admissão por acordo).

D) Mediante deliberação tomada em 28.05.1997, a Câmara Municipal de Cascais determinou a elaboração do “Plano de Pormenor para o Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário”, em Tires, no respeito das condicionantes previstas no artº 45, nº 2.4., do PDM, devendo o empreendimento residencial complementar respeitar o Protocolo estabelecido com a parceria privada, aprovado pela CMCascais (cfr proc. instrutor).

E) Os serviços técnicos da CMCascais procederam à elaboração do referido Plano de Pormenor, nele contemplando a implantação de unidade hospitalar e um empreendimento residencial na área territorial delimitada a sul pelo Estabelecimento Prisional de Tires e o Bairro de 16 de Novembro, a poente pela área sujeita ao aeródromo de Tires, a norte pela via longitudinal e a norte e nascente com a variante à E.N. 249 (cfr proc. instrutor).

F) Mediante deliberação tomada em 02.03.1999, após ter submetido o projeto a consulta das entidades, a CMCascais deliberou que a localização das vias, empreendimentos e construções a prever naquele Plano revestem interesse público, por consistirem na implementação de diretivas estipuladas pelo PDM - Plano Diretor Municipal e objetivos estratégicos definidos pela Autarquia, para as quais não se encontra, pela própria natureza das obras, alternativas de localização técnica e económica aceitável (cfr proc. instrutor).

G) Nessa sequência, a CMCascais solicitou ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, através da Comissão Regional de Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste, autorização para utilização para fins não agrícolas dos solos compreendidos na zona de intervenção e abrangidos pela RAN - Reserva Agrícola Nacional (cfr proc. instrutor).

H) Mediante deliberação tomada em 21.06.1999, a Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste, no concernente à estruturação urbanística e implementação do complexo do Hospital em Tires, emitiu parecer favorável ao pretendido, com a área de 307.000 m2, considerando tratar-se de obra de interesse público para a qual não se encontra alternativa de localização técnica e economicamente viável (cfr proc. instrutor).

I) Mediante deliberação tomada em 17.11.1999, a CMCascais deliberou aceitar o aludido projeto de Plano de Pormenor (cfr proc. instrutor).

J) Na sequência do pedido de autorização para utilização dos solos compreendidos na área de intervenção do PP - Plano de Pormenor e abrangidos na REN - Reserva Ecológica Nacional, formulado pela CMCascais ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, pelo despacho conjunto nº 434/2001, publicado no D.R. nº 113, de 16.05.2001, foi reconhecido o interesse público da construção do Hospital de Tires, na freguesia de São Domingos de Rana (cfr proc. instrutor).

K) Em 12.11.2001, a Assembleia Municipal de Cascais deliberou a aprovação do “Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário”, em Tires, no município de Cascais, publicada em anexo à declaração nº 371/A/2001, na II Série, do D.R. nº 290, de 17.12.2001 (cfr proc. instrutor).

L) O PP - Plano de Pormenor foi enviado para registo na Direção Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbanístico, onde foi objeto de análise e subsequente registo (cfr proc. instrutor).

M) Em Novembro de 2001, a aqui recorrente requereu à respetiva CMCascais a aprovação e o licenciamento de uma operação de loteamento com obras de urbanização para os terrenos referidos em A) integrados na área de intervenção do Plano de Pormenor aprovado (cfr proc. instrutor).

N) Por despacho proferido pelo Presidente da CMCascais, datado de 01.07.2002 foi aprovada a operação de loteamento e respetivas obras de urbanização incidentes nos prédios nele indicados (cfr proc. instrutor).

O) Em 08.01.2002, foi emitido o respetivo alvará de loteamento urbano nº 1266, em nome da ora Recorrente, cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr doc. de fls 20 a 34 dos autos, e fls. 9 a 23 do proc. instrutor).

P) Mediante o despacho nº 63/2002, proferido pelo Presidente da CMCascais, datado de 07.02.2002, foi declarado nulo o ato de autorização do loteamento urbano nº 1266, com fundamento no facto da autorização violar o PDM - Plano Diretor Municipal de Cascais, no tocante às condicionantes da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional, bem como o Plano de Pormenor ser nulo, violar a integridade do domínio público e do domínio privado municipal e padecer de impossibilidade física de objeto, despacho cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr doc. de fls 36 a 39 dos autos, proc. instrutor de fls 4 a 7).

Q) A Recorrente interpôs recurso contencioso do despacho nº 63/2002 do Presidente da CMCascais e da deliberação da CMCascais de 18.02.2002 (cfr proc. instrutor).

R) Em 15.01.2005, foi proferida sentença nos autos sob o nº 164/02, da 2ª secção, do então TAFL - Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, já transitada em julgado, que anulou o despacho proferido pelo Presidente da CMCascais, nº 63/2002, datado de 07.02.2002, anulação fundamentada em falta de fundamentação, e sentença cujo teor aqui se dá por reproduzido (cfr certidão de fls 732 a 753 dos autos).

S) Em 08.02.2002, o Presidente da CMCascais propôs à Câmara que delibere apresentar à Assembleia Municipal a declaração de nulidade do “Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário de Tires”, publicado no DR, II Série, nº 290, suplemento de 17.12.2001 (cfr proc. instrutor).

T) Em 18.02.2002, a CMCascais deliberou aprovar a proposta do Presidente da Câmara, de declaração de nulidade do Plano de Pormenor, e submeteu-a à Assembleia Municipal de Cascais (cfr proc. instrutor).

U) Em 17.04.2002, mediante o ofício nº 17668, o Presidente da CMCascais requereu à Direção Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano, com carácter de urgência, a reapreciação do processo e das informações daquela Direção Geral que conduziram ao registo do Plano de Pormenor, solicitando a elaboração de informação técnica rigorosa sobre a conformidade do Plano de Pormenor com o PDMC - Plano Diretor Municipal de Cascais e declare a nulidade do ato de registo, procedendo ao cancelamento do mesmo e dando do facto a devida publicação em Diário da República (cfr proc. instrutor).

V) Em resposta, ao solicitado supra, pelo oficio nº 375/DSGPPOJ, a Direção Geral do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Urbano, após reapreciação do processo, concluiu que, no que respeita à RAN - Reserva Agrícola Nacional, o seu regime foi respeitado pelo PP - Plano de Pormenor e, relativamente à REN - Reserva Ecológica Nacional, o regime jurídico desta reserva também foi salvaguardado, julgando-se não haver desconformidade do PP - Plano de Pormenor com o PDM - Plano Diretor Municipal (cfr proc. instrutor).

W) Em 29.04.2002, por deliberação da Assembleia Municipal de Cascais foi aprovada a proposta da CMCascais e declarada a nulidade do “Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário de Tires”, deliberação cujo teor aqui se dá por reproduzido, fundamentada nos pareceres emitidos pelo Professor Doutor Fausto Quadros e o urbanista Luís Neff: “...os pareceres técnicos do professor catedrático Fausto Quadros e do urbanista Luís Neff, segundo os quais o Plano de Pormenor viola o Plano Diretor Municipal (PDM), no que toca às condicionantes da Reserva Agrícola de Cascais (RAN) e Reserva Agrícola Nacional (REN), em matéria de parâmetros urbanísticos e de delimitação e caracterização dos Espaços de Desenvolvimento Estratégico” (cfr doc. de fls 199 a 201 dos autos, e proc. instrutor/ pasta 2):

X) O parecer técnico emitido pelo Professor Doutor Fausto Quadros, tem o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:

“(…) 4. Além disso, porém, o PP passou por cima (isto é, ignorou) o PDM de Cascais em aspetos importantes: ou seja, não respeitou as áreas da RAN e da REN que constavam do PDM.

Por outro lado, o loteamento autorizado não reparou que alguns lotes criados são manifestamente inadequados à pretensão urbanística visada, devido à sua muito pequena dimensão.

E, além disso, o loteamento, tal como foi autorizado, englobou terrenos que são, sem qualquer dúvida, património do município: ou do seu domínio privado, ou, mesmo, do seu domínio público, como foi o caso de vias públicas de comunicação. (…)

Ora, pelos elementos que nos foram fornecidos, da aprovação do PP, em causa neste parecer, pela Assembleia Municipal, não existe ata aprovada, nem mesmo em minuta redigida e assinada na própria reunião em que o PP foi aprovado.

Isto quer dizer que o PP, por força do citado art. 27º, nº 4, do CPA, é ineficaz, isto é, não produz quaisquer efeitos. Concretamente, não pode ser invocado e aplicado pela Administração Pública e pelos Tribunais, e também não pode ser invocado perante a Administração ou perante os Tribunais por quem dele se pretenda servir.

Por isso, este parecer poderia dar-se por concluído aqui. De facto, se o PP não produz efeitos, todo o procedimento de autorização administrativa iniciado PP, em causa neste parecer, pela Assembleia Municipal, não existe ata aprovada, nem mesmo em minuta redigida e assinada na própria reunião em que o PP foi aprovado.

Isto quer dizer que o PP, por força do citado art 27º, nº 4, do CPA, é ineficaz, isto é, não produz quaisquer efeitos. Concretamente, não pode ser invocado e aplicado pela Administração Pública e pelos Tribunais, e também não pode ser invocado perante a Administração ou perante os Tribunais por quem dele se pretenda servir.

Por isso, este parecer poderia dar-se por concluído aqui. De facto, se o PP não produz efeitos, todo o procedimento de autorização administrativa iniciado domínio da sua própria validade.

II - A nulidade do Plano de Pormenor 9. A nosso ver, o PP é inválido, sob a forma de nulidade absoluta.

Vejamos.

