Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01403/02
Data do Acordão:03/13/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA.
DIREITO DE PROPRIEDADE.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
Sumário:I - Nos termos do art. 62º, 2 da Constituição a expropriação por utilidade pública pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
II - Não viola o referido art. 62º a expropriação de utilidade pública que cumpre todos os requisitos previstos no Código das expropriações: (i) prévia autorização legal; (ii) utilidade pública ou necessidade do bem para o fim concreto de utilidade pública reconhecida; (iii) proporcionalidade ou proibição do excesso; (iv) igualdade; (v) justa indemnização.
III - Não viola o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso a declaração de utilidade pública, com vista à construção de uma “estrada” cuja execução implica a destruição de um imóvel em ruínas, sem que, além do mais, esteja demonstrada uma alternativa funcional e economicamente viável.
Nº Convencional:JSTA00064064
Nº do Documento:SA12007031301403
Data de Entrada:09/06/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DAS OBRAS PÚBLICAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SEOP DE 2002/05/31.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EXPRO UTIL PUBL.
Legislação Nacional:CONST ART62 N1 N2 ART266 ART268 ART199 F ART3 N3.
L 2037 DE 1949/08/19 ART161.
CEXP91 ART14 N1 A ART15 N2 ART3 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC561/04 DE 2004/11/03.; AC STA PROC1143/06 DE 2007/03/06.
Referência a Doutrina:PERESTRELO DE OLIVEIRA CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES ANOTADO 2ED PAG34.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
1. Relatório
A..., identificado nos autos, recorre contenciosamente do despacho do SECRETÁRIO DE ESTADO DAS OBRAS PÚBLICAS nº 13.562-B/2002 de 31.5.02, publicado no D.R., II série, suplemento ao nº 135, de 14.6.02, pelo qual foi declarada a utilidade pública urgente da expropriação por utilidade pública das parcelas de terreno nºs 514 e 514 S, com a área de 19.878 m2, que fazem parte do prédio de que é proprietário, denominado “Quinta ...”, freguesia de Silvares e concelho de Guimarães.
A finalidade da expropriação é a construção da obra da A 11-IP 9 – lanço Braga Guimarães – A 4-IP 4, sublanço Celeirós-Guimarães Oeste, ligação EN 101.
A entidade recorrida respondeu ao recurso, sustentando a legalidade do acto recorrido. Igualmente, os contra-interessados ... e ..., S.A. contestaram, qualquer deles pugnando pelo não provimento do recurso, e o primeiro levantando, além do mais, as questões prévias da sua extemporaneidade e da inutilidade da lide.
Depois de colhida a posição do recorrente e do Ministério Público acerca das questões prévias, relegou-se o respectivo conhecimento para a decisão final, e ordenou-se a passagem do processo à tramitação urgente, nos termos do art. 81º da LPTA (fls. 153 verso).
Nas suas alegações, o recorrente terminou enunciando as seguintes conclusões:
“O acto de declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela 514, 514 S do recorrente, proferido pelo despacho do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas nº 13.562-B/2002, publicado em suplemento na II série do Diário da República nº 135 de 14 de Junho de 2002:
1ª- Viola o Plano Director Municipal de Guimarães, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros Nº 101/94 de 15 de Setembro de 1994, publicada no nº 237 de 13 de Outubro de 1994 na I Série-B do Diário da República, o prescrito no art 4º, no nº7 do artº 13º, nos nºs 1 e 3 do artº 18º e na alínea a ) do nº 1 do artº 21º, todos do Dec-Lei Nº 69/90 de 2 de Março, no nº3 do artº 8º do Dec-Lei Nº 222/98 de 17 de Julho, na alínea e) do artº 9' e na alínea c) do nº2 do artº 66º, ambos da CR, nos arts. 1º, 2º e 9º nº2 da Lei Nº 13/85 de 6 de Julho e no nº6 do artº 15º da Lei Nº 101/2001 de 8 de Setembro, porque, destinando-se aquela parcela de terreno à construção de uma via de ligação à EN 101, a sua construção elimina fisicamente o prédio de rés-do-chão e primeiro andar, inscrito na matriz urbana da freguesia de Silvares sob o artº 37º, que faz parte do prédio do recorrente denominado “...”, que no Plano Director Municipal de Guimarães, em vigor, está incluído na Zona de Protecção de Imóvel ou Conjunto Classificado, em vias de Classificação ou a Proteger “, e porque o traçado dessa via a construir não foi articulado com esse Plano Director Municipal por forma a evitar a eliminação física desse imóvel, cuja preservação se impõe quer ao Governo e seus membros, quer ao ..., que sucedeu à Junta Autónoma das Estradas.
