Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0572/08.1BELRS 01310/15
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:ISENÇÃO
SEGURO
IVA
Sumário:I - A isenção prevista no (actual) n.º 28 do artigo 9.º do CIVA é uma isenção de natureza objectiva que não pressupõe a condição de corretora ou intermediária de seguros a quem realiza a operações ali previstas.
II - É de considerar abrangida pelos termos da isenção prevista no (actual) n.º 28 do artigo 9.º do Código do IVA, a operação em que um sujeito passivo redebita por inteiro aos seus clientes o valor do prémio de um contrato de seguro.
Nº Convencional:JSTA000P27814
Nº do Documento:SA2202106090572/08
Data de Entrada:10/14/2015
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..............., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
Fazenda Publica, vem recorrer da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls. 306 a 355 do SITAF, a qual julgou a procedente a impugnação judicial deduzida por A……………………….., SA, melhor identificada nos autos, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto, por sua vez, contra o deferimento parcial da reclamação graciosa que teve por objecto liquidações adicionais de IVA entre os períodos de 1999 e 2001 e respectivos juros compensatórios.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 380 a 389 do SITAF;
“4.1 Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou totalmente procedente a impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que, por sua vez versou sobre o deferimento parcial da reclamação graciosa, que teve por objecto as liquidações adicionais de IVA, concernentes aos anos compreendidos entre 1999 e 2001, e juros compensatórios, nºs 02210225, 02210271, 02210291, 02210582, 02210579, 02210218 a 0221024, 02210260 a 02210270, 02210287 a 02210290, 02210578,02210580 e 02210581.
4.2 O ilustre Tribunal “a quo” julgou totalmente procedente a impugnação, anulando os actos impugnados, considerando que as liquidações em causa padecem de erro sobre os pressupostos.
No entanto,
4.3 A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a certada solução jurídica no caso sub-judice.
Senão vejamos
4.4. Entendeu o Tribunal “a quo” após referência a jurisprudência oriunda do Tribunal de justiça da União Europeia, e em síntese, que o elemento subjectivo inerente à isenção prevista no, então, no acórdão BGZ Leasing, numa situação como a dos autos, na qual não é controvertido que o valor que a sociedade B……………… refaturava aos locatários, relativo aos seguros que suportava a montante, era o valor proporcional do seguro, face à utilização do veículo, resulta que a neutralidade subjacente ao IVA e à sua teleologia implicam que esta prestação seja também isenta, não sendo entrave a tal circunstância o facto de a sociedade B……………… não ser corretora ou intermediária de seguros, nos termos explanados no referido acórdão”.
4.5. Com referência ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no âmbito do processo Card Protection Plan, considerou o Tribunal a quo que “... as prestações de seguro que têm por objecto cobrir o bem objecto da locação financeira, cujo proprietário continua a ser o locador, não podem, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ser tratadas de forma diferente consoante essas prestações sejam fornecidas directamente ao locatário por uma empresa de seguros ou este obtenha uma cobertura de seguro análoga por intermédio do locador, que a obtém junto de um segurador e refatura o respectivo custo ao locatário, por um montante inalterado”.
4.6. É entendimento da Representação da Fazenda Pública que a prestação que a entidade seguradora fornece à entidade tomadora do seguro — in casu, a impugnante locadora — é idêntica à “fornecida” à entidade locatária.
Aliás, aos clientes da impugnante não é “fornecida” qualquer prestação pela entidade seguradora.
4.7. Isto porque é patente que são realidades totalmente diferentes, que têm na sua base actos jurídicos diferentes: Uma realidade é a decorrente da celebração de um contrato de locação financeira, celebrado entre a ora recorrida e os seus clientes, e outra é a circunstância decorrente da celebração de um outro contrato entre a locadora, ora recorrida, e a entidade seguradora de um contrato de seguro.
4.8. A relação jurídica que liga a impugnante aos seus clientes é a decorrente do contrato de locação e não a relação jurídica decorrente da celebração de um contrato de seguro entre a entidade seguradora e a impugnante.
4.9. Tanto assim é que, no caso de ocorrer sinistro que dê lugar ao ressarcimento dos danos provocados a terceiros, nos termos gerais da responsabilidade civil, estes terceiro vão exigir responsabilidades entidade seguradora, com quem a impugnante celebrou um contrato de seguro, e não ao cliente da impugnante, locatário na relação jurídica que o liga à impugnante.
4.10. O montante cobrado pela impugnante aos seus clientes, a título de seguro, só pode ter na sua base a relação jurídica com eles estabelecida pela celebração do contrato de leasing. É que todo e qualquer acordo entre a impugnante e os seus clientes dá-se apenas no âmbito do contrato de locação. E apenas neste!
4.11. Estes montantes, enquanto montantes cobrados pela impugnante pelos serviços aos seus clientes, decorrentes do contrato de locação, está fiscalmente sujeita — e só pode estar fiscalmente sujeita — ao regime geral do IVA previsto no artigo 4.°, n.º 1, do CIVA.
4.12. Para que se pudesse, in casu, ter em conta a isenção prevista no n.º 29 do artigo 9º do CIVA, a impugnante teria de ser correctora ou intermediária de seguros, o que não se verifica.
4.13. Não se verificando tal condição, não se encontra preenchido o pressuposto subjectivo previsto no n.º 29 do artigo 9º do CIVA, para que, in casu, tivesse lugar a isenção de IVA relativamente aos montantes facturados pela impugnante aos seus clientes referentes ao seguro em questão.
4.14. Pelo exposto, com o devido respeito e salvo sempre melhor opinião, entende a Representação da Fazenda que não andou bem o Tribunal “a quo” ao determinar a anulação dos actos tributários impugnados.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
1.ª A douta sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial intentada pela Recorrida, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que, por sua vez, versou sobre o deferimento parcial da reclamação graciosa, que teve por objeto as liquidações adicionais de IVA n.º 02210225, relativa ao ano de 1999, n.º 02210271, relativa ao ano de 2000, n.ºs 02210291, 02210582 e 02210579, relativas ao ano de 2001, e correspondentes liquidações adicionais de juros compensatórios n.ºs 02210216 a 02210224, relativas aos meses de Abril a Dezembro de 1999, n.ºs 02210260 a 02210270, relativas aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2000, n.ºs 02210287 a 02210290, relativas aos meses de Janeiro a Abril de 2001, n.º 02210278, relativa ao mês de Agosto de 2001 e n.ºs 02210280 e 02210281, relativas aos meses de Outubro e Novembro de 2001;
2.ª Tanto quanto se depreende das alegações de recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública, o presente recurso vem suportado na afirmação de que os montantes redebitados pela ora Recorrida aos seus clientes são cobrados no âmbito de um contrato de locação financeira celebrado entre ambos e sujeito a IVA, pelo que, no entendimento do ilustre Representante da Fazenda Pública, a isenção prevista no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA só seria aplicável caso a Recorrida fosse corretora ou intermediária de seguros, o que não se verifica;
3.ª Ora, sendo estes os fundamentos em que se estriba o presente recurso, só pode concluir-se pela sua manifesta improcedência;
4.ª Com efeito, e desde logo, é evidente que o ilustre Representante da Fazenda Pública não controverte fundadamente, como se lhe impunha, a posição sufragada na douta sentença recorrida, não invocando quaisquer argumentos nas alegações de recurso tendentes a colocar em causa a conclusão a que o Tribunal recorrido chegou, qual seja, a de que o elemento subjetivo da isenção em apreço se encontra verificado no caso sub judice, ainda que a sociedade formalmente não seja corretora ou intermediária de seguros, por ser esta a interpretação do artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA conforme com o princípio da neutralidade do IVA e com a jurisprudência comunitária já proferida sobre a temática, bem como aquela que resulta de uma interpretação teleológica da norma;
5.ª A manifesta ausência de quaisquer argumentos que ponham em crise ou que visem sequer pôr em crise tal conclusão só pode condenar o presente recurso ao insucesso, pelo que, salvo melhor opinião, o presente recurso deve ser julgado imediatamente improcedente;
6.ª Acresce ainda que, sendo evidente que, nos presentes autos, nunca esteve em causa o preenchimento do elemento objetivo da isenção prevista no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA e, como tal, que a operação realizada consubstanciava uma operação de seguro isenta para efeitos do disposto naquela norma, quaisquer considerações tecidas naquelas alegações de recurso relacionadas com a natureza da prestação realizada ou da relação jurídica em que insere são, também elas, manifestamente improcedentes;
7.ª Com efeito, no caso sub judice não se controverte e os serviços de inspeção tributária nunca colocaram em causa que as operações efetuadas pela Recorrida se encontravam, objetivamente, abrangidas pela isenção de IVA em causa, pelo que, uma vez assente que é apenas a verificação daqueles requisitos de ordem subjetiva que se controverte nos autos, só podem reputar-se como irrelevantes as afirmações constantes das alegações de recurso que, tanto quanto se depreende, pretendem chamar à colação a natureza da prestação realizada;
8.ª Assim, estando evidenciado que a única questão controvertida nos autos se prende com a interpretação dos conceitos de corretor e intermediário de seguros para efeitos do disposto no artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA, bem como que no presente recurso não se apresentam quaisquer argumentos para infirmar a conclusão do Tribunal recorrido a este respeito, só pode concluir-se, também com este fundamento, pela improcedência do presente recurso;
9.ª Sem prejuízo do acima exposto, e por mero dever de patrocínio, sem conceder, sempre importa demonstrar, ainda assim, a improcedência dos argumentos em que assentam aquelas alegações de recurso;
10.ª No que se refere à alegação de que “(…) a prestação que a entidade seguradora fornece à entidade tomadora do seguro – in casu, a impugnante locadora – é idêntica à «fornecida» à entidade locatária” (cf. página 5 das alegações de recurso), e salvo o devido respeito, não é possível identificar, com clareza e certeza, que consequências se pretende extrair desta afirmação, ainda para mais quando, de seguida, se enuncia que “(…) são realidades totalmente diferentes, que têm na sua base actos jurídicos diferentes (…) a relação jurídica que liga a impugnante aos seus clientes é a decorrente do contrato de locação e não a relação jurídica decorrente da celebração de um contrato de seguro entre a entidade seguradora e a impugnante” (cf. página 5 das alegações de recurso);
11.ª Se, por um lado, a enunciada identidade entre o débito do seguro à Recorrida e o redébito do prémio de seguro efetuado por esta aos seus clientes parece apontar para a circunstância de este último consubstanciar um redébito de despesas que mantém a natureza e o valor da operação tributada, implicando, pois, a necessária manutenção da isenção de imposto, aquela outra citação referente às diferentes relações jurídicas entre a seguradora e Recorrida e entre esta e os seus clientes, por outro lado, pretenderá porventura, presume-se, afastar a qualificação de redébito de despesas que mantém a natureza e o valor da operação tributada e, assim, negar a manutenção da isenção de imposto;
12.ª Ora, a identificada incongruência em que, salvo o devido respeito e melhor opinião, incorrem as presentes alegações de recurso só pode conduzir à improcedência do presente recurso, já que não pode deixar de se equivaler à falta de fundamentação a incongruência da mesma, em termos que tornam difícil, senão impossível, a sua contestação coerente;
13.ª Em face do exposto, entende a Recorrida que não pode deixar de se julgar improcedentes tais argumentos e, consequentemente, o presente recurso;
14.ª Não obstante, e por mero dever de patrocínio, sempre importa atentar que, conforme resulta da factualidade dada como provada nos presentes autos e não surgiu em caso algum controvertido, no caso sub judice está-se perante um redébito de despesas que mantém a natureza e o valor da operação tributada, implicando, pois, a necessária manutenção da isenção de IVA;
15.ª De facto, a Impugnante procedeu ao pagamento de prémios de seguros em nome e por conta dos seus clientes, agindo como intermediária entre estes e a companhia de seguros, mantendo o redébito das despesas aos clientes a natureza e valor da operação debitada;
16.ª Assim, resultando evidenciado que no caso sub judice se está perante um redébito de despesas a clientes da Recorrida em que se mantém o valor e natureza da operação redebitada, improcedem quaisquer argumentos no sentido de atribuir ao montante em causa qualquer natureza;
17.ª Também no que se refere à alegação do ilustre Representante da Fazenda Pública no sentido de que, em virtude de a Recorrida apenas prestar serviços de locação financeira, “(…) no caso de ocorrer sinistro que dê lugar ao ressarcimento dos danos provocados a terceiros nos termos gerais de responsabilidade civil, estes terceiros vão exigir responsabilidades à entidade seguradora, com quem a impugnante celebrou um contrato de seguro, e não ao cliente da impugnante, locatário na relação jurídica que o liga à impugnante” (cf. página 5 das alegações de recurso), e uma vez mais, com o devido respeito, não se compreende o alcance desta afirmação, nem de que forma a afirmação aduzida possa influir no juízo da decisão recorrida e descaracterizar a operação sub judice como sendo uma operação de seguro isenta ao abrigo do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA;
18.ª Para além disso, tal afirmação peca ainda por desconsiderar que, face às regras aplicáveis ao seguro automóvel obrigatório e ao respetivo regime de responsabilidade civil, existem diversas entidades com legitimidade processual numa ação de responsabilidade civil por acidente de viação (cf. artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto), razão pela qual as relações jurídicas entre os vários intervenientes nunca podem ser analisadas e perspetivadas de forma isolada;
19.ª Assim, e em face do exposto, não só a citada afirmação do ilustre Representante da Fazenda Pública é destituída de qualquer consequência para o caso sub judice, como consubstancia uma visão limitada do regime em que assenta a responsabilidade civil por acidente de viação;
20.ª No mesmo sentido vai a afirmação do ilustre Representante da Fazenda Pública de que “(…) o montante cobrado pela impugnante aos seus clientes, a título de seguro, só pode ter na sua base a relação jurídica com eles estabelecida pela celebração do contrato de leasing” (cf. página 5 das alegações de recurso);
21.ª De facto, e para além de não se vislumbrar, uma vez mais, com o devido respeito, o alcance da afirmação do ilustre Representante da Fazenda Pública, constata-se a existência de uma confusão entre a cobrança de montantes no âmbito do contrato de locação financeira ou ALD e a faturação do débito dos prémios de seguros, sendo por demais evidente que a cobrança de uns montantes não invalida de forma alguma a faturação dos outros;
22.ª Com efeito, o redébito da parte proporcional do prémio de seguro tem na sua base, única e exclusivamente, um contrato de seguro, aquele celebrado entre a Recorrida e uma seguradora, por forma a segurar todas as viaturas utilizadas pelos locatários, razão pela qual a Recorrida procedeu à discriminação separada das distintas prestações nas faturas emitidas aos seus clientes locatários, como impunha a alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, como, aliás, se propugna na doutrina administrativa de que se destacam o Despacho de 03/06/1994, proferido no Processo S154 93 006, do SAIVA, segundo o qual “(…) quando se tratar de seguro feito em nome da empresa de aluguer de viaturas debitado ao locatário (…) se quando da faturação se fizer a discriminação segundo a natureza de cada um dos componentes da operação (aluguer e seguro), a tributação será feita à taxa respetiva de cada um deles, pelo que, relativamente ao seguro, se fará referência à isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA” (sublinhado nosso), e o Ofício Circulado n.º 53.875 de 11.05.98, no qual se refere que “(…) se o débito se fizer de forma discriminada, segundo a natureza de cada um dos componentes das despesas, a respetiva tributação far-se-á à taxa prevista para cada um deles; no caso de se tratarem de despesas isentas ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, o respetivo débito beneficiará igualmente da correspondente isenção” (sublinhado nosso);
23.ª Pelo que, em face do exposto, resultando inequívoco que é a própria administração tributária que, de forma unânime, propugna pela manutenção da isenção nos casos em que, tal como no caso sub judice, a Recorrida é um mero intermediário entre a seguradora e o beneficiário do serviço, e tendo presente que, de acordo com as alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 68.º da Lei Geral Tributária (LGT), aquela encontra-se obrigada a agir em conformidade com a sua doutrina, conclui-se pela improcedência do recurso do ilustre Representante da Fazenda Pública;
24.ª Assim, e em face de todo o exposto, é evidente que bem andou o Tribunal recorrido quando decidiu no sentido de que o elemento subjetivo da isenção sub judice se encontrava preenchido na presente situação;
25.ª De facto, a jurisprudência comunitária, quando chamada a pronunciar-se sobre a norma comunitária na origem do artigo 9.º, n.º 29, do Código do IVA – qual seja, o artigo 13.º-B, alínea a), da Sexta Directiva do IVA -, salienta quer a natureza marcadamente objectiva desta isenção, no sentido de que é concedida em função das atividades prestadas e não das entidades que as prestam, quer ainda que a qualidade de corretor ou intermediário de seguro para efeitos da aludida isenção de IVA deve ser aferida face à materialidade da operação e é independente do cumprimento de quaisquer requisitos formais;
26.ª Com efeito, determinou-se desde logo no Acórdão de 25 de fevereiro de 1999, proferido no processo C-349/96, caso Card Protection Plan, que o artigo 13.º-B, alínea a), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro não pode restringir o alcance da isenção das operações de seguro unicamente às prestações efetuadas pelos seguradores autorizados pelo direito nacional a exercer a atividade de segurador;
27.ª Esta posição é reforçada pela doutrina nacional que se pronuncia sobre a temática, da qual se destacam PATRÍCIA NOIRET CUNHA (cf. “O Imposto sobre o Valor Acrescentado – Anotações, Instituto Superior de Gestão, 2004), FILIPE COVAS CARVALHO [cf. “O enquadramento dos call centres das seguradoras em sede de imposto sobre o valor acrescentado” in “Fiscalidade”, n.º 26 (Outubro-Dezembro 2008)] e FILIPE DUARTE NEVES (cf. “Código do IVA comentado e anotado”, Vida Económica);
28.ª Com efeito, sempre importa aludir que os conceitos constantes de normas de direito comunitário são conceitos autónomos de Direito comunitário, o que significa que não só os Estados não podem dispor livremente sobre o seu conteúdo, como a sua concretização deverá ser efetuada no plano comunitário [cf. os acórdãos do TJUE “CPP” (C-349/96), “Skandia” (C-240/99) “Arthur Andersen” (C-472/03) e “Beheer BV” (C-124/07)];
29.ª Assim, verifica-se que a interpretação dos conceitos de “corretor” ou “intermediário” deve obedecer à lógica do imposto e à ratio subjacente à isenção e que não deve ser efetuada com base em quaisquer outros diplomas que não assumem qualquer relevância para efeitos de IVA;
30.ª Por sua vez, no acórdão proferido no processo “Beheer BV” (C-124/07), o TJUE reconheceu que, na ausência de definições legais dos conceitos de “corretores” e “intermediários de seguros”, o reconhecimento dessa qualidade “(…) depende do conteúdo das actividades em causa (…)” e, em defesa do princípio da neutralidade fiscal, “(…) os operadores devem poder escolher o modelo de organização que, do ponto de vista estritamente económico, mais lhes convém, sem correrem o risco de verem as suas operações excluídas da isenção”;
31.ª Deste modo, é com base neste enquadramento e considerando a ratio do citado preceito, que devem ser interpretados os conceitos de “(…) corretores e intermediários.”;
32.ª Por fim, no acórdão proferido no processo “BGZ Leasing” (C-224/11), o TJUE veio estipular que as prestações de seguro não podem ser tratadas de forma diferente consoante sejam fornecidas diretamente ao locatário pela seguradora ou por intermédio do locador, que a obtém junto de um segurador e refatura o respetivo custo ao locatário;
33.ª Assim, ao concluir-se pela isenção de IVA de determinada despesa num primeiro momento, de acordo com o princípio da neutralidade, a repercussão posterior da mesma, sem alteração da sua natureza e valor, não poderá deixar de receber o mesmo tratamento;
34.ª Deste modo, se entende que a prestação de seguro faturada pela seguradora à Recorrida está isenta de IVA através do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, terá necessariamente que se isentar a mesma prestação, na sua forma refaturada, pela Recorrida aos locatários;
35.ª Pelo que, em obediência ao princípio da neutralidade fiscal, que está na base do sistema comum do IVA, o tratamento fiscal dado à primeira operação (entre segurador e Recorrida) terá de ser replicado no subsequente redébito aos clientes locatários;
36.ª Em face de todo o exposto, não pode pois deixar de se concluir pela improcedência do recurso apresentado pelo ilustre Representante da Fazenda Pública, por desprovido de qualquer fundamento, mantendo-se a sentença recorrida.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
«Recorre a Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 14.10.2014 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida, anulando os actos na parte impugnada.
Alega a ora Recorrente que a decisão recorrida não perfilhou a acertada solução jurídica no tratamento do caso subjudice. Considera, concretamente, que “para que pudesse, in casu, ter em conta a isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, a impugnante teria de ser correctora ou intermediária de seguros, o que não se verifica” e que “não se verificando tal condição, não se encontra preenchido o pressuposto subjectivo previsto no n.º 29 do artigo 9.° do CIVA, para que, in casu, tivesse lugar a isenção de IVA relativamente aos montantes facturados pela impugnante aos seus clientes referentes ao seguro em questão” (cfr. as Conclusões 4.12 e 4.13).
Revejo-me no conjunto de argumentos vertidos na douta sentença recorrida que são conformes com a jurisprudência do TJUE em que se louva.
É certo que os montantes cobrados pela locadora no âmbito de um contrato de locação estão, em princípio, sujeitos a IVA, atendendo à natureza do contrato.
Contudo, a norma do n.º 29 do art. 9.° do CIVA isenta de IVA as operações de seguro e resseguro, bem como as prestações conexas efectuadas por correctores e intermediários do seguro e o que está em causa nos presentes autos são, justamente, os montantes, devidamente discriminados nas facturas emitidas, correspondentes ao redébito aos locatários da parte proporcional do prémio de seguro referente ao contrato de seguro celebrado entre a locadora, ora recorrida, e uma entidade seguradora.
Ora, não sendo controvertida a questão da natureza isenta das operações subjacentes aos valores repercutidos pela locadora aos seus clientes, também não parece que possa ser questionado, considerando a jurisprudência comunitária citada na sentença recorrida (Acs do TJUE de 25.02.1999 — P. C-349/98 e de 17.01.2013 — P. C-224/11), o preenchimento, no caso, do pressuposto subjectivo da isenção em causa.
Como bem nota a ora recorrida, “a jurisprudência comunitária, quando chamada a pronunciar-se sobre a norma comunitária na origem do artigo 9.°, n.º 29 do CIVA — qual seja, o artigo 13.°-B, alínea a), da Sexta Directiva do IVA — salienta quer a natureza marcadamente objectiva desta isenção, no sentido de concedida em função das actividades prestadas e não prestadas e não das entidades que as prestam, quer ainda que a qualidade de corrector ou intermediária de seguro para efeitos da aludida isenção de IVA deve ser aferida face à materialidade da operação e é independente do cumprimento de quaisquer requisitos formais”.
Com efeito, sendo embora discutível que na letra do preceito em causa estejam directamente contempladas situações como aquela que os autos nos oferecem, a razão de ser e a finalidade da norma, de isentar as operações de seguro, parecem demandar, como decorre da jurisprudência comunitária citada, a sua aplicação a casos como o dos autos.
Nesta conformidade, sem mais considerações, pronuncio-me no sentido da improcedência do presente recurso e, em consequência, pela manutenção do julgado.
É
E o meu parecer.»

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 306 a 355 e seguintes do SITAF:
1) A sociedade B………………., SA (doravante, B…………..), dedicava-se, designadamente entre 1999 e 2001, à atividade de aluguer de veículos automóveis em ALD, adquirindo viaturas a pronto pagamento ou em sistema de leasing (fls. 59, dos autos, e fls. 209, do processo administrativo — volume não numerado).
2) A sociedade mencionada em i) foi fundida, por incorporação, na impugnante (cfr. fls. 40 a 56).
3) A sociedade mencionada em a) celebrou um contrato de seguro associado à sua frota automóvel, cujo valor lhe foi faturado sem IVA, nos termos do n.º 29 do art.º 9.º, do CIVA.
4) A sociedade mencionada em i) imputava, a cada cliente, a parte respetiva do valor relativo ao seguro mencionado em 3), em função do número de dias de utilização do veículo alugado, surgindo tal valor discriminado nas faturas respetivas e tendo vindo a ser reclassificado, na contabilidade, em contas de terceiros.
5) A sociedade mencionada em a) solicitou reembolsos de IVA nos períodos 00/12, 01/02, 01/04 e oi/n (cfr. fls. 58, 59, 70 e 173, dos autos, e f 208, 252, 299 e 361, do processo administrativo — volume não numerado).
6) Na sequência dos pedidos de reembolso mencionados em 5), a impugnante foi objeto de ação de inspeção externa, em cumprimento das Ordens de Serviço (OS) n.ºs 66a 66a6o e 67771, e de ação de inspeção interna, em cumprimento da OS n.º 72001, todas pela então 1.2 Direção de Finanças (DE) de Lisboa (cfr. fls. 58, 70 e 173, dos autos, e fls. 208, 252, 299 e 361, do processo administrativo — volume não numerado).
7) Da ação inspetiva externa, relativa às OS n.ºs 66158 66160 e 67771, mencionadas em 6), resultou um relatório, datado de 22 de fevereiro de 2002, do qual consta designadamente o seguinte:

[imagem]

8) Da ação inspetiva interna, relativa à OS fl.º 72001, mencionada em 6), resultou um relatório, datado de 22 de março de 2002, do qual consta designadamente o seguinte:
[imagem]

9) Na sequência do mencionado em 7) e 8) foram emitidas, pela Administração Tributária (AT), em nome da sociedade mencionada em a), as seguintes liquidações:
a) Adicional de IVA n.º 02210225, relativa ao ano de 1999, no valor de 17.030,67 Eur.;
b) Adicional de IVA n.º 02210271, relativa ao ano de 2000, no valor de 212.054,57 Eur.;
c) Adicionais de IVA n.º 5 02210291, 02210582 e 02220579, relativas ao ano de 2002, nos valores de 56.279,01 Eur., 35.755,65 Eur. e 17.755,45 Eur., respetivamente;
d) De juros compensatórios, relativas às liquidações mencionadas em 9.a) a c), n.ºs 02210216 a 02210224, relativas aos meses compreendidos entre abril e dezembro de aggg, 02210260 a 02210270, relativas aos meses compreendidos entre fevereiro e dezembro de 2000, 02210287 a 02210290, relativas aos meses compreendidos entre janeiro e abril de 2001, 02210578, relativa ao mês de agosto de 2001, e 02210580 e 02210581, relativas aos meses de outubro e novembro de 2001, no valor total de 27.400,00 Eur. (cfr. f 345 a 349, do processo administrativo - volume no numerado; fls. 103 a 134, do vol. II, do processo administrativo, fls. 1333 a 1352, do vol. IV, do processo administrativo).
10) Através de documento, que deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2, a sociedade mencionada em a) apresentou reclamação graciosa das liquidações referidas em g), constando do mesmo designadamente o seguinte:

[imagem]

11) Na sequência do referido em ao), foi autuado, a 27.11.2002, O procedimento de reclamação graciosa n.º 3247-02/400381.0 (cfr. fls. a, do processo administrativo — vol. lI).
12) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa mencionado em ai), foi elaborada, a 31.01.2005, informação, na divisão de justiça administrativa da DE de Lisboa, no sentido de deferimento parcial da pretensão explanada no documento mencionado em ao), tendo, após pareceres de concordância, sido proferido, sobre tal informação, despacho, a 02.03.2005, pelo diretor de finanças adjunto, determinando a audição prévia da sociedade mencionada em a) (ctr. fis. 1572 a 1593, do processo administrativo -vol. V).
13) Na sequência do exercício do direito de audição, por parte da sociedade mencionada em a), foi elaborada, a 30.06.2005, informação, na divisão de justiça administrativa da DF de Lisboa, da qual consta designadamente o seguinte:

[imagem]

...“ (cfr. fls. 106 a 140, dos autos, e fis. 1596 a 2615 e 2617 a 2649, do processo administrativo — vols. V a VIII).
14) Após pareceres de concordância, do coordenador, de 30.06.2005, e do chefe de divisão, de 21.07.2005, foi proferido despacho, sobre a informação mencionada em 13), pelo diretor de finanças adjunto, datado de 21.07.2005, com o seguinte teor:
“Concordo, pelo que convolo em definitivo o projecto de decisão e com os fundamentos constantes daquele, bem como da presente informação e respectivos pareceres, defiro parcialmente o pedido da reclamante nos termos em que vem proposto. II Notifique-se” (cfr. fls. ao6 e 107, dos autos, e l 2616 e 2616 verso, do processo administrativo — vol. VIII).
i Através de documento, que deu entrada na DF de Lisboa a 06.09.2005, a impugnante apresentou recurso hierárquico da decisão mencionada em 14), constando do mesmo designadamente o seguinte:

[imagem]

...“ (cfr. fls. 142 a fls. 166, dos autos, e fls. 3 a fls. 109, do processo administrativo — vol. 1).
16) Na sequência do referido em 15), foi autuado, a 23.09.2005, O procedimento de recurso hierárquico n° 32/2005 (cfr. fls. de capa, do processo administrativo—vol. 1).
17) No âmbito do procedimento de recurso hierárquico mencionado em i6), foi elaborada, a 25.092007, informação, na divisão de administração II da direção de serviços do IVA, no sentido de indeferimento da pretensão explanada no documento mencionado em 15), da qual consta designadamente o seguinte:

[imagem]

18) Sobre a informação mencionada em 17), após parecer de concordância, foi proferido despacho, a 23.10.2007, pelo subdiretor-geral dos impostos, determinando a audição prévia da impugnante (fls. 172 a agi dos autos, e fls. não numeradas do processo administrativo—vol. 1).
19) No âmbito do procedimento de recurso hierárquico mencionado em a6), foi elaborada, a 14.11.2007, informação, na divisão de administração II da direção de serviços de IVA, no sentido de indeferimento da pretensão explanada no documento mencionado em as), remetendo-se para a informação mencionada em 17) (f 172, dos autos, e fls. não numeradas do processo administrativo — vol. 1).
20) Sobre a informação mencionada em ig), após pareceres de concordância, foi proferido despacho, a 19.11.2007, pelo subdiretor-geral dos impostos, com o seguinte teor:
“Concordo. Indefiro” (fls. não numeradas do processo administrativo — vol. I).

II.2 – De Direito
I. Vem a Recorrente FP recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a fls. 306 a 355 do SITAF que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida – A…………………….., S.A., contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado, entre os períodos de 1999 e 2001 e respectivos juros compensatórios.
Para assim decidir, o Tribunal a quo apoiou-se na Jurisprudência Europeia, nomeadamente a vertida no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia – Processo C-224/11 (caso BGZ Leasing) - cuja situação fáctica considerou ser semelhante à dos autos pelo que transcreveu grande parte dessa decisão na sua fundamentação de direito na decisão sob recurso. Face a esta jurisprudência citada e transcrita, conclui o Tribunal a quo que está preenchido o elemento subjectivo da isenção, previsto n.º 29 (que corresponde ao actual n.º 28) do artigo 9.º do CIVA, não se verificando o pressuposto de que a AT partiu nas suas correções, o que implicaria que ao caso sub judice fosse aplicado o previsto no artigo 16.º, n.º 6 alínea c) do CIVA.

II. Inconformada com o assim decidido, interpôs a ora Recorrente o presente recurso com o seguinte desiderato: “Para que se pudesse, in casu, ter em conta a isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, a impugnante teria de ser corretora ou intermediária de seguros, o que não se verifica”, pelo que “Não se verificando tal condição, não se encontra preenchido o pressuposto subjectivo previsto no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA, para que, in casu, tivesse lugar a isenção de IVA relativamente aos montantes facturados pela impugnante aos seus clientes referentes ao seguro em questão”. E foi neste fundamento, recorde-se, que apoiou toda a actividade inspectiva e as correcções então realizadas.
Assim, no entendimento da Recorrente, a referida isenção prevista no artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA só seria aplicável à presente situação se a Recorrida fosse corretora ou intermediária de seguros o que, manifestamente, não se verifica no caso sub judice.

III. Vejamos, então, sublinhando desde já que é apenas a esta questão que se cingirá a presente decisão. E fazemos este sublinhado uma vez que, por um lado, nas várias fases do procedimento administrativo, são feitas outras considerações en passant que, nesta fase, não são levantadas nem o poderiam ser, desde logo, atenta a competência deste Supremo Tribunal se encontrar restrita a questões de Direito; por outro lado, não pode ser questionada nesta instância a leitura factual feita na sentença recorrida acerca da similitude entre a factualidade fixada na mesma – em especial acerca do redébito integral [ainda que repartido proporcionalmente) em conta de terceiros dos valores pagos pela ora Recorrida à Seguradora (ponto 4) do Probatório] – e a factualidade do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União, na sua decisão de 11 de Janeiro de 2013, no Processo C-224/11 (Acórdão BGŻ Leasing) – cfr. o respectivo § 34.

IV. Ora, posto isto, já adiantamos que andou bem a sentença recorrida.
É que, desde logo atento o princípio da neutralidade – que pauta, decisiva e reiteradamente, a interpretação sistemática deste imposto –, aquele Tribunal esclarece, com manifesto interesse para o caso, que: “Por conseguinte, as prestações de seguro que têm por objeto cobrir o bem objeto da locação financeira, cujo proprietário continua a ser o locador, não podem, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, ser tratadas de forma diferente consoante essas prestações sejam fornecidas diretamente ao locatário por uma empresa de seguros ou este obtenha uma cobertura de seguro análoga por intermédio do locador, que a obtém junto de um segurador e refatura o respetivo custo ao locatário, por um montante inalterado.” (§ 66 do Acórdão BGŻ Leasing - sublinhados nosso).
E, na mesma linha, explica aquele Tribunal que: “há que salientar que uma prestação de seguro, como a que está em causa no processo principal, não pode ser sujeita a IVA devido à simples refaturação dos custos daquela, em consonância com a convenção celebrada entre as partes num contrato de locação financeira. O facto de o locador subscrever o seguro junto de um terceiro, a pedido dos seus clientes, e de em seguida repercutir nestes o custo exato faturado por esse terceiro não logra infirmar esta conclusão.”(§ 63 do Acórdão BGŻ Leasing - sublinhado nosso), para logo acabar por concluir que “no âmbito de uma atividade de locação financeira, uma operação que consiste na refaturação do custo exato do seguro relativo ao bem objeto da locação financeira, como o que está em causa no processo principal, constitui uma operação de seguro na aceção do artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da diretiva IVA.” (§ 69 do Acórdão BGŻ Leasing - sublinhado nosso).

V. Em suma, estribado no princípio da neutralidade de tratamento entre operações de idêntica natureza substancial, na linha daquela jurisprudência, é de concluir que não nos encontramos diante uma isenção de natureza subjectiva – como pretende a Recorrente – mas antes, e ao invés, diante de uma operação de natureza objectiva que se pode ter por verificada, dentro do circunstancialismo do redébito integal, ainda que prestada por outros que não exclusivamente os “corretores e intermediários de seguros” expressamente previstos no n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA.
E, atentas as especialidades dos contratos de seguros, assim como dos contratos de locação financeira – marcados por uma triangularidade muito evidente – é coerente a admissibilidade de outros sujeitos poderem prestar aquelas operações isentas.
Na mesma linha se pronunciara já, em termos relevantes para o presente caso, aquele Tribunal no Acórdão Card Protection Plan Ltd, proferido no âmbito do Processo n.º C-349/96, em 25 de Fevereiro de 1999, onde se pode ler: “Importa reconhecer que tal prestação de serviços fornecida pela CPP constitui uma operação de seguros, na acepção do artigo 13.°, B, alínea a). É certo que as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita (v. acórdão Stichting Uitvoering Financiële Acties, já referido, n.° 13). Todavia, a expressão «operações de seguro» é, em princípio, suficientemente ampla para englobar a concessão de uma cobertura de seguro por um sujeito passivo que não seja o próprio segurador, mas que, no âmbito de um seguro colectivo, fornece aos seus clientes tal cobertura, utilizando as prestações de um segurador que assume o risco seguro.” (§ 22 do Acórdão Card Protection Plan Ltd - sublinhados nossos), tendo concluído que: “A este propósito, cabe recordar que esta disposição, em conformidade com o princípio da neutralidade fiscal, não comporta, quanto à isenção das operações de seguro que prevê, nenhuma distinção entre as operações lícitas e as que seriam consideradas ilícitas segundo o direito nacional. Daqui resulta que estas duas categorias de operações devem ser tratadas de maneira idêntica.
Assim, há que responder à quarta questão que o artigo 13.°, B, alínea a), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que um Estado-Membro não pode restringir o alcance da isenção das operações de seguro unicamente às prestações efectuadas pelos seguradores autorizados pelo direito nacional a exercer a actividade de segurador.” (§§ 35 e 36 do Acórdão Card Protection Plan Ltd - sublinhados nossos).

VI. Trata-se de uma leitura que é, como bem se vê, absolutamente coerente com uma característica essencial das isenções previstas no artigo 9.º do Código do IVA – a da natureza objectiva das isenções – lapidarmente exposta por Patricia Noiret da Cunha: “As isenções previstas no presente artigo não são subjectivas, aplicando-se independentemente da qualidade de quem realiza a operação. Tal não impede que, ao definir uma operação objectivamente isenta, a lei exija, por vezes, a sua realização por determinadas pessoas…”.
Por fim, note-se que, entre nós, o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão lavrado em 31 de Outubro de 2019, no âmbito do Processo n.º 517/09, já teve oportunidade de se pronunciar no sentido agora sufragado, esclarecendo que: “III- O TJUE, a propósito das isenções de IVA, tem entendido que os termos usados para designar as isenções são de interpretação estrita, que a natureza dos serviços é o fator relevante para efeitos de aplicação da isenção e que a interpretação das isenções deve obedecer ao princípio da neutralidade;
IV-A contratação da apólice de seguro pela Impugnante, cuja despesa a mesma redebita, na respetiva quota parte aos seus clientes, beneficia da isenção de IVA, em nada relevando a circunstância inerente ao facto da Impugnante não ser uma entidade seguradora, sendo esta a posição que acolhe e melhor se coaduna com o princípio da neutralidade fiscal.” – disponível em www.dgsi.pt, sublinhados nossos.
Tratam-se de raciocínios que, pela sua clareza, merecem aqui ser reiterados.

VII. Em suma, atento o princípio da neutralidade e por se considerar aplicável in casu a isenção contida no n.º 29 (actual n.º 28) do artigo 9.º do Código do IVA, a qual é de natureza predominantemente objectiva e não subjetiva, é nosso entendimento que bem andou a sentença recorrida ao anular as liquidações de IVA sob escrutínio, não sendo tal sentença merecedora de nenhum dos reparos que lhe foram dirigidos pela Recorrente no presente Recurso.


III. CONCLUSÕES

I – A isenção prevista no (actual) n.º 28 do artigo 9.º do CIVA é uma isenção de natureza objectiva que não pressupõe a condição de corretora ou intermediária de seguros a quem realiza a operações ali previstas.

II – É de considerar abrangida pelos termos da isenção prevista no (actual) n.º 28 do artigo 9.º do Código do IVA, a operação em que um sujeito passivo redebita por inteiro aos seus clientes o valor do prémio de um contrato de seguro.

IV. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 9 de Junho de 2021


O Relator atesta, nos termos do artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exmºs Senhores Conselheiros Adjuntos:

Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.

Gustavo André Simões Lopes Courinha