Como se explicou atrás, o PP divergiu do PDM enquanto não englobou as condicionantes da RAN e da REN que faziam parte deste último.(…)

12. Mas há outra fonte de nulidade que inquina o PP.

De facto, ele não respeita nem a RAN nem a REN, como se disse. Ora, isso, por qualquer desses fundamentos, gera a nulidade do PP, também aqui com base no já citado art. 102º nº 1, do Decreto-Lei nº 380/99. A nulidade do PP por relação com a RAN e a REN resulta, pois, por duas vias: pela violação pelo PP do PDM, enquanto este, nas suas condicionantes, acolhe áreas da RAN e da REN; e pela violação do art.9º do Decreto-Lei n 196/89, de 14 de Junho (quanto à RAN), e do art. 4º, n 1, do Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março (quanto à REN). Mesmo que tenha havido algum ato de destaque da RAN e da REN da área abrangida pela operação de loteamento em apreço (ato ao qual, todavia, não se refere a Consulta e, por isso, não se crê que tenha havido), a violação pelo PP da RAN e da REN não fica afastada, porque o PP devia conformar-se com o PDM e não o fez, já que é um facto incontroverso que este delimita áreas da RAN e da REN. O ato de destaque, se existir, não produzirá, pois, quaisquer efeitos nesta matéria.

Portanto, também por esta via o PP ignora a RAN e a REN e, portanto, é insanavelmente nulo.

(…) 15. A dúvida quanto à existência jurídica do ato de autorização começa logo como uma consequência do facto de o PP não ter sido levado à ata da respetiva reunião da Assembleia Municipal. Como atrás se demonstrou, por imperativo legal resulta daí a ineficácia do PP. Pois bem: o PP, privado da sua eficácia, isto é, da capacidade de produzir efeitos, não podia gerar o ato de autorização em questão. Por outras palavras, o ato de autorização pretende ser um eleito de um PP que está impedido, por lei, de produzir efeitos, logo, o ato de autorização não pode ser conhecido nem levado em conta pela Ordem Jurídica. Tem de ser por esta ignorado. É neste sentido radical que temos que afirmar que o ato de autorização, para todos os efeitos, inexiste, não existe. Esta inexistência não carece de declaração expressa nesse sentido (…). De qualquer modo, mesmo sem a declaração da sua inexistência, o ato de autorização, pelas razões apontadas, não pode ser invocado nem pela Administração, nem pelos Tribunais, nem pelos interessados.

(…) 20. Outra nulidade do PP tem raiz no art. 133º nº 2, al. c, do CPA, enquanto este prescreve a sanção da nulidade para os atos ‘cujo objeto seja impossível’.

De facto, a nulidade provinda da impossibilidade do objeto consiste naquilo que a doutrina7 e a jurisprudência8 chamam de “nulidade por natureza”, ou seja, nulidade pela ordem natural das coisas. Com efeito, se o objeto de um ato jurídico é impossível, o ato é nulo por falta de um elemento essencial do ato - princípio que, aliás, nessa formulação já resultava do nº 1 do mesmo art. 133º do CPA.

A impossibilidade do objeto do ato de autorização do loteamento resulta do facto de, na pressa e na precipitação em que foi praticado, este não ter reparado que alguns lotes, pela sua exígua dimensão, se tomaram manifestamente desadequados aos fins urbanísticos pretendidos. De facto, pelos elementos que a Consulente nos facultou, verificamos que existem lotes de 5 m2 e de 10 m2.

21. Em Direito Administrativo, a competência para declarar a nulidade de um regulamento (como é o caso de um plano de ordenamento) ou de um ato administrativo cabe a quem tem competência para o praticar.

O PP é aprovado pela Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, por força do art. 20º, nº 4, da Lei nº 48/98, de 11 de Agosto, e do art. 79º, nº l, do Decreto-Lei n° 380/99. É, pois, nesses termos exatos que deve ser declarada a sua nulidade.

Ou seja, a Câmara Municipal, por iniciativa de qualquer dos seus membros (por exemplo, do seu Presidente), deve propor à Assembleia Municipal que declare a nulidade do PP, fundamentando essa declaração nos motivos geradores dessa nulidade. É o que se deverá fazer neste caso concreto, caso não se fique pela simples constatação da ineficácia do PP pela ausência da ata da sua aprovação - e nós propusemos atrás que não se fique por aí, tendo demonstrado porquê pensamos assim.

I - Competência para declarar a inexistência ou a nulidade do ato de autorização

22. Como atrás se disse, tanto a inexistência como a nulidade não carecem de ser declaradas. De qualquer modo, a declaração torna a situação mais clara para a comunidade jurídica. Pergunta-se então: quem tem competência para declarar a inexistência ou a nulidade do ato de autorização em apreço?

Pelo que decorre das disposições conjugadas dos arts. 3º, al. c), e 5º, nº 2, do Decreto-lei nº 555/99, a competência para declarar a nulidade da autorização da operação de loteamento em apreciação neste parecer é competência própria do presidente da câmara, podendo, todavia, ser delegada nos agentes referidos no último daqueles preceitos.

Pode, pois, neste caso, o Presidente da Câmara de Cascais declarar, de imediato, a nulidade (e, por maioria de razão, a inexistência) do ato de autorização do loteamento em causa, sem outras formalidades adicionais, ou, se preferir, delegar essa competência.

O CPA acolheu formalmente esta construção tradicional, como se vê pelo seu art. 134º, nºs 1 e 2. O Autor do Código, FREITAS DO AMARAL, explica o disposto naquelas disposições desta forma linear: “A característica fundamental da nulidade é a inaptidão intrínseca do ato para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, pelo que quer os particulares, quer os próprios funcionários têm o direito de desobedecer a um ato nulo e de opor resistência à sua execução. Em consequência daquela inaptidão, a nulidade é invocável a todo o tempo. E no mesmo sentido opina outro comentador do CPA.(…)

Repete-se que a nulidade do PP ou do ato de autorização não depende da sua declaração. Mas a declaração terá a vantagem de deixar claro, perante os possíveis interessados de boa-fé, que o ato de autorização é nulo, com todas as consequências daí advenientes, designadamente de que não vale a pena contar com o ato de autorização para, um dia mais tarde, fazer nascer infundadas expectativas.

Note-se que o nº 2 do art. 102º do Decreto-Lei nº 380/99 se aplica aos planos nulos mas não se aplica aos atos administrativos praticados com base nos planos nulos. Por isso, o art. 103º não contém um nº 2 igual ao do art. 102º.

De qualquer forma, por razões de prudência, e em função, quer do teor da parte final do referido nº 2 do art. 102º, quer do nº 3 do art. 134º do CPA, a declaração de nulidade a proferir tanto do PP como do ato de autorização deverá deixar claro que essa declaração engloba o não reconhecimento, tanto ao PP como ao ato de autorização, desde a data da sua prática, de quaisquer efeitos jurídicos, inclusive o dever de indemnizar. Embora não fosse necessária, essa afirmação deixará tudo claro. E não poderia ser porque tanto o PP como o ato de autorização são nulos, eles não produzem, desde a sua prática, quaisquer efeitos jurídicos, incluindo o dever de indemnizar seja quem for; e não faz sentido falar aqui da possibilidade de atribuição de quaisquer efeitos jurídicos (incluindo o dever de indemnizar) a qualquer situação de facto decorrente ou do PP ou do ato de autorização, porque nem há situações de facto consolidadas, nem há boa fé. (…)

28. Há que ouvir o beneficiário do ato de autorização previamente à declaração de nulidade e de inexistência daquele ato?

Em nosso entender, não.

Pensamos que o princípio geral, contido no art. 100º do CPA, sofre neste caso pelo menos a exceção que o próprio CPA admite, no art 103º, nº 1, al. o), ou seja, da urgência da decisão (se não também a exceção da al. b) do mesmo preceito).

De facto, a decisão de declarar a nulidade é urgente, para não dizer muito urgente, a vários títulos:

- existe o perigo de o destinatário do ato de autorização iniciar quaisquer operações ou atividades que comprometam o destino dos terrenos, inclusive daqueles que fazem, segundo o PDM, parte da RAN ou da REN, e daqueles que pertencem ao património do município, inclusive ao seu domínio público; existe, assim, o perigo de se criarem situações de dano grave, irreversível e irreparável para o interesse público;

- existe o perigo de eventualmente se constituírem expectativas infundadas da parte de terceiros de boa fé, mesmo se, como atrás se demonstrou, a boa fé destes não dispensa cautelas que, pelo critério do homem prudente, devem ser tomadas em situações deste tipo.

Conclusões:

Do que fica atrás exposto, há que extrair, em síntese, as seguintes conclusões:

1ª - todo o procedimento administrativo, que se iniciou com a aprovação do Plano de Pormenor (PP) e se concluiu com a prática do ato de autorização administrativa, fornece indícios seguros e graves de violação consciente e persistente de princípios gerais de Direito que devem pautar tanto a atuação da Administração Pública, portanto, também do Município, como também as relações recíprocas entre a Administração e os particulares, e que, como tais, se encontram consagrados na Constituição e no CPA, designadamente, os princípios da prossecução do interesse público, do dever de boa administração, da legalidade, da boa fé, da justiça, da isenção e da imparcialidade;

2ª - o PP é ineficaz, isto é, não produz quaisquer efeitos jurídicos, porque não existe ata da sua aprovação pela Assembleia Municipal;

3ª - sendo o PP ineficaz, todo o procedimento administrativo de autorização e, concretamente, o ato de autorização administrativa, que se fundam naquele Plano, não existem e não relevam para o Direito.