2ª- Viola o prescrito nos nºs 1 e 2 do artº 62º, no nº 1 do artº 266º e no nº 3 do artº 268º, todos da CR, porque, elevado aquele prédio à dignidade de “Imóvel a Proteger”, através da sua inclusão na “ Zona de Protecção de Imóvel ou Conjunto Classificado, em vias de Classificação ou a Proteger” daquele PDM de Guimarães, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros Nº 101/94 de 15 de Setembro de 1994, publicada no nº 237 de 13 de Outubro de 1994 na I Série-B do Diário da República, a fundamentação daquele acto de declaração de utilidade, que se mostra publicada e referida em 9. da matéria assente, é manifestamente insuficiente, quer fáctica quer juridicamente, para justificar a eliminação física desse “Imóvel a proteger”.
3ª- Viola o principio da proibição do excesso, previsto no nº 3 do artº 3º, no nº2 do artº 266º e na alínea f) do artº 199º, todos da CR., enquanto princípio estruturante de Estado de direito democrático, que a República Portuguesa é (artº 2º da CR), porque, destinando-se aquela parcela Nº 514, 514 S à construção de via de ligação à EN 101, o seu traçado pode ser realizado sem destruição daquele “imóvel a proteger”, nomeadamente, por outra ou outras parcelas de terreno do mesmo prédio do recorrente, denominado “ ... “,que para tanto tem área suficiente e isso sem encargos superiores àqueles, que resultam da expropriação da dita parcela de terreno”.
Os recorridos contra-alegaram, tendo o recorrido Secretário de Estado concluído do seguinte modo:
“1. A fundamentação nos actos administrativos assume-se como conceito de natureza relativa, dependendo do tipo e da natureza do acto a que se refere.
O acto recorrido descreve sucintamente os elementos de facto em que se apoia e remete para normas jurídicas que expressamente consagram a urgência de actos do tipo em que se integra. O carácter urgente da expropriação, resulta, no caso, ope legis, do artº 161º do Estatuto das Estradas Nacionais e da Base XXII anexa ao Dec-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho. Encontra-se assim fundamentado nos termos legais.
2. Não procede o alegado vício de violação de lei, consubstanciado no desrespeito pelo disposto nos diversos preceitos legais invocados pelo recorrente, nomeadamente de natureza constitucional. A sua prolação respeitou o disposto nos preceitos reguladores da competência e dos procedimentos adoptados, constantes quer na Constituição quer nas leis gerais aplicáveis.
Não ficou demonstrada a violação das normas jurídicas que garantem a protecção do património cultural, designadamente da Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro, já que esta revogou a invocada Lei nº 13/85.
Com efeito, segundo o IPPAR, o imóvel implantado na parcela expropriada, em estado de ruína e nunca restaurado pelo proprietário, em 2002 não se encontrava classificado, nem em vias de classificação, não sendo abrangido por qualquer servidão administrativa no âmbito do património cultural.
3. Sendo certo que este imóvel se encontrava previsto no PDM de 1994 como Imóvel a Proteger, são desconhecidas as razões de tal qualificação e a sua persistência face à ponderação de interesses gerais das populações, como sejam os de ordenamento, de desenvolvimento económico, de segurança e comodidade, prosseguidos pela obra visada com o despacho recorrido e que também se encontra prevista no referido plano.
4. De qualquer modo, assumindo os planos municipais a natureza de regulamentos administrativos (cf. artº 4º do Dec-Lei nº 69/90, de 2 de Março), as suas disposições terão de ser interpretadas “de acordo com as normas que regem a competência de outras autoridades administrativas, designadamente da Administração Central em assuntos específicos da sua competência” (cf. Acórdão STA citado)”.
