Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0101/14.8BESNT
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - Em processos de recurso (judicial) de decisões de aplicação de coimas, podendo a parte interessada interpor recurso jurisdicional ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), este tem que ser expressamente requerido, com a indicação dos circunstancialismos de facto e/ou de direito (só este, no caso do STA), justificativos da admissão excecional do recurso.
II - A expressão «melhoria da aplicação do direito», utilizada no art. 73.º n.º 2 do RGIMOS, deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial», nas quais «à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito». Mais, pressupõe que se trate de uma questão jurídica que preencha três requisitos: (1) ser relevante para a decisão da causa, (2) tratar-se de uma questão necessitada de esclarecimento e (3) mostrar-se passível de abstração, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares.
III - A “promoção da uniformidade da jurisprudência”, também, inscrita no mesmo normativo, justifica-se quando a decisão recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição, o qual ocorre, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual.
IV - A pedida, pela recorrente, uniformização de “jurisprudência para uma melhor aplicação do direito”, não tem substrato válido e legal, em virtude de o recurso, interposto a coberto do art. 73.º n.º 2 do RGIMOS, ter sido dirigido para aspeto não essencial, lateral, sem relevância nenhuma para a apreciação e julgamento do objeto do (putativo) recurso da decisão do tribunal de 1.ª instância, pelo que, não é de aceitar o recurso jurisdicional, que interpôs.
Nº Convencional:JSTA000P25830
Nº do Documento:SA2202005060101/14
Data de Entrada:01/28/2019
Recorrente:A.................. LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa;

# I.


A……….., Lda., com os sinais dos autos, neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre, jurisdicionalmente, da sentença produzida, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 28 de setembro de 2018, que julgou “improcedente o … recurso de contra-ordenação, mantendo-se, em consequência, a decisão de aplicação de coima.”; sendo esta no montante de € 787,50.

Alegou e concluiu, nos seguintes termos: «

A) Fundamenta o Tribunal a quo, no entender da Recorrente mal, que “não colhe o argumento de que o imposto apurado seria de € 20,07 o que, tendo em conta o disposto no artigo 111.º do CIRC, importaria a não cobrança de qualquer montante, uma vez que este normativo se aplica aos casos de liquidação efectuada pela AT (cf. artigos 109.º e 110.º do CIRC). Sendo que, a liquidação de IRC é feita, em regra, pelo próprio sujeito passivo, tratando-se de uma auto-liquidação.”

B) Facto assente e não contestado é que o valor de imposto a liquidar seria sempre de € 20,07 (vinte euros e sete cêntimos), independentemente de quem emitia a liquidação.

C) Prevê o artigo 111.º do CIRC “não há lugar a cobrança quando, em virtude da liquidação efectuada, a importância liquidada for inferior a € 25.”

D) Não é possível retirar deste normativo que a expressão “liquidação” a que se refere no artigo 111.º diz apenas respeito às que são emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

E) Esta questão não foi ainda debatida e estudada a nível dos tribunais de primeira instância, motivo pelo qual a decisão que incidir sobre o presente recurso é fundamental para uma melhor aplicação do direito.

F) O artigo 111.º do CIRC está integrado na secção III (disposições comuns) do Capítulo VI (Pagamento). Quis o legislador estabelecer nesta secção as disposições comuns sobre o pagamento. São comuns quer ao Sujeito Passivo quer às Finanças e as especificações de cada um estão integradas em artigo próprio, veja-se,

G) O artigo 109.º do CIRC refere-se à falta de pagamento de imposto autoliquidado. Neste artigo estatui-se as consequências da falta de pagamento do imposto autoliquidado, ou seja o Sujeito Passivo ao ter emitido a guia de autoliquidação e que não a pagou.

H) No artigo imediatamente seguinte (110.º do CIRC), o legislador estabeleceu como deve o Sujeito Passivo pagar o imposto liquidado pelos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira.

I) O segundo artigo das disposições comuns, devidamente integrado no código (CIRC), refere que quando o sujeito passivo não cumpre com a obrigação de pagamento (artigo 109.º do CIRC), então os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira notificam o Sujeito Passivo para pagar o imposto.

J) Quis o legislador dizer que, quer por iniciativa do contribuinte quer por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira, o limite para o qual não há lugar à cobrança do imposto. Por outras palavras, quis o legislador estabelecer um limite para o qual não há lugar à cobrança do imposto, independentemente se é liquidado pelos serviços da Administração Tributária ou se é auto-liquidado.

K) Por exemplo, o Tribunal a quo teria mérito na decisão se constasse da norma a seguinte redacção ou semelhante: não há lugar a cobrança quando, em virtude de liquidação efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a importância liquidada for inferior a € 25.” MAS TAL EXPRESSÃO NÃO CONSTA DA REFERIDA NORMA.

L) É indiferente se os € 20,17 não são recebidos por via da autoliquidação ou se não são recebidos por via de liquidação da Autoridade Tributária e Aduaneira.

M) Assim, esta questão é premente e carece de ser uniformizada para que futuramente não subsistam mais quaisquer dúvidas sobre esta matéria que é, a ver da Recorrente, clara mas que suscitam dúvidas no Tribunal a quo.

N) Cumpre então realçar que, não estão reunidos os requisitos para que seja aplicada qualquer coima ao presente processo uma vez que: -A infracção não ocasiona qualquer prejuízo para a receita tributária, vide, (artigo 111.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas); - A falta cometida encontra-se regularizada; e, - A própria falta revela um diminuto grau de culpa.

O) A Recorrente regularizou a situação tributária mesmo antes da existência de qualquer processo.

P) Termos em que, andou mal o Tribunal a quo ao aplicar o direito, designadamente ao interpretar a norma do artigo 111.º do CIRC e, consequentemente deverá considerar-se que não existiu prejuízo efectivo para a Administração (aliás, porque era impossível haver prejuízo).

Q) Considerando que não houve qualquer prejuízo para a receita fiscal e bem assim como, atendendo ao montante irrisório de imposto apurado (não sujeito a cobrança!) e a discrepância entre este e o valor da coima, deve dispensar a Recorrente da coima nos termos do artigo 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.

R) Por fim, cumpre ainda referir que a sentença recorrida e a conduta da administração viola o princípio da proporcionalidade noutra acepção, diversa da anteriormente exposta.

S) É desproporcional a aplicação de uma coima no valor de € 787,50 (setecentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) por um facto que o Estado declara, por via de lei, não lhe causar qualquer prejuízo (vide artigo 111.º do CIRC).

T) Ora, se o Estado pretende não efectuar cobranças abaixo dos € 25,00 (vinte e cinco euros), então a aplicação de uma coima de valor superior a 300% do valor que era devido ao Estado (€ 20,07), manifesta-se excessivamente desproporcional.

U) Motivo pelo qual, a Administração Tributária e a sentença recorrida violam, perigosamente, o princípio da proporcionalidade.

Assim, nestes termos e nos demais de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve julgar o presente recurso procedente por provada, uniformizando assim a jurisprudência para uma melhor aplicação do direito, bem como deve revogar a sentença recorrida substituindo-a por outra que dispense a Recorrente do pagamento da coima, para que se faça a costumeira Justiça. »


*

Não houve lugar a contra-alegação.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, com o conteúdo que, em parte, se transcreve a seguir: «

…, Lda., inconformada com a sentença recorrida proferida a 28-3-2018, que julgou improcedente o recurso de contraordenação e manteve a decisão de aplicação da coima, cujos factos remontam a 31-5-2012, vem interpor recurso para o S.T.A., nos termos do art. 73.º n.º 2 do R.G.C.O..

(…).

Dependendo o conhecimento do recurso de ser “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito”, conforme previsto no n.º2 do art. 73.º do R.G.C.O., não é de dar por preenchido tal requisito.

Com efeito, a recorrente invoca a aplicação da dispensa de coima, a qual se encontra prevista no art. 32.º do R.G.I.T., e de que se conheceu na sentença recorrida.

Pretende ver apreciado tal de acordo com os arts. 109.º a 111.º do C.I.R.C., mas fá-lo, sem que resulte suporte de facto o que se alega do imposto apurado ter sido apenas de € 20,07.

Por outro lado, nesse art. 32.º inclui-se parte relativa à atenuação especial da coima – assim, no seu n.º 2.

Tal atenuação implica a redução dos limites, mínimo e máximo, da coima a metade – nesse sentido, acórdão do S.T.A. de 25-10-2017, proferido no recurso n.º 371/17.

Acresce que a recorrente, mesmo após convite, nada acrescentou às conclusões apresentadas ao recurso interposto.

Assim, e por tudo isso não é possível dar por preenchido o dito requisito de que depende a apreciação do recurso interposto, nomeadamente de modo a ter lugar uma redução na coima aplicada.

Concluindo:

Pronuncio-me no sentido de não ser de tomar conhecimento do recurso interposto, por não se verificar o requisito previsto no n.º 2 do dito art. 73.º do R.G.C.O..

(…). »


*

Notificadas as partes do teor deste parecer, mantiveram-se em silêncio.

*

Dada vista aos Exmos. Conselheiros-adjuntos, compete apreciar e decidir.

*******

II


Mostra-se consignado, na decisão recorrida, em sede de julgamento factual: «

A. Em 3 de Setembro de 2012, foi levantado à Recorrente auto de notícia, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 117.°, n.º 1, alínea b) do CIRC e 119.°, n.º 1 e 26.º, n.º 4, do RGIT – Entrega fora de prazo da declaração periódica de rendimentos (substituição) - IRC Mod. 22 (cf. fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Com base no auto de notícia referido na letra anterior, foi, na mesma data, instaurado pelo Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz), contra a Recorrente, o processo de contra-ordenação n.º 3166201206111203 (cf. fl. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Notificada para defesa e pagamento com redução nos termos do artigo 70.º do RGIT, veio a Recorrente, através de requerimento enviado via correio registado em 21 de Setembro de 2012, apresentar “resposta escrita”, na qual formulou pedido idêntico ao formulado nos presentes autos (cf. fls. 4 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Foi prestada informação e proferido despacho concordante pelo Chefe do Serviço de Finanças, aquela com o seguinte teor (cf. fls. 23 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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E. Os quais foram notificados à Recorrente por ofício remetido por carta registada (Registo n.° RM671871695PT), datado de 12 de Outubro de 2012 (cf. fl. 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 5 de Novembro de 2012, foi proferida a decisão administrativa de aplicação de coima ora recorrida, com o seguinte teor essencial (cf. decisão exarada a fis. 27 e 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):



G. Por carta registada (Registo n.° RM671841699PT) foi remetido oficio de notificação da decisão referida na letra anterior, datado de 5 de Novembro de 2012 (cf. fl. 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. Em 7 de Janeiro de 2013, foi enviado ao Serviço de Finanças requerimento de recurso de contra-ordenação (cf. fls. 30 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. Em 29 de Abril de 2013, foi proferida sentença por este Tribunal que anulou a decisão referida na letra F supra, por nulidade insuprível, nos termos dos artigos 63.° n.° 1, alínea d) e 79°, n.° 1, alínea b), do RGJT (cf. doc. junto a fls. 63 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e consulta no SITAF); [****************************************************************************************************************************************]

J. Devolvido o processo às finanças, foi prestada informação e proferido despacho concordante pelo Chefe do Serviço de Finanças, com o seguinte teor (cf. fl. 80, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):




K. Em 7 de Agosto de 2013, foi proferida a decisão administrativa de aplicação de coima ora recorrida, com o seguinte teor essencial (cf. decisão exarada a fls. 81 e 82, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

A fls. 4 dos autos, foi dado cumprimento ao art° 70 do Regime Geral das Infracções Tributárias - RGIT, Isto é, foi dada a possibilidade ao arguido para apresentar a sua defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entendesse ou utilizar a possibilidade do pagamento antecipado nos termos do art° 75 do mesmo regime.

O contribuinte optou por apresentar defesa em 2012-09-04 alegando que o imposto apurado é de 20,07 € o que tendo em conta o disposto no art° 111 do Código do IRC imporia a não cobrança de qualquer imposto pelo que se encontram reunidos os requisitos para que não seja aplicada qualquer coima, nos termos do art° 32 do RGIT.

Nos termos dos art°s 117 n° 1 b) e 122 do Código dc IRC, o contribuinte pode entregar uma declaração de substituição à declaração de rendimentos modelo 22, anteriormente enviada, no entanto, se não for cumprido o prazo estabelecido na art° 120 do mesmo diploma, a mesma é punida pelo art° 119 n°1 do RGIT.

Estabelece o art° 59 nº 3 III) do Código de Procedimento e de Processo Tributário — CPPT que quando tenha sido liquidado Imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efectivo pode ser apresentada declaração de substituição, nos termos do artº 122 do Código do IRC, sem prejuizo da responsabilidade contra-ordenacional.

Assim, ao ter enviado a declaração de substituição em 2012-07-30, enviou a mesma fora do prazo legal, pelo que a infracção foi efectivamente praticada sendo a coima devida, não havendo base legal para o afastamento da coima ao abrigo do artº 32 do RGIT, tendo sido apurado imposto em falta.

Considerando que, nos termos do n° 2 do art° 69 do RGIT, o auto de noticia a fls. 2 dispensa a investigação e instrução do presente processo. dá-se como provado a entrega fora de prazo da declaração de rendimentos de IRC modelo 22 de 2012.

As situações descritas nos autos constituem infracções ao ad° 117 n°1 b) e art° 122 do Código do IRC, infracções essas que integram o delito de contra-ordenação, sendo puníveis pelo artº 119 nº1 conjugado com o artº 26 n°4 do RGIT.

Assim, considerando tais factos provados, aplico a coima única de 787.50 € (Setecentos e Oitenta e Sete Euros e Cinquenta Cêntimos) e tendo em atenção os seguimentos elementos:

a) Houve imposto em falta:

b) Não houve actos de ocultação que pudessem dificultar a descoberta da contra-ordenação;

c) A ocorrência teve carácter acidental;

d) A Infracção foi negligente;

e) A infracção regularizada;

f) Não é conhecida qualquer tentativa de suborno ou obtenção de vantagem ilegal junto dos funcionários;

g) Não havia especial obrigação de não cometer a infracção;

h) Que, quanto à situação económica do arguido se detectaram elementos de grandeza, quer revelados pelas declarações de rendimentos, quer por quaisquer outras proveniências.

Condeno o agente em custas, no montante de 76,50 € nos termos do capitulo IX do Dcc. Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, “ex vi” do artº 66 do RGIT.

Nos termos do artº 79 do já mencionado regime, notifique-se o agente para no prazo de 20 (vinte) dias, efectuar o pagamento das quantias devidas, ou recorrer judicialmente sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva.

Notifique-se o infractor para no prazo de 15 (quinze) dias a contar da notificação efectuar o pagamento voluntário da coima, nos termos do artº 78 do RGIT, se aplicável.

Se. for Interposto recurso judicial, o pedido deverá ser dirigido ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e será apresentado neste Serviço de Finanças, com o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Vigora o prírcipio da proibição da “reformatio in pejus’” (em caso de recurso a coima não é agravada caso se mantenham as condições actuais.

No caso de ser impossivel ao agente efectuar o pagamento da coima dentro do referido prazo, deverá o facto ser-me comunicado por escrito, com antecedência, para efeito do disposto nos nºs 4 a 6 do artº 86 do já citado DL n°433/82.

L. O qual foi notificado à Recorrente por ofício remetido por carta registada (Registo n.° RM671885200PT), datado de 8 de Agosto de 2013 (cf. fl. 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Em 30 de Agosto de 2013, foi enviado ao Serviço de Finanças o requerimento do presente recurso de contra-ordenação (cf. fls. 84 e segs. e 115 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido).»


***

Liminarmente, a título de questão prévia, impõe-se decidir da admissibilidade deste recurso jurisdicional, interposto de decisão proferida em processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima, em que esta apresenta o valor de € 787,50, sem injunção de sanção acessória.

Prescrevem os n.ºs 1 e 2 do artigo (art.) 83.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) que, o arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público, podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento exclusivo em matéria de direito, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.

Admite-se, contudo, em casos justificados, a possibilidade de recurso (da sentença ou despacho judicial decisório) com base em fundamentos previstos no art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, taxativamente, “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cf. n.º 2 do citado art. 73.º).

No caso sub judice, foi fixada (sem aplicação de qualquer sanção acessória), em 7 de agosto de 2013, pelo Chefe do Serviço de Finanças competente, uma coima no valor de € 787,50, acrescida de custas, ou seja, montante, claramente, inferior a um quarto da alçada (€ 1.250,00 = € 5.000,00 x 1/4) estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – cf. art. 44.º nº 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (e art. 5.º do DL. n.º 303/2007 de 24 de agosto); circunstancialismo que, em princípio, seria determinante da não admissibilidade deste recurso jurisdicional, face ao disposto no art. 83.º n.º 1 (parte final) do RGIT.

Porém, a recorrente (rte), nas conclusões E) e M) deste recurso jurisdicional, aduz, respetivamente, que: «

E) Esta questão não foi ainda debatida e estudada a nível dos tribunais de primeira instância, motivo pelo qual a decisão que incidir sobre o presente recurso é fundamental para uma melhor aplicação do direito.

M) Assim, esta questão é premente e carece de ser uniformizada para que futuramente não subsistam mais quaisquer dúvidas sobre esta matéria que é, a ver da Recorrente, clara mas que suscitam dúvidas no Tribunal a quo.»

Sem mais, invocações com este teor não seriam suficientes para o preenchimento da exigência sufragada pela jurisprudência, deste Supremo Tribunal, no sentido de que, em processos de recurso (judicial) de decisões de aplicação de coimas, podendo a parte interessada interpor recurso jurisdicional ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGIMOS, este tem que ser expressamente requerido, com a indicação dos circunstancialismos de facto e/ou de direito (só este, no caso do STA), justificativos da admissão excecional do recurso. Contudo, não obstante, na situação em apreço, a rte haver omitido, na alegação e conclusões, qualquer menção, explícita, do citado normativo legal, constatamos que, no requerimento inicial de interposição do recurso, para o STA ( Cf. pág. 161 (SITAF).), consta “…, vem, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 83.º do RGIT conjugado com o n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, interpor recurso para melhor aplicação do direito.”, pelo que, se julga cumprida a condição em apreço.

Como tem sido sublinhado pela jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário, “A expressão «melhoria da aplicação do direito», usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO, deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial», situações essas em que, «à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito” - cf., v.g., acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de novembro de 2012 (704/12), de 29 de outubro de 2016 (298/16) e de 3 de novembro de 2016 (1017/16). Acresce que a aludida “melhoria da aplicação do direito” pressupõe que se trate de uma questão jurídica que preencha três requisitos: ser relevante para a decisão da causa, tratar-se de uma questão necessitada de esclarecimento e mostrar-se passível de abstração, isto é, ser uma questão que permite o isolamento de uma ou mais regras gerais aplicáveis a outros casos práticos similares ( Ver, acórdão do STA de 8 de janeiro de 2020 (287/16.7BEMDL).).

Outrossim, a “promoção da uniformidade da jurisprudência” justifica-se quando a decisão recorrida consagra uma solução jurídica que introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência. O simples erro de direito não é bastante, sendo necessário que o erro tenha inerente um perigo de repetição, o qual ocorre, designadamente, quando se aplicam sanções muito diferenciadas a situações de facto similares ou quando se violam princípios elementares do direito processual.

Acrescente-se que, a possibilidade de recurso com a amplitude, assegurada pelo art. 73º n.º 2 do RGIMOS, tem, na essência, em vista assegurar, eficazmente, os direitos do arguido, consagrados na Constituição, permitindo o controlo jurisdicional dos casos em que haja erros claros na decisão judicial ou se apresente, comprovadamente, duvidosa a solução jurídica adotada - cf. neste sentido, também, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (RGIT Anotado, 2ª edição, pág. 506).

No despacho judicial que decidiu este caso ( Cf. art. 64.º n.ºs 1 e 2 do RGIMOS.), o julgador identificou, como “questão decidenda”, a aplicação ao caso concreto do regime jurídico da dispensa e atenuação especial das coimas, inscrito no art. 32.º do RGIT e, em seguida, discorreu: «

Ora, não pode afirmar-se que inexistiu prejuízo efectivo para a arrecadação da receita tributária pelo simples facto de se ter apresentado declaração de substituição. Com efeito, é condição da dispensa de coima que não tenha sido ocasionado prejuízo, não sendo relevante para preenchimento dessa condição o eventual ressarcimento do prejuízo provocado pela conduta que constitui contra-ordenação (apresentação da declaração de substituição).

Por outro lado, não colhe o argumento de que o imposto apurado seria de € 20,07, o que, tendo em conta o disposto no artigo 111.º do CIRC, importaria a não cobrança de qualquer montante, uma vez que este normativo se aplica aos casos de liquidação efectuada pela AT (cf. artigos 109.º e 110.º do CIRC). Sendo que, a liquidação de IRC é feita, em regra, pelo próprio sujeito passivo, tratando-se de uma auto-liquidação.

(…).

Pelo que, no caso concreto, tendo ocorrido prejuízo efectivo para a receita tributária, antes da regularização da dívida, não está verificado o requisito previsto na citada alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º do RGIT.

Não sendo caso para dispensa da coima, também não se mostra adequada a sua atenuação especial, atendendo a que a Recorrente alega factos que por alguma forma a desresponsabilizam da infracção, como sejam aquele referido acima de que a falta originou um prejuízo à receita tributária tão pouco relevante que implica a não cobrança do imposto (cf., entre outros, acórdão do STA de 2 de Julho de 2008, proferido no processo n.º 0331/08, disponível em www.dgsi.pt).

Sendo que, a regularização da dívida não traduz ou significa o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade.

Por outro lado, desconhece-se por que foi motivado o atraso de cerca de dois meses na entrega da declaração de substituição e pagamento do imposto em falta, não se tendo provado nenhuma causa de desculpação para a Recorrente assim ter agido, sendo inquestionável que, neste âmbito, é premente a necessidade de prevenção geral como meio de contrariar idênticas faltas por parte outros obrigados fiscais.

Pelo que, no caso concreto, não está verificado o pressuposto do reconhecimento da responsabilidade contra-ordenacional, previsto no citado n.º 2 do artigo 32.º do RGIT.

(…). »

A esta fundamentação e ao consequente veredicto de improcedência do recurso (judicial), aponta a rte, em síntese, erro de julgamento, quando defende que a previsão do art. 111.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) não é aplicável à situação julganda, porquanto tal normativo só se aplica aos casos de liquidação efectuada pela autoridade tributária e aduaneira (AT) - cf. arts. 109.º e 110.º do CIRC, sendo que, a liquidação de IRC é feita, em regra, pelo próprio sujeito passivo, tratando-se de uma autoliquidação. Acresce, ser, precisamente, esta questão que a rte pretende ver decidida “para uma melhor aplicação do direito” e que “carece de ser uniformizada para que futuramente não subsistam mais quaisquer dúvidas sobre esta matéria…”.

Sem delongas, para além de a solução jurídica perfilhada, na decisão recorrida, objetivamente, não configurar um erro claro, pelo qual, em face de entendimento jurisprudencial amplamente adotado, repugne manter na ordem jurídica aquela, por constituir uma afronta ao direito, bem como, que o julgamento, da matéria versada, introduza, mantenha ou agrave diferenças dificilmente suportáveis na jurisprudência, justificativas de algum tipo de uniformização, sucede que a pretensão, da rte, assenta em premissa errada, pois, é suportada pela ideia de a aplicação da coima estar relacionada com a não liquidação de imposto (IRC) no montante de € 20,07, quando, efetivamente, o comportamento típico e ilícito, que esteve na base da condenação, pela autoridade administrativa, se traduziu na entrega, em 30 de julho de 2012, fora do prazo legal, terminado a 31 de maio de 2012, da declaração periódica de rendimentos de IRC, modelo 22 (substituição), referente ao exercício de 2011, na qual alterou o resultado líquido do exercício de € 0,00 para € 1.338,00 – ver, pontos J. e K. dos factos provados. Em consonância, o despacho que aplicou a coima, apontou, explicitamente, que a arguida cometeu infração ao disposto nos arts. 117.º n.º 1 alínea b) e 120.º CIRC, punível pelo art. 119.º n.º 1, conjugado com o art. 26.º n.º 4 ambos do RGIT, enquadramento jurídico confirmado pelo despacho decisório recorrido que, em conformidade, manteve a coima aplicada, após concluir não estarem reunidos os requisitos legais capazes de permitirem a sua dispensa ou atenuação especial.

Deste cenário, decorrem as seguintes consequências:

- a pedida, pela rte, uniformização de “jurisprudência para uma melhor aplicação do direito”, não tem substrato válido e legal, em virtude de o recurso, interposto a coberto do art. 73.º n.º 2 do RGIMOS, ter sido dirigido para aspeto não essencial, lateral, sem relevância nenhuma para a apreciação e julgamento do objeto do (putativo) recurso da decisão do tribunal de 1.ª instância;

- nem mesmo a pungente invocação de ter sido “perigosamente” violado o “princípio da proporcionalidade…” – conclusões R) a U), pode fazer infletir o acabado de concluir, porque a coima, aplicada à arguida, se integra numa moldura abstrata, variável, entre o mínimo de € 750,00 e o máximo de € 45.000,00, tendo sido fixada em montante muito próximo do limite mais baixo.


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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não aceitar este recurso jurisdicional.

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Custas a cargo da recorrente.

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Cumpra-se o disposto no art. 70.º n.º 4 do RGIMOS.

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[Elaborado em computador e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 6 de maio de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Suzana Tavares da Silva.