4ª - podia-se, pois, ficar por aqui porque a questão morre aqui. Mas, por prudência, ir-se-á demonstrar que os vícios do PP e do ato de autorização os afetam no domínio profundo da validade e não só da eficácia;

5ª - o PP é nulo porque não respeita o PDM de Cascais no que diz respeito às condicionantes da RAN e da REN;

6ª - um ato jurídico nulo não produz, desde a data da sua prática, quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da sua nulidade. Mas convém que a nulidade seja declarada para que seja do conhecimento da comunidade jurídica;

7ª - é competente para declarar a nulidade do PP a Assembleia Municipal, sob proposta da Câmara Municipal, que, por sua vez, pode apresentar essa proposta por iniciativa de qualquer dos seus membros, inclusive do Presidente da Câmara;

8ª - o ato de autorização administrativa é nulo, e a dois títulos; porque viola diretamente o PDM de Cascais enquanto não respeita este no que diz respeito às condicionantes da RAN e da REN; e também porque, fundando-se no PP e sendo um ato consequente deste, infringe o PDM na exata medida em que o PP se encontra em desconformidade com o PDM no que toca àquelas condicionantes;

9ª - aquele ato é também nulo porque viola o regime da RAN;

10ª - aquele ato é, ainda, nulo porque viola o regime da REN;

11ª - o ato de autorização é, além disso, nulo também na medida em que tem objeto impossível, traduzido na criação de alguns lotes de dimensão tão pequena que eles se tornam manifestamente desadequados aos fins urbanísticos pretendidos;

12ª - o ato de autorização é, além disso, juridicamente inexistente, na medida em que o loteamento autorizado abrange terrenos do domínio privado do município e até terrenos do domínio público do município (que, por natureza, são inoneráveis e inalienáveis), traduzidos em vias de comunicação;

13ª - embora tal não seja necessário à luz da teoria geral da validade dos atos jurídicos, acolhida pelo Direito Administrativo nos nºs 1 e 2 do art. 134º do CPA, e de harmonia com a qual o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, convém, em face da redação do art. 102º, nº 2, do Decreto-Lei nº 380/99, que a declaração de nulidade tanto do PP como do ato de autorização contenha a afirmação expressa de que ela engloba o não reconhecimento a um e a outro, desde a data da sua prática, de quaisquer efeitos jurídicos, inclusive o dever de indemnizar. Concretamente, não estão aqui, de forma alguma, reunidos os requisitos que permitiriam à Administração lançar eventualmente mão da possibilidade prevista no art. 134º nº 3 do CPA;

14ª - todavia, na medida em que o PP e o ato de autorização são juridicamente inexistentes, aí é óbvio e manifesto que não existe qualquer possibilidade de a declaração da inexistência jurídica ressalvar quaisquer efeitos jurídicos a um ou ao outro;

15ª - à face da lei, é competente para declarar a nulidade do ato de automação o Presidente da Câmara, que, todavia, pode delegar essa competência;

16ª - não existe neste caso dever de audiência prévia do interessado porque estão reunidos os requisitos da dispensa da audiência que a lei prevê com fundamento na urgência da decisão, neste caso, da decisão de declaração de nulidade e de inexistência;

17ª - declarada a nulidade do ato de autorização, deve dar-se imediato conhecimento do facto à Conservatória do Registo Predial de Cascais para que esta evite que se inscrevam no registo situações pretensamente geradoras de direitos fundados naquele ato, situações que seriam, sempre, nulas ou inexistentes porque baseadas num ato nulo ou inexistente;

18ª - tanto a aprovação do PP, como o procedimento administrativo da autorização administrativa, como o próprio ato de autorização, fazem suscitar questões de responsabilidade de vária ordem, que justificam, como se provou ao longo deste parecer, que, se assim a Câmara entender, se dê conhecimento dos respetivos factos à Procuradoria-Geral da República, aos Ministérios da Agricultura e do Ambiente e à Inspeção-Geral da Administração do Território, e que se ordene um inquérito aos serviços municipais em causa para o efeito de eventual efetivação de responsabilidade disciplinar. Caso a Câmara se queira esclarecer acerca da eventual responsabilidade criminal e civil de atuais ou antigos titulares de órgãos municipais por danos eventualmente causados ao Município de Cascais com os atos em questão sugere-se que se colha a opinião de especialistas em Direito Penal e em Direito Civil”;

X) O parecer técnico emitido pelo urbanista Luís António Neff, tem o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se extrai o seguinte:

“(…) Em traços muito gerais as principais irregularidades detetadas no Plano de Pormenor, no qual assenta a autorização da referida operação de loteamento, dizem respeito à Violação do Plano Diretor Municipal de Cascais, (adiante designado por PDM), no que respeita às suas Condicionantes, incluindo a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional e também ao incumprimento do Regulamento do PDM, nomeadamente em relação aos seus parâmetros urbanísticos.

Na operação de loteamento também se observa a violação da RAN, REN e de parâmetros urbanísticos do PDM a ainda a utilização de terrenos dos domínios público e privado municipais.

I - O Plano de Pormenor

No arranque da elaboração deste Plano de Pormenor estava em vigor o Decreto-Lei nº 69/90 de 2 de Março - o qual seria revogado pelo Decreto-Lei nº 380/99 de 22 de Setembro.

Assim, no caso presente "valem" ambos os diplomas legais, em fases distintas, visto que o artigo 152º do D.L. nº 380/99 esclarece que as suas regras se aplicam à elaboração e aprovação (...) de qualquer instrumento de gestão territorial que se encontre em curso à data da respetiva entrada em vigor. (…)

Lê-se no número 1 do Artigo 2º do Decreto de Lei 69/90, de 2 de Março, que os planos de pormenor tratam, em detalhe, áreas urbanas e urbanizáveis, podendo também abranger áreas não urbanizáveis intermédias ou envolventes daquelas.

O nº 1 do Artigo 90º do Decreto de Lei 380/99, de 22 de Setembro, define o objeto de um plano de pormenor, esclarecendo que este "(...) desenvolve e concretiza propostas de organização espacial de qualquer área específica do território municipal definindo com detalhe a conceção da forma de ocupação(...)".

A primeira leitura que faço do Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em Tires é que ele é muito mais um vulgar projeto de operação urbanística do que um Plano de Pormenor propriamente dito. De facto nele não se encontra nenhuma implantação de qualquer equipamento público que o plano, supostamente, visava prioritariamente.

Qual a razão que justifica a total ausência da implantação dos equipamentos Hospitalar, Escolar, Desportivo, Cemitério, Social, Cultural e Religioso? A não existência de pormenor nestas áreas do projeto do Plano de Pormenor retira-lhe todo o sentido.

O pormenor existe no desenho de 2846 fogos dispostos até à última centésima dos parâmetros urbanísticos - os quais, como adiante irei demonstrar, não foram corretamente calculados.

A tramitação utilizada também não foi a que está prevista nos Decretos de Lei nº 69/90 e 380/99. Por exemplo não existe parecer final (escrito) sobre o projeto do Plano de Pormenor que deveria ter sido emitido, na altura, peia CCRLVT, (hoje seria a DRAOT a emitir esse parecer fundamental para inclusivamente se aferir da sua conformidade com o PDM...).

O Plano de Pormenor foi aprovado em 12/11/2001 numa (agitada) reunião da Assembleia Municipal de Cascais, sem aquele parecer essencial...

Se no acompanhamento da elaboração do Plano de Pormenor falhou o parecer final da CCRLVT, quanto à ponderação da Câmara Municipal dos resultados do Inquérito Público é de referir que este procedimento foi, no mínimo, precipitado.

Não entrando em detalhe, bastará dizer que diversos particulares, incluindo técnicos na área do Urbanismo, algumas associações desportivas e de bairros de génese ilegal, movimentos cívicos de defesa do ambiente, como a Fundação Cascais ou o Mov Cascais, resolveram entregar a sua participação no último dia do Inquérito Público, 12 de Outubro de 2001, na Câmara Municipal de Cascais ou na Junta de Freguesia de São Domingos de Rana, totalizando várias dezenas de páginas com textos e que, tudo isto foi "ponderado" pelos serviços técnicos do município no mesmo dia 12, (sexta-feira), tendo o executivo aprovado e remetido aquele documento e o projeto final do Plano de Pormenor à Assembleia Municipal no dia 17 sequente.

Finalmente o Plano de Pormenor foi registado na DGOT-DU em 17/12/2001 mas não foi ratificado pelo Conselho de Ministros.

Este é, em minha opinião, um aspeto determinante neste processo. Tendo em atenção os diplomas legais supra referidos é meu entendimento que sem ter ocorrido esta ratificação o Plano de Pormenor é nulo, simplesmente porque ele não foi ratificado e não é conforme ao PDM de Cascais. (O Artigo 80º do Decreto-Lei 380/99 veio a permitir que o Governo ratifique um Plano de Pormenor desconforme com o Plano Diretor Municipal, exigindo-se para tal o parecer favorável da Comissão de Coordenação Regional).

No nº 1 do artigo 45º do regulamento do Plano Diretor Municipal de Cascais, referente à delimitação e caracterização da classe de Espaços de Desenvolvimento Estratégico, na qual está incluído este Plano de Pormenor, lê-se que aqueles espaços "podem vir a adquirir as características de espaços urbanos, urbanizáveis ou outras desde que a sua implementação seja precedida da elaboração e ratificação de plano de pormenor, nos termos definidos no DL. n 69/90, de 2 de Março".

Entretanto entrou em vigor o DL. 380/99 de 22 de Setembro. Para que um Plano de Pormenor que não cumpre o previsto no PDM nomeadamente em matéria de condicionantes, se tome eficaz, é sempre necessária aquela ratificação.

No despacho conjunto nº 434/2001 de 16/05 dos Ministérios da Saúde e do Ambiente que autoriza a construção da Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em 2,35 ha da Reserva Ecológica Nacional existente na área do Plano de Pormenor está escrito que a implementação do Hospital naquele local depende da prévia ratificação do Plano de Pormenor.

Curiosamente refira-se que num documento datado de 7 de Julho de 1999, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, enviado à CMC em 26/09/2000 e 9/01/2001, respeitante às exceções do regime jurídico da REN e à definição de Normas sobre os processos para Declaração de Interesse Público lê-se, no seu ponto 9, que "não serão de considerar as iniciativas que se enquadrem territorialmente no âmbito de Planos de Pormenor ou Planos de Urbanização em elaboração".

