Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03294/10.0BEPRT 0211/17
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:I – Não são confundíveis os requisitos da decisão de reversão fiscal contra devedor subsidiário com os requisitos de execução concreta dos bens deste, integrando o benefício da excussão prévia apenas estes últimos.
II – Existindo avaliação dos bens sujeitos a deperecimento aquando da realização do auto de penhora, existindo uma manifesta discrepância entre tal valor e o valor em dívida à data da reversão e tendo a devedora principal cessado a sua actividade social, não se justifica a realização de uma nova avaliação daqueles bens para confirmar a “manifesta insuficiência dos bens penhoráveis”, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P26512
Nº do Documento:SA22020101403294/10
Data de Entrada:03/01/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A…………., com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a oposição judicial ao processo de execução fiscal n.º 1805200801186051, a correr termos contra si, na qualidade de revertido, por dívida da devedora originária B…………………. L.da, melhor identificada nos autos, relativa a IRC, Juros Compensatórios e de Mora, do exercício económico de 2007, no montante de Eur 3.616,99 e acrescidos.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) A execução objeto da oposição à execução que reverteu contra o Recorrente teve por objeto dívida de IRC relativas ao ano de 2007, sendo a primitiva executada sociedade B………………… Ldª.
b) O recorrente entende haver erro de julgamento ao decidido em 1ª instância, quanto à invocada insuficiência ou inexistência de bens da executada originária, sustentando, em conformidade, ser ilegal a reversão decretada contra si.
c) Posto isto, não obstante, o Recorrente alegar a incongruência da informação em que se suporta o despacho de reversão, sustentar a insuficiência de bens e da citação que lhe foi efetuada referir “inexistência ou insuficiência”, ainda assim, o Tribunal a quo, entendeu que a reversão é sustentada na insuficiência de bens da executada.
d) Com referência ao teor da informação constante na citação de fls. 8, com data de 2010-05-07, junta com a reversão (citação) da qual consta que: foram efetuadas penhora de bens do imobilizado corpóreo da sociedade aqui executada, e cujo valor dos bens, atendendo ao valor já atribuído naquela data, é manifestamente insuficiente para garantir o pagamento da dívida.
e) Se o Tribunal a quo considerou que estamos perante uma situação de fundada insuficiência de bens, então a Administração Tributária teria de indicar os bens existentes e quantifica-los. O que não se verificou.
f) Só no caso de a AT fazer a provado preenchimento desses pressupostos, passaria a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim a prova da ilegitimidade do ato.
g) Não tendo a AT demonstrado a insuficiência do património da primitiva executada, não estão reunidos os requisitos previstos no art.º 23º, nº 2 da LGT.
h) O despacho de reversão da execução contra o ora Recorrente, não obedeceu aos pressupostos da efectiva verificação da inexistência ou da fundada insuficiência do património do devedor originário para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.
i) O recorrente entende que conforme consta da informação constante de fls. 8 junto da reversão que, foram efetuadas penhoras de bens do imobilizado corpóreo da sociedade aqui executada, todavia não foram indicados quaisquer valores relativamente a tais bens, nem indicada uma descrição desses bens, pelo que não foi apurada a fundada insuficiência da devedora originária, pois que tais bens de valor manifestamente insuficiente, como mencionou a AT, mas tal não significava que não tivessem valor suficiente para pagar a dívida em causa.
j) Pois e conforme consta dos factos dado como provados (nº3 e 5) os bens penhorados em 2007, perfizeram um valor total 74.500,00 €, cuja dívida nos presentes autos é de 3.616,99 €.
k) Pois bem, comprova-se que no património da devedora originária existem equipamentos que entre 2007 (data da penhora) perfaziam o valor de 74.500,00 em 2010 (data da citação), o órgão de execução fiscal os considerou de valor “manifestamente insuficiente”.
i) Em que momento é que AT colocou os bens à venda? Qual o valor dos bens à data da reversão?
m) Que não se trata de uma directriz de discricionariedade resulta logo da alínea b) do nº 2 artigo 153º do CPPT ao considerar como mínimo de critérios avaliadores e concretizadores do juízo da fundada insuficiência, «os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução disponha».
n) Com esta indicação o legislador remete para o órgão de execução fiscal a competência para fazer um juízo técnico da existência da situação de insuficiência patrimonial do devedor originário.
