Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02089/11.8BELRS
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÂO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
FORMA DE PROCESSO
Sumário:I - Os juros indemnizatórios, ligados e conexionados, com o pagamento indevido da prestação tributária, por regra, geral, são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” - cf. art. 43.º n.º 1 da LGT. Este princípio é, por vontade, expressa, do legislador, estendido a outras quatro, específicas e delimitadas, circunstâncias, positivadas nas quatro alíneas em que se desdobra o n.º 3 desse normativo.
II - Podemos afirmar uma natureza taxativa, de numerus clausus, das situações em que o legislador aceita serem devidos juros indemnizatórios; a saber, a prevista, como regra, no n.º 1 do art. 43.º da LGT e aquelas em que se verifiquem, estejam preenchidas, as circunstâncias, específicas, como, rigorosa e expressamente, inscritas nas (atuais) quatro alíneas do seu n.º 3.
III - Independentemente, da relevância que se atribua ao não cumprimento do prazo fixado no art. 57.º n.º 1 da LGT, é certo que a sua (eventual) violação, ultrapassagem, não calha na letra, bem como, no espírito, e, implicantemente, na previsão do art. 43.º n.º 3 alínea a) da LGT.
IV - A ação prevista e regulada no art. 145.º do CPPT, por seguir os termos da impugnação judicial - cf. n.º 4, não permite desempenho capaz de permitir a alegação e prova, por parte do(a) autor(a), do quinteto de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas (o ato, a ilicitude, a imputabilidade ou culpa, o dano e o nexo de causalidade), mas, apenas, uma ação administrativa, a apresentar junto do competente tribunal administrativo, por só a este pertencer jurisdição para apreciar litígios com questões relativas a responsabilidade civil extracontratual - art. 4.º n.º 1 alíneas f), g) e h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e o poder para julgar do cumprimento, pela Administração, das normas e princípios jurídicos que a vinculam - art. 3.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P27602
Nº do Documento:SA22021042802089/11
Data de Entrada:01/04/2021
Recorrente:A…………, S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A…………….., S.A., …, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 17 de agosto de 2020, que julgou improcedente esta ação para reconhecimento de um direito em matéria tributária e absolveu, a autoridade tributária e aduaneira (AT), do pedido de que lhe fosse reconhecido o direito ao pagamento, por esta, de juros indemnizatórios, no valor de € 188.506,90.
A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com estas conclusões: «

a) A sentença a quo pôs termo à ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária que correu sob o n.° 2089/11.8BELSB, indeferindo o pedido apresentado pela ora Recorrente no sentido de ver reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, no montante de € 188.506,90.

b) Por não se conformar com o teor da sentença emitida, a ora Recorrente apresenta o presente recurso com vista a obter a revogação da sentença proferida em primeira instância, através do reconhecimento do vício de violação de lei ordinária por erro nos pressupostos de direito de aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT e/ou do vício de violação de lei constitucional, de que padece a interpretação da Lei plasmada na sentença recorrida.

c) Na sentença recorrida deram-se como provados todos os factos alegados pela ora Recorrente com relevância para a boa decisão da causa; designadamente, foi dado como provado que i) a AT apenas decidiu o requerimento de autorização de aproveitamento dos prejuízos ficais registados entre 2001 e 2006, apresentado em 27 de abril de 2007, no dia 12 de julho de 2010; ii) na sequência dessa decisão foi decidido que a ora Recorrente tinha direito ao reembolso do IRC no montante total de € 1.551.222,76, correspondente a IRC relativo aos exercícios de 2007, 2008 e 2009; mas iii) o pagamento daquele montante não incluiu juros indemnizatórios - cfr. pp. 5 a 7 da sentença recorrida.

d) Apesar de ter decidido não existir erro na forma de processo por parte da Recorrente, ao valer-se da ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária, prevista no artigo 145.º do CPPT, o Tribunal a quo acaba, de forma absolutamente contraditória, por não conceder provimento ao pedido da ora Recorrente por considerar que esta apenas poderia ver reconhecido o seu direito por via de uma ação para efetivação da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

e) No caso vertente, é notório que a apreciação do pedido para utilização dos prejuízos fiscais e o reembolso a que esta deu origem ocorreram muito após o prazo legal previsto para o efeito, sendo evidente que esse facto fez incorrer a Recorrente em prejuízo, pela indisponibilidade de mais de um milhão e meio de euros, durante quase 3 anos, num contexto em que apresentava prejuízos fiscais recorrentes; e, por isso, é evidente ter a mesma direito ao pagamento de juros indemnizatórios para ressarci-la dessa indisponibilidade (tanto mais que a AT certamente recebeu rendimentos pelo uso indevido do capital da ora Recorrente).

f) A regra em direito fiscal não podia ser mais simples: prejuízos derivados da conduta ilegal da AT relativamente a impostos indevidamente pagos pelos contribuintes é ressarcida primordial e automaticamente pelo pagamento de juros indemnizatórios, objetivo que in casu, apenas pode ser alcançado pelo exato meio processual utilizado pela ora Recorrente, tal como resulta da jurisprudência do Acórdão do STA de 3 de maio de 1997, no qual foi relator o Juiz Conselheiro Rodrigues da Fonseca e tal como refere a Jorge Lopes de Sousa (ambos oportunamente citados).

g) Como começou por constatar o Tribunal a quo, a ação para o reconhecimento de um direito em matéria tributária é o único meio de acionar o “instrumento jurídico primacial do direito tributário, para indemnizar a Recorrente pelo ato ilegal da AT - não a ação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, como viria depois a concluir -, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que conceda integral provimento ao pedido da Recorrente.

h) Como resulta da sentença recorrida, a ora Recorrente apresentou, em 27 de abril de 2007, um pedido para o reconhecimento da utilização dos prejuízos fiscais por si registados entre 2001 e 2006, o qual deveria ter sido decidido, no máximo, até ao dia 27 de outubro de 2007, como impõe o artigo 57.º, n.º 1 da LGT.

i) A AT apenas decidiu o pedido em causa no dia 12 de julho de 2010, mais de 3 anos após a sua apresentação e mais de dois anos e meio após o prazo legal estabelecido para o efeito, o que obrigou a AT à restituição de uma quantia superior um milhão e meio de euros de IRC; valor esse que a Recorrente nunca teria pago, se o prazo legal de decisão previsto no artigo 57.º, n.º 1 tivesse sido cumprido.

j) Constatado o atraso na decisão e, por consequência, no reembolso, era imperativo ter a AT efetuado a restituição do montante de IRC indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

k) A conclusão do Tribunal a quo no sentido de que, para ter direito a juros indemnizatórios a AT teria que ter-se atrasado a restituir o imposto a reembolsar em consequência da utilização dos prejuízos autorizados tem por base um erro nos pressupostos de Direito de aplicação do artigo 43.º, n.º 3 alínea a) da LGT consubstanciado no entendimento de que o mesmo apenas é aplicável às situações de atraso verificadas nos casos de i) retenção de IRS em excesso (artigo 96.º do Código do IRS); ii) pagamento por conta de IRC em excesso (artigo 104.°, n.º 3 do Código do IRC); e iii) reembolso do IVA (artigo 22.º, n.º 8 do Código do IVA).

l) A letra do artigo 43.º, n.º 3 alínea a) da LGT não delimita o direito àquelas situações que o Tribunal a quo refere, podendo (e devendo) aplicar-se a todas aquelas nas quais o contribuinte se veja prejudicado pela não devolução de imposto indevidamente pago no prazo previsto legalmente.

m) In casu, a retenção de mais de um milhão e meio de euros a título de IRC que nunca teria sido apurado caso a AT cumprisse a Lei, em nada difere, materialmente, dos demais pagamentos em excesso de IRC a que a Lei se reporta, designadamente, no artigo 104.º do Código do IRC.

n) Ainda que pudessem ter-se como válidas aquelas conclusões - o que apenas por dever de patrocínio de cogita - nunca o seria a conclusão de que apenas a morosidade na apreciação de pedido de revisão oficiosa apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT confere direito aos juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT.

o) Na verdade, nem a letra do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT faz inferir que apenas os pedidos de revisão oficiosa em sentido estrito se encontram aí abrangidos, nem é esse o procedimento normalmente adotado pela AT, a qual reconhece o direito aos juros indemnizatórios ao abrigo dessa norma, nas demais situações em que os contribuintes solicitam a reforma, a seu favor, de atos tributários, independentemente da forma utilizada para o efeito.

p) Perante uma situação de pagamento em excesso abrangida por aquele normativo, determina-se que a inércia da AT, seja em decidir o procedimento que confere direito à restituição, seja em restituí-lo é razão bastante para presumir os prejuízos que conferem o direito a juros indemnizatórios.

q) Não existe qualquer motivo, de facto ou de Direito, suscetível de justificar diverso tratamento entre duas situações de inércia - na decisão de reembolsar ou no reembolso - materialmente idênticas. Assim, se o atraso na restituição de IRC pago em excesso dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir um procedimento do qual resulta a mesma obrigação de restituição de IRC pago em excesso tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios; se o atraso em decidir pedido de revisão ou reclamação dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir pedido de utilização de prejuízos fiscais tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

r) A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, conforme decorrente do artigo 43.º da LGT, mais não é do que a concretização de um direito de indemnização com raiz constitucional no artigo 22.º da Constituição, tendo o legislador optado, atendendo às características particulares da relação jurídica tributária, por concretizar esse direito, em matéria tributária, através da presunção da existência de prejuízos indemnizáveis, perante atuações ilegais da AT que se reflitam no seu locupletamento ilegal, às custas desses mesmos contribuintes - cfr. Acórdão do STA de 2 de novembro de 2006, proferido no processo n.º 604/06, oportunamente citado.

s) No caso vertente, a AT estava obrigada ao cumprimento do prazo procedimental de 6 meses, previsto no artigo 57.º, n.° 1 da LGT. Não o tendo cumprido - o que se deu como provado na sentença recorrida - e como resulta da jurisprudência vinda de citar, a AT é forçada, por direta e imediata decorrência da lei, a satisfazer os juros indemnizatórios estabelecidos no artigo 43.º, n.º 3, alínea a) ou, alternativamente, na alínea c) da LGT.

t) A decisão de improcedência da ação apresentada labora em erro nos pressupostos de Direito da aplicação do artigo 43.º, n.° 1, alíneas a) e c) da LGT, são ilegais, cujas normas viola, devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que os reconheça e atribua à ora Recorrente, conforme peticionado.

u) Com a instituição legal da obrigação de pagar juros indemnizatórios aos contribuintes lesados pela AT, em razão do pagamento de imposto que, em dado momento, se conclui ter sido indevido, o legislador entendeu estabelecer um meio simples, automático e cómodo de ressarcir os lesados, sem necessidade de recorrer à morosa via judicial e de efetuar a correspondente prova dos prejuízos sofridos.

v) Não existe qualquer diferença entre atrasar, por hipótese, a restituição de um pagamento por conta de IRC em excesso, nos termos do artigo 104.º n.º 3 do IRC - o qual pressupõe, naturalmente, o apuramento do IRC efetivamente devido e, assim, a conclusão de que existiu um excesso que deve ser restituído - e atrasar a restituição de IRC indevidamente pago em função do incumprimento gritante do prazo para avaliar a situação da ora Recorrente a pedido da mesma; como não existe qualquer diferença entre a morosidade na apreciação de pedido de revisão ou reclamação, por um lado, e de pedido de utilização de prejuízos fiscais, por outro.

w) A cronologia da ilegalidade praticada é justamente a mesma: l) pagamento de imposto; 2) apuramento do imposto efetivamente devido; 3) constatação da necessidade de restituir dentro dos prazos fixados na lei (quer para constatar, quer para restituir); 4) restituição acrescida de juros em caso de atraso no passo anterior.

x) Não há qualquer razão para o atraso na decisão do procedimento de que resulta 1,5 milhões de euros em IRC a restituir (artigo 57.°, nº 1 da LGT), proporcionar à ora Recorrente, enquanto contribuinte lesada por um ato ilegal da AT, menos direitos do que os que proporciona o atraso na devolução de IRC pago por conta em excesso (artigo 104.º, n.º 3 do Código do IRC).

y) No caso vertente, a AT estava obrigada ao cumprimento do prazo procedimental de 6 meses, previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT. Não o tendo cumprido - o que se deu como provado na sentença recorrida - e como resulta da jurisprudência vinda de citar, a AT é forçada, por direta e imediata decorrência da lei, a satisfazer os juros indemnizatórios estabelecidos no artigo 43.º, n.º 3, alínea a) ou, alternativamente, na alínea c) da LGT.

z) A decisão de improcedência da ação apresentada labora em erro nos pressupostos de Direito da aplicação do artigo 43.º, n.° 1, alíneas a) e c) da LGT, cujas normas viola, é ilegal devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que os reconheça e atribua à ora Recorrente, conforme peticionado.

aa) O reconhecimento de juros indemnizatórios na situação dos Autos é também a única solução compaginável com o princípio da unidade do sistema jurídico resultante do artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, o mais importante dos fatores interpretativos a que se refere este normativo, de acordo com a doutrina oportunamente citada.

bb) Não sendo o artigo 43.°, n.º 3, alínea a) da LGT exaustivo nem pretendendo enumerar de forma delimitadora as situações a que visa aplicar-se, antes estabelecendo de forma genérica, que os atrasos na restituição oficiosa dos impostos dão lugar ao dever de pagar juros indemnizatórios aos contribuintes lesados por esse atraso, deve entender-se, por pura decorrência da coerência valorativa e axiológica a que obriga o princípio da unidade do sistema jurídico, que deve ser reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios in casu.

cc) Na medida em que os juros indemnizatórios foram o meio eleito pelo legislador fiscal para concretizar o direito constitucional de indemnização previsto no artigo 22.° da Constituição, não pode o decisor afastá-lo sem mais, muito menos em situações materialmente idênticas àquelas que considera, sem sombra de dúvidas, caberem no escopo das normas.

dd) A solução peticionada pela ora Recorrente é também a única que se coaduna com o princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, o podendo dizer-se que «o princípio da igualdade foi violado quando, perante situações de facto rigorosamente iguais, a Administração opta por comportamentos diferenciados e destes resulta que um dos contribuintes saiu prejudicado em relação ao outro» - cfr. Acórdão do STA de 25 de Fevereiro de 1998 proferido no Recurso n.º 19686 (cit).

ee) Foi o que sucedeu in casu com a exclusão da situação de atraso - de mais de 2 anos e meio, como resultou provado - na decisão do procedimento que obrigou a AT a restituir mais de um milhão e meio de euros em IRC indevidamente pago, do leque das situações nas quais deve ser reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º, n.º 3, alínea a) da LGT.

ff) Inexistindo qualquer diferença material entre, por um lado, as situações previstas no artigo 96.º do Código do IRS, 104.º, n.º 3 do Código do IRC e 22.°, n.° 8 do Código do IVA e, por outro, a situação de incumprimento do prazo previsto no artigo 57.º, n.° 1 da LGT, a interpretação que do artigo 43.º, n.° 3, alínea a) da LGT se encontra plasmada na sentença recorrida, mediante a qual o atraso na restituição do imposto relativo às três primeiras confere o direito ao pagamento de juros indemnizatórios enquanto a última - a que a ora Recorrente foi sujeita - não confere o mesmo direito, viola inquestionavelmente o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição.

gg) Nos mesmos termos, não existindo qualquer diferença material entre o atraso na apreciação de pedido de revisão oficiosa, em sentido estrito, de reclamação graciosa ou do pedido de utilização dos prejuízos fiscais apresentado pelo ora Recorrente, a interpretação que do artigo 43.º, n.° 3, alínea c) se encontra plasmada na sentença recorrida, mediante a qual apenas o atraso na apreciação de pedido de revisão oficiosa, em sentido estrito, confere o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, viola igualmente o princípio constitucional da igualdade.

hh) Razão pela qual andou mal o Tribunal a quo ao recusar o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que dê provimento à ação.

ii) Também pelo exposto, as normas do artigo 43.º, n.º 3, alíneas a) e c) da LGT são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, quando interpretadas no sentido em que não abrangem situações em que o atraso na restituição oficiosa dos impostos (no caso da alínea a)) e/ou na apreciação de pedidos de reforma de atos tributários a favor do contribuinte (no caso da alínea c)) derivou do incumprimento do prazo para a conclusão do procedimento previsto no artigo 57.º, n.º 1 da LGT. Inconstitucionalidades essas que desde já se alegam, para todos os efeitos.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a sentença recorrida e a ação julgada procedente por provada, pois só assim se fará a aqui peticionada e muito reclamada

Justiça! »


*

Não há registo da formalização de contra-alegação.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e julgada procedente a ação.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

A) Em 27.04.2007, a Autora apresentou, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, requerimento dirigido ao Ministro de Estado e das Finanças e Administração Pública, no qual solicitou o reconhecimento da utilização dos prejuízos fiscais registados nos exercícios de 2001 a 2006, no valor de 11.444.806,73 EUR, ao abrigo do disposto nos n.ºs 8 e 9 do então artigo 47.º do Código do IRC (cfr. documento de fls. 10 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo apenso);

B) Sobre o requerimento mencionado na alínea A) supra, foi exarada, em 20.11.2009, informação pela Direcção de Serviços do IRC, na qual conclui o seguinte:

“Face ao referido anteriormente, poderá concluir-se que estamos perante uma situação de interesse económico, pelo que, não deve ser aplicada a limitação prevista no n.º 8 do artigo 52º (ex-artº 47º) do CIRC e se propõe o deferimento do pedido.

De notar que, os prejuízos fiscais em apreço, obtidos entre os exercício de 2001 e de 2006, foram objecto de análise prévia pela Direcção de Finanças de Lisboa, que procedeu à sua correcção para o montante de €10.693.762,35, conforme Relatório de Inspecção, enviado por aquela Direcção de Finanças” (cfr. documento de fls. não numeradas do processo administrativo apenso);

C) Sobre a informação mencionada na alínea anterior foi proferido, em 12.07.2010, despacho pelo Subdirector-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, na qualidade de substituto legal do respectivo Subdirector-Geral, com o seguinte teor: “Defiro nos termos propostos.” (cfr. documento de fls. 11 dos autos e fls. não numeradas do processo administrativo apenso);

D) Na sequência da decisão mencionada na alínea anterior e da utilização dos prejuízos respectivos, foram emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as liquidações de IRC n.ºs 2010 2010405042, de 25.10.2011, 2010 2500405762, de 02.11.2010, e 2010 2510406324, de 08.11.2010, relativas aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, respectivamente, nas quais apurou os seguintes montantes de IRC a reembolsar à Autora:

757.711,93 EUR, relativamente ao exercício de 2007;

192.176,22 EUR, relativamente ao exercício de 2008;

601.334,61 EUR, relativamente ao exercício de 2009 (cfr. cópia das liquidações e acerto de contas resultantes da utilização dos prejuízos nos exercícios de 2007, 2008 e 2009, juntas com a petição como documentos n.°s 3 a 5, a fls. 12 a 18 dos autos, e documentos de fls. não numeradas do processo administrativo apenso);

E) Os reembolsos mencionados na alínea anterior foram pagos à Autora por transferência bancária datada de 05.11.20(10)20, quanto ao montante de 757.711,93 EUR, 10.11.2010, quanto ao montante de 192.176,22 EUR, e 16.11.2010, relativamente ao montante de 601.334,61 EUR (cfr. documentos de fls. 15 e 19 a 21 dos autos e documentos de fls. não numeradas do processo administrativo apenso). »


***

Numa breve resenha, tendo a sentença recorrida definido, como questão a solucionar a de “saber se, perante o alegado atraso na autorização pela Autoridade Tributária e Aduaneira da utilização pela Autora dos prejuízos relativos aos anos de 2001 a 2006, com o consequente retardamento no apuramento (e consequente restituição) do valor de IRC a reembolsar à Autora, relativo aos exercícios de 2007, 2008 e 2009, a Autora tem direito a juros indemnizatórios (…), nos termos do artigo 43.º da LGT” e considerado que, em função dos termos do pedido formulado pela autora (e respetiva fundamentação), a pretensão em causa se reportava à previsão da alínea a) do n.º 3 do invocado art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), o julgador argumentou, em apoio da decisão de julgar improcedente esta ação, o seguinte: «

(…).

Esta disposição legal prevê o pagamento de juros indemnizatórios nos casos de falta de cumprimento do prazo de restituição oficiosa dos impostos.

Trata-se de uma situação que também já estava prevista, genericamente, no anterior artigo 24.º, n.º 2, do CPT, e que se reporta aos casos em que a lei prevê a restituição oficiosa de impostos em prazo predeterminado. São, nomeadamente, os casos em que houve excessiva retenção na fonte ou pagamento por conta, previstos nos artigos 96.º do Código do IRS e 104.º, n.º 3, do Código do IRC. Será, também, o caso dos reembolsos de IVA não serem efectuados no prazo legal, nos termos estabelecidos no artigo 22.º, n.º 8, do Código do IVA (…).

O direito aos juros nestas circunstâncias é objectivo, nasce da verificação dos factos que aí se prevêem.

Ora, no caso dos autos, não estamos perante situação de incumprimento do prazo legal de restituição de imposto suportado em excesso. A Autora não alega que, após a utilização dos prejuízos (no seguimento de autorização da Administração Tributária para o efeito), a Administração Tributária não tenha cumprido o prazo de restituição do imposto a reembolsar em consequência da mencionada utilização dos prejuízos - se assim fosse, então sim, haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da alínea a) do n.º 3 do apontado artigo 43.º da LGT. Antes invoca o incumprimento do prazo geral de seis meses definido no n.º 1 do artigo 57.º da LGT para proferir decisão no procedimento tributário tendente à autorização de utilização dos prejuízos fiscais. Razão pela qual a Autora solicita o referido pagamento de juros indemnizatórios desde a data de 27 de Outubro de 2010 (seis meses após o pedido de autorização para dedução de prejuízos) até à data em que os reembolsos foram creditados na sua conta.

O prazo geral previsto no artigo 57.º da LGT é, no entanto, um prazo meramente disciplinar, cujo incumprimento não implica a sujeição da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios - quer porque a norma não o prevê, quer porque tal incumprimento não configura nenhuma das situações previstas no artigo 43.º da LGT -, mas antes, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, conforme previsto no n.º 5 do mencionado artigo 57.º da LGT.

De resto, como alega a Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso dos autos estamos perante um procedimento complexo, pois implica a realização prévia de outro procedimento tributário (concretamente, o procedimento de inspecção), destinado a confirmar o montante dos prejuízos a reportar.

Deste modo, não procedendo a alegação de que a Administração Tributária não cumpriu o prazo de restituição oficiosa do imposto, não são devidos juros indemnizatórios a favor da Autora, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, al. a), da LGT, por falta de preenchimento do pressuposto para a aplicação deste normativo legal.

Sendo que, como supra já foi referido, a situação dos autos também não se enquadra na alínea b), por não estar em causa um caso de anulação de actos tributários por iniciativa da Administração Tributária (sem que tenha sido processada a nota de crédito, no prazo de 30 dias após a decisão). Tal como não preenche os requisitos da alínea c), por a morosidade não estar dependente do atraso de decisão de um pedido de revisão do acto tributário.

Certo é também que não estão preenchidos os pressupostos para a concessão de juros indemnizatórios previstos no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois, aqui, constituem requisitos do direito a juros indemnizatórios a determinação, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. E, no caso em apreciação, não só não existiu qualquer reclamação ou impugnação, como não foi demonstrado a existência de qualquer erro (vício) imputável à Administração Tributária.

Refira-se que o supra exposto não significa qualquer negação de eventuais prejuízos suportados pela Autora, ou a defesa do procedimento da Administração Tributária, mas somente a afirmação que a situação dos autos não cai na previsão do normativo legal em questão.

Sublinha-se que, nos casos que extravasam a previsão deste artigo, o interessado não fica sem possibilidade de ressarcimento dos prejuízos que suportou.

Tendo tal direito de indemnização garantia constitucional, o seu exercício pelo sujeito passivo não está limitado pelo circunstancialismo e limites do direito de indemnização previsto nas leis tributárias, podendo, por um lado, pedir uma indemnização superior à que resulta desta, e, por outro, exigi-la em situações distintas das indicadas. (…)

Assim, a previsão, no art. 43.° da L.G.T, dos casos em que há direito a juros indemnizatórios, numa interpretação compatível com a Constituição, terá de ser interpretada não como uma indicação exaustiva dos casos em que os contribuintes têm direito a ser indemnizados por actos da Administração Tributária, mas como uma listagem de situações em que é de presumir a existência de um prejuízo para os contribuintes e a responsabilidade da Administração Tributária pela ocorrência do mesmo. Nos casos não contemplados nesta norma, o sujeito passivo poderá ver reconhecido o seu direito de indemnização por prejuízos que lhe advenham da prática de qualquer acto da Administração Tributária, tendo, no entanto, de propor a adequada acção para efectivação da responsabilidade civil e nela fazer prova dos prejuízos sofridos e da imputabilidade dos mesmos à actuação da Administração Tributária.” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, in Juros nas Relações Tributárias, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editora, 1999, pág. 157- 158, e Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, volume I, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág. 528-529 (vide também o acórdão do STA de 02.11.2006, processo n.º 0604/06).

Face a todo o exposto, considerando não serem devidos os juros indemnizatórios peticionados pela Autora, conclui-se pela improcedência da presente acção.

(…). »


A crítica, assumida pela rte, a este julgamento, embora disseminada por inúmeras conclusões, encontra-se sintetizada no ponto b) destas, reconduzindo-se, portanto, ao apontamento, relevante, de erro na aplicação do disposto no art. 43.º n.º 3 alínea a) da LGT, bem como, inconstitucionalidade da interpretação da “Lei”, utilizada pelo julgador.
Quanto ao primeiro, segundo a rte, o erro emerge de, fundamentalmente, o tribunal recorrido não haver assumido que o normativo em causa se aplica a todas as situações “nas quais o contribuinte se veja prejudicado pela não devolução de imposto indevidamente pago no prazo previsto legalmente”, sendo que, na sua perspetiva, inexiste “qualquer motivo, de facto ou de Direito, suscetível de justificar diverso tratamento entre duas situações de inércia - na decisão de reembolsar ou no reembolso - materialmente idênticas. Assim, se o atraso na restituição de IRC pago em excesso dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir um procedimento do qual resulta a mesma obrigação de restituição de IRC pago em excesso tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios; se o atraso em decidir pedido de revisão ou reclamação dá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, também o atraso em decidir pedido de utilização de prejuízos fiscais tem necessariamente que dar lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.” - conclusões l) e q).

Os juros indemnizatórios, ligados e conexionados, com o pagamento indevido da prestação tributária, por regra, geral, são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (Para J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, pág. 267, «(s)em qualquer função penalizante, destinam-se a compensar o sujeito passivo pelos prejuízos sofridos com o cumprimento indevido de uma não existente ou erradamente quantificada obrigação tributária. Em suma, “pelo pagamento indevido da prestação tributária”»). - cf. art. 43.º n.º 1 da LGT. Este princípio é, por vontade, expressa, do legislador, estendido a outras quatro, específicas e delimitadas, circunstâncias, positivadas nas quatro alíneas em que se desdobra o n.º 3 desse normativo ( « a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. ».)
Perscrutado o alcance do regime legal instituído no versado comando legal (sem olvidar que o mesmo repousa em diploma legislativo destinado a fixar, clarificando, “os princípios fundamentais do sistema fiscal, as garantias dos contribuintes e os poderes da administração tributária”), entendemos que o desígnio do legislador foi o de, em operação e desenvolvimento do comando constitucional previsto no art. 22.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)

(« Responsabilidade das entidades públicas
O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. »
[ Tenha-se em conta, como importante, que nenhuma interpretação deste normativo constitucional pode implicar restrição do seu conteúdo, pelo que, em caso de necessidade, sempre terá de ser a lei ordinária objeto das limitações que se mostrem precisas. ]), na medida do possível e com a mínima segurança da verificação dos essenciais pressupostos, criar, no âmbito privativo do procedimento e/ou processo tributário, um mecanismo, célere e objetivo, de ressarcimento de prejuízos sofridos pelos sujeitos passivos de dívidas tributárias, desde logo, pagas em montante superior ao legalmente devido, por erro imputável aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT).
Numa outra formulação, da adição entre erro dos serviços da AT e pagamento a esta (consequência desse erro) de quantia superior à devida por lei, isto é, do cometimento de uma, inequívoca e assumida, ilegalidade (pelo Estado), o legislador, sem mais, aceitou o resultado igual a prejuízo para o adimplente e impôs o respetivo e necessário ressarcimento (indemnização) pelo pagamento, por parte da AT, de juros indemnizatórios, ou seja, uma quantia monetária, apurada sob o cumprimento de determinadas regras, destinada a tornar indemne o prejuízo, necessariamente, decorrente de alguém não ter, ilegalmente, a disponibilidade dos recursos financeiros que teve de mobilizar no pagamento de dívida indevida.
Neste momento, justifica-se um parêntesis para fazer apelo a, precedente, regime civilístico, construído em pressupostos e moldes semelhantes, sobretudo, na ficção da ocorrência de prejuízos e forma expedita e linear de os reparar. Estamos a pensar no caso dos juros de mora ou moratórios, por vezes, também, rotulados de indemnizatórios, previstos e regulados, para as obrigações pecuniárias, no art. 806.º do Código Civil (CC). A particularidade desta previsão legal advém da circunstância de, nas obrigações pecuniárias, a lei presumir, iuris et de iure, que há sempre danos causados pela mora e fixa em princípio, a fortiori, o montante desses danos, fazendo-o equivaler à fórmula e expressão numérica dos “juros legais” (juros à taxa legal). Como resulta impressivo do teor literal do normativo em apreço, maxime do seu n.º 1, o denominador angular da respetiva estatuição encontra-se na exigência de ocorrer mora ( Face ao disposto no art. 804.º n.º 2 do CC, a mora ocorre quando há um mero retardamento, porque é possível o cumprimento futuro da obrigação, da prestação, por motivo imputável ao devedor)., sendo, apenas, determinante o momento, a data da constituição do devedor em mora.

Retomando a matéria que nos ocupa, decorre, consequente, do exposto, podermos afirmar uma natureza taxativa, de numerus clausus, das situações em que o legislador aceita serem devidos juros indemnizatórios; a saber, a prevista, como regra, no n.º 1 do art. 43.º da LGT e aquelas em que se verifiquem, estejam preenchidas, as circunstâncias, específicas, como, rigorosa e expressamente, inscritas nas (atuais) quatro alíneas do seu n.º 3 ( Na linha da referida taxatividade, atente-se que o número de circunstâncias, previstas neste n.º 3 do art. 43.º da LGT, se manteve constante desde a versão original (em vigor desde 1 de janeiro de 1999) até à introdução de uma nova, com o acrescento da respetiva alínea d) pela Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro. Acresce, ser de ter em conta que a redação das alíneas a), b) e c), não obstante as alterações introduzidas no versado art. 43.º da LGT, nos anos de 2012 e 2019, se mantém, totalmente, inalterada; há mais de 20 anos.). Obviamente, em linha com esta conclusão, consideramos estar afastada qualquer leitura, interpretação e aplicação, dos segmentos normativos em apreço, no sentido da extensão, do alargamento da sua previsão legal a situações equiparáveis, semelhantes…, porque tal operação hermenêutica (tipo interpretação analógica) encerraria o desrespeito do propósito legislativo (e consequente ilegalidade) de, somente, pretender a abrangência, o funcionamento, da reparação por via da atribuição de juros indemnizatórios, nos casos que, concreta e expressamente, quis prever, estabelecer (com exclusão de outros análogos).
Como conforto desta posição, resta convocar o disposto no art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na medida em que, analisada a listagem das entidades autorizadas a reconhecer (e pagar ou mandar pagar) o direito aos juros indemnizatórios (instituídos no art. 43.º da LGT), se confere e conclui pela, estrita, correspondência com as que têm competências ou intervenção nas situações identificadas como aquelas que, com exclusão de outras, o legislador impõe serem devidos juros indemnizatórios. Outrossim, o convocado art. 61.º do CPPT, também, na nossa perspetiva, ao atribuir competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios, fundamentalmente, a entidades administrativas, numa clara desjudicialização da matéria, está em sintonia com a ideia, supra coligida, do propósito do legislador em dar luz e cobertura, a um mecanismo, célere e objetivo, de ressarcimento de prejuízos sofridos pelos sujeitos passivos de dívidas tributárias.

Aqui chegados, estamos em condições de afirmar a falta de razão, da rte, no apontamento de erro, à sentença sob escrutínio, quanto à aplicação feita do estatuído no art. 43.º n.º 3 alínea a) da LGT, fundamentalmente, com a defesa de que, “no caso dos autos, não estamos perante situação de incumprimento do prazo legal de restituição de imposto suportado em excesso”. Efetiva e objetivamente, assim é (inclusive como a rte admite), porquanto, não há dúvidas, sobre a causa de pedir da presente ação; em concreto, os factos da autora (aqui, rte) ter apresentado requerimento, ao Ministro de Estado e das Finanças e da Administração Pública, solicitando o reconhecimento da utilização dos prejuízos fiscais registados nos exercícios de 2001 a 2006, sobre o qual, no competente procedimento, não foi proferida decisão, no prazo de 6 meses, previsto no art. 57.º n.º 1 da LGT, bem como, o de ter sido deferida a sua pretensão, quase três anos após tal prazo, em resultado, consequência, do que ficou privada da disponibilidade do montante que lhe veio a ser restituído; num total de € 1.551.222,76.
Mesmo que, na prática, empiricamente, se aceite a identificação destes acontecimentos como traduzindo um reembolso e, nessa medida, uma restituição de imposto (especificamente, IRC), no rigor dos princípios jurídico-tributários e da competente tradução legal dos mesmos, não existe qualquer possibilidade de confusão com o não cumprimento do prazo, fixado por lei, para restituição “oficiosa” (grifamos) dos tributos, enquanto única e taxativa, circunstância capaz de fazer nascer o direito a juros indemnizatórios, com o beneplácito do art. 43.º n.º 3 alínea a) da LGT. Este prazo relevante não é mais nenhum (não pode ser ou ficcionado ser, outro) que o, casuisticamente, previsto em cada diploma, respeitante ao enquadramento jurídico dos vários impostos, para a hipótese, privativa, no atraso de restituição colocado a cargo da AT, sem necessidade de qualquer tipo de intervenção do respetivo sujeito passivo. São os casos, paradigmáticos, identificados na sentença recorrida, dos arts. 96.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), 104.º n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e 22.º n.º 8 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) (Acrescentamos, o art. 46.º do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) e o art. 49.º n.º 2 do Código do Imposto do Selo (CIS)..)
Em suma, independentemente, da relevância que se atribua ao não cumprimento do prazo fixado no art. 57.º n.º 1 da LGT (Na sentença defendeu-se que é um prazo meramente disciplinar, destinado, sobretudo, a fazer presumir o indeferimento (do procedimento tributário) para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial, conforme previsto no n.º 5 do artigo 57.º da LGT)., é certo que a sua (eventual) violação, ultrapassagem, não calha na letra, bem como, no espírito, e, implicantemente, na previsão do art. 43.º n.º 3 alínea a) da LGT.

Foquemos, agora, o reparo, da rte, à sentença, no sentido de que interpretou o art. 43.º da LGT, em moldes desconformes com a CRP, destacadamente, violando, inquestionavelmente, o princípio da igualdade, previsto no seu art. 13.º. Esta imputação de inconstitucionalidade assenta no pressuposto de que “(i)nexistindo qualquer diferença material entre, por um lado, as situações previstas no artigo 96.º do Código do IRS, 104.º, n.º 3 do Código do IRC e 22.°, n.° 8 do Código do IVA e, por outro, a situação de incumprimento do prazo previsto no artigo 57.º, n.° 1 da LGT, a interpretação que do artigo 43.º, n.° 3, alínea a) da LGT se encontra plasmada na sentença recorrida, mediante a qual o atraso na restituição do imposto relativo às três primeiras confere o direito ao pagamento de juros indemnizatórios enquanto a última - a que a ora Recorrente foi sujeita - não confere o mesmo direito, viola inquestionavelmente o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição”, bem como, que “não existindo qualquer diferença material entre o atraso na apreciação de pedido de revisão oficiosa, em sentido estrito, de reclamação graciosa ou do pedido de utilização dos prejuízos fiscais apresentado pelo ora Recorrente, a interpretação que do artigo 43.º, n.° 3, alínea c) se encontra plasmada na sentença recorrida, mediante a qual apenas o atraso na apreciação de pedido de revisão oficiosa, em sentido estrito, confere o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, viola igualmente o princípio constitucional da igualdade” - conclusões ff) e gg).

Não deixando de relembrar o que, acima, dissemos sobre a compatibilidade do regime positivado no art. 43.º da LGT, com a prescrição constitucional vertida no art. 22.º da CRP, por toda a argumentação que desenvolvemos em apoio do julgado em 1.ª instância, fácil de se torna perceber não podermos acolher o presente fundamento de recurso. Para nós (tal como para o tribunal recorrido) a situação discutida nestes autos não é igual, do ponto de vista jurídico, às circunstâncias previstas no art. 43.º n.º 3 alínea a) [e, também, muito menos, alínea c)] da LGT, pelo que, não merece tratamento correspondente ao que a estas últimas é dado, no que tange à génese do direito a juros indemnizatórios. Ademais, parece-nos, segundo a ótica da rte, muito esticado o princípio inscrito no art. 13.º da CRP, dirigido, fundamentalmente, para o tratamento dos cidadãos (pessoas) e, nessa medida, com uma força jurídica acrescida, nos termos e para os efeitos do art. 18.º da CRP.

Antes de decidirmos e porque a rte faz uma alusão ao facto de o tribunal recorrido “ter decidido não existir erro na forma de processo” e acabar por julgar improcedente a ação, importa deixar registado que nada impede a assunção da correção/adequação de uma determinada forma processual para ser formulado determinado pedido em juízo e decidir-se pelo seu desatendimento, mesmo com o acrescento de ser outra, a via para melhor exercer tal pretensão, face às concretas razões invocadas - conclusão d).

Não existindo reservas, em tese, de que a situação judicializada, pela autora, nesta ação, pode merecer tutela jurídica, isto é, podendo-se, em princípio, sustentar a possibilidade de existir e ser acionada responsabilidade civil, extracontratual, com a inerente obrigação de indemnizar, da AT, por não ter decidido, no prazo do art. 57.º n.º 1 da LGT, aquele seu requerimento, ao Ministro de Estado e das Finanças e da Administração Pública, solicitando o reconhecimento da utilização dos prejuízos fiscais registados nos exercícios de 2001 a 2006, impõe-se que essa pretensão ressarcitória seja exercida em ação, capacitada para o efeito, onde, designadamente, seja possível alegar e comprovar, por parte da autora, o seguinte quinteto de pressupostos (À semelhança, repetidamente, afirmada pela jurisprudência, do direito civil - art. 483.º n.º 1 do CC.,) da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas: o ato, a ilicitude, a imputabilidade ou culpa, o dano e o nexo de causalidade. Ora, tal veículo processual não é, seguramente, a ação prevista e regulada no art. 145.º do CPPT que, por seguir os termos da impugnação judicial - cf. n.º 4, não permite tal desempenho probatório, mas, sim, uma ação administrativa, a apresentar junto do competente tribunal administrativo, por só a este pertencer jurisdição para apreciar litígios com questões relativas a responsabilidade civil extracontratual - art. 4.º n.º 1 alíneas f), g) e h) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e o poder para julgar do cumprimento, pela Administração, das normas e princípios jurídicos que a vinculam - art. 3.º n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).


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# III.


Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.

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Custas pela recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 28 de abril de 2021. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.