No caso presente o pedido de declaração de Interesse público foi mesmo realizado com o Plano de Pormenor em elaboração.

A fase de elaboração deste plano concluiu-se apenas com a aprovação da respetiva proposta pela Assembleia Municipal, (embora a DGOT-DU tenha produzido alterações que considero significativas ao Plano de Pormenor, não tendo estas sido ratificadas pela Assembleia Municipal de Cascais).

Na última reunião entre algumas das entidades que emitiram parecer sobre o Plano de Pormenor do Hospital - que decorreu nas instalações da Comissão de Coordenação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, no dia 2 de Junho de 2000 - o consultor jurídico da Câmara Municipal de Cascais, Dr. Quelhas da Costa, disse mesmo que "ainda se encontram a decorrer dois processos paralelos, a elaboração do Plano de Pormenor e o pedido de declaração de interesse público".

Parece-me que com o Plano de Pormenor em fase de elaboração a forma correta de ter avançado com a construção do Hospital em solos da Reserva Ecológica Nacional, teria sido, salvo melhor opinião, a desafetação dos solos da REN, a ratificação do plano e a consequente alteração das Cartas daquela Reserva e de Condicionantes do PDM.

Em relação à Reserva Agrícola a respetiva Comissão Regional deliberou, em 21 de Junho de 1999, autorizar a utilização não agrícola de 307,030m2 de solos RAN Inseridos no Plano de Pormenor; (ofício nº 1546 de 29/06/99).

Neste ofício a Comissão regista que "ficou provado tratar-se de uma obra de interesse público para a qual não se encontra alternativa de localização técnica e economicamente viável".

Sendo evidente que a Comissão se está a referir ao Hospital, sucede que a maior parte desta autorização incidiu nos terrenos da urbanização do Plano de Pormenor, onde se localizam os 2846 fogos projetados na última versão do plano.

Como se pode facilmente comprovar nas plantas produzidas para o efeito desta informação, e que se anexam a este parecer, a área de solos da RAN dentro dos limites da urbanização apresentada no Plano de Pormenor e no Loteamento é superior a metade da área de implantação daquela urbanização! Esta área da RAN, no Plano de Pormenor é de cerca de 477.000 m2 - o que foi escamoteado quer na "Planta de Condicionantes Atualizada", folha 04, quer na "Planta de Síntese", folha 07 - onde se lê na respetiva legenda que a área afeta a RAN e à REN é igual a 117.245m2!

Assim, face ao disposto no Artigo 9º do Decreto-Lei nº 196/89 de 14 de Junho, com as alterações Introduzidas pelos Decretos de Lei números 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95 de 25 de Outubro, julgo ser de contestar aquela autorização de Junho de 1999, emitida pela CRRARO. E evidente que aquela urbanização não se "encaixa" em nenhum dos cenários identificados no nº 2 do artigo supra citado.

Para além deste aparente equívoco da CRRARO - que deve ter pensado que a sua autorização recaía em terrenos do Hospital, é de mencionar que ficaram de fora daquele parecer favorável e dentro do Plano de Pormenor outros 169.970m2 correspondentes a solos incluídos na Reserva Agrícola Nacional, conforme vou passar a descrever em cada uma das áreas componentes do Plano de Pormenor, Incluindo a zona do designado EQ1 - a unidade Hospitalar e de Ensino Universitário.

IX - Condicionantes na área do Hospital

Em 16 de Maio de 2001 o despacho conjunto nº 434/2001 dos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Ordenamento do Território declarou o interesse público do Hospital Distrital de Tires, mas autorizando apenas a ocupação de 23.500m2 de solos da Reserva Ecológica Nacional.

Na última versão do PP ficou estabelecida como zona do Equipamento 1, EQ1, correspondente ao Equipamento de Saúde, uma área próxima do Aeródromo de Tires, com 177.990m2.

Na área do EQ1 existem 80.700m2 de Reserva Ecológica Nacional incluindo os 23.500m2 identificados no despacho conjunto. Na restante área do PP também há terrenos da REN sem qualquer autorização que permita "construção", nomeadamente nos Equipamentos 2 e 3, aos quais me vou referir mais tarde neste parecer.

No EQ1 também se contabilizam cerca de 80.700m2 de solos da Reserva Agrícola Nacional para além dos 307.030m2 de RAN, existentes na área do PP, que mereceram da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste, (CRRARO), uma autorização para utilização não agrícola.

Na área do EQl existem outras condicionantes Importantes dada a proximidade do Aeroporto de Tires, incluindo zonas Non Aedificandi, áreas de maior risco estatístico de acidente (AMREA) e zonas de ruído elevado, (superior a 55dB - numa faixa de 300m a contar do eixo da pista do Aeródromo), como se pode constatar no ofício ANA, Aeroportos de Portugal, nº 267/C.A. de 16/03/2000 e na planta esquemática com as restrições aeronáuticas, à qual juntámos cores para facilitar a leitura.

Resulta da aplicação das condicionantes aeronáuticas, do ruído e das Reservas Agrícola e Ecológica que o terreno EQl, com 177.990m2, se "transforma" noutro muito menor, com 66.500m2 - correspondente à área de implantação máxima do Equipamento de Saúde. (Estes descontos das "áreas condicionadas" ainda não incluíram a mancha do Domínio Hídrico da ribeira, ou a respectiva área Non Aedificandi - por estabelecer - nem a significativa perda de espaço resultante do atravessamento da estrada que daria acesso ao Hospital, nem a existência de um posto de abastecimento de combustível - a norte e junto ao EQl.

Portanto, a zona de implantação máxima da Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário ainda é significativamente inferior àqueles 66.500m2 onde supostamente seria viável localizar um Hospital com cerca de 400 camas.

Sublinhe-se que foram os representantes desta Câmara, (autores do projeto do Plano de Pormenor), quem, na última reunião conjunta coordenada pela CCRLVT, em 2 de Junho de 2000, e em resposta à Direção Regional do Ambiente afirmaram, sobre a questão do ruído que “a proposta de localização do Hospital está para além da linha dos 55dB".

Na reunião supra citada, após os "avisos" da Sra. vice-presidente da CCRLVT, preocupada com a persistente indefinição da implantação do hospital no PP, foi dito pelo representante da Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES) que não era possível àquela entidade indicar um polígono (de implantação do Hospital) dado não haver programa funcional. De qualquer modo, “(...) analisado o Despacho da Sra. Ministra da Saúde, datado de 17 de janeiro de 2000, este foi concordante em relação à informação nº 01/00 da DGIES, referindo explicitamente o Diretor de Serviços que «o parecer em anexo, com o qual concordo, conclui que o Plano de Pormenor em apreço não deve ser aprovado enquanto o terreno destinado ao Hospital não estiver desafetado da Reserva Ecológica Nacional»”.

De facto, o terreno destinado ao Hospital não foi desafetado da Reserva Ecológica Nacional.

A desafetação de terrenos da REN no PP, cuja parte substancial se localiza a Nascente no terreno do EQ1, (portanto fora da zona de ruído superior aos 5S dB), seria fundamental para a instalação do Equipamento de Saúde, face aos constrangimentos que resultam das várias condicionantes no local e atendendo a que o projeto de regularização da ribeira ……….. permitiria a revisão “em baixa” da mancha da Reserva Ecológica e do Domínio Hídrico.

É importante perceber que os edifícios daquele equipamento se vão projetar em “estratégia horizontal”.

O Equipamento de Saúde vai precisar de uma área considerável como base de Implantação, porque não poderá ultrapassar os quatro pisos, devido às limitações impostas pelo Regulamento do PDM de Cascais, como foi esclarecido por um técnico superior da DGIES.

Deste modo conclui-se que aqueles terrenos da Reserva Ecológica Nacional na zona do EQ1 não foram desafetados e devem ser indispensáveis à construção daquele Equipamento.

XXX - Condicionantes na área do Complexo Desportivo

O Equipamento Desportivo, EQ3, situa-se num terreno com 41.300m2, O EQ3 também foi projetado em cima de terrenos da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional.

As principais condicionantes do Equipamento Desportivo são a REN, (25.500m2), a ribeira ……… a nascente e as condicionantes aeronáuticas das zonas catalogadas como "A", "B" e "2" da servidão de obstáculos - a poente.

No Plano de Equipamentos Desportivos elaborado pelo Departamento de Planeamento Estratégico da CMC prevê-se no EQ3, no denominado "Complexo de Tires", a construção dos equipamentos descritos no documento anexo, onde constam nomeadamente dois campos de futebol, (sendo um de relva sintética), um pavilhão e um polidesportivo.

A área total de implantação do "Complexo de Tires" previsto no plano de equipamentos supra citado é de 37.768m2, (o total da área do EQ3 é 41.300m2).

Porque é que este Complexo Desportivo, projetado pelo DPE na mesma altura em que desenvolvia o Plano de Pormenor não foi transposto para o PP?

Ao contrário das indicações dos técnicos CCRLVT, a Direção Regional do Ambiente nunca verificou "(…) a compatibilidade dos equipamentos desportivos com a REN para o que necessitava aquela entidade da especificação dos referidos equipamentos)”.

Sucede que as especificações do “Complexo de Tires” não são minimamente compatíveis com as condicionantes no EQ3.

Sem violação da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional não é possível construir um complexo desportivo com as dimensões e o equipamento adequados para a prática de diferentes modalidades desportivas.

Face às condicionantes existentes no EQ3 não é possível cumprir o programa previsto no Plano de Pormenor para aquela área.

III - Condicionantes na área do Cemitério

Em relação à localização do Equipamento Cemitério, EQ4, regista-se que o terreno tem 81.740m2, dos quais, em matéria de condicionantes, se observam 39.000m2 de Reserva Agrícola Nacional, (48% da área total do EQ4), estando a restante área inscrita na carta de ordenamento do PDM como Proteção e Enquadramento.

