Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0795/17.2BEALM
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Mostrando-se inviável (por não ter sido, expressamente, erigida em fundamento do recurso) declarar nula a decisão recorrida, o STA tem a possibilidade de, a coberto do disposto no n.º 3 do art. 682 do Código de Processo Civil (CPC), anulá-la, oficiosamente. É que, sendo esta a consequência, implicitamente, avançada para os casos em que o tribunal de recurso/revista se confronte com insuficiente ou contraditória decisão sobre a matéria de facto, capaz de viabilizar a decisão jurídica da causa (pleito), por maioria de razão, existe a via de anulação oficiosa, quando aconteça uma total falta de discriminação dos factos provados (e não provados), que permitam, com segurança, identificar e aplicar o direito.
Nº Convencional:JSTA000P26761
Nº do Documento:SA2202011180795/17
Data de Entrada:01/30/2020
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;
# I.

A……………….., …, recorre da sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, em 5 de setembro de 2019, que, nesta oposição à execução fiscal, decidiu julgar procedente exceção dilatória inominada da impropriedade do meio processual utilizado e absolver a Fazenda Pública (FP) da instância.

O recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

1.º - O presente recurso deve ter efeito suspensivo, ao contrário do decidido no despacho de admissão, uma vez que foi prestada garantia nos autos (artigo 286.º, n.º 2 do CPPT).

2.º - A sentença recorrida é nula, por existir contradição entre a respetiva fundamentação e o respetivo dispositivo.

3.º - Na verdade, a fundamentação da sentença aponta para a existência de exceção dilatória inominada de impossibilidade de dedução de uma única oposição a duas execuções fiscais não apensadas, ao passo que a decisão declara a existência de exceção dilatória de impropriedade dos meio utilizado, o que é uma exceção distinta.

4.º - Por outro lado, na fundamentação, em momento algum, o Tribunal a quo justifica que o meio utilizado (Oposição à Execução) não é o meio próprio de defesa do contribuinte, ora Recorrente, pelo que a decisão é ainda nula por falta de fundamentação.

5.º - Conforme o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal, “a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.

6.º - Assim, a Oposição à Execução Fiscal é o meio próprio para o contribuinte, ora Recorrente, fazer valer o seu direito de defesa, visto que nunca foi notificado dos processos de contraordenação onde foram aplicadas as coimas que deram origem aos autos de execução.

7.º - O Serviço de Finanças de Almada 3, órgão de execução fiscal, sempre tratou ambos os processos de execução fiscal, aos quais o ora Recorrente se opôs, como tendo uma tramitação unitária.

8.º - No comprovativo de entrega de Oposição à Execução, com data de autuação de 02-01-2012, ambas as execuções fiscais, em discussão nos presentes autos, aparecem como estando associadas.

9.º - O Serviço de Finanças de Almada 3, órgão de execução fiscal, notificou o contribuinte, ora Recorrente, em 10-01-2012, para, querendo, prestar garantia idónea, nos termos dos artigos 199.º e 169.º do CPPT, dando a entender que ambos os processos de execução fiscal se encontravam apensos, ao abrigo do disposto pelo artigo 179.º do CPPT.

10.º - O órgão de execução aceitou uma única garantia bancária que se destinava a garantir o cumprimento da dívida exequenda em ambos os processos de execução fiscal, mais uma vez dando a entender que os processos estavam apensados.

11.º - Ao fazê-lo praticou um ato, ainda que tácito, de apensação das execuções, nos termos e para efeitos do artigo 179.º do CPPT.

12.º - Ainda que assim não fosse, o que não se concede a não ser por mero dever de patrocínio, tendo sido deduzida uma única oposição a dois processos de execução não apensados, tal equivale a um requerimento de apensação, ainda que tácito, pelo que competia ao serviço de finanças proceder à apensação oficiosa ou a proceder à notificação do contribuinte, ora Recorrente, da recusa dessa apensação, para que o mesmo pudesse deduzir as oposições de forma separada.

13.º - Ou seja, a Fazenda Pública não só não cumpriu a obrigação que sobre si impendia, enquanto órgão de execução fiscal, de conhecer a questão da apensação das várias execuções, posto que as questões de conhecimento oficioso podem e devem ser invocadas a todo o tempo pelos interessados, como ainda pretende retirar efeitos processuais negativos para o interessado, enquanto entidade exequente, invocando uma realidade processual que decorre dessa sua omissão ilegal de prática de ato processual.

14.º - A Fazenda Pública adota uma postura de verdadeiro venire contra factum proprium nos presentes autos: primeiro, recebe a oposição apresentada às duas execuções; segundo, notifica para prestação de garantia, no valor global de € 6.450,67, em relação a ambas as execuções (cfr. ofício 218, de 10/1/12); terceiro, aceita a garantia prestada, ordenando a suspensão de ambas as execuções, dando a entender ao Oponente que tudo está bem e que as execuções correm efetivamente por apenso; por último, já em sede judicial, adota uma postura contraditória com a sua atuação anterior, vindo agora invocar que existe uma exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da Fazenda Pública da instância.

15.º - O entendimento de que a dedução de uma única Oposição à Execução Fiscal a vários processos executivos não apensados conduz a uma exceção dilatória inominada que importa a absolvição da Fazenda Pública da instância é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da justa medida, ínsito no artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

16.º - Tal cominação viola ainda o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, deverá ser revogada a sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que conheça o mérito da causa,

Assim se fazendo a tão acostumada Justiça! »


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Não existe contra-alegação.

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O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, concluindo que se impõe a revogação da sentença recorrida, por manifesta insuficiência da matéria de facto.

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Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


A sentença, sob crítica, não efetuou qualquer discriminação entre factos provados e não provados, para apreciar e decidir da “questão prévia”, suscitada pela FP, “a excepção dilatória inominada da impossibilidade de dedução de uma única oposição contra processos executivos não apensados entre si.”.

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Sem prejuízo dos concretos fundamentos deste recurso jurisdicional (Sendo certo, quanto à questão do efeito do recurso, não fornecerem os autos elementos suficientes para uma, segura e sustentada, pronúncia nossa.), em primeira linha, a consideração da circunstância acabada de mencionar, imediatamente, nos leva a afirmar a, objetiva, ausência de enquadramento factual, mínimo/suficiente, para efeitos da aplicação do competente enquadramento jurídico/de direito.

Efetivamente, sendo certo que “factos”, para efeitos de fixação da base instrutória (No caso do processo judicial tributário, corresponde à discriminação entre a matéria de facto provada e a não provada, exigida pelo n.º 2 do artigo (art.) 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).) de uma qualquer causa, demanda, judicial, são, resumidamente, as “ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas”, englobando “não apenas os acontecimentos do mundo exterior, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (Cf. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 406 segs.), com facilidade e sem necessidade de profundos desenvolvimentos, se assume que, a sentença recorrida patenteia uma falta absoluta de julgamento e fixação da matéria de facto (Não obstante, a menção “…, estando nós perante uma petição inicial deduzida contra diversas execuções fiscais não apensadas entre si, …”.), relevante, para avaliação e decisão, segundo as diversas soluções plausíveis, da pretensão do oponente/rte.

Esta incidência, numa abordagem liminar, seria adequada a suportar, sem mais, pronúncia no sentido de declarar nula a decisão sob escrutínio, dado mostrar-se, à evidência, preenchida a causa de nulidade, positivada no artigo (art.) 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com correspondência na alínea (al.) b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), “a não especificação dos fundamentos de facto (…) da decisão” / “quando não especifique os fundamentos de facto (…) que justificam a decisão”. Porém, a assunção e declaração dessa nulidade mostra-se, nesta sede, inviável, por virtude de a mesma não ter sido, expressamente ( O rte invocou a nulidade consubstanciada na contradição entre a fundamentação e a decisão, a qual, não apresentando a evidência da que identificamos, para ser verificada, imporia uma abordagem desnecessária, em virtude do que decidiremos de seguida.), erigida em fundamento do presente recurso jurisdicional.

Ora, este óbice, não é, em todo caso, capaz de impedir a consideração e o tratamento da detetada e apontada omissão sob a perspetiva/orientação que o art. 682.º n.º 3 do CPC (ex vi do art. 281.º do CPPT) fixa para o julgamento, por parte deste Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, da decisão, proferida em 1.ª instância, sobre a matéria de facto. Doutro modo, porque estamos em presença de potenciais implicações derivadas de uma mesma origem, o julgamento no quadrante factual, compete retirar as consequências legais, sob todos os ângulos onde se reflitam os concretos termos em que tal julgamento foi levado a cabo.

Nestes moldes enquadrada, a situação sub judice, na conferida inviabilidade de declarar nula a decisão recorrida, faz-nos propulsar a possibilidade de, a coberto do disposto no n.º 3 do invocado art. 682 do CPC, anulá-la, oficiosamente. É que, sendo esta a consequência, implicitamente, avançada para os casos em que o tribunal de recurso/revista se confronte com insuficiente ou contraditória decisão sobre a matéria de facto, capaz de viabilizar a decisão jurídica da causa (pleito) (Casos em que a anulação da sentença/decisão recorrida visa permitir, em primeira linha, a ampliação e (ou) clarificação da factualidade fixada no tribunal recorrido.), por maioria de razão, existe a possibilidade de anulação oficiosa, quando aconteça uma total falta de discriminação dos factos provados (e não provados), que permitam, com segurança, identificar e aplicar o direito.

Sem nos demarcarmos da abordagem levada a cabo na decisão sob apreciação (além do mais, porque foi essa a criticada/posta em causa neste recurso), mas, como é evidente, podendo o novo julgamento (porque a mesma será integralmente anulada), em tese, seguir outras vias possíveis, ao tribunal de 1.ª instância é exigível a concretização de factos, comprovados nos autos ou a comprovar por elementos que se entenda fazer juntar, idóneos, se necessário, para, além do mais, se poder aquilatar e afirmar que as execuções fiscais, visadas por este processo de oposição, estavam apensadas ou, não estando, deviam estar, em função do que terão sido os procedimentos adotados pelo órgão da execução fiscal e/ou do executado (aqui, oponente) (Mais do que a alegação do rte, importa atentar no conteúdo da resposta formalizada, pelo oponente, “À EXCEÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DE UMA ÚNICA OPOSIÇÃO CONTRA VÁRIOS PEF’S NÃO APENSADOS” - cf. pág. 83 ss (SITAF).).

Assim sendo, embora por diversa motivação, tem de atender-se o pedido de que seja viável este recurso.


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# III.


Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e anular a decisão recorrida;

- devolver o processo, ao TAF de Almada, a fim de, após efetivado, nos moldes prescritos por lei, julgamento factual, ser apreciada e julgada, em primeiro lugar, a matéria das exceções invocadas, pela Fazenda Pública, na contestação apresentada e, sendo o caso, o mérito da oposição à execução fiscal.


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Sem tributação.

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[Texto redigido em meio informático e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 18 de novembro de 2020. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.