Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0113/18
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22953
Nº do Documento:SA1201802220113
Data de Entrada:02/01/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO E CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. Relatório:

A……….. intentou, no TAC de Lisboa, acção administrativa, contra o CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ), indicando como contra-interessados os candidatos que constaram da lista de ordenação final do concurso para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os TAFs, pedindo a condenação do Réu:
a graduar a Autora nos lugares 37 da lista de habilitados, 59 da lista de graduação final e no lugar 7 da lista de graduação pela via académica, referentes ao 4,° curso de formação inicial teórico-prático para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, por consideração da nota de 13,325 obtida no concurso anterior (2014)
Cumulativamente;
a) ser(em) anulado(s) o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, no âmbito do 4.° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, graduação final e graduação via académica, por violação do disposto no art. 28.°, n.° 6 da Lei 2/2008;
b) reconhecer a nulidade, ou caso assim não se entenda serem anulado(s), o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, graduação final e graduação via académica, no âmbito do 4° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, por violação do direito fundamental ao acesso à função pública em condições de igualdade, transparência e imparcialidade consagrado no art. 472, n.º 2 da CRP;
c) reconhecer a nulidade, ou caso assim não se entenda serem anulado(s), o(s) ato(s) de 04.08.2016 que homologou(aram) as listas de candidatos habilitados, graduação final e graduação via académica, no âmbito do 4.° curso de formação inicial para o preenchimento de 42 vagas da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, por violação do artigo 15.º, n,° 1 da CDFUE.
d) que seja declarada a inconstitucionalidade material do art. 28º, n.° 6 da Lei da Lei 2/2008, de 14 de Janeiro, quando interpretado no sentido de exigir, como requisito para apresentação de candidatura com a rota atribuída no concurso anterior, que o candidato se submeta novamente a provas de conhecimento e nelas fique apto, sob pena de não ficar graduado, por violação do direito fundamental de acesso a funções públicas, em condições de igualdade, transparência e imparcialidade, nos termos consagrados no art. 47º, n.º 2 da CRP”.

O TAC, por sentença de 11 de Abril de 2017, julgou os pedidos improcedentes.

A Autora apelou para o TCA Sul e este, por Acórdão de 19/10/2017, concedeu provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgou a acção procedente condenando o CEJ a graduar a Autora no 4.º curso de formação inicial na posição decorrente da nota de 13,325 valores, obtida no concurso anterior.

É deste Acórdão que vem a presente revista. (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC julgou improcedente o pedido pela seguinte ordem de razões:
“… Resulta das referidas normas que os candidatos aptos que, por falta de vaga, não tenham sido admitidos a frequentar o curso teórico-prático de admissão à magistratura, podem candidatar-se à frequência do curso imediato com a classificação que já detêm e exercer o direito à dispensa de realização de novas provas até ao termo do prazo fixado para apresentação de candidaturas no aviso de abertura do concurso.
Caso optem por prestar provas no último dos concursos em causa, são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos, desde que fiquem aptos.
No caso, a A., no requerimento de candidatura ao concurso de 2016, não exerceu o direito de dispensa de realização das provas previsto no n.º 6 do art.º 28.º do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro. Pelo contrário, declarou querer realizar as provas, o que lhe abriu a possibilidade de vir obter uma classificação superior à que já detinha e de a fazer valer no concurso: prevaleceria sempre a maior das classificações, desde que ficasse apta no concurso de 2016 – n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ.
Pelo que a partir do momento em que decidiu submeter-se às provas do concurso de 2016, ficou sujeita ao regime e à avaliação que viesse a ser realizada no âmbito desse procedimento concursal.
Realizou as provas de «direito e processo administrativo» e de «direito e processo tributário», tendo obtido as classificações de 3,625 valores e de 5,35 valores, respectivamente, e faltou à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos.
….
Pelo que há que concluir que a possibilidade da A. poder aproveitar da nota do concurso de 2014, ficou pendente da comparência às provas do concurso de 2016 a que se propôs e do resultado destas, exigindo o n.º 2 do art.º 21.º do regulamento interno do CEJ que tivesse ficado apta.
Tendo sido excluída por ter faltado à realização da prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos, não está já no procedimento, pelo que não pode aproveitar da classificação do anterior concurso, por as normas em vigor o não preverem.
…..
Acresce que a A. se limita a alegar que obteve informação oral, confirmada através do documento do R. que obteve posteriormente e que contém as respostas às perguntas mais frequentes sobre o procedimento, de que, ainda que faltasse às provas escritas, sempre aproveitaria da graduação que lhe conferia a classificação obtida no concurso anterior. Mas não indica qualquer situação concreta em que tal tenha ocorrido, quer no procedimento concursal de 2016, quer em procedimentos anteriores e que já se encontre consolidada no ordenamento jurídico. ….
Assim, há que concluir que a eventual prática de actos ilegais não confere aos interessados o direito de exigir a prática de novos actos (ilegais) para situações de facto semelhantes – cfr. os acórdãos do STA de 14/12/2000 e de 05/04/2001, processos n.º 046607 e n.º 046609, respectivamente, in www.dgsi.pt. …..”

O TCA revogou essa decisão com a seguinte fundamentação:
“… De acordo com o art. 21.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento interno do CEJ, no caso de os candidatos aptos mas não habilitados no concurso anterior, prestarem provas no concurso seguinte e ficarem aptos, são graduados nesse concurso de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos. O que pressupõe, obviamente, que tenham ficado “aptos” em ambos os concursos. E de acordo com o disposto no art. 24.º, n.º 2, al.ªs a) e b) da Lei n.º 2/2008, de 14/01, que aprova o regime jurídico do ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do CEJ, os candidatos são excluídos quando tenham classificação final inferior a 10 valores em qualquer das provas de conhecimentos que integram a fase escrita e a fase oral ou quando faltem injustificadamente. Logo, um candidato excluído não é um candidato “apto” e logo não poderá beneficiar da regra segundo a qual “são graduados na posição que lhe conferir a classificação mais elevada que obtiverem nos dois concursos, desde que fiquem aptos.” A esse a tese do Recorrido e o entendimento do tribunal recorrido.
A questão surge sim a jusante e tem que ser recolocada.

Dispõe o art. 28.º do Regime jurídico do ingresso nas magistraturas …..

Artigo 28.º
Habilitação para a frequência do curso teórico-prático

1 - Ficam habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato os candidatos aprovados, por ordem de graduação, até ao preenchimento do total das vagas em concurso, com respeito pelas respetivas quotas de ingresso.
……
6 - Os candidatos aptos que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este.
…..
Assim, são considerados “candidatos habilitados”, os candidatos aprovados que obtenham colocação, por ordem de graduação, até ao preenchimento do total das vagas em concurso, com respeito pelas respectivas quotas de ingresso.
E de acordo com aquele n.º 6, os candidatos aptos e que não tenham ficado habilitados para a frequência do curso teórico-prático imediato, por falta de vagas, ficam dispensados de prestar provas no concurso imediatamente seguinte, ficando graduados conjuntamente com os candidatos que concorram a este último. …..
Assim, os únicos pressupostos previstos pela norma legal para a graduação conjunta são:
i) a aprovação no concurso imediatamente anterior; e
ii) a ausência de vagas que tenha impedido o candidato de ficar habilitado.
Nenhum outro pressuposto aplicativo do regime ou requisito do seu exercício vêm previstos na norma em causa.

Assim, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 21.º do Regulamento, no caso de os candidatos aprovados em concurso anterior se candidatarem e ficarem aptos, são graduados no concurso seguinte de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos. Mas e se não ficarem aptos?
…..
O regulamento em causa é, nesta parte, um regulamento de execução, na medida em que vem estabelecer regras para aplicação ou actuação do preceito legal de referência. A norma regulamentar vem emprestar o instrumento necessário à boa execução da lei (cfr., a este propósito, Jorge Coutinho de Abreu, Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, pp. 51-61).
Enquanto regulamento, subordinado à lei, “as suas normas não devem desrespeitar as normas e princípios de direito que lhe são superiores. Não podem, nomeadamente, modificar, suspender, derrogar ou revogar as normas e princípios constitucionais, as normas e princípios de direito internacional vigentes na ordem interna, os actos legislativos e os «princípios» jurídicos(idem, p. 175).
….
Donde, a norma regulamentar em causa, sob pena da sua invalidade, tem necessariamente que se conter nos limites da lei habilitante, a qual serve igualmente de guia e de bitola para a interpretação a fazer na sua aplicação.
…. pretende o Recorrido introduzir uma situação-tipo não prevista na norma primária e que é a necessidade de aprovação dos candidatos no concurso seguinte, no caso de estes pretenderem prestar provas nesse concurso, com prejuízo da classificação obtida no concurso imediatamente anterior. Tal constitui uma interpretação contra legem, pois em nenhuma norma ou segmento normativo do Regime jurídico aprovado pela Lei n.º 2/2008, de 14/01, se excepciona ou sequer menciona tal situação.
……
Em face do exposto, tem que concluir-se que a sentença em apreço merece a censura que lhe vem dirigida, não se podendo manter na ordem jurídica. ”

E conhecendo o mérito da causa concluiu:
“Pelo exposto, procedendo o vício de violação de lei, terá que condenar-se o Centro de Estudos Judiciários a graduar a Autora e ora Recorrente no 4.º curso de formação inicial para preenchimento de 42 vagas de magistrados judiciais para os tribunais administrativos e fiscais, na posição que lhe corresponder por consideração da nota de 13,325 valores, obtida no concurso anterior (aviso publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 30, de 12.02.2014), com as inerentes consequências ao nível da sua graduação final.
Considerando que os autos evidenciam (consulta do SITAF) a frequência do curso pela ora Recorrente, a título provisório, na sequência de providência cautelar decretada, também as notações que lhe hajam sido atribuídas terão que considerar-se plenamente válidas, constituindo tal a mera decorrência jurídica – uma destas - dos efeitos constitutivos do decidido, ao nível da definição da situação jurídica subjectiva da ora Recorrente. De igual modo, terá a classificação obtida, a ter existido, que relevar para as demais fases formativas, o que constitui mera execução do julgado.
Por fim, deverá considerar-se que o objecto do processo é a pretensão do interessado, no caso da Autora e ora Recorrente, e não o acto impugnado de homologação das listas de graduação ao 4.º Curso de formação inicial de magistrados para os tribunais administrativos e fiscais. ….

3. A questão que se suscita nesta revista é a de saber se um candidato aprovado nas provas referentes à frequência do curso de formação de Magistrados mas que o não vem a frequentar por falta de vaga pode frequentar o curso imediato se prestou provas para este curso e nelas foi excluído.
O Tribunal de 1.ª instância respondeu negativamente a esta questão com o argumento de que a Autora só se poderia aproveitar da nota obtida nas provas anteriores se tivesse sido aprovada nas provas do curso seguinte e que, assim sendo, e tendo ficado excluída nessas provas não se pode aproveitar da classificação obtida nas provas do anterior concurso, por as normas em vigor o não preverem.
Daí que tivesse julgado improcedente a acção.
Outro foi, porém, o entendimento do TCA já que este considerou que no caso de os candidatos aprovados em concurso anterior se candidatarem e ficarem aptos, são graduados de acordo com a classificação final mais elevada obtida nos dois concursos, mas que se ficarem excluídos no último concurso continuam a poder frequentar o curso imediato com a nota obtida no primeiro concurso por a lei não prever a sua exclusão.
É visível que as instâncias divergiram na solução da questão que se suscita na acção e que o fizeram com uma argumentação plausível. O que evidencia que a resolução daquela questão passa pela análise de questões jurídicas de algum melindre e dificuldade.
O que, por si só, aconselha a admissão desta revista.
Acresce que atenta a divergência manifestada nas instâncias, apesar de ambas terem desenvolvido um raciocínio lógico e suficientemente fundamentado, e a repercussão que aquela questão pode ter em termos futuros, inclina-nos a pensar que a admissão da revista é necessária para uma mais esclarecida aplicação do direito.
DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.