Acresce que, no EQ4, cerca de 77.500m2, (95% do total da sua área), coincidem com a zona "A" - a área de maior risco estatístico de acidente do Aeródromo. Do ofício 267/C.A. da ANA retira-se que se por um lado aquela entidade dá um parecer favorável condicionado ao projeto do PP, por outro deixa claro que na Zona A “(...) não se recomenda a existência de construções ou atividades que promovam ajuntamentos populacionais (...)”.

O facto é que um Cemitério não promove apenas o “ajuntamento" de mortos e, apesar das recomendações da ANA, permaneceu sempre no mesmo local nas diversas versões deste Plano de Pormenor. Quanto à existência em cerca de metade do terreno do EQ4 de solos da Reserva Agrícola Nacional esta situação cruza-se ainda com a presença de terrenos do Domínio Hídrico de um afluente da ribeira ……….. que estranhamente não foi objeto de qualquer parecer do INAG ao contrário da ribeira ………., sua vizinha a nascente.

Falta esclarecer que do traçado viário previsto no PP, a maior parte da estrada a poente do Cemitério (que está junto à ribeira "ignorada" pelo INAG e que não tem Espaço Canal definido no PDM), encontra-se sobre terrenos da RAN não desafetados nem com autorização da comissão CRRARO.

A conclusão que se retira dos dados disponíveis sobre as condicionantes Hídrica, da Reserva Agrícola Nacional e do Aeródromo é a Impossibilidade da construção do Cemitério no terreno definido no PP para este equipamento (sem que se violem as condicionantes referidas).

IV - Condicionantes na área da Urbanização e cálculo dos seus Parâmetros Urbanísticos

A urbanização localiza-se, em grande percentagem, sobre terrenos da Reserva Agrícola Nacional.

Foi emitida, em Junho de 1999, pela Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste uma autorização para a utilização não agrícola de cerca de 307.000m2 de RAN, cuja maior fatia se situa precisamente na zona dos 2846 fogos da urbanização proposta.

Refira-se, no entanto, que está em causa a validade da autorização da CRRARO considerando que a urbanização de 2846 fogos nada tem de “interesse público". É verdade que na versão do Plano de Pormenor enviada para parecer a diversas entidades, no final de 1999, existiam, segundo informação do Presidente da Câmara ao executivo, 281 fogos, correspondentes a 21 lotes para a Câmara Municipal de Cascais, (Ver ata CMC nº 27/99 de 17 de Novembro de 1999). Dado que a CCRLVT pediu à CMC, em 28 de Junho de 2000, que fossem bem definidos e quantificados o número de fogos destinados à operação PER, fica a dúvida sobre se aquela autorização da CRRARO se fundamentou na existência do Hospital e do Programa Especial de Realojamento na área que mereceu a autorização para a utilização não agrícola de cerca de 307.000tn2 de solos RAN.

Recorde-se que, na última versão do Plano de Pormenor não existe qualquer operação PER.

Em relação ao cálculo dos parâmetros urbanísticos, foi em 16 de Junho de 2000 - na Informação Técnica (nº 970/00) - que a CCRLVT produziu a sua última síntese escrita ao processo de acompanhamento do Plano de Pormenor. Conclui a CCRLVT que não foi possível a verificação da sua conformidade com o PDM no que respeita aos indicadores e parâmetros urbanísticos propostos, “(…) atendendo a que o plano não quantifica discriminadamente as áreas afectas a:

A1) Área Poente destinada à instalação de Equipamentos - EQ1, EQ2, EQ3, EQ4 e Infra-estruturas viárias;

A2) Área Verde a Sul da AUGI;

A3) Área Nascente correspondente ao loteamento urbano, (incluindo os equipamentos EQ5, EQ6, EQ7 e infra-estruturas viárias);

A4) Área Nascente correspondente à intervenção no âmbito do programa PER (...)”.

Tendo em atenção que a CCRLVT esclareceu a forma de determinar os parâmetros urbanísticos do PP e fazendo o cálculo da área indicada em A3), obtém-se que A3 é igual a 393.270m2. Esta é a área do PP afecta a espaço urbanizável de Média Densidade. Considerando que a área de construção da urbanização de 2846 fogos é 381.350m2, o índice de utilização bruto é 0,97 e a densidade habitacional 74,6 fogos/ha.

Assim conclui-se que, em matéria de parâmetros urbanísticos, o PP não está conforme ao PDM, violando o disposto nas alíneas a) e b) do nº l do Artigo 40º do seu regulamento, (Quanto à alínea d) e salvo melhor opinião, não se devem considerar como edifícios de referência 12 edifícios com cércea de 19 metros).

Resumindo, neste contexto o Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o estabelecimento de uma unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em Tires é nulo porque viola o Plano Diretor Municipal de Cascais.

V - A operação de Loteamento

A operação de loteamento titulada pelo alvará 1266 de 8 de Janeiro de 2002, resulta do processo U-17075/01, tendo dado entrada na Câmara Municipal de Cascais, aparentemente, em 15 de Novembro de 2001 - (o requerimento inicial apresentado pela empresa B…….. SA não tem data e o registo de 15 de Novembro é o resultado de uma rasura assumida por um funcionário da Câmara, sendo a data original do carimbo 15 de Outubro de 2001).

Aquele requerimento seguiu a tramitação do procedimento de autorização administrativa previsto no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - aprovado pelo DL. 555/99 de 16 de Dezembro e alterado pelo DL. 177/2001, de 4 de Junho.

O regime de autorização aplicar-se-ia neste caso se existisse na sua área de intervenção e à data em que foi apresentado o projeto do Loteamento, por exemplo, um Plano de Pormenor eficaz. Embora tenha sido indicado no requerimento supra referido que o projeto de loteamento tinha como antecedentes processuais, na Câmara Municipal de Cascais, o Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário, em Tires, tal afirmação é falsa.De facto, o Plano de Pormenor só seria publicado e distribuído em 3 de Janeiro de 2002, não existindo qualquer fundamento para que a apreciação da proposta de Loteamento tenha seguido o procedimento (simplificado) da autorização administrativa.

Deste modo a decisão final não tem qualquer validade legal.

De qualquer modo o projeto de Loteamento apresentado, tal como o projeto do Plano de Pormenor, viola o PDM em matéria de condicionantes e de parâmetros urbanísticos.

Em relação à Reserva Agrícola já me debrucei sobre o parecer equívoco e ilegal da CRRARO, pelo que considero que aquela urbanização viola a RAN, conforme delimitada na Portaria nº 911/94 e assumida no PDM de Cascais.

O Projeto de Loteamento também viola a Reserva Ecológica Nacional, conforme delimitada na Resolução do Conselho de Ministros nº l 55/95 e assumida no PDM de Cascais. Isto acontece nomeadamente porque se prevê a ocupação de uma faixa da reserva Ecológica Nacional para atravessamento do troço nº 7 da Via Longitudinal Norte, entre Manique e Oeiras e, segundo informação que recolhi, não existia à data nenhuma autorização válida para esse efeito.

Por outro lado pude confirmar junto do responsável pelo sector do Património Imóvel da Câmara, Carlos Martinho, que existem terrenos do domínio público, por exemplo caminhos e um troço da Estrada Municipal nº 589 que estão na área do loteamento, onde se implantam vários lotes, sem que previamente aqueles terrenos tenham sido desafetados do domínio público e integrados no domínio privado da CMC, para serem alienados.

Existe um terreno do domínio privado municipal, com o número 219, (Artigo Rústico), incluído nos limites do loteamento e onde estão Implantados os Lotes nºs 56, 57, 58 e 222.

Também existem, no mesmo projeto de loteamento, diversos “lotes condicionados” que por si só não são viáveis para os fins de habitação a que se destinam. Estes lotes estão assinalados com “C” no resumo discriminativo - folha 04.

Finalmente, quanto ao incumprimento dos parâmetros urbanísticos do PDM, existem doze blocos nos lotes 93, 97, 101, 102, 106, 110, 111, 115, 119, 120, 124 e 128, onde foram projetados prédios com 19 metros e seis pisos completos. Por outras palavras, existem neste projeto de Loteamento doze blocos que ultrapassam os 16 metros indicados como cércea máxima nos parâmetros urbanísticos aplicáveis aos Espaços Urbanizáveis de Média Densidade e à zona residencial deste Loteamento.

Assim, na opinião da “comissão" constituída por mim próprio, pelo Dr. Avelino de Oliveira e pelo Professor Fausto de Quadros, pelos motivos acima descritos e com base no Artigo 103º do DL. nº 380/99, de 22 de Setembro, no Artigo 68º do DL. nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações Introduzidas pelo DL. nº 177/2001, de 4 de Junho e no Artigo 5º, nº 2, do mesmo DL. nº 555/99, deve ser declarada a nulidade do acto de autorização da operação de loteamento nº 1266.

Cascais, 5 de Fevereiro de 2002

Luís António Neff, urbanista - Câmara Municipal de Cascais.

Análise pormenorizada de aspetos relevantes da desconformidade do "PP do Hospital" com o PDM de Cascais.

X - Condicionantes no Equipamento desportivo, EQ3.

Escrevi no parecer de 22 de Abril de 2002 que o "Complexo Desportivo", localizado na área EQ3 do PP, era, em minha opinião, o caso mais claro de violação de condicionantes do Plano Diretor Municipal Para o demonstrar de forma mais pormenorizada vou recorrer ao conjunto de documentos que informam o PP;

- No número 1 do artigo 6º do Regulamento do PP referente ao uso dos solos foi determinado que "as funções permitidas na área de intervenção do Plano são as constantes da planta de implantação do presente Regulamento".

- O artigo 18º do mesmo Regulamento descreve a componente funcional do equipamento 3.

"O terreno delimitado na planta de implantação com a designação de EQ3, (com 41.300m2), destina-se em especial à instalação de um complexo desportivo com as dimensões e o equipamento adequados para a prática de diferentes modalidades desportivas (...)".

