Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01449/11.9BELRS
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
MAIS VALIAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Não incorre em excesso de pronúncia a decisão judicial que mobiliza diversos argumentos de direito para verificar se estão ou não reunidos os pressupostos legais que imponham à Administração Tributária a consideração de um VPT diferente a título de valor de aquisição no cálculo das mais-valias, quando o impugnante alegue violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3 do CIRS.
II - O que a lei determina no apuramento das mais valias respeitantes a um imóvel que tenha sido construído pelo sujeito passivo e posteriormente valorizado mediante a realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, nos 12 anos anteriores à data da sua transmissão onerosa, é que se possa fazer acrescer ao valor de aquisição, apurado nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, o valor dos encargos com aquelas obras de ampliação, sempre que o mesmo seja declarado nos termos do disposto no artigo 51.º, al a do CIRC, e desde que sejam comprovados esses custos.
III - O período de conservação dos documentos relativos às despesas suportadas com o imóvel não se inicia com o momento em que tais despesas foram feitas, mas com a data em que para efeitos de cálculo de mais valias resultantes da venda do imóvel se declara que tais despesas tiveram lugar.
IV - Se o Impugnante nunca declarou em sede de IRS os supostos custos de construção e não faz prova dos mesmos em sede de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, não podem os invocados e supostos custos ser considerados, nem o mesmo está desonerado de fazer prova da sua existência por efeito do disposto no n.º 2 do artigo 74.º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P27220
Nº do Documento:SA22021021701449/11
Data de Entrada:05/14/2020
Recorrente:A………….
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A………., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 28 de Junho de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial, por si deduzida, do deferimento parcial da reclamação graciosa contra a liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do exercício de 2006, no valor global de € 80.756,83, apresentou recurso jurisdicional, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
A) Na análise do pedido do Recorrente relativo ao valor patrimonial tributário que deveria relevar para efeitos de determinação do valor de aquisição do Imóvel construído em apreço, o Tribunal a quo vem conhecer de questão que não tinha sido colocada pelas partes e que também não é de conhecimento oficioso;
B) Na decisão de reclamação graciosa, a AT aceitou que, tratando-se de um Imóvel construído pelos sujeitos passivos, o valor de aquisição relevante não deveria corresponder ao valor patrimonial tributário considerado para efeitos da liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações, nos termos do artigo 45.º do Código do IRS (correspondente, no caso em apreço, a € 35.015,61);
C) Na sequência dessa decisão, a AT concluiu que o valor de aquisição deveria corresponder ao valor patrimonial tributário apurado em 2003 e constante da matriz à data da alienação do Imóvel (22 de Agosto de 2006), correspondente a € 179.387,67, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS;
D) Efectivamente, relativamente aos Imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos, determina o artigo 46º n.º 3, do Código do IRS, que o respectivo valor de aquisição "corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele";
E) Todavia, o Recorrente discorda da argumentação utilizada pela AT na decisão da reclamação graciosa, relativamente ao valor patrimonial tributário relevado (€ 179.387,67), razão pela qual apresentou impugnação judicial junto do Tribunal a quo;
F) A aplicação do artigo 46º, n.º 3, do Código do IRS (respeitante à determinação do valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos), foi aceite pela AT em sede de decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa, não tendo sequer sido suscitadas quaisquer dúvidas quanto a uma eventual aplicação de tal normativo ou do artigo 51º, alínea a), também do Código do IRS (respeitante, ao invés, à mera consideração de encargos com a valorização de imóvel alienado);
G) A questão suscitada pelas partes e controvertida respeita apenas ao facto de dever ou não ser exclusivamente relevado como valor de aquisição o valor patrimonial tributário inscrito na matriz à data da venda, penalizando-se dessa forma o Recorrente pela não entrega da Declaração Modelo 1 de IMI em momento anterior ao da venda;
H) Não sendo a aplicação do artigo 46.º, n.º 3, do Código do IRS, uma questão controvertida entre as partes, em sede de impugnação judicial o Recorrente não juntou qualquer prova relativa à alteração substancial do Imóvel;
I) Termos em que, pelos argumentos acima aduzidos, vem o Recorrente arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento em excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125.º, n.º 1, do CPPT;
J) O Douto Tribunal poderá ainda conhecer do pedido formulado pelo Recorrente na respectiva impugnação judicial, relativamente ao valor patrimonial tributário que deverá relevar para efeitos de determinação do valor de aquisição do Imóvel construído em apreço, nos termos do artigo 684º, n.º 1, do CPC;
K) Nos termos do artigo 46.º, n° 3, conjugado com o artigo 50.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRS, deverá ser considerada como data de aquisição do construído o ano de 2006, correspondendo tal ano à data da conclusão das obras, da licença de utilização e da entrega da correspondente Declaração Modelo 1 de IMI;
L) Para a determinação do valor de aquisição do Imóvel, em sede de IRS, terá de relevar o valor patrimonial tributário existente à data da actualização da matriz (no montante de € 320.300: 106.766,67 no caso do Recorrente, que detinha uma quota parte ideal no Imóvel correspondente a 1/3), que reflecte as obras realizadas - e não o constante da mesma à data da alienação ocorrida (correspondente a € 179.387,67), em que a referida matriz se encontrava desactualizada;
M) Não se poderá concluir que o valor patrimonial tributário resultante da avaliação fiscal do Imóvel construído não deverá ser relevado para efeitos de determinação do correspondente valor de aquisição, pelo simples facto de a Declaração Modelo 1 de IMI não ter sido entregue pelo Recorrente (mas apenas pelo adquirente do Imóvel em Agosto de 2006), na medida em que essa consequência não se encontra legalmente prevista, sendo inclusivamente violadora do princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 104.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, pelo evidente agravamento da tributação em sede de IRS;
N) A liquidação de IRS sub judice afigura-se ilegal no que respeita ao apuramento da mais- valia imobiliária relativa ao Imóvel, inscrito sob o artigo 2303, por violação do disposto no artigo 46°, n.º 3, conjugado com o artigo 50.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRS;
O) Deverão ser atribuídos os devidos juros indemnizatórios ao Impugnante como forma de o ressarcir dos prejuízos por si sofridos com o pagamento do imposto liquidado em excesso, verificando-se o preenchimento dos respectivos pressupostos legais, conforme o Impugnante devidamente fundamentou na sua petição de impugnação judicial, para a qual remete para os devidos efeitos;
P) Caso o Douto Tribunal entenda que a decisão recorrida não padece de qualquer vício de nulidade e que não pode, por esse facto, conhecer do pedido formulado pelo Recorrente na respectiva impugnação judicial - o que por mera cautela de patrocínio se concede -, o Recorrente requer, a título subsidiário, a reapreciação da argumentação e pedido constantes no ponto III.3 da respectiva impugnação judicial, e acima sumariada, no que respeita ao valor patrimonial tributário que deverá ser relevado para efeitos de valor de aquisição do Imóvel em sede de IRS, na medida em que entende que a decisão recorrida padece de manifesto erro de julgamento, designadamente no que respeita ao ónus da prova imposto ao ora Recorrente;
Q) Reitera, desta forma, o Recorrente a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2006 e respectivos juros compensatórios, verificando-se ser a mesma ilegal quanto ao apuramento da mais-valia imobiliária relativa ao Imóvel, inscrito sob o artigo 2303, por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3, conjugado com o artigo 50º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRS, e o pedido de juros indemnizatórios.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, e em face das motivações e das conclusões atrás enunciadas, requer-se:
- A admissão do presente recurso e conhecimento da nulidade da sentença recorrida com fundamento em excesso de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 125°, n.º 1, do CPPT;
- O conhecimento do pedido formulado pelo Recorrente na respectiva impugnação judicial, relativamente ao valor patrimonial tributário que deverá relevar para efeitos de determinação do valor de aquisição do Imóvel construído em apreço, nos termos do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, e a consequente anulação da liquidação de IRS sub judice, verificando-se que a mesma se afigura ilegal no que respeita ao apuramento da mais-valia imobiliária relativa ao Imóvel, inscrito sob o artigo 2303, nos termos do artigo 99.º, alínea a), do CPPT, por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3, conjugado com o artigo 50.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRS;
- O direito do Recorrente ao pagamento pela AT de juros indemnizatórios, por existir um erro imputável aos serviços no cálculo da mencionada mais-valia imobiliária, calculados por referência ao imposto indevidamente pago em cumprimento do acto de liquidação cuja anulação se requer, contados desde data do pagamento até ao processamento da respectiva nota de crédito, à taxa legal de juros em vigor, nos termos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT;
- A título subsidiário, e no caso de não proceder o vício de nulidade, a reapreciação da argumentação e pedido constantes no ponto III.3 da respectiva impugnação judicial, no que respeita ao valor patrimonial tributário que deverá ser relevado para efeitos de valor de aquisição do Imóvel em sede de IRS, na medida em que a decisão recorrida padece de manifesto erro de julgamento, com a consequente anulação da liquidação de IRS, verificando-se que a mesma se afigura ilegal no que respeita ao apuramento da mais-valia imobiliária relativa ao Imóvel, inscrito sob o artigo 2303, nos termos do artigo 99.º, alínea a), do CPPT, por violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3, conjugado com o artigo 50.º, n.º 2, alínea a), ambos do Código do IRS, e apreciação do pedido de juros indemnizatórios.


2. Não foram produzidas contra-alegações.


3 O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso ser improcedente.


5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em dezembro de 1997 o Impugnante e as suas duas irmãs adquiriram por herança de sua mãe, os seguintes imóveis:
- O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, sob o artigo 2303°, com o VPT de 105.046,84€;
- O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, sob o artigo 3933°, com o VPT de 13.467,54€;
- O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, sob o artigo 3930°, com o VPT de 18.589,70€ (acordo e cfr. fls. 40 dos autos).
B) Em 22.08.2006, no Cartório Notarial de ……………., em Lisboa, o Impugnante e as suas irmãs assinaram o documento intitulado "Compra e Venda", através do qual declararam vender, pelo preço global de 1.265.000€, os prédios identificados na alínea antecedente, sendo o valor de 450.000,00€ respeitante ao artigo 2303° - prédio urbano destinado a armazém -, o valor de 550.000€ respeitante ao aí denominado terreno para construção inscrito sob o artigo 3930°, e o valor de 265.000,00€ respeitante ao artigo 7781° - prédio urbano destinado a armazém (cfr. escritura de fls. 42 a 46 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
C) Em 15.10.2009 o Impugnante apresentou a sua declaração de IRS do ano de 2006, não apresentando anexo G, mas outrossim o anexo G1 (mais-valias não tributadas), no qual declarou as alienações referidas na alínea antecedente, mas com data de aquisição dos imóveis de 21.07.1987 (cfr. fls. 167 a 170 do PAT).
D) Através do ofício n° 34490 de 27.04.2010, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi o Impugnante notificado para proceder à entrega de declaração de substituição Modelo 3 do ano de 2006, desta feita contendo anexo G, atendendo a que os imóveis alienados foram adquiridos após 01.01.1989 (cfr. fls. 49 dos autos).
E) Em 29.07.2010 o Impugnante apresentou declaração Modelo 3 de substituição para o ano de 2006, desta feita contendo o anexo G, no qual inscreveu a alienação dos prédios referidos em B), com data de dezembro de 1997, e com os seguintes valores:
Artigo 2303° - Valor de Realização: 150.000,00€ /Valor de Aquisição: 35.015,61€
Artigo 7781° - Valor de Realização: 88.333,33€ /Valor de Aquisição: 13.467,54€
Artigo 3930° - Valor de Realização: 183.333,33€ /Valor de Aquisição: 6.196,57€
(cfr. fls. 175 a 180 do PAT).
F) Com base na declaração mencionada na alínea antecedente, foi em 10.08.2010 emitida a liquidação adicional de IRS com o n° 2010 5004905491, que originou a nota demonstrativa de compensação no montante a pagar de 80.756,83€ (cfr. fls. 72 a 76 dos autos).
G) Em 21.01.2011 o Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação mencionada na alínea antecedente, a qual foi instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 7 sob o n° 3085201104000676 (cfr. fls. 1 e 11 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
H) Na reclamação graciosa referida na alínea antecedente o Impugnante, para além de invocar falta de fundamentação da mesma, não obstante ter a referida liquidação sido efetuada de acordo com a declaração Modelo 3 apresentada pelo próprio Impugnante, pediam a alteração da data de aquisição e dos valores de aquisição por forma a que fossem considerados os custos de construção dos armazéns construídos antes da alienação dos prédios em questão (cfr. fls. 10 a 26 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
I) Em 27.06.2011 foi elaborada informação final da reclamação graciosa onde consta, de entre o mais, o seguinte teor:
“(...)Prédio inscrito sob o art. U-3933 factual U-7781)
No que se refere ao prédio inscrito no campo 402 do anexo G da Declaração de Substituição apresentada pelo sujeito passivo em 2010-07-29 (cfr. fls. 120 e ssg.) constatamos que o mesmo se encontrava inscrito na matriz da freguesia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela, sob o artigo U-3933, com valor patrimonial (VP) inicial de € 11.222,95, actualizado, em 2003, para o VP de € 22.109,21 (cfr. fls. 136 e ssg.). Já em 2004 é efectuada nova avaliação, reportada a 2000-03-30, com um VP de € 28.281,84, valor que se manteve inalterado até à avaliação efectuada nos termos do CIN/II, em resultado da transmissão do imóvel para o Fundo de Investimento Imobiliário Fechado …………. (1a transmissão na vigência do IMI), em 2006-08-22 - cfr. fls. 144 e ssg.
Alega o Reclamante que o cálculo da mais-valia obtida com a alienação do mencionado prédio (à data, inscrito já sob o art. 7781), deveria ser corrigido de molde a reflectir o valor do terreno adquirido em 1997 por transmissão mortis causa e o imóvel entretanto construído sobre o mesmo, donde terão resultado custos com a construção na ordem dos € 57.972,34. Ora, salvo o devido respeito, não vemos como poderá este argumento proceder, pela seguinte ordem de razões:
1. O terreno constante da matriz e o prédio entretanto construído constituem, ipso facto, uma realidade homogénea a que o direito atribui um conjunto homogéneo e indistinto de efeitos jurídicos (a construção "integra", logicamente, o terreno onde se insere, no sentido de representar um todo único a que corresponderá o prédio posteriormente inscrito na matriz - "prédio construído, ampliado, melhorado ou modificado");
2. O valor de aquisição considerado resulta dos elementos declarados pelo sujeito passivo na Declaração de Substituição supra-referenciada;
3. O valor constante da matriz, já actualizado em resultado da Declaração Mod. 129 apresentada, era de € 28.281,84, embora o contribuinte, ora reclamante, tenha declarado o valor de € 40.402,62 {13.467,54 x 3).
Mais: ainda que se devesse admitir - como alega o reclamante - que o valor de aquisição a considerar para cálculo da mais-valia seria obtido pela soma do valor do terreno mais os custos de construção (alegadamente) suportados, não poderia a posição do contribuinte vingar no caso vertente, pela simples circunstância de que não é apresentado qualquer elemento de prova passível de comprovar a realização daquelas despesas (facturas, recibos, orçamento, etc.). Como se refere na petição do ora reclamante, só são de admitir os "custos de construção devidamente comprovados" (cfr. fls. 18, art. 52°, sublinhado nosso e art. 46°/3 do CIRS).
Prédio inscrito sob o art. U- 2303
No que se refere ao prédio declarado no campo 401 da declaração de substituição supra referenciada, resta-nos replicar toda a argumentação acima aduzida, realçando que:
1. O valor de aquisição considerado resulta dos elementos declarados pelo sujeito passivo (€ 35.015.61, correspondentes à quota parte de 33,33%);
2. O VP constante da matriz à data de alienação do prédio era de € 179.387,67 (cfr. fls. 150).
Contudo, atendendo a que, em relação ao presente imóvel, o valor declarado resulta inferior ao constante da matriz predial, somos de considerar que, em sede de Reclamação, poderá o sujeito passivo pretender relevar este último VP para efeitos de cálculo da mais-valia realizada, embora não possa, conforme acima ficou ressalvado, pretender imputar despesas de construção ou beneficiação que não estejam devidamente comprovadas.
Já no que se refere à não imputação dos atrasos na actualização da matriz predial (art. 74° da petição, a fls. 22), cabe realçar que a decisão de não proceder à entrega da respectiva declaração Mod. 1 de IMI, ficou a dever-se a opção consciente do ora reclamante (e dos restantes co-herdeiros), conforme aliás é reconhecido na própria petição a arts. 70° e ssg. Ora, dadas estas circunstâncias, a eventual não actualização do VP do prédio em data imediatamente anterior à própria alienação, só ao reclamante (e aos restantes co-herdeiros) pode ser imputado, de tal forma que, não tendo sido junto qualquer comprovativo das despesas efectivamente realizadas com a construção ou beneficiação do prédio, será de considerar o VP constante da matriz em 2006-08-22 (data de realização da escritura de alienação).
Dos Juros Indemnizatórios
No que se refere ao pedido de juros indemnizatórios formulado, não podemos, à luz da argumentação anteriormente produzida, reconhecer-lhe qualquer mérito de causa passível de justificar o seu acolhimento. (...).
III — Conclusão
Face ao exposto, propõe-se o deferimento parcial do pedido, com a consequente consideração da quota-parte de 33,33°% do VP de € 179.387,67 (i.e., € 59.795,89) como valor de aquisição do prédio urbano inscrito sob o art U - 2303 da freguesia de Quinta do Anjo, concelho de Palmela.
IV - Informação Complementar
Realizada a instrução do processo, foi elaborado o de decisão que veio a ser notificado ao Reclamante através do ofício n° 44303 de 2011-05-19, do qual constava, em conformidade com o disposto no art. 60° da Lei Geral Tributária (LGT), a indicação para exercer, querendo, o direito de audição prévia no prazo de 10 dias.
O Reclamante exerceu o direito de audição prévia, por escrito, em 2011-06-02 (cfr. fls. 163), alegando, em suma, o seguinte:
1. No que se refere à construção efectuada no imóvel com o artigo matricial U-7781, não pode o Reclamante concordar com o argumento da AT de que o terreno constante da matriz e o prédio entretanto construído constituem uma realidade homogénea, uma vez que - segundo a interpretação que se lhe mostra mais ajustada - isso "não sucede para efeitos fiscais". Assim, tratando-se de realidades distintas, o cálculo da mais-valia tributável deverá ser efectuado com base no "valor de aquisição do terreno considerado pela Administração Tributária" ao qual deverá ser adicionado o valor dos custos de construção suportados. Acrescenta, no entanto, que relativamente à falta de comprovação das despesas e encargos suportados, não pode o Reclamante ser penalizado pela não apresentação dos mesmos, uma vez que, nos termos do art. 128°/2 do CIRS, a obrigação de conservar os documentos comprovativos dos elementos declarados mantém-se apenas por um prazo de 4 anos (cfr. fls. 166);
2. Relativamente ao prédio inscrito sob o art. U-2303, não pode o Reclamante concordar com a exposição constante do projecto de decisão notificado, por entender que a AT deveria ter avaliado e considerado o valor resultante da avaliação efectuada ao prédio por reporte à data de alienação do mesmo (ou a data anterior). Alega que "tendo a alienação do Prédio ocorrido em Agosto de 2006, e tendo a licença de utilização a data de Junho de 2006, entenderam os alienantes que não faria sentido proceder à entrega de duas Declarações Modelo 1 de IMI num curto lapso de tempo, entendendo que "a única sanção prevista para a falta de entrega da Declaração Modelo 1 de IMI no prazo legalmente previsto é a instauração de um processo de contra-ordenação e consequente aplicação de coima" (cfr. fls. 171, art. 47°), pelo que não lhe poderão ser imputadas quaisquer outras consequências. Acrescenta que não sendo obrigado a manter os documentos comprovativos de factos declarados, por um prazo superior a 4 anos (art. 128°/2 do CIRS), não poderá o Reclamante ser penalizado pela não apresentação dos mesmos;
3. Por outro lado, existindo erro no cálculo da mais-valia, são devidos juros indemnizatórios sobre a quantia que deverá ser anulada desde a data do pagamento voluntário até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
Compulsados os autos e analisada a argumentação ora aduzida pelo Reclamante em sede de audição prévia, caberá, desde logo, salientar que apesar de devidamente instado a participar na decisão de forma a esclarecer cabalmente o circunstancialismo subjacente à obtenção da mais-valia tributável, não logrou o contribuinte fazer prova dos factos que alegou na petição apresentada. No seguimento da fundamentação já produzida, devem ser relevados no cálculo da mais-valia os custos e encargos devidamente comprovados" (art. 46°/3 do CIRS), pelo que só perante prova inequívoca das despesas suportadas poderão ser feitas as eventuais correcções à mais-valia apurada. Ora, apesar da expressa referência à necessidade de comprovação, o Reclamante não junta qualquer elemento de prova, à excepção de 2 relatórios de avaliação de um perito avaliador com valores obtidos com base em estimativas de área de construção (arts. 23° e 68° da audição junta a fls. 163 e ssg.). Contudo, não pode a AT considerar e valorar estimativas, sob pena de estar a violar preceito legal imperativo, além de que a aceitação destes valores indicativos colocaria sérias dúvidas quanto ao respeito do princípio da igualdade, caso em que se estaria a admitir um tratamento diferenciado para uma situação em que sempre se exigiu (porque a própria lei o exige) a devida comprovação de valores. Já no que se refere ao argumento de que apenas é exigido ao contribuinte que mantenha arquivo dos comprovativos dos elementos declarados por um prazo limite de 4 anos, sempre se dirá que aquele preceito (art. 128°/2 do CIRS) deve ser interpretado com consideração da ratio da própria norma.
Com efeito, o prazo de 4 anos justifica-se pela existência de um prazo de caducidade (também) de 4 anos, pelo que se o tributo ainda pode ser liquidado cabe ao contribuinte munir-se dos elementos necessários à comprovação do que declarou (estranho seria, por exemplo, que o contribuinte não mantivesse registo do valor pago pela aquisição do prédio ou das despesas suportadas com essa operação, ainda que com mais de 4 anos - cfr. art. 51°/a) do CIRS).
Relativamente à invocada obrigação do órgão instrutor de promover todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, sempre se dirá que este não pode ser elevado a princípio absoluto de aplicação imperativa e sumária. De facto, se, por um lado, deve exigir-se que a par deste princípio surja um outro de colaboração e cooperação do contribuinte (que poderia, nomeadamente, ter solicitado segundas vias das facturas/recibos por estarem em causa documentos que devem ser arquivados por um período mínimo de 10 anos - art. 52°/1 do CIVA), por outro, não se poderá deixar de entender que a inquirição de um perito avaliador que procedeu ao cálculo de valores tomando por referência a estimativa das áreas de construção projectadas, não permitiria alcançar a verdade material dos custos devidamente suportados (tratar-se-ia de uma confirmação dos elementos sobre que recaiu a avaliação e não dos custos efectivamente incorridos).
Quanto aos juros indemnizatórios peticionados, mais uma vez, não podemos reconhecer razão ao Reclamante. De facto - e como o próprio reconhece - os elementos foram fornecidos à AT por via da apresentação de uma Declaração de Substituição, pelo que o erro invocado no cálculo da mais- valia não poderá ser imputado aos serviços que apenas procederam à liquidação do imposto com referência aos valores declarados. Quanto à circunstância de se tratarem de elementos declarados com base em notificação dos serviços da IT, apenas há a salientar que esses "elementos" constam de notificação enviada a terceira pessoa, pelo que caberia ao ora Reclamante reagir à liquidação em processo próprio e autónomo, demonstrando e provando que existiu um excesso de liquidação (motivado por erro na declaração), sem que daí possa resultar um erro cometido por estes serviços.
Nestes termos, somos de parecer que deve ser mantido o deferimento parcial proposto com os fundamentos acima indicados.
À consideração superior." (cfr. fls. 122 a 131 dos autos).
J) Por despacho proferido em 28.06.2011, foi a reclamação graciosa deferida parcialmente, nos termos constantes da informação transcrita na alínea antecedente (cfr. fls. 122 dos autos).
K) Em concretização da decisão referida na alínea antecedente, foi emitida em 25.08.2011 a liquidação de IRS n° 2011 5005006998, que reduziu o rendimento global de 200.620,12€ para 184.884,65€, resultante da consideração do valor de 59.795,89€ como valor de aquisição em 12/1997 do prédio inscrito sob o artigo 2303° (cfr. fls. 246 a 256 do processo de reclamação graciosa apenso).
L) A liquidação referida na alínea antecedente gerou a anulação do montante de 7.449,77€ quanto à liquidação impugnada nos autos (cfr. fls. 254 do processo de reclamação graciosa apenso).
M) Em 02.02.2000 foi emitida em nome do ora Impugnante e das suas irmãs, pela Câmara Municipal de Palmela, o Alvará de Licença de Utilização n° 38/00, com referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 7781° (anterior 3933°), descrito na CRP de Palmela sob o n° 00429, pelo qual foi autorizada a utilização do prédio como "Armazém Industrial" (cfr. fls. 137 dos autos).
N) Em 30.03.2000 foi apresentado pelo Impugnante, na qualidade de cabeça de casal da herança de sua mãe, a Declaração Mod. 129 referente ao prédio referido na alínea antecedente, aí se indicando o prédio como novo, e tratando-se de armazém para fins industriais, também se referenciando a licença de utilização mencionada na alínea antecedente (cfr. fls. 139 a 141 dos autos e fls. 60 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
O) Com base na declaração Mod. 129 referida na alínea antecedente, foi atribuído em avaliação realizada nos termos do CCPIIA o Valor Patrimonial do artigo 7781° (anterior 3933°) em 28.281,84€ (cfr. fls. 60 do processo de reclamação graciosa apenso aos autos).
P) O mesmo imóvel referido na alínea antecedente foi avaliado pela 1ª vez ao abrigo do CIMI na sequência de Mod. 1 de IMI apresentada em 12.12.2006 pelo FII Fechado ………, adquirente do mesmo, tendo sido fixado o VPT de 149.010,00€ com base nos mesmos elementos considerados na avaliação referida na alínea antecedente - área bruta de construção de 366 m2 e área total do terreno de 5.000 m2 (cfr. fls. 140 e 141 do processo de reclamação apenso).
Q) Em 16.06.2006 foi emitida em nome do ora Impugnante, pela Câmara Municipal de Palmela, o Alvará de Licença de Utilização n° 272/2006 correspondente ao Alvará de Construção n° 189 de 25.05.2006, com referência ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 2303°, pelo qual foi autorizada a utilização do prédio como "Industria (Naves I, II, III e IV)" (cfr. fls. 180 dos autos).
R) À data de 22.08.2006 o prédio referente ao artigo 2303°, mencionado na alínea antecedente, tinha um VPT de 179.387,67€, apurado desde 2003 (cfr. fls. 205 do PAT).
S) O mesmo imóvel referido na alínea antecedente foi avaliado pela 1ª vez ao abrigo do CIMI na sequência de Mod. 1 de IMI apresentada em 13.12.2006 pelo FII Fechado ………, adquirente do mesmo, tendo sido fixado o VPT de 320.300,00€, constando da Ficha de Avaliação respetiva ter como data da licença de utilização o dia 16.06.2006 (cfr. fls. 205 a 208 do PAT).
T) O Impugnante declarou como rendimentos prediais do ano de 2006, correspondentes à sua parte de 33,33% do prédio referente ao artigo 2303°, o valor de 6.226,98€ (cfr. fls. 177 do PAT).
U) A presente Impugnação foi apresentada em 19.07.2011 (cfr. fls. 2 dos autos).

Factos Não Provados:
1 - Não foi provado que o Impugnante e as suas irmãs tenham incorrido num total de 44.891,81€ a título de custos de construção do prédio inscrito sob o artigo 3933°.
2 - Não foi provado que o Impugnante e as suas irmãs tenham incorrido num total de 303.278,69€ a título de custos de construção do prédio inscrito sob o artigo 2303°.


2. Questões a decidir
No âmbito da presente impugnação cabe verificar: i) se existe nulidade por excesso de pronúncia [violação do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1. Al. d) do CPC]; ii) se existe erro de julgamento da sentença recorrida na determinação do valor do imóvel para efeitos de apuramento das mais-valias prediais [violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 50.º, n.º 2, al. a) do CIRS]; e iii) se existe erro de julgamento na aplicação das regras do ónus da prova [violação do disposto no artigo 74.º, n.º 2 da LGT].


3 – Do direito

3.1. Da alegada nulidade por excesso de pronúncia

O que se discute nos presentes autos é a conformidade jurídico-legal da determinação do valor de aquisição de um imóvel para efeitos de apuramento das mais-valias prediais em sede de IRS, tal como a mesma veio a ser fixada na reclamação graciosa.

Compulsada a matéria de facto assente, verifica-se que as mais-valias em litígio foram apuradas em decorrência da venda de três imóveis pelo Impugnante e aqui Recorrente e as suas duas irmãs, em 2006, sendo que em litígio está apenas o apuramento das mais-valias respeitantes a dois desses prédios, a saber: i) prédio urbano destinado a armazém, identificado pelo artigo matricial 2303, alienado pelo valor de 450.000,00€; e ii) prédio urbano destinado a armazém, identificado pelos artigo matricial 3933-7781, alienado pelo valor de 265.000,00€.

Tais imóveis haviam sido adquiridos pelos alienantes em 1997, por herança da mãe, tendo sido nessa data declarado, a título de VPT do imóvel inscrito sob o artigo 2303, o valor total de 105.046,84€ (cujo 1/3 correspondente era de 35.015,61€) e a título de VPT do imóvel inscrito sob o artigo 3933-7781, o valor total de 40.402,62€ (cujo 1/3 correspondente era de 13.467,54).

Da matéria de facto assente resulta ainda que se apurou e decidiu o seguinte a respeito destes imóveis:

- em relação ao prédio inscrito sob o artigo 3933-7781, que estava inscrito na matriz com o VPT de 11.222,95€, foi o mesmo actualizado na sequência da apresentação pelo Impugnante, em 2000, da Declaração Mod. 129, fixando-se então o VPT em 28.281,84€, valor que se manteve até à sua alienação em 2006. Na reclamação graciosa, o Reclamante pugnava pela actualização/correcção desse valor nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 46.º do CIRS, alegando que o valor de aquisição devia ser calculado com base no valor matricial do terreno, acrescido dos custos de construção do armazém, que ascenderiam a 57.972,34€, mas a AT rejeitou essa tese, alegando que o Reclamante não tinha apresentado prova das despesas realizadas.

- em relação ao prédio inscrito sob o artigo 2303, a AT concluiu que o Reclamante havia declarado o valor de aquisição de 35.015,61€, o que correspondia ao VPT do imóvel de 105.046,84€, porém, o VPT constante da matriz à data de alienação do prédio, e que havia sido apurado em 2003, era de 179.387,67€, o que lhe permitiria “corrigir” o valor de aquisição relativo a este imóvel para 1/3 do valor do VPT constante da matriz (ou seja, 59.795,89€, a que acresceu depois o coeficiente de desvalorização da moeda de 1997 a 2006), mas, igualmente, reiterou que não poderia aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 46.º do CIRS, porque, uma vez mais, não havia sido feita a prova das despesas de construção.

No mais, considerou a AT que teriam de ser estes os valores de aquisição a considerar para efeitos de mais valias prediais, e que o alegado atraso na actualização da matriz predial de ambos não é imputável à AT, mas sim ao reclamante e restantes herdeiros, uma vez que haviam sido eles a não entregar atempadamente a declaração Mod. 1 de IMI.

Inconformado, o Impugnante e agora recorrente, impugnou o acto de indeferimento parcial da reclamação graciosa junto do TT de Lisboa, sumariando nas suas conclusões da petição inicial que a AT cometera uma ilegalidade ao não considerar como valor de aquisição dos imóveis o valor do terreno acrescido dos custos de construção, o qual era muito superior ao VPT dos mesmos à data da respectiva venda.

E considera ainda o Impugnante que a AT não poderia recusar-se a aceitar os custos de construção indicados na reclamação com o fundamento de que os Reclamantes teriam de apresentar os documentos comprovativos, porquanto, na sua perspectiva, aplicar-se-ia neste caso o disposto no artigo 128.º, n.º 2 do CIRS, e esse prazo já estaria ultrapassado, e que, se fosse o caso, sempre poderia fazer prova daqueles custos por outro meio, que não a prova documental que estava a ser exigida pela AT.

Como segundo fundamento, alegava ainda o Impugnante que, da conjugação do disposto no artigo 46.º, n.º 3 e 50.º, n.º 2, al. a), ambos do CIRS, o valor de aquisição do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 2303, teria sempre de ser aferido pelo VPT decorrente da actualização de 2006, por ser esse o ano da conclusão das obras e da obtenção da licença de utilização, e que o facto de essa actualização ter tido lugar após a venda não era fundamento suficiente para desconsiderar aquele valor como valor de aquisição para efeitos do cálculos das mais-valias.

Na decisão recorrida, o TT de Lisboa deu como não provados os custos de construção invocados pelo Impugnante e, a respeito da necessidade de, quanto ao segundo imóvel, atentar no VPT de 2006, por ter sido esse o ano de conclusão das obras, considerou o Tribunal recorrido que tal não era verdade, uma vez que nesse ano de 2006 o Impugnante apresentara rendimentos prediais referentes a esse imóvel, pelo que o mesmo já estaria construído, o que significava que naquele ano o imóvel já estava inscrito na matriz como armazém, e que, por essa razão, cabia ao Impugnante ter apresentando prova de que se estava perante uma alteração substancial do prédio para que se pudesse ajuizar da aplicação a essa “nova construção” do disposto nos artigos 46.º, n.º 3 e 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

Ora, é precisamente quanto a este ponto da decisão recorrida que o agora Recorrente fundamenta o alegado excesso de pronúncia da sentença recorrida – a situação em que o juiz terá “conhecido de questões de que não devia conhecer” –, mais concretamente, na circunstância de o tribunal a quo, em vez de se ter limitado a conhecer da legalidade da recursa da AT em aplicar o VPT do imóvel apurado em 2006, por considerar que tinha havido atraso na entrega da declaração, ter conhecido da existência ou não do imóvel antes daquela data e ter considerado que cabia ao Impugnante, se quisesse beneficiar do disposto no artigo 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS (“encargos com a valorização do bem”, correspondentes à “alteração substancial do imóvel”), fazer prova das referidas despesas.

No despacho que admite o recurso, sustenta-se que não existe excesso de pronúncia, porquanto é o próprio Impugnante que expressamente suscitou a questão da aplicação ou não do disposto no artigo 46.º, n.º 3 do CIRS.

E, efectivamente, não se verifica o alegado excesso de pronúncia, porquanto o tribunal a quo limita-se a verificar se estão reunidos os pressupostos legais que impusessem à Administração Tributária a consideração de um VPT diferente a respeito do prédio inscrito sob o artigo 2303 quando o mesmo foi alienado, ou seja, a título de valor de aquisição para efeitos de apuramento das mais valias. E é para apurar da existência ou não dessa ilegalidade que o tribunal recorrido busca a sua possível sustentação na lei, fosse com base no valor do terreno acrescido dos custos de construção (artigo 46.º, n.º 3 e 50.º, n.º 2 al. a) do CIRS) – o que conclui não ser possível, não só pela inexistência dos documentos, mas também porque o imóvel construído já existia; fosse com base no VPT acrescido das despesas enquadráveis como “encargos com a valorização do bem” (artigo 46.º, n.º 3 1.ª parte e 51.º, n.º 1, al. a) do CIRS), acabando também por rejeitar esta possibilidade por concluir que o Impugnante não tinha, igualmente, os documentos comprovativos destas despesas.

Não se verifica, por isso, qualquer excesso de pronúncia, o tribunal recorrido limitou-se a analisar e fundamentar a razão pela qual a pretensão do Impugnante de ver o valor das mais-valias calculado de forma mais favorável, porque assente num valor de aquisição superior, poderia ser enquadrado no direito, tendo por base a factualidade assente.

Questão diferente é a de saber se o Tribunal a quo interpretou correctamente a pretensão do autor, o que, nos parece não ter sido o caso. Com efeito, o que o Impugnante e agora Recorrente parece querer alegar para sustentar a ilegalidade da decisão da AT na reclamação graciosa, é que em casos como o dos autos, em que alegadamente o prédio inscrito sob o artigo 2303 foi profundamente ampliado com as obras realizadas e concluídas em 2006, tais obras devem levar a uma subsunção desse facto ao disposto no n.º 3 do artigo 46.º 1.º parte, ou seja, deve qualificar-se como um imóvel construído pelo sujeito passivo, e, como tal, a AT estará obrigada a considerar como valor de aquisição, o VPT do mesmo à data da venda, não sendo legítimo alegar que pelo atraso dos sujeitos passivos na entrega da declaração, esse valor não poderia ter sido considerado.

Mas isso significa que há, eventualmente, um erro de julgamento do tribunal a quo, por não ter interpretado correctamente o pedido impugnatório e os respectivos fundamentos e não que exista um excesso de pronúncia, o qual, pelas razões antes aduzidas, manifestamente não se verifica, improcedendo o recurso nesta parte.

3.2. Do erro de julgamento na determinação do valor do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 2303 para efeitos de apuramento das mais-valias prediais [violação do disposto no artigo 46.º, n.º 3, conjugado com o disposto no artigo 50.º, n.º 2, al. a) do CIRS];

Cumpre-nos agora analisar se o Tribunal a quo errou ao considerar que o VPT apurado pela AT a título de valor de aquisição do imóvel inscrito na matriz sob o artigo 2303 para efeitos de apuramento das mais-valias prediais estava correcto.

Como já dissemos, a tese do Impugnante é a de que o imóvel alienado é o imóvel que foi “construído em 2006” e que, por essa razão, nos termos do disposto nas disposições conjugadas no artigo 46.º, n.º 3 1.ª parte e 50.º, n.º 2, al. a) do CIRS, o VPT do mesmo teria de ter sido o apurado em 2006 e não podia ser o que constava da matriz à data da venda, pois isso significa que a AT está a “penalizar” o sujeito passivo pela não entrega atempada da Declaração Modelo 1 do IMI em momento anterior à venda.

Ora, como já se afirmou em outra sede:

«[…] a quantificação do valor de aquisição, segundo a regra do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, deve fazer-se de acordo com o seguinte: “[O] valor de aquisição de imóveis construídos pelos próprios sujeitos passivos corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz ou ao valor do terreno, acrescido dos custos de construção devidamente comprovados, se superior àquele”. Quer isto dizer que o legislador, no caso em que o imóvel tenha sido construído pelo sujeito passivo, admite que o mesmo possa, para efeitos de cálculo do ganho a partir do qual se apura a mais-valia a tributar, beneficiar do maior de um dos seguintes valores: i) valor patrimonial tributário do imóvel originário (quando este seja depois objecto de reconstrução total, dando origem a um novo imóvel) ou ii) valor do terreno (calculado segundo as regras do n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS ex vi n.º 4 do mesmo artigo), acrescido do valor dos custos de construção […]” (destacado nosso) (acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Julho de 2020, proc. 0315/14.0BEFUN).

No caso dos autos, o Recorrente parece alegar que estaremos perante um caso de “reconstrução total que deu origem a um novo imóvel”, o que não resulta provado na matéria de facto assente, com a qual o mesmo se conformou no âmbito do presente recurso.

Com efeito, importa não esquecer, como igualmente se deixou expresso na decisão antes mencionada, que:

“[…] O que o valor de aquisição não pode deixar de ser (…) o valor apurado no momento da aquisição – seja o valor patrimonial do imóvel inscrito na matriz àquela data, seja o mesmo apurado a partir do somatório do valor do terreno e dos custos de construção –, i. e., o valor do imóvel determinado no momento em que o mesmo ingressa na titularidade do adquirente (ou reportado a esse momento, caso o mesmo tenha sido adquirido através de um contrato de locação financeira – artigo 46.º, n.º 5 CIRS).

Em suma, o valor de aquisição é fixado quando a aquisição tem lugar, não se admitindo actualizações do mesmo ao longo do tempo. A partir do momento em que ocorre a transmissão onerosa para o sujeito passivo, todas as valorizações que o imóvel alcançar – seja por intervenção do sujeito passivo através de obras de valorização, seja por factores externos à sua vontade – consubstanciam ganhos, que serão apurados e tributados a título de mais-valias no momento da respectiva realização e de acordo com os critérios legalmente estabelecidos nessa data.

O legislador consagrou ainda a regra de que o valor de aquisição, determinado a partir da inscrição matricial do imóvel no momento em que ele ingressa na titularidade do proprietário, pode depois ser complementado (para além da correcção monetária do artigo 50.º do CIRS, que foi aplicada pela AT) pelo disposto no segmento inicial do artigo 51.º, al a) do CIRS, quando acrescem encargos com a valorização do bem, o que não está em discussão neste caso, pois não existe no processo qualquer referência à realização deste tipo de obras ou despesas.

Em suma, a tributação das mais-valias incide, precisamente, sobre a valorização de mercado que o bem alcança ao longo do tempo em que permanece na titularidade do sujeito passivo, um valor que, enquanto ganho externo à sua actividade, constitui o facto tributário.

Assim, não tem acolhimento legal a tese dos Recorrentes de que as mais-valias deveriam ser calculadas a partir da diferença entre o valor patrimonial tributário do imóvel à data da alienação e o valor pelo qual o mesmo é alienado, uma vez que não é esse o conceito legal de mais-valias. Por essa razão, não enferma de erro na interpretação do direito a decisão recorrida […]”.

E o mesmo sucede neste caso, estando provado, pela existência de rendimento prediais decorrentes do arrendamento, que o prédio armazém já existia, já tinha sido construído e inscrito como tal na matriz com o VPT de 179.387,67€, que era o constante da matriz à data da venda, tem de ser esse o valor considerado para efeitos de apuramento do valor de aquisição à luz do disposto no artigo 46.º, n.º 3 e 50.º, n.º 2, al. a) do CIRS, nunca podendo relevar para efeitos de apuramento das mais-valias, o VPT fixado após a venda.

É certo que o Recorrente alegou perante a AT que, para além deste imóvel, a venda incluiu também, sob o mesmo número de artigo matricial, um edifício industrial e escritórios, cuja construção finalizou em 2006 (ponto 66.º da reclamação graciosa, junta aos autos, como doc. 11 da P. I.). Mas também é certo que nunca promoveu a inscrição matricial deste imóvel e também não apresentou, junto da AT, os documentos comprovativos dos custos relativos àquela construção.

Por isso, reitera-se aqui o entendimento que se deixou consignado no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Outubro de 2019 (proc. 0486/16.1BEVIS):

“ II - O que a lei determina no apuramento das mais valias respeitantes a um imóvel que tenha sido construído pelo sujeito passivo e posteriormente valorizado mediante a realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, nos 12 anos anteriores à data da sua transmissão onerosa, é que se possa fazer acrescer ao valor de aquisição, apurado nos termos do artigo 46.º, n.º 3 do CIRS, o valor dos encargos com aquelas obras de ampliação, sempre que o mesmo seja declarado nos termos do disposto no artigo 51.º, al a do CIRC, e desde que sejam comprovados esses custos.

III - A realização de obras de ampliação que não originem uma parte de prédio susceptível de utilização independente e de inscrição matricial separada, mesmo que sejam causa de um aumento significativo do valor patrimonial tributário do imóvel, não consubstanciam um novo valor de aquisição do imóvel a título oneroso para efeitos de apuramento do ganho tributável como mais-valia”.

Aliás, se bem se interpreta o que foi alegado pelo agora Recorrente na reclamação graciosa (mais precisamente no artigo 70), o que aqui denomina como “prédio por si construído”, cujo valor de aquisição para efeitos de mais-valias teria de ser apurado com base no VPT inscrito na matriz em 2006, é o prédio que apenas veio a ser inscrito como tal na sequência da entrega pelos terceiros adquirentes da declaração modelo 1 de IMI, já depois da venda, o que, como facilmente se percebe, é um pedido desprovido de qualquer suporte legal.

Improcede, por isso, o alegado erro de julgamento quanto à determinação do valor de aquisição do imóvel para efeitos de apuramento do valor das mais-valias.

3.3. Do alegado erro de julgamento na aplicação das regras do ónus da prova [violação do disposto no artigo 74.º, n.º 2 da LGT].

Entende ainda o Recorrente que a decisão recorrida enferma de erro de julgamento no que respeita ao ónus da prova imposto ao Recorrente, ou seja, por não considerar aplicável in casu o prazo de quatro anos estipulado no artigo 128.º do CIRS e por não considerar que a prova das despesas em que incorreu com os custos de construção do imóvel se deve considerar produzida através da remissão para os documentos em poder da AT, como dispõe o artigo 74.º, n.º 2, da LGT.

Ora, a este propósito escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:

«[…] O Impugnante limita-se a alegar que já não dispõe dos documentos pertinentes, mas nem sequer demonstra que tenha feito algum esforço ou diligência no sentido de os obter. As obras alegadamente levadas a cabo são vultuosas e certamente envolveram contrato(s) de empreitada, pagamentos em cheques, etc. Tudo demonstrável através da escrita de terceiros e dos bancos - cfr. aliás o artigo 432.º do Código de Processo Civil anterior.

Chama-se a este propósito à colação o que ficou sumariado no acórdão do STA de 27.06.2018, proferido no processo nº 0106/18, aí se dizendo que “I - O período de conservação dos documentos relativos às despesas suportadas com o imóvel não se inicia com o momento em que tais despesas foram feitas, mas com a data em que para efeitos de cálculo de mais valias resultantes da venda do imóvel se declara que tais despesas tiveram lugar (…)”.

Por conseguinte, não tendo o Impugnante alguma vez declarado em sede declarativa de IRS os supostos custos de construção invocados pela 1ª vez na reclamação graciosa, não tendo aquele feito prova naquela reclamação ou nos presentes autos de qualquer custo de construção, nos termos das regras gerais do ónus da prova, não podem os invocados e supostos custos ser considerados, improcedendo a impugnação nesta parte […]».

E o que aí se escreveu não merece a nossa censura. Com efeito, registam-se alguns equívocos na argumentação expendida pelo Recorrente a este propósito: i) primeiro, o de considerar que o artigo 74.º, n.º 2 da LGT “o desonera de ter de fazer prova dos factos constitutivos dos direitos que invoca” (regra consagrada no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, que prevalece), ii) segundo, não se descortina, nem o Recorrente especifica nas suas alegações de recurso, quais os documentos em poder da AT que permitiriam comprovar os custos em que incorreu com a construção/valorização do imóvel.

Assim, improcede também este terceiro e último fundamento do recurso.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.


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Custas pelo Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].
*

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.