o) Ora, avaliação que o órgão de execução fez dos equipamentos da devedora originária no auto de penhora contém elementos de cariz objectivo e que têm correspondência com o mínimo de critérios objectivos que balizam a margem de livre apreciação que o órgão de execução fiscal, se assim é, à data os bens foram avaliados num total de 74.500,00 €.
p) Ainda assim, a avaliação que o órgão de execução faz dos equipamentos da devedora originária em 2010, constante da informação de fls. 8 da citação, quando menciona bens de valor ”manifestamente insuficiente”, envolve juízos de valor que contêm elementos de cariz subjectivo, e que não têm correspondência com o mínimo de critérios objetivos, que balizam a margem de livre apreciação que o órgão de execução fiscal tem na determinação da insuficiência dos bens da devedora originária.
q) Dizer apenas que têm um valor «manifestamente insuficiente» não permite ao revertido saber com segurança se o valor atribuído é adequado e proporcional aos bens existentes, assim como saber qual a previsível extensão da sua responsabilidade.
r) Havendo penhora, lavrou-se o respectivo auto com indicação do estado de conservação e do valor estimado (cfr. al. c) do art. 221º do CPPT).
s) Mesmo por circunstâncias não apuradas pela AT, os bens tenham reduzido significativamente o seu valor, nem é impeditivo da quantificação desse valor, uma vez que se pode prognosticar a possibilidade de alienação dos equipamentos/máquinas ou dos seus componentes, ainda que seja com destino à sucata.
t) Mesmo com este destino (sucata), são bens redutíveis a um valor pecuniário que precisa de ser estimado para efeitos de determinar o quantum de responsabilidade do devedor subsidiário.
u) No despacho de reversão não há qualquer elemento de onde se possa inferir que os bens (máquinas e equipamentos), pelo seu diminuto valor, são de difícil alienação.
v) Para se determinar a insuficiência do património do devedor originário, ainda que em termos qualitativos, era necessário descrever o estado de conservação dos bens e, em face dele prognosticar quais as possibilidades da alienação.
w) Havendo possibilidade de alienação, ainda que seja para sucata, o responsável subsidiário só responde pela diferença entre o valor dessa alienação e o valor da quantia exequenda.
x) Se há um valor, mas ele é indeterminado, ainda que se saiba que é reduzido, por decorrência do benefício da excussão prévia, sempre se imporia a suspensão automática dos efeitos da reversão (cfr. nº 3 do artigo 23º da LGT).
y) Ora, no caso dos autos, não se tendo atribuído um (novo) valor aos bens, ainda que estimado, nem se pode prognosticar a fundada insuficiência do património da devedora originária, condição necessária à reversão, nem se pode determinar o montante de responsabilidade do devedor subsidiário, para efeitos de suspensão dos efeitos de reversão.
z) Segundo o Acórdão Central Administrativo Norte, de 21.02.2008 (in www.dgsi.pt ) “desde que demonstrada a falta de um dos requisitos de responsabilização subsidiária dai decorrerá como lógica consequência a ilegitimidade do responsável com a consequente extinção da instância”.
aa) Por todo o aduzido, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito, violando os artigos 23º e 24.º da LGT e 153º do CPPT.
bb) Assim, deve a presente oposição à execução ser julgada procedente, com as demais consequências legais.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
1. A……………….. vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente a oposição, colocando à apreciação se ocorre de julgamento quanto ao previsto nos artigos 23.º e 24.º da LGT, no 153º do C.P.P.T, quanto à “fundada insuficiência de bens penhoráveis”.
2. O despacho de reversão refere apenas a esse respeito a “inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis”.
A mesma foi antecedida da informação constante do ponto 7 da matéria de facto, a qual é de molde a fundar o dito requisito previsto no art. 23º nº 2 da L.G.T..
Aliás, tendo tal sido objeto de notificação para efeitos de audição prévia, não consta que tenha então sido objeto de pronúncia em contrário.
Constando ainda que os bens penhorados à primitiva devedora que foram penhorados com a indicação do respectivo valor são insuficientes para o pagamento das dívidas tributárias.
O montante destas veio a ser indicado como sendo de € 123 424,36, do que resulta a dita insuficiência ou mesmo inexistência de bens, pois mais consta que aquela entretanto cessou mesmo actividade.
Por outro lado, ainda que não tenha sido efetuada a vendados bens penhorados noutros processos que foram indicados, tal não invalida que não possa ainda vir a ser garantido o “beneficio da excussão”, de acordo com o previsto no seguinte n.º 3, bastando que a após a reversão se suste no prosseguimento da execução contra o recorrente, mas a mesma prossiga contra a primitiva devedora.