- O Plano de Equipamentos Desportivos que será transposto para o PDM (atualmente em revisão), define as componentes do Complexo Desportivo de Tires - para a zona do EQ3, Foram previstos dois campos de futebol, (sendo um de relva sintética), um pavilhão e um polidesportivo - (ver doc. 11 anexo ao meu parecer de 22 de Abril de 2002).

- O conteúdo funcional do "Complexo de Tires" no EQ3 descrito no parágrafo anterior, com mais um campo de basket e outro de futebol de salão foram aprovados por unanimidade na reunião do executivo da Câmara Municipal de Cascais de 17 de Novembro de 1999 que apreciou o Plano de Pormenor enviando-o às entidades que legalmente se tinham que prenunciar sobre o PP.

- Na versão final do Relatório do Plano de Pormenor, o "Complexo de Tires" - que serviria a União Recreativa e Desportiva de Tires - ficou reduzido à sua expressão programática mínima, ou seja, dois campos de futebol e um pequeno campo de jogos, complementados por edifícios administrativos e de apoio.

Considerando esta última descrição do "Complexo Desportivo de Tires" confirma-se que a sua existência será totalmente incompatível com as condicionantes na área do EQ3.

Sem violação da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional não é possível construir nos 4,1 hectares do EQ3 o complexo desportivo mesmo com as especificações mínimas que este tipo de equipamentos exigem.

Naquele terreno, a construção do pequeno campo de jogos campos de futebol relvados, (mesmo em versão "ecológica" natural), implicaria a destruição do coberto vegetal pré-existente, constituindo isso uma clara violação da Reserva Ecológica Nacional. E onde colocar pelo menos uma bancada, ou os acessos ao complexo desportivo, as zonas de estacionamento e os edifícios administrativos e de apoio?

No meio de 41.300m2, (4,1 hectares de terreno do EQ3), mais de metade, 25.500m2, são áreas inscritas na Reserva Ecológica Nacional e na Reserva Agrícola Nacional. Na "mancha" dos 25 hectares as áreas e os limites das duas reservas são coincidentes.

Na zona poente do EQ3, sobrepondo-se a uma área da Reserva Agrícola Nacional com cerca de 7.700 m2, (uma pequena parte da RAN com autorização da comissão CRRARO para a utilização não agrícola dos solos), "sobra" uma área superior a 13.000m2 correspondente à zona Non Aedificandi do Aeródromo de Tires, (conforme se constata a partir da folha nº 4 do projeto de PP, na "Planta de Condicionantes Atualizada", à Escala de 1:5000).

No outro lado do EQ3, a nascente, existe uma faixa sem REN e RAN mas com o novo traçado da ribeira ………….. onde, segundo o INAG, para qualquer construção é obrigatório considerar, para além do corredor da ribeira, mais de 10 metros de afastamento. Está assim constituída outra zona Non Aedificandi no EQ3.

Repito que não é possível construir o "Complexo de Tires" sem violar as condicionantes do Plano Diretor Municipal de Cascais, nomeadamente a Reserva Ecológica Nacional e a Reserva Agrícola Nacional.

O Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em Tires viola a carta de condicionantes do Plano Diretor Municipal de Cascais.

II - Parâmetros Urbanísticos

No último ofício da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, CCRLVT, sobre o PP (a*) é reproduzida uma informação técnica, nº 970/00 de 15 de Junho de 2000 que sintetiza a posição daquela Comissão como entidade coordenadora do PP, (ver doc. 9 e doc. 10 anexos ao meu parecer de 22 de Abril de 2002).

Neste ofício, remetido ao Presidente da Câmara Municipal de Cascais, a Vice-Presidente da CCRLVT, concorda com a informação dos serviços técnicos, (a qual surge na sequência de três reuniões realizadas entre as principais entidades interessadas no PP e onde é clarificada a forma de calcular os parâmetros urbanísticos de cada uma das partes do plano).

O regulamento do PDM estabelece no ponto 2.4 do artº 45º que a estruturação urbanística para o estabelecimento de uma unidade hospitalar e de ensino universitário objetiva para além da implantação deste equipamento a localização de um empreendimento residencial complementar e assegura a viabilização da operação PER.

Na informação nº 970/00, os técnicos da CCRLVT explicam que "(...) atendendo a que o plano previa estes dois tipos de uso (...)", e que no Regulamento do Piano Diretor Municipal, RPDM, se define para este PP a aplicação dos parâmetros urbanísticos "(…) estabelecidos para a categoria de espaço urbanizável de média densidade e ou para a classe de espaços de equipamentos(...)", considerou-se que:

1) Os parâmetros do espaço urbanizável de média densidade seriam aplicados à área destinada ao empreendimento residencial, (a nascente do PP);

2) À área destinada a equipamento, a poente do PP, eram aplicados os parâmetros definidos no nº 4 do artº 51 do RPDM - referente aos Espaços de Equipamentos.

Assim sendo e visto que a CCRLVT clarificou a separação destas duas grandes áreas do plano, explicando que a área nascente do PP (com cerca de 39,3 hectares) correspondia ao loteamento urbano, incluindo os equipamentos EQ5, EQ6 e EQ7 e Infraestruturas viárias então obtemos que o índice de utilização bruto da área nascente/empreendimento residencial é igual a 0,97 (sem contabilizar as áreas de construção dos equipamentos EQ5, EQ6 e EQ7, inseridos na urbanização de 2846 fogos).

O cálculo daquele índice é simples:

- A área nascente do PP a afetar aos parâmetros urbanísticos dos espaços urbanizáveis de média densidade tem 393.270m2.

Nesta área do PP, com 39,3 hectares, a área de construção do empreendimento residencial é 381.350m2.

O índice de utilização bruto é a relação estabelecida entre a superfície máxima de pavimento, ou seja, a área total de construção e a área total do solo onde se aplica o índice: 381.350m2/ 393.270m2=0,97.

Tendo em consideração as características da urbanização proposta e como na última versão do PP não existe qualquer operação do Programa Especial de Realojamento, (ao contrário do que acontecia na versão do plano remetida a parecer das entidades e aprovada por unanimidade em reunião do executivo da CMC em 17 de Novembro de 1999), então não serão aplicáveis os 20% de incentivos ao abrigo do artigo 94º do RPDM (b*). Isto significa que os parâmetros urbanísticos do empreendimento residencial não cumprem o RPDM porque ultrapassam o índice de utilização bruto máximo, (IUB), de 0,8 aplicável aos espaços urbanizáveis de média densidade.

Note-se que o IUB máximo de 0,8 devia ter sido transposto para esta área específica do PP por indicação expressa da CCRLVT nesse sentido, tendo em consideração o disposto no RPDM de Cascais que foi objeto de análise técnico jurídica pela entidade coordenadora do plano.

Não é possível calcular o índice de utilização bruto do PP porque nos falta conhecer a área de construção na sua área poente, correspondente à instalação dos equipamentos EQl, EQ2, EQ3 e EQ4. O elemento central que nos falta para obter este índice é precisamente a área de construção da unidade hospitalar e de ensino universitário.

De qualquer modo, se na área empreendimento residencial fosse respeitado um índice de utilização bruto inferior ou igual a 0,80, como foi indicado pela CCRLVT e se fosse aplicado o índice de utilização líquido máximo da ordem de 1 ao conjunto de edifícios na área poente do PP - correspondente aos equipamentos EQl, EQ2, EQ3, e EQ4 (c), então sim, seriam cumpridos (neste caso dos índices) os parâmetros urbanísticos previstos no PDM para o Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em Tires.

Finalmente cumpre-me corrigir um dado incorreto no meu parecer de 22 de Abril e esclarecer também de forma mais detalhada, conforme me foi requerido pelo Sr. Presidente da Câmara, a questão da violação do Regulamento do PDM no respeitante à cércea máxima dos edifícios projetados no Plano de Pormenor.

O lapso que corrijo é a indicação da densidade habitacional na zona residencial do PP. O número correto é 72,4 e não 74,6.

No aspeto da cércea a desconformidade do PP com o PDM é evidente:

- Nos lotes nº 93, 97, 101, 102, 106, 110, 111, 115, 119, 120, 124 e 128 estão projetados edifícios com 19 metros e seis pisos, ou seja, doze blocos que ultrapassam os 16 metros indicados como cércea máxima nos parâmetros urbanísticos aplicáveis aos Espaços Urbanizáveis de Média Densidade e a este Plano de Pormenor.

Por outras palavras e ao contrário do que vem escrito no regulamento do PP, as edificações não respeitam os demais índices estabelecidos nas peças escritas e desenhadas que Integram e complementam o Plano, designadamente não respeitam a altura máxima de fachada de 16 metros” (cfr. proc. instrutor/pasta nº 2).


***

O DIREITO

1. Vem a A. A……………. interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAC de Lisboa de 27/09/2019, nos termos dos artigos 102.º e seguintes, da LPTA imputando à mesma os seguintes vícios: (a. insuficiência e vícios da decisão de facto b. erro de julgamento quanto às seguintes questões (b.1. nulidade do Plano, b.2. vício de usurpação de poder, b.3 vício de incompetência absoluta, b.4. vício de violação de lei e b.5. vício de forma por falta de fundamentação.

2. Estando aqui em causa um processo de recurso contencioso, intentado em 2002, ao qual é aplicável a LPTA e legislação para que a mesma remetia, no âmbito da qual o STA tem poderes de cognição de fato e direito, impõe-se começar por conhecer das questões suscetíveis de conduzir a uma decisão final do processo em deterimento das que possam implicar remessa do processo para nova decisão do tribunal de 1ª instância. (nomeadamente as relativas à insuficiência da matéria de facto).

2.1. Sendo assim, urge começar por conhecer da questão relativa à usurpação de poderes, isto é, saber se, à data dos factos, a Assembleia Municipal de Cascais podia declarar nulo o plano de pormenor ou apenas o podia revogar/alterar atentos os arts. º 93.º, 94.º e 102.º, do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro.

Nos termos do número 3 do art. 53º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro que estabelece o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias resulta que:

“3 - É ainda da competência da assembleia municipal, em matéria de planeamento, sob proposta ou pedido de autorização da câmara municipal:

b) Aprovar as medidas, normas, delimitações e outros atos, no âmbito dos regimes do ordenamento do território e do urbanismo, nos casos e nos termos conferidos por lei.”

Está aqui em causa um plano de pormenor tem natureza regulamentar por expressa atribuição legal como resulta do artigo 69.º do DL 380/99 de 22/09, de onde se extrai:

“1 - Os planos municipais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios.

2 - Os planos municipais de ordenamento do território estabelecem o regime de uso do solo, definindo modelos de evolução previsível da ocupação humana e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo e de garantia da qualidade ambiental.”

E resulta do art.º 93.º, n.º 1, do DL n.º 380/99, que “Os instrumentos de gestão territorial podem ser objeto de alteração, de correção material, de retificação, de revisão e de suspensão”, não incluindo a declaração administrativa de invalidade nos poderes conferidos á administração municipal quanto aos instrumentos de planeamento territorial de natureza regulamentar.

E do art. 94.º, n.º 1, do DL n.º 380/99 que a AMC podia revogar o Plano de Pormenor, ainda que fosse obrigada a seguir o procedimento previsto no mesmo diploma para a sua elaboração, aprovação, ratificação e publicação.

Mas, daqui não resulta a impossibilidade de declaração de nulidade de um regulamento pela entidade que o emitiu.

No capítulo I parte IV do CPA91, relativa à atividade administrativa seis artigos disciplinavam, em especial, os regulamentos administrativos inexistindo qualquer regime substantivo dos mesmos.

Ora, à luz do CPA91 era pacífico entre a doutrina que o desvalor associado a qualquer vício que enfermasse um regulamento era o da nulidade (decalcando o regime da invalidade do regulamento ao da invalidade da lei).

O que também resulta implicitamente do próprio artigo 102º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22 de setembro ao referir que declaração de nulidade não prejudica os efeitos dos atos administrativos entretanto praticados com base no plano a não ser que expressamente se retire esse efeito acompanhado da necessária comunicação do dever de indemnizar.

No atual CPA temos, desde logo, no título I da parte III, sobre o procedimento administrativo, um regime comum, para o procedimento conducente à prática de um ato administrativo ou emissão de regulamento (artigos 53.º a 95.º), e no título II regimes especiais para o procedimento do regulamento administrativo (capítulo I, artigos 97.º a 101.º) e do ato administrativo (capítulo II).

E, com a introdução do artigo 144.ºdo novo CPA temos agora um dualismo de desvalores associados ao regulamento administrativo – nulidade ou anulabilidade –, consoante estejamos perante ilegalidades materiais ou formais/procedimentais, e dentro destas se há ainda inconstitucionalidade ou não (cf. n.º 2 do artigo 144.º do CPA).

Assim, atendendo ao direito aplicável no momento da deliberação de 29/04/2002, a AMC tinha competência para declarar a invalidade do Plano de Pormenor aqui em causa.

Em suma, nada impedia a AMC, entidade que proferiu o regulamento a declaração da referida nulidade do Plano com consequências necessária e manifestamente diferentes.

Pelo que não ocorre o vício de usurpação de poderes.

2.2. Alega a recorrente que, contrariamente ao pressuposto na decisão recorrida, a deliberação impugnada junto do Tribunal a quo enferma de erro de facto.

E que, deverá a matéria de facto apurada ser objeto de ampliação para permitir a boa decisão da causa, possibilitando ver decididas as questões de facto subjacentes à declaração de nulidade do Plano, sendo que sobre as mesmas não foi produzida qualquer prova, nem foram identificadas pelo Tribunal a quo como questões a provar.

Então vejamos.

Desde logo a LPTA não prevê, em sede de recursos contenciosos, que haja lugar a qualquer fase instrutória e/ou que o Tribunal deva proferir despacho com especificação e questionário.

Não tem, pois, aqui aplicação o disposto no artigo 845.º do Código Administrativo.

Na verdade, o que cabe no recurso contencioso é aferir da legalidade de tudo o que foi adquirido no procedimento administrativo, incluindo fundamentos e decisão.

No recurso contencioso sindica se uma prévia definição enquanto na ação o Tribunal debruça-se sobre os factos, as provas e as pretensões igualitárias das partes para definir em primeira via o direito do caso.

Em suma é aqui a alínea b) do artigo 24º da LPTA e não a alínea a), pelo que não era a mesma compatível com a realização da fase instrutória aqui requerida.

2.3 Alega a recorrente que sentença recorrida não identifica concretamente os meios de prova que serviram de base à decisão dos diversos pontos de facto que alinha como provados, limitando-se com frequência a remeter em bloco para o instrutor, assim como não procede ao exame crítico das provas, em violação do que lhe é exigido pela lei de processo (v. art. 607.º, n.º 4 do CPC, anterior art. 659º, n.º 3) e com prejuízo para a impugnação da decisão de facto.

Sendo foram ignorados os factos por si alegados nos artigos 5.º, 11.º a 19.º, 20.º, 23.º, 28.º e 34.º da p.i., factos esses que apresentam relevância para a decisão da causa.

E que, por outro lado, o facto da alínea H) do elenco dos factos provados na sentença recorrida não corresponde à realidade já que o parecer a que o mesmo se refere tem por objeto toda a área de intervenção do Plano e não apenas a área do Hospital.

Pelo que a mesmo deve ser alterada de forma a corresponder ao alegado no citado artigo 32.º da p.i., tendo em conta o parecer de 21.06.1999 comunicado por ofício RO 1546, de 29.06.1999 e confirmado em posterior ofício n.º 5772, de 17.03.2000, documentos que figuram a fls. 89 e 92 do Vol. IV do instrutor.

O julgamento de facto expresso sob a alínea “M)” do elenco dos factos provados na sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao afirmar como provado que o pedido de licenciamento foi requerido pelo Presidente da Câmara (e não pela Recorrente, como por esta foi alegado), não apresentando tal facto a menor correspondência com o documento de fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor, devendo tal ponto passar a ter a seguinte redação: “Em novembro de 2001, a Recorrente requereu à CM Cascais a aprovação e o licenciamento de uma operação de loteamento com obras de urbanização para os terrenos referidos em A) integrados na área de intervenção do Plano de Pormenor aprovado.- cfr. fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor”.

Então vejamos.

Desde logo não podemos deixar de ter presente que todo o instrutor faz parte da matéria de facto, independente da remissão expressa para uma concreta página do mesmo (muitos vezes de referenciar até por falta de paginação).

Sendo a aqui recorrente a primeira a não identificar as páginas do processo instrutor quando para ele remete na identificação dos factos.

Por outro lado, neste âmbito de recurso contencioso no âmbito da LPTA não se impunha qualquer análise crítica das provas como pretende o recorrente mas apenas a seleção dos factos relevantes do instrutor para a decisão da causa.

D. Os factos alegados pela Recorrente nos artigos 5.º, 11.º a 19.º, 20.º, 23.º, 28.º e 34.º da petição inicial são irrelevantes para a decisão da causa, ou constituem matéria de direito, ou são conclusivos, sendo certo que, quando tal não sucede, foram ponderados pela sentença recorrida, embora contraditados ou alterados pelos factos que esta considerou assentes.

O facto constante da alínea H) da matéria assente não enferma de qualquer erro uma vez que descreve o conteúdo essencial da deliberação da Comissão Regional da Reserva Agrícola, para a qual remete, em nada impedindo o tribunal de fazer a interpretação que entender da mesma.

O erro que a Recorrente aponta à alínea M) dos factos assentes revela manifestamente tratar-se de um mero lapso de escrita que, desde já, se retifica, devendo substituir-se a palavra “Presidente” por “Recorrente”.

Quanto ao facto nº5 da p.r. é o mesmo irrelevante para a matéria dos autos já que não está aqui em causa o valor de qualquer indemnização mas antes de saber se o recorrente tem ou não direito a uma única e exclusivamente por decorrência do art. 102º nº2 da Lei 380/99 de 22/09.

Quanto aos artigos 11.º a 20º da p.r. são os mesmos irrelevantes já que o PDM é um diploma público publicado no DR a que o Tribunal tem acesso independentemente de vir ou não transcrito na matéria de facto.

Quanto ao artigo 23º e fora a parte em que remete para diploma legal é o mesmo irrelevante.

Quanto ao artigo 28º é o mesmo conclusivo relativamente a matéria de facto fixada nos autos.

Quanto ao artigo 34º o seu conteúdo há-de resultar ou não das normas para que o mesmo remete.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

2.4. Alega o recorrente que os autos evidenciam a inexistência de qualquer juízo de invalidade do Plano, pelo que antes impende sobre o mesmo uma verdadeira presunção de legalidade (e de conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor) resultante, designadamente, do registo do Plano na DGOTDU (cfr. PAULO OTERO, Loc. cit., págs. 24 a 29 e ANA ALVOEIRO DELGADO e ANA MARGARIDA CUNHA RIBEIRO, Ob. cit, pág. 221) e da reapreciação posteriormente feita por essa mesma entidade a pedido do Município e na qual se veio a concluir expressamente que “no que respeita à RAN, o seu regime jurídico foi respeitado pelo Plano de Pormenor (…) Relativamente à REN, o regime jurídico desta Reserva também foi salvaguardado (…) julga-se não haver desconformidade do Plano de Pormenor com o PDM (…) o Plano de Pormenor foi devidamente registado e publicado nos termos legais, pelo que não se vê que haja fundamentação para se dar sem efeito o registo do mesmo” – cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i. e alíneas U) e V) dos factos provados.

Então vejamos.

Desde logo, e como refere a entidade recorrida, o registo dos planos de ordenamento na DGOTDU não impede a sua declaração de nulidade, destinando-se apenas a permitir a consulta pelos interessados dos instrumentos de gestão territorial existentes, como resulta do artigo 150.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT de 1999) na redação então vigente.

Aliás, o Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro que alterou, parcialmente, o Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT), substituiu a palavra “registo”, constante do seu artigo 150.º, pela palavra “depósito” assim como o artigo 193.º do atual RJIGT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de Maio que estatui, sob a epígrafe “Depósito e consulta”, que a Direção-Geral do Território procede, através de uma mera plataforma informática, “ao depósito de todos os (…) planos territoriais”, ou seja dos planos diretores municipais, dos planos de urbanização e dos planos de pormenor.

Por outro lado, e relativamente à alegada presunção de legalidade do Plano, e independente de a mesma existir seja porque motivos forem, a mesma só é convocada no momento do funcionamento das regras do ónus da prova e, portanto, só depois de se aferir se resulta da factualidade provada a sua nulidade por violação do PDM vigente.

Nos termos o n.º 1 do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT) “a compatibilidade ou conformidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial é condição da respetiva validade”.

E, nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma “São nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devessem ser compatíveis ou conformes”.

Pelo que, há que aferir da compatibilidade e conformidade entre planos de grau inferior e planos hierarquicamente superiores.

Como resulta do n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento do PP a sua área de intervenção insere-se na classe de “espaços de desenvolvimento estratégico”, prevista no artigo 45.º nº2.4. do Regulamento do PDM.

E, nos termos da alínea l), do n.º 1, do artigo 2.º, e n.º 1 do artigo 45.º do RPDM então em vigor, e aqui em causa, resulta que os solos situados na classe de espaços de desenvolvimento estratégico “podem vir a adquirir as características das classes de espaços urbanos, urbanizáveis ou de outras desde que a sua implementação seja precedida da elaboração e ratificação de plano de pormenor”.

Ora, como resulta de G da matéria de facto a CMCascais solicitou ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, através da Comissão Regional de Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste, autorização para utilização para fins não agrícolas dos solos compreendidos na zona de intervenção e abrangidos pela RAN - Reserva Agrícola Nacional.

E como resulta de J) da matéria de facto a CMCascais formulou ao Ministério da Saúde e ao Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território pedido de autorização para utilização dos solos compreendidos na área de intervenção do PP - Plano de Pormenor e abrangidos na REN - Reserva Ecológica Nacional.

Assim, os solos abrangidos pelo PP não estão classificados como “espaço ou solo urbano” no PDM antes abrangendo áreas da RAN e REN pelo que independentemente das autorizações dadas a violação pelo PP do PDM apenas deixaria de ocorrer com a aquisição de caraterísticas urbanas pela ratificação do PP.

É certo que o art. 80º do referido diploma refere que:

1 - A ratificação pelo Governo dos planos municipais de ordenamento do território exprime o reconhecimento da sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como com quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficazes, abrangendo:

a) Os planos diretores municipais;

b) Os planos de urbanização, na falta de plano diretor municipal eficaz;

c) Os planos de pormenor, na falta de plano diretor municipal ou plano de urbanização eficazes.

3 - Quando não se verifique a conformidade devida, o Governo pode ainda proceder à ratificação no caso de: (...)

e) O plano de pormenor, não obstante a desconformidade com o plano diretor municipal ou o plano de urbanização, ter sido objeto de parecer favorável da comissão de coordenação regional.(...)

5 - A ratificação de qualquer plano municipal de ordenamento do território nos termos do número anterior implica a automática revogação das disposições constantes dos instrumentos de gestão territorial afetados, determinando, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c), a correspondente alteração de regulamentos e plantas por forma que traduzam a atualização da disciplina vigente.(...) .

Mas, se tal significa que a ratificação exprime o reconhecimento da conformidade do PP com as disposições legais e regulamentares vigentes também significa que, sem a mesma, a realidade existente não foi alterada e que, por isso, não há como não considerar, tal como nas informações que constam dos pareceres técnicos que estão na base da deliberação impugnada que a falta de ratificação do PP implica desconformidade com o PDM por violação do seu n.º 1 do artigo 45.º do RPDM.

Ou seja, pelo facto de não ter sido ratificado, o PP está em desconformidade com o PDM, pelo que não se pode manter na ordem jurídica.

Existe uma desconformidade normativa entre o PP e o PDM que só pode ser ultrapassada pela ratificação do Plano.

Não ocorrendo a referida ratificação permanece a desconformidade com o PDM e, portanto, a validade da deliberação da Assembleia Municipal de Cascais de 29.04.2002 que declarou a nulidade do “Plano de Pormenor do Espaço de estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário em Tires”.

Temos, assim, de concluir que, nos termos do n.º 1 do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 380/99 (RJIGT), o PP não era válido por falta de compatibilidade ou conformidade entre os diversos instrumentos de gestão territorial com o desvalor jurídico da nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do mesmo diploma.

Pelo que, todos os outros argumentos invocados na deliberação impugnada para concluir pela nulidade do PP ficam, assim, prejudicados.

2.5. Alega a recorrente que a decisão recorrida viola o artigo 102.º nº 2 do DL 380/99 de 22 de Setembro.

Para tanto refere que ao declarar a nulidade do Plano de Pormenor sem o reconhecimento, para efeitos do artigo 102º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22 de setembro, da eficácia retroativa, de quaisquer efeitos, de direito ou de facto, e sem o dever de indemnizar, a deliberação recorrida viola o disposto na citada norma, o que acarreta de nulidade a deliberação recorrida ex vi do disposto no artigo 133º/2/d) do CPA.

O que a sentença recorrida não admitiu.

Dispõe este preceito:

“1 - São nulos os planos elaborados e aprovados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial com o qual devessem ser compatíveis ou conformes.

2 - Salvo menção expressa em contrário, acompanhada da necessária comunicação do dever de indemnizar, a declaração de nulidade não prejudica os efeitos dos atos administrativos entretanto praticados com base no plano.”

Os atos nulos por natureza são aqueles a que falta qualquer um dos seus elementos essenciais. - n.º 1 do art.º 133.º do CPA.

Vieira de Andrade refere que “(…) Os elementos essenciais são os indispensáveis para que se constitua qualquer ato administrativo, incluindo os que caracterizam cada espécie concreta.

Assim, não pode valer como ato administrativo, uma decisão sem autor, sem destinatário, sem fim público, sem conteúdo, sem forma, ou com vícios graves equiparáveis a tais carências absolutas, em função do tipo de ato administrativo – por exemplo, numa verificação constitutiva, enquanto ato certificativo, deve ter-se por elemento essencial a veracidade dos factos certificados, sendo a falsidade equiparável à carência de objeto ou de conteúdo; do mesmo modo, num ato sancionatório, o procedimento tem de incluir necessariamente a oportunidade de defesa do destinatário.

De resto, as hipóteses exemplificativas que constam do n.º 2 do art. 133.º do CPA e que correspondem praticamente aos casos que a jurisprudência, a doutrina e a lei – esta apenas no que toca à administração local, desde o Código Administrativo (art. 363º) (…) – foram formulando, revelam, por si, esta ideia de essencialidade estrutural ou funcional, de tal modo que há uma relativa coincidência entre as nulidades por natureza e as nulidades por determinação legal expressa, servindo esta determinação sobretudo para afastar dúvidas ou para estender o regime mais radical a casos que, no entender do legislador, merecem uma reação mais rigorosa da ordem jurídica, seja por razões estratégicas ou históricas (como acontece no próprio CPA), seja por razões conjunturais (assim tem acontecido, por exemplo, em leis avulsas relativamente a nomeações de funcionários ou a atos contrários a planos urbanísticos)”. [Validade (do ato administrativo) - in DJAP, VII, pg. 587].

A jurisprudência deste Tribunal tem acolhido a doutrina acabada de expor e tem considerado quepor elementos essenciais do ato administrativo para efeitos do art.º 133.º, n.º 1, do CPA, deve entender-se os aspetos que integram o conceito de ato administrativo contido no art.º 120.º do mesmo códigoAcórdão deste STA de 23/03/00 (rec. 44.374). Neste sentido podem ainda consultar-se os acórdãos de 5/6/01, de 16/9/01, de 26/09/01, de 21/3/02, de 14/5/02 e de 17/6/03, proferidos nos recursos n.ºs 47.332, 43.832, 43.832, 221/02, 47.825 e 666/02, respetivamente.

A nulidade só deve, assim, ser aplicada aos atos administrativos que, por falta dos seus elementos constitutivos, só formalmente têm essa aparência e a todos aqueles que sejam ofensivos dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagradas (vd. al. d), do n.º 2, do art.º 133.º do CPA).

No caso sub judice estamos perante uma situação em que, contrariamente ao que dispõe a lei, a deliberação sindicada expressamente refere inexistir direito a qualquer indemnização, não se tratando, pois, de uma mera omissão do “dever de indemnização”.

Está em causa uma violação de um preceito legal e não a falta de um qualquer elemento constitutivo do ato ou a ofensa do conteúdo essencial de um qualquer direito fundamental.

A entidade recorrida não podia, assim, declarar a nulidade do Plano desacompanhada da comunicação do dever de indemnizar.

Pelo que, ao fazê-lo, não se pode concluir que o ato produza quaisquer efeitos nesta parte, sendo, por isso, ineficaz.

Em suma, a deliberação recorrida, ao violar expressamente o artigo 102º, n.º 2, do DL n.º 380/99, de 22/09 é ineficaz na parte em que não atribui qualquer direito a indemnização, que a recorrente tem direito por lei.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso e manter a deliberação recorrida declarando-a ineficaz na parte em que a mesma declara inexistir direito a indemnização.

Custas em 2/3 pela recorrente e 1/3 pela recorrida.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - José Augusto Araújo Veloso.