Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01777/20.2BEPRT
Data do Acordão:10/07/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista para uma melhor aplicação de direito se o juízo feito in casu de preenchimento do requisito do fumus boni iuris se apresenta como não isento de dúvidas e, nessa medida, carecido de reanálise.
Nº Convencional:JSTA000P28313
Nº do Documento:SA12021100701777/20
Data de Entrada:07/09/2021
Recorrente:A..........
Recorrido 1:CONSELHO DISCIPLINAR REGIONAL DO NORTE DA ORDEM DOS MÉDICOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……….., devidamente identificado nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.05.2021 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1278/1376 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário - sustentado quanto à arguição de nulidade pelo acórdão de 31.08.2021 - fls. 1464/1468], que negou provimento ao recurso de apelação que deduziu por inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/PRT] - cfr. fls. 1138/ 1212 - , e que indeferira totalmente a pretensão cautelar deduzida contra a Ordem dos Médicos e na qual peticionara «a suspensão da eficácia do Acórdão proferido pelo Conselho Disciplinar Regional do Norte, datado de 11/05/2020, que lhe aplicou a sanção disciplinar de 12 meses de suspensão».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1384/1436], ao que se extrai da sua alegação, na relevância jurídica que reputa de fundamental [quanto à questão do efeito atribuído ao recurso de apelação pelo TCA] e para efeitos de «uma melhor aplicação do direito», invocando, nulidades de decisão [art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil (CPC/2013) ex vi do art. 01.º do CPTA] e incorreta aplicação, mormente dos arts. 118.º, n.ºs 2 e 5, 120.º, n.º 1, do CPTA, 20.º, n.º 5, 32.º, n.ºs 2, 5 e 10, 269.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa [CRP], 03.º, n.º 3, do CPC/2013, 376.º do Código Civil [CC], 06.º, n.ºs 1, 5 e 9, 11.º, n.º 2, 13.º, 15.º, 16.º, 29.º, n.º 2, 30.º, n.º 1, 54.º, n.ºs 1 e 2, todos do Regulamento da Ordem dos Médicos, 178.º, n.º 5 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e 161.º, n.º 1, als. d) e l) do Código de Procedimento Administrativo [CPA/2015].

3. Não foram produzidas contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1443 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/PRT, por decisão de 08.01.2021, indeferiu o requerimento de instrução probatória apresentado pelo aqui recorrente e, de seguida, julgou improcedente a pretensão cautelar por não se encontrar verificado o requisito do fumus boni juris, juízo esse que foi mantido, por maioria, pelo TCA/N.

7. Compulsados os autos importa, destarte, apreciar «preliminar» e «sumariamente» se se verificam os pressupostos de admissibilidade referidos no n.º 1 do citado art. 150.º do CPTA, ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

8. O caráter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência desta Formação, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

9. Com efeito, a orientação jurisprudencial desta Formação de Admissão Preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

10. Entrando na análise do preenchimento dos pressupostos da revista sub specie impõe-se referir, desde logo, que não se vislumbra que a questão indicada como de relevância fundamental reclame labor de interpretação, ou que se mostre de elevada complexidade jurídica em razão da dificuldade das operações exegéticas a realizar, de enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, ou cuja análise suscite dúvidas sérias, nem tão pouco que exija a aplicação e concatenação de diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos, antes se apresentando com um grau de dificuldade comum dentro das controvérsias judiciárias sobre a matéria, cientes de que a pronúncia está em linha com a jurisprudência e doutrina produzida.

11. Já quanto à necessidade de admissão da revista para uma melhor aplicação de direito temos que, presente a motivação expendida pelo recorrente e o quadro normativo posto em crise, e sem prejuízo da muito diversa valia ou bondade da motivação aduzida nesta sede, se apresenta, desde logo, como não isenta de dúvidas e carecida de reanálise por este Supremo a questão respeitante ao acometido erro de julgamento quanto ao juízo dubitativo feito pelo TAF/PRT e mantido pelo TCA/N de não preenchimento do requisito do fumus boni iuris no segmento que se prende com a existência ou não da prescrição do procedimento disciplinar, impondo-se reapreciar o juízo sumário da efetiva probabilidade do ora recorrente poder vir a obter ou não ganho de causa no processo principal.

12. Verificado este pressuposto de admissão do recurso quanto àquela motivação em disputa, esta formação não necessita de se pronunciar sobre a bondade/valia ou não das outras questões, sendo a formação de julgamento a determinar o âmbito de cognição, isto é, das questões de fundo que vai decidir, de acordo com o determinado no art. 150.º, n.º 3, do CPTA.

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..
Lisboa, 07 de outubro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.