Assim, não é de pôr em causa que aquele requisito se encontre verificado, segundo o que é a jurisprudência que se crê dominante no STA – cfr. para além dos acórdãos do STA citados no parecer já emitido em 1ª instância, o de 25-1-17 no proc. 286/16, bem como o de 12-1-16 no proc. 287/16 que no mesmo é longamente reproduzido.
3.Concluindo
A “fundada insuficiência” ou inexistência de bens resulta do informado previamente ao despacho de reversão, o que, tendo sido objeto de audição prévia, não foi contraditado pelo recorrente.
Para cumprimento do requisito “benefício de excussão” basta que, após a reversão, se suste no prosseguimento da execução contra o ora recorrente.
O recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido.

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Nos termos em que se mostra registado na Conservatória do Registo Comercial da Maia, a sociedade “B……………., L.da”, com o NIPC: …………, cuja inscrição foi efetuada pela Ap. 01/20020829, desde a data de constituição da sociedade, constam como gerentes, os sócios C…………. e A………………, aqui Oponente - cfr. certidão permanente da Conservatória do registo Comercial, constante de fls. 19 a 20 do processo físico;
2. Em 22/02/2007, a sociedade “B………………., L.da”, representada pelo seu sócio-gerente, A…………….., aqui Oponente, apresentou requerimento no serviço de finanças da Maia 1, assinado pelo mesmo, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1805200401065246 e apensos, solicitando a substituição de penhoras de créditos efetuadas por bens do imobilizado que identifica, a que atribuiu o valor líquido de Eur 48.886,67, procedendo ao pagamento por conta no montante de Eur 20.000,00 – cfr. Doc. de fls. 24 e 25 do processo físico;
3. Na sequência do deferimento pelo chefe de finanças da Maia 1 do requerido no ponto que antecede, em 22/02/2007, foi lavrado “Auto de Penhora” no processo de execução fiscal n.º 1805200401065246 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças da Maia 1, em que é executada a sociedade “B………………., L.da”, por dívidas de IVA e IRC, referentes aos anos de 2003 a 2006, no valor de Eur 35.048,070, do qual resulta que foram penhorados os seguintes bens, como dali se extrai:
“Verba 1 – Uma Máq. Automática Mod. MAS-2-700, uma Máquina Esmeriladora Elétrica e uma Máquina de Limpeza Ultra Sons; Verba 2 – 1 Máq. Empilhadora, Monta Gargasa Mitsubishi SBP12K, um Compressor Delair 300 litros e um Extarctor JV Kufo UFO-102B.
Valor total atribuído: € 60.000,00 (sessenta mil euros)”, tendo sido nomeado como fiel depositário, o aqui Oponente – cfr. auto de penhora e despacho, de fls. 26 e 27 do processo físico;
4. Em 22/02/2007, a sociedade “B………………, L.da”, representada pelo seu sócio-gerente, A………………, aqui Oponente, apresentou requerimento no serviço de finanças da Maia 1, assinado pelo mesmo, solicitando o deferimento do pagamento em prestações mensais das dívidas exigidas nos processos de execução fiscal n.º 1805200601029401, 1805200601036483, 1805200601055720, 1805200601090593, 1805200601101048, 1805200601143417 e 1805200601144790, em que é executada a sociedade identificada no ponto 1) supra - cfr. doc. de fls. 32 do processo físico;
5. Em 05/11/2007, foi lavrado “Auto de Penhora” no processo de execução fiscal n.º 1805200601029401 e apensos, instaurado pelo serviço de finanças da Maia 1, em que é executada a sociedade “B…………………., L.da”, por dívidas de coimas do ano de 2006, no valor de Eur 11.290,50, do qual resulta que foram penhorados os seguintes bens, como dali se extrai:
“Verba 1 – 1 Máquina Esmeriladora Eléctrica, à qual foi atribuído o valor de 12.000 Eur; Verba 2 – 1 Monta Gargasa Mits ubis hi SBP 12K, à qual foi atribuído o valor de 2.500 Eur., tendo sido nomeado como fiel depositário, o aqui Oponente – cfr. auto de penhora de fls. 23 do processo físico;
6. Em 24/11/2008, foi instaurado no Serviço de Finanças da Maia 1, o processo de execução fiscal com o n.º 1805200801186051, em que é executada a sociedade “B………………., L.da”, com o NIPC: …………, por dívida respeitante a IRC, juros compensatórios e de mora, referente ao exercício económico de 2007, no valor global de Eur 3.616,99, com data limite de pagamento voluntário a 29/09/2008 – cfr. certidão de dívida constante de fls. 18 do processo físico;
7. Em 07/05/2010, no âmbito do processo de execução fiscal referido no ponto que antecede, pelo órgão de execução fiscal foi prestada informação, com o seguinte teor, que entre o mais, dali se extrai:
