Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03465/14.0BEPRT
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:INSTITUTO
FUNDOS DE PENSÕES
SEGURANÇA SOCIAL
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00071326
Nº do Documento:SA12021111803465/14
Data de Entrada:06/23/2020
Recorrente:A……………….
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO DE FUNDOS DE CAPITALIZAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL - IGFCSS
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:art. 03.º, art. 06.º do DL n.º 14/2003, de 31/01
art. 05.º do DL n.º 39/2011, de 21/03
art. 36.º do DL n.º 155/92, de 28/07
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. RELATÓRIO

A…………., B…………., C…………., D…………., E………….., F…………., G…………, H…………, I…………, K…………, J…………, L…………., M…………., N…………, O…………, P…………, Q…………, R…………, S…………, T………… e U…………, devidamente identificados nos autos, intentaram, no Tribunal de Trabalho do Porto, contra o INSTITUTO DE GESTÃO DE FUNDOS DE CAPITALIZAÇÃO DA SEGURANÇA SOCIAL - IGFCSS, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum.
Declarada a incompetência em razão da matéria, foram os autos remetidos ao TAF do Porto, onde foi determinado o prosseguimento dos mesmos, sob a forma de acção administrativa especial.
Os AA apresentaram nova petição inicial, terminado pedindo a condenação do Réu:
«a) Serem declaradas ilegais por violação de normas legais imperativas (entre outros, nº 1, 2 e 4 do artº 5º do DL nº 39/2011 de 21.03, artº 3º, 5º e 6º do DL nº 14/2003 de 30.01, nº 4 do artº 112º da LVCR, artº 5º CPA, nº 4 do artº 59º LOPTC [Lei nº 98/97 de 26.08], artº 258º e 129º CT, artº 72º Lei nº 35/2014 de 20.06 e artº 59º, nº 1, al. a), CRP, e, consequentemente, nulas as deliberações do R. de 30.1.2013 e 28.3.2013 destinadas ao pedido de reposição de montantes auferidos pelos Autores:
- a título de CF/PPM por efeito da Lei nº 43/2005 de 29 de agosto que resultou da alteração de nível ou de atualização salarial, a título de aumento ou atribuição de CF/PPM após a entrada em vigor do DL 14/2003 de 30/1 e até setembro/2012;
- a título de comparticipação no crédito habitação;
- a título de prémios correspondente ao seguro de saúde pagos até 31/12/2009;
e,
- a título de Isenção de Horário de Trabalho; ou subsidiariamente anuladas;
b) O R. condenado a respeitar o direito dos AA a auferirem complementos de função, prémios de produtividade e mérito, comparticipação no crédito habitação, seguro de saúde e isenção do horário de trabalho previstos nos contratos individuais de trabalho e no art.º 6 e 13 do RPTR, como direito legitimamente adquirido, constituindo parte integrante da retribuição e incorporado nos seus contratos de trabalho, unilateralmente irrevogável pelo R. e, em consequência;
c) Ser declarado o direito de os AA continuarem a receber a remuneração estabelecida à data da outorga dos respetivos contratos de trabalho;
d) Ser ainda declarada a prescrição dos valores pagos aos AA referenciados em 134º a 143 da presente p.i., - nº 1 do artº 40º do DL nº 155/92 de 28.07, com as legais consequências».
*
Por decisão do TAF do Porto de 14 de Março de 2018 foi decidido julgar a acção parcialmente provada e em consequência:
«(i) Anula-se a deliberação proferida pelo Conselho Diretivo do Réu em 30 de janeiro de 2013, exclusivamente:
a. na parte em que determinou a reposição das quantias recebidas pelos Autores com contrato de trabalho celebrado em data anterior a 30 de janeiro de 2003, a título de comparticipação nos juros do crédito à habitação e nos prémios do seguro de saúde de grupo, com fundamento na violação do disposto na parte final do número 2 do artigo 6.º, do DL n.º 14/2003, de 30 de março, e na prescrição da obrigação de repor as quantias pagas nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007;
b. na parte em que determinou a reposição das quantias recebidas pelos Autores a título de complemento de função e prémios de produtividade e mérito, por prescrição dos valores relativos de setembro de 2005 a fevereiro de 2008, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28/07, exceto relativamente aos Autores C…………, J…………, O………… e P…………, quanto aos quais se deverá manter na ordem jurídica;
c. na parte em que determinou a reposição das quantias recebidas pelos Autores com contrato de trabalho celebrado em data posterior a 30 de janeiro de 2003 [H…………, I…………, K………… e U…………], a título de comparticipação nos juros do crédito à habitação e nos prémios do seguro de saúde de grupo, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, com fundamento em prescrição, nos termos do artigo 40.º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28/07;
(ii) Absolve-se o Réu do demais peticionado nos autos»
*
Os AA e o Réu apelaram para o TCA Norte [entre o mais] da sentença proferida no TAF do Porto e este, por Acórdão proferido a 23 de Maio de 2019, negou provimento ao recurso interposto pelos Autores e concedeu provimento ao recurso interposto pelo Réu, revogando a sentença, na parte em que, por prescrição, anulou o segmento da deliberação do Réu, de 30.01.2013, que determinou a reposição das quantias auferidas pelos Autores a título de complemento de função e de prémios de produtividade e mérito no mês de Fevereiro de 2008.
*
Os Autores, inconformados, vieram interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
«A) Da admissibilidade do recurso
I. O presente recurso de revista deve ser admitido pois é de importância fundamental, não só pela sua relevância jurídica e social, mas também para uma melhor aplicação do direito. Com efeito,
II. Está em causa nos autos a reposição de montantes pagos aos AA, fixados na data em que foram outorgados os respectivos contratos de trabalho e como contrapartida do trabalho a prestar;
III. O pedido de reposição traduz uma efectiva redução remuneratória e revela forte impacto social na esfera patrimonial dos AA, enquanto trabalhadores;
IV. A lei estabelece o princípio da irredutibilidade, no sentido que não pode ser diminuída a retribuição do trabalhador – art.º 129º, nº 1 do Código do Trabalho e, também, art.º 89º da Lei nº 59/2008;
V. A questão em discussão nos autos ultrapassa os limites do caso singular já que envolvem vinte e um trabalhadores da R (quase a sua totalidade) afectados pelo pedido de reposição, constituindo, assim, uma questão de relevo social;
VI. Estão em causa os interesses legítimos dos trabalhadores a manterem na sua esfera jurídica todos os montantes já auferidos a título de retribuição;
VII. Saber em que medida pode ser pedida a reposição da remuneração dos trabalhadores correspondente a funções efectivamente exercidas, justifica, salvo o devido respeito, a intervenção deste Alto Tribunal com vista a uma melhor aplicação do Direito; Com efeito,
VIII. É objecto do presente recurso a matéria dos prazos para a prática de actos de revogação por parte da Administração e conexões que apresenta com a tutela da posição jurídico-subjectiva dos cidadãos envolvidos ou afectados por essa sua actuação, sendo, por isso, de grande relevância e manifesta utilidade;
IX. De resto, o douto Acórdão recorrido, em matéria de revogação de actos, afasta a apreciação efectuada pelo douto STA, processo 0292/13.5BEPRT, de 11/10/2018 (processo STA 1147/17-11STA), in www.dgsi.pt, tendo sido Relator o Sr. Conselheiro José Veloso, cujos AA (em grande parte) e R coincidem com os dos presentes autos;
X. Será também objecto de apreciação a matéria da prescrição, decidida pelas instâncias de forma divergente, já que a decisão recorrida ao conceder provimento ao recurso do R, anulou parte da sentença proferida pela 1.ª instância;
XI. Representando matérias tratadas pelas instâncias de forma contraditória, impõe-se a intervenção do STA como condição imprescindível para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação;
Em suma,
XII. As questões decidendas têm relevância jurídica e social ao provocar um esforço interpretativo superior à média e a solução das mesmas ultrapassa significativamente os limites do caso concreto,
XIII. São também relevantes, na medida em que a sua análise permite clarificar qual o diploma a aplicar, com inegável interesse em decisões de situações futuras,
XIV. Pelo exposto, requer-se a V.Exªs se dignem admitir a presente Revista.
B) Dos fundamentos de recurso
XV. O douto Acórdão recorrido, com todo o respeito que nos merece, faz errada interpretação dos factos e do direito aplicável, infringindo, designadamente os art.º 3.º e 6.º do DL 14/2003, de 30/01, nº 1, 2 e 4 do art.º 5.º do DL 39/2011, de 21/03, nº 4 do art.º 112.º da LVCR, nº 4 do art.º 59.º LOPTC (Lei 98/97, de 26/8), art.º 21.º da Lei nº 3-B/2010, de 28/4, art.º 138.º a 141.º e 168.º CPA (DL 4/2015, de 7/1), art.º 6 DL 85/2016, de 21/12 e art.º 59.º, nº 1, al. a) CRP;
XVI. O douto Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso dos AA, pronunciando-se em três segmentos:
Errada interpretação e aplicação do Decreto-Lei 14/2003, de 31/1;
Errada interpretação e aplicação do Decreto-Lei 39/2011, de 