Por seu turno, o recorrido ... contra-alegou, extraindo as seguintes conclusões:
“A) Nos termos do art. 57º do RSTA, a extemporaneidade do recurso obsta ao conhecimento do objecto do mesmo. Ora, tendo o Recorrente sido notificado da DUP em 2002/07/09, e tendo a sua petição dado entrada em 2002/09/12, o recurso considera-se intempestivo.
B) O recurso contencioso tem por objecto a anulação do acto recorrido e a sua utilidade correlaciona-se com a possibilidade de, em execução de sentença, se efectuar a reconstituição da situação actual hipotética, mediante a supressão dos efeitos jurídicos do acto anulado. Se assim é,
C) Tendo o imóvel em questão, na parte existente, sido eliminado (antes mesmo da interposição do presente recurso), a inutilidade do recurso é manifesta atendendo à impossibilidade de se reconstituir a situação inicial. Desta forma, e em conformidade, deverá ser declarada extinta a instância por impossibilidade da lide.
D) A urgência da expropriação, do acto recorrido, encontra-se devidamente fundamentada com a remissão para as normas que determinam essa mesma fundamentação.
E) A atribuição do carácter de urgência à expropriação só carece de fundamentação expressa quando não resulta da lei (v. Acórdão de 28/11/1999, Rec. 37 735, BMJ 483, pág. 10). E, no caso sub judice,
F) O carácter de urgência da expropriação resulta quer do art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais, quer da Base XXII, anexa ao Decreto-Lei nº 285-A/99, de 6 de Julho, que atribuiu a Concessão da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração e conservação de diversos lanços de auto-estradas à ... S.A. – ... S.A.
G) O fim e os motivos da expropriação e a necessidade do acto expropriativo estão definidos, porquanto a DUP enuncia, ainda que sucintamente, os factos que constituem os motivos específicos que determinaram a autoridade administrativa a usar o poder de fazer tal declaração.
H) Também não assiste razão ao Recorrente quando invoca o vício da violação de lei, pois que o acto recorrido está conforme com as normas jurídicas aplicáveis, nomeadamente com a Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro e PDM de Guimarães, Na verdade,
I) A conformidade do acto resulta, desde logo, da inexistência da classificação ou procedimento que vise determinar que o referido imóvel possui um inestimável valor cultural. A protecção legal dos bens culturais assenta na classificação e inventariação dos referidos bens, pois que e mediante a classificação, pelo Estado e municípios, dos bens imóveis e móveis que o integram, que a defesa e valorização do património se efectua. Sucede que,
J) Quer da legislação aplicável quer das disposições do PDM forçoso é de concluir pela inexistência de violação das normas do PDM de Guimarães a este respeito porquanto tais normas se limitam a estabelecer restrições ao uso e ocupação do solo, não estabelecendo qualquer proibição de construção ou obrigação relativa à localização. Com efeito,
K) Outro não poderá ser o entendimento porquanto a não ser assim a Administração Central ver-se-ia limitada na sua própria actuação a nível nacional, actuação essa que se conforma com o interesse mais geral que extravase os limites territoriais dos municípios e se inserem no todo colectivo nacional. Sendo que,
L) As disposições do PDM terão de ser interpretadas de acordo com as normas que regem a competência, "in casu", da Administração Central quanto a assuntos da sua competência, como são as grandes vias de comunicação. E,
M) A construção da Ligação à EN 101 faz parte da execução do plano de construção de infra estruturas rodoviárias numa perspectiva integrada de ordenamento do território e desenvolvimento económico. Acresce que,
N) A legislação em vigor não prevê como meio de classificação o PDM e, o PDM de Guimarães, em revisão, contempla, porque de interesse nacional se trata, a Ligação à EN 101, donde se conclui pela não violação de qualquer norma jurídica. Com efeito,
O) A revisão dos planos tem lugar quando se alterem as condições e pressupostos em que assentaram as respectivas disposições e, impõe-se, quando em virtude da entrada em vigor de um plano de âmbito ou interesse nacional o PDM venha e conter disposições com aquele desconformes.
P) Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade dir-se-á que tendo o traçado da via sido escolhido em função de parâmetros técnico - ambientais, as parcelas necessárias para a Ligação à EN 101 só podiam ser estas e não outras, porquanto o interesse público não seria igualmente satisfeito com o mesmo grau de eficácia e adequação com a realização da obra noutro local. De resto,
Q) O estado actual de evolução da obra, no seu conjunto, o seu inegável interesse público e os compromissos de ordem financeira que lhe estão associados não podem ser ignorados, pois que,
R) Com a anulação do acto, que só por mero dever de patrocínio se equaciona, o investimento para esta obra deixaria de ter rentabilidade, as expectativas dos utentes seriam goradas e a anulação do acto redundaria na anulação de todo o procedimento expropriativo, ao desaproveitar, inevitavelmente, todas as expropriações a montante e a jusante das parcelas 514 e 514S”.
Finalmente, a recorrida ..., S.A. contra-alegou, formulando as conclusões seguintes:
“a) O presente recurso é extemporâneo por preterição do prazo previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea a) da LPTA;
b) A presente lide falece de utilidade, dado que o imóvel em questão já foi demolido, não sendo admissível a reconstituição da situação actual hipotética;
c) Não se verifica qualquer violação de lei, por violação do artigo 41.º do PDMR, dado que a área em questão se inclui em "área florestal condicionada" que não conhece qualquer limitação urbanística;
d) Não existe qualquer violação do artigo 53.º, nºs. 2 e 3 do PDMR dado que o seu regulamento não pode proceder a uma classificação da área em questão como zona de protecção, em fraude ao regime competencial e procedimental estabelecido na Lei de Bases do Património Cultural;
e) Mesmo que tal legislação fosse aplicável, ainda assim a construção do troço em causa não contenderia com o regime das zonas de protecção de imóveis classificados;
f) Consequentemente, tratando-se de acto perfeitamente conforme com os instrumentos de gestão territorial, não é violado o princípio da articulação, ínsito no n.º 3, do artigo 8.º, do Plano Rodoviário Nacional;
g) Assim como não é violada a Lei de Bases do Património Cultural, dado que as suas disposições não são aplicáveis, atento o concluído em d);
h) Sendo certo que o acto em crise não enferma igualmente de vício de forma, confundindo o recorrente a falta de fundamentação com a discordância das razões materiais em a mesma se sustenta;
i) Verificando-se, ainda, que, do ponto de vista formal, a fundamentação é inatacável, dado que, embora expostas de forma sucinta, são perfeitamente divisáveis (o que é reforçado por remissões para o processo instrutor) as razões de facto e de direito que presidiram à tomada da decisão;
j) Assim como não se verifica qualquer violação do princípio da proporcionalidade, dado que o interesse público em presença justifica perfeitamente a lesão dos interesses privados pretensamente afectados;
k) Sendo sempre de referir que a existir qualquer violação do princípio da proporcionalidade, o que apenas por mera cautela de patrocínio se considera, tal seria resultado da aprovação do projecto de execução e não da DUP, nesse aspecto irrecorrível, por falta de definitividade material, ex vi do artigo 25 º da LPTA”.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido da anulação do acto recorrido.
Em 28-7-2004 foi proferido acórdão anulando o acto recorrido, com fundamento na violação das prescrições resultantes dos arts. 52º e 53º do PDM de Guimarães, ficando prejudicado conhecimento dos demais vícios.
Desse acórdão foi interposto recurso para o Pleno da 1ª Secção que, através do acórdão de 4-7-2006 revogou a decisão da Subsecção e ordenou a baixa do processo para conhecimento dos demais vícios alegados.
O processo foi submetido à conferência para julgamento dos demais vícios alegados.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Pelo despacho nº 13.562-B, de 31.5.02, do Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Habitação foi declarada a pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno consideradas necessárias à execução da obra A 11-IP9 – lanço Braga – Guimarães Oeste, ligação EN 101, identificadas no mapa e na planta em anexo ao mesmo despacho, entre as quais a parcela de terreno nº 514, 514 S, com a área de 19.878 m2, fazendo parte do prédio misto de que é proprietário, denominado QUINTA ..., sito na freguesia de Silvares, Concelho de Guimarães.
b) Esse prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 00332/Silvares e definitivamente registado a favor do recorrente naquela Conservatória (inscrição G-2 de 19 de Novembro de 1991).
c) O despacho referido em a) é do seguinte teor: “Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 14º e no nº 2 do artº 15º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei Nº 168/99, de 18 de Setembro, atenta a resolução do conselho de administração do ... de 25 de Fevereiro de 2002, que aprovou a planta parcelar e o mapa de expropriações das parcelas necessárias à construção da obra da A 11-IP9 – lanço Braga – Guimarães – A4- IP 4, sublanço Celeirós – Guimarães Oeste, ligação EN101, com inicio previsto no prazo de seis meses, declaro, ao abrigo do artº 161 º do Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei Nº 2037, de 19 de Agosto de 1949, atendendo ao interesse público subjacente à célere e eficaz execução da obra projectada, a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da A 11-IP9 – lanço Braga – Guimarães – A4-IP4, sublanço Celeirós – Guimarães Oeste, ligação EN 101, identificadas no mapa e na planta em anexo com os elementos constantes da descrição predial e da inscrição matricial e dos direitos e ónus que sobre elas incidem e os nomes dos respectivos titulares. Os encargos com as expropriações em causa serão suportados pelo ...”.
d) Na parcela de terreno expropriado existe uma casa solarenga em pedra, de rés-do-chão e primeiro andar, actualmente em ruínas (vistoria ad perpetuam rei memoriam, a fls. 81 do apenso).
e) Das obras a levar a efeito para a realização dos fins da expropriação resultará a destruição física dessa casa.
f) No Plano Director de Guimarães tal prédio está incluído na “Zona de Protecção de Imóvel ou conjunto classificado, em vias de Classificação ou a proteger”, previsto na Secção II, nºs 2 e 3 do artº 53º do Capítulo VIII do respectivo Regulamento.
g) O PDM de Guimarães foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 101/94 de 15 de Setembro de 1994, publicada no D. R., 1ª série B, nº 237, de 13.10.94.
h) O recorrente foi notificado do acto recorrido em 9.7.02, através do envio, sob registo com aviso de recepção, do ofício nº 280/AE/31/02, de 28.6.02.
i) A petição de recurso foi expedida por correio registado em 12.9.02, tendo dado entrada no tribunal em 13.9.02.
2.2 Matéria de Direito
i) Objecto do recurso (questões decididas e a decidir)
Neste processo já foi proferido um acórdão, onde foram conhecidas várias questões: (i) julgou-se improcedente a excepção da extemporaneidade (fls. 244); (ii) julgou-se improcedente a inutilidade superveniente da lide, decorrente da alegada demolição do imóvel; (iii) julgou-se procedente o vício de violação dos artigos 52º e 53º do PDM de Guimarães.
Foi interposto recurso do referido acórdão para o Pleno da Secção, relativamente à parte do acórdão que anulou o acto impugnado, estando assim decididas neste processo as questões da extemporaneidade e da alegada inutilidade superveniente da lide.
O acórdão do Pleno da 1ª Secção, em recurso do acórdão da Subsecção, também julgou definitivamente, neste processo, que não se verificava o vício de violação dos artigos 52º e 53º do PDM de Guimarães.
Falta apreciar a existência dos demais vícios imputados ao acto, a saber:
- Violação do prescrito nos nºs 1 e 2 do artº 62º, no nº 1 do artº 266º e no nº 3 do artº 268º, todos da CR, porque, elevado aquele prédio à dignidade de “Imóvel a Proteger “, através da sua inclusão na “ Zona de Protecção de Imóvel ou Conjunto Classificado, em vias de Classificação ou a Proteger” daquele PDM de Guimarães, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros Nº 101/94 de 15 de Setembro de 1994, publicada no nº 237 de 13 de Outubro de 1994 na I Série-B do Diário da República, a fundamentação daquele acto de declaração de utilidade, que se mostra publicada e referida em 9. da matéria assente, é manifestamente insuficiente, quer fáctica quer juridicamente, para justificar a eliminação física desse “Imóvel a proteger”;
- Violação do principio da proibição do excesso, previsto no nº 3 do artº 3º, no nº2 do artº 266º e na alínea f) do artº 199º, todos da CR., enquanto princípio estruturante de Estado de direito democrático, que a República Portuguesa é (artº 2º da CR), porque, destinando-se aquela parcela Nº 514, 514 S à construção de via de ligação à EN 101, o seu traçado pode ser realizado sem destruição daquele “imóvel a proteger”, nomeadamente, por outra ou outras parcelas de terreno do mesmo prédio do recorrente, denominado “ ... “,que para tanto tem área suficiente e isso sem encargos superiores àqueles, que resultam da expropriação da dita parcela de terreno”.
Vejamos cada um deles.
ii) Violação dos artigos 62º, 1 e 2, 266º e 268º da Constituição
O recorrente sustenta que houve violação dos referidos preceitos constitucionais, porque a fundamentação é insuficiente para justificar a expropriação de um imóvel com aquelas características (Imóvel a Proteger). O recorrente qualifica o vício como “carência de fundamentação bastante”, embora na conclusão respectiva (2ª) se refira à violação do “prescrito nos n.ºs 1 e 2 do art. 62º, n.º 1 do art. 266º e nº 3 do art. 268º do CRP”. Em seu entender o acto não especifica “factos, donde se possa extrair ou concluir pela sustentação desse interesse público, dessa celeridade e dessa eficácia e que, in casu se impunha que justificasse, cabalmente, os motivos pelos quais aquele interesse público se sobrepõe ao da preservação daquele “imóvel a proteger”, uma vez que este seria fisicamente eliminado”. Em suma, defende que o seu direito de propriedade tem protecção constitucional (art. 62º, 1 e 266º, 1 da CRP), o qual se sobrepõe, neste caso particular, ao direito à expropriação, como decorre do n.º 2 do art. 62º, 3 e n.º 3 do art. 268º, e que, não existe uma fundamentação de facto e de direito que justifique a expropriação.
Embora o recorrente se refira a uma fundamentação claramente insuficiente, acaba por concluir que com aquela fundamentação não havia razão para que o interesse público subjacente à expropriação a justificasse, naquele caso concreto. Acaba, assim, por imputar ao acto a violação de preceitos legais que regulam a propriedade privada (art. 62 da Constituição), a actividade administrativa (art. 266º da Constituição) e o dever de fundamentação (art. 268º, 3 da Constituição).
No que respeita ao cumprimento do dever de fundamentar, julgamos que o recorrente não tem razão, como facilmente se demonstrará. A fundamentação a que se refere o art. 268º, 3 do CRP é uma garantia do direito ao recurso que se considera suficiente desde que permita a um destinatário normal compreender os motivos de facto e de direito que determinaram o acto É entendimento pacífico e generalizado deste Supremo Tribunal – cfr. entre muitos outros o Acórdão de 3-11-2004, proferido no recurso 0561/04: “…devendo dar-se por cumprido o dever legal se a motivação contextualmente externada lhe permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do acto a agir ou a escolher a medida adoptada (vide, entre os mais antigos, os acórdãos publicados em AD 256, p. 528 e ss; AD 286, p. 1039 e ss.; AD 319, p. 849 e ss. e, mais recentemente, por todos, os acórdãos de 2001.12.19- recº nº 47 849 e de 2003.05.27 – recº nº 1835/02).O mesmo é dizer, primeiro, que o dever de fundamentação se cumpre sempre que o discurso justificativo da decisão administrativa seja apto a realizar aquele esclarecimento e, segundo, que a fundamentação tem uma dimensão formal autónoma que se satisfaz com tal objectivo, ainda que, porventura, as razões aduzidas não sejam exactas, indiscutíveis ou convincentes. Esta é outra vertente, que tem já a ver com a legitimidade material do acto administrativo (vide, neste sentido, Vieira de Andrade, “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pp. 11 e 236 e acórdão STA de 2002.07.04 – recº nº 616/02).. E, no caso dos autos, não há qualquer dúvida sobre esses aspectos. O interesse público subjacente à expropriação é a realização de uma estrada nacional e as normas legais que permitem a expropriação são as indicadas no acto (art. 14º, n.º 1, al. a), art. 15º, n.º 2 do C. Expropriações; art. 161º do Estatuto das Estradas Nacionais (Lei 2037, de 19 de Agosto de 1949). O interessado ficou assim a saber que normas foram invocada para permitir a expropriação e qual o destino a dar à parcela expropriada, ficando em condições de concordar ou discordar e discutir judicialmente a legalidade de tal acto. Não tem, pois razão de ser, a invocada falta ou insuficiência de fundamentação.
Os fundamentos invocados e constantes da fundamentação são bastantes para que o interesse público se sobreponha ao direito de propriedade privada? Esta questão, a nosso ver, não é uma questão de suficiência da fundamentação (enquanto meio de exteriorização de uma vontade), mas de validade ou exactidão dos fundamentos para justificar juridicamente a decisão, ou melhor dizendo para justificar a preponderância do interesse público, sobre o interesse privado. Será, então, nesta perspectiva que a abordaremos.
A argumentação do recorrente no essencial assenta no entendimento de que o direito de propriedade de um imóvel “a proteger” se sobrepõe ao interesse público de construir daquela variante da estrada nacional.
Vejamos, se tem razão.
Nos termos do art. 62º, 2 da CRP a expropriação por utilidade pública pode ser efectuada “com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”. O legislador remete para a lei ordinária os termos da expropriação impondo, desde logo, dois importantes limites: precedência da lei, e o direito à “justa indemnização”.
Ora, é verdade que a expropriação tem, por natureza – já que é um acto que extingue um direito de propriedade - subjacente um conflito de interesses (público e privado). Porém, a expropriação é um meio jurídico através do qual esse conflito é resolvido com prevalência do interesse público. O Código das Expropriações surge assim (legitimado pela Constituição ao remeter para o legislador ordinário) como o instrumento legal de exercer validamente essa supremacia do interesse público. Neste Código existe, por outro lado, um sistema de garantias, que uma vez observadas, tornam válida a expropriação: (i) prévia autorização legal; (ii) utilidade pública ou necessidade do bem para o fim concreto de utilidade pública reconhecido; (iii) proporcionalidade ou proibição do excesso; (iv) justa indemnização; (iv) igualdade – cfr. artigos 2º e 3º do C. Expropriações.
O recorrente alega a proibição do excesso na conclusão 3ª (que oportunamente apreciaremos), e os demais requisitos da expropriação verificam-se, de forma óbvia. De resto o recorrente nem sequer põe em causa quer existência de autorização legal, quer a utilidade pública, quer a salvaguarda do direito à justa indemnização ou a violação do princípio da igualdade.
Não tem assim fundamentação suficiente (para usar a sua linguagem – e sem prejuízo da proporcionalidade que se analisará de seguida) a alegação do recorrente para demonstrar quem, neste caso, o conflito de interesses deveria pender para o direito de propriedade.
ii) Violação do principio da proibição do excesso, previsto no nº 3 do artº 3º, no nº 2 do artº 266º e na alínea f) do artº 199º, todos da CR
Em síntese, quanto a este vício, alega o recorrente que o acto recorrido violou o principio da proibição do excesso, previsto no nº 3 do artº 3º, no nº2 do C. Expropriações e artº 266º e na alínea f) do artº 199º, todos da CR., enquanto princípio estruturante de Estado de direito democrático, que a República Portuguesa é (artº 2º da CR), porque, destinando-se aquela parcela Nº 514, 514 S à construção de via de ligação à EN 101, o seu traçado pode ser realizado sem destruição daquele “imóvel a proteger”, nomeadamente, por outra ou outras parcelas de terreno do mesmo prédio do recorrente, denominado “ ... “que para tanto tem área suficiente e isso sem encargos superiores àqueles, que resultam da expropriação da dita parcela de terreno”.
É verdade que o princípio da proporcionalidade impõe que a expropriação se contenha dentro dos limites imprescindíveis à realização do fim de utilidade pública (“A expropriação deve limitar-se ao necessário para a realização do seu fim …” – art. 3º, n.º 1 do Código das Expropriações). Só é legítimo expropriar por utilidade pública quando a expropriação for necessária para atingir la desiderato, isto é, quando esta não possa alcançar-se por meio menos gravoso e, expropriando, deve causar o menor dano a particular expropriado – Acórdão do STJ, citado por LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, Código das Expropriações Anotado, 2ª Edição, 2000 pág. 34, nota 8.
O recorrente entende que este princípio foi violado porque era viável um traçado da estrada, mesmo em terrenos seus, que não implicasse a demolição de um imóvel a proteger.
Vejamos.
O recorrente fala sempre num “imóvel a proteger”, sendo este o seu grande argumento para o sobre relevo do seu direito de propriedade, mas como já foi decidido no acórdão do Pleno, oportunamente proferido nestes autos, essa qualificação traduz a criação de uma “categoria nova, não prevista na lei” através de Regulamento sem habilitação legal, sendo por via disso, inaplicável a norma do art. 53º, 2 do PDM (cfr. fls. 313 e 314). Falta assim, à tese do recorrente o seu pressuposto essencial: “imóvel a proteger”. Com efeito, como então se decidiu, “não existe a categoria de bens a proteger, mas sim bens classificados e em vias de classificação” - cfr. fls. 313 verso.
Não se tratando de imóvel classificado, nem em vias de classificação, restava o edifício, o qual segundo consta da vistoria “ad perpetuam rei memoria” não passava, então, de umas ruínas, (“uma habitação solarenga, actualmente em ruínas – cfr. fls. 81 do processo da suspensão de eficácia apenso) não havendo qualquer razão para o respectivo direito de propriedade merecer uma especial protecção.
Finalmente, não está demonstrado que fosse possível contornar o prédio expropriado e manter a funcionalidade da estrada, sem encargos superiores. O recorrente alegou estes factos, mas limitou-se a remeter para a certidão da planta junta com os documentos 2 e 6 do processo de suspensão de eficácia, e a concluir que era possível fazer passar a estrada noutras parcelas de terreno, sem encargos superiores (fls. 14, artigos 78 e seguintes). De tais documentos – certidões com os limites das parcelas e traçado da variante a construir não resulta, de forma alguma, que fosse possível um percurso alternativo, sem custos adicionais. Esses documentos provam apenas qual o local onde está projectada a passagem da variante, e nada mais.
Note-se que o controlo da actividade administrativa sobre a violação ou não do princípio da proporcionalidade não permite que o tribunal se substitua à Administração na ponderação das escolhas do traçado da estrada a construir, as quais integram o “poder discricionário” de prossecução do interesse público assim exercido. Por isso a respectiva violação deve ser clara, ou seja devem existir elementos que possibilitam uma “afirmação segura e positiva da existência de tal violação”, como se disse, no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 6-3-2007, proferido no processo 1143/06: “Não terá de ser - pondera o citado Acórdão - um controle limitado pela constatação da existência de violação grosseira ou manifesta de princípios jurídicos, pois a violação não grosseira ou manifesta não deixa de ser ilegal, mas terá de ser um controle limitado pela possibilidade de afirmação segura e positiva da existência de tal violação”.
Resulta do exposto (i) que o “imóvel a proteger” não tem, efectivamente, qualquer protecção legal; (ii) que o seu estado de ruína não justifica, uma especial protecção do direito de propriedade; (iii) e que não está minimamente demonstrada a possibilidade duma alteração do projecto a que se destina o imóvel, evitando a destruição das ruínas, sem agravamento de custo e manutenção da sua funcionalidade (viabilidade funcional de um traçado alternativo sem agravamento de custos).
Daí que não se mostre violado o art. 3º, n.º 1 do C. Expropriações, nem o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso.
Improcedem assim todos os vícios imputados ao acto recorrido.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar o recurso improcedente.
Custas pelo recorrente.
Taxa de justiça: 450 €; procuradoria: 50%.
Lisboa, 13 de Março de 2007. São Pedro (relator) – Fernanda Xavier – João Belchior.