“(…) 3. Em 2008/07/06 foi remetida via internet a declaração de cessação da actividade da executada para efeitos de IVA e reportada a 2007/12/31, tendo sido designado representante da cessação, nos termos do n.º 4 do artigo 19.º da LGT, A……………………..;
4. As dívidas que se encontram em cobrança coerciva respeitam a IRC (dos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006), a IVA (2003/12T, 2004/12T, de todos os períodos de 2005, 2006/12T, 2007/03T, 2007/09T), a IRS (retenções da fonte de períodos de 2005 e 2007) e a diversas coimas aplicadas à sociedade pelas infracções praticadas, importando a quantia total em dívida em €123.424,36;
(…)
d. Foram efectuadas penhoras de bens do imobilizado corpóreo da sociedade aqui executada, designadamente nos autos do PEF 1805200401065246 e ap. e 180520060129401 e ap, em 2007/02/22 e 2007/11/05, respectivamente, dos quais foi designado fiel depositário o gerente A………………. e cujo valor dos bens, atendendo ao valor já atribuído naquela data, é manifestamente insuficiente para garantir o pagamento da dívida.
Face ao exposto, sou de opinião que deverão ser efectuadas diligências junto do fiel depositário A……………… a fim de ser marcada a venda dos bens penhorados, cuja venda sendo concretizada se prevê que ser insuficiente para garantir o pagamento das dívidas. Pelo que encontrando-se cessada a actividade da sociedade não auferirá aquela de meios económicos para regularizar a sua dívida encontrando-se assim reunidos os pressupostos a que se refere o n.º 2 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT) e al. b) do n.º 2 do artigo 153.º do CPPT, para reversão contra os gerentes (…)” - cfr. fls. 36 do processo físico;
8. Em 14/09/2010, depois de notificado o aqui Oponente para exercer o direito de audição sobre a preparação do processo de execução fiscal para efeitos de reversão, foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças da Maia 1, determinando a reversão da execução fiscal referida no ponto 6) supra, do qual consta entre o demais o seguinte: “Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão (…) por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT] (…)” – cfr. fls. 37 a 40 do processo físico;
9. Em 21/09/2010, foi remetida citação para a execução fiscal referida no ponto 6) supra, dirigida ao aqui Oponente, por correio registado com aviso de receção, cujo respetivo aviso se mostra assinado por terceiro, com carimbo dos CTT – Correios de Portugal, ali aposto, datado de 22/09/2010, tendo sido posteriormente remetida carta registada dirigida ao Oponente informando-o da data da citação - cfr. docs. de fls. 41 a 45 do processo físico.
10. Da citação referida no ponto que antecede consta no quadro relativo a
“FUNDAMENTOS DE REVERSÃO”, entre o demais, o seguinte: “Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários (…)” – cfr. fls. 41 do processo físico;
11. À data de 11/11/2010, a sociedade “B……………….., L.da”, era devedora à Fazenda Nacional do montante de Eur 125.235,49, sendo Eur 106.207,38 de quantia exequenda, Eur 17.173,30 de juros de mora e Eur 1.854,81, de custas processuais – cfr. certidão de dívidas emitida pelo serviço de finanças da Maia, a fls. 22 do processo físico.

II.2 – De Direito
I. O presente Recurso versa sobre a questão de saber se ocorreu erro de julgamento quanto à fundada insuficiência de bens, prevista no n.º 2 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), em especial quando não teve lugar uma nova avaliação dos bens penhorados imediatamente antes da decisão de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário.

II. A tal respeito, importa começar por sublinhar que, como este Supremo Tribunal vem reiteradamente esclarecendo: “concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário” – cfr. Acórdão de 25 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 0286/16, disponível em www.dgsi.pt, entre muitos outros; contra, sustentando que tal jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal transforma a reversão contra o responsável subsidiário num processo cautelar, vd. Vânia Patrícia Filipe Magalhães, “O (des)privilégio do beneficium excussionis do responsável tributário subsidiário”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 67, Volume III, 2007, disponível em www.portal.oa.pt.
Não há, por conseguinte, que confundir os requisitos da decisão de reversão com os requisitos de execução concreta dos bens do responsável subsidiário, como o Recorrente parece fazer em mais do que uma ocasião. Importa, ao invés, reiterar que se encontra assegurada a tutela dos interesses do responsável subsidiário quando, pese embora já após a reversão, este pode ainda assim obstar à execução dos seus bens, invocando o benefício de excussão prévia, traduzido na penhora e venda de todos os bens do devedor principal - conforme resulta do disposto na parte final do supra citado artigo 23.º, n.º 2 da LGT.

III. Nesta linha, importa reconhecer que o OEF considerou que, à data da emissão do despacho de reversão (2010), o valor dos bens penhorados era “manifestamente insuficiente para garantir o pagamento da dívida”; e que o fez, atendendo quer ao facto de o valor desses mesmos bens, determinado à data das penhoras (em 22 de fevereiro de 2007 e 5 de Novembro de 2007), representar pouco mais de metade (€ 74.500) do valor da dívida pendente (€ 123.424,36), quer ao facto de a devedora originária ter, entretanto, cessado definitivamente qualquer actividade social.
Ora, estes factos, cabal e expressamente vertidos no despacho de reversão, são quanto basta para se concluir que, volvidos três anos após tais penhoras, os bens objecto das mesmas – consistentes em maquinaria operacional vária, sujeita a natural deperecimento por meio da sua normal utilização - não teriam, garantidamente, qualquer viabilidade superveniente para satisfazer a dívida exequenda – cfr., nesta linha, “Nos casos em que os bens penhorados ao devedor originário têm um valor pré-determinado e esse valor é inferior ao da dívida exequenda revertida é possível concluir no sentido na “fundada insuficiência”, pois que apenas neste caso é possível concluir, em momento anterior ao da venda dos bens, pela insuficiência destes para pagamento da dívida.” (Acórdão proferido no Processo n.º 0167/11, de 22 de Junho de 2011, disponível em www.dgsi.pt).
Assim, e para lograr conclusão idêntica àquela que o OEF extraiu, não vemos como se revelasse necessária e justificada a promoção de uma nova avaliação, imediatamente antes do despacho de reversão, para comprovar a “fundada insuficiência” de tais bens para satisfazer a dívida fiscal em causa.
Não vislumbramos, a este respeito, qualquer erro de julgamento na decisão recorrida.

IV. Tão pouco assiste razão ao Recorrente quando sustenta que, sendo a dívida dos presentes autos - correspondente a dívida de IRC do ano de 2007 – de apenas € 3.616,99, aquele montante de bens penhorados se revela suficiente para satisfazer esta dívida concreta, pelo que não se justificaria a reversão da execução contra o responsável subsidiário.
É que, por um lado, o património do devedor principal constitui a garantia geral da totalidade das suas dívidas fiscais, não podendo sobrepor-se ou priorizar, sem razão válida, uma dessas dívidas face à generalidade das demais; por outro lado, é por demais evidente que (e na falta de qualquer outro património penhorável entretanto descoberto), revelando-se o património conhecido já penhorado indiscutivelmente insuficiente para satisfazer as dívidas anteriores (IRC entre 2003 e 2006, vários trimestres de IVA entre 2003 e 2007, IVA retido entre 2005 e 2007 e várias coimas), cujo valor é várias dezenas de vezes superior, muito menos seria tal património adequado à satisfação da dívida de IRC relativa ao ano de 2007.
Por último, de acordo com o probatório supra, o património conhecido da sociedade executada originária não se encontra penhorado à ordem do presente processo de execução fiscal, face ao qual foi operada a reversão quanto à pessoa do opoente e ora Recorrente.
Por conseguinte, também a este respeito, não vislumbramos qualquer erro de julgamento proferido pelo tribunal a quo.


III. CONCLUSÕES
I – Não são confundíveis os requisitos da decisão de reversão fiscal contra devedor subsidiário com os requisitos de execução concreta dos bens deste, integrando o benefício da excussão prévia apenas estes últimos.
II – Existindo avaliação dos bens sujeitos a deperecimento aquando da realização do auto de penhora, existindo uma manifesta discrepância entre tal valor e o valor em dívida à data da reversão e tendo a devedora principal cessado a sua actividade social, não se justifica a realização de uma nova avaliação daqueles bens para confirmar a “manifesta insuficiência dos bens penhoráveis”, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 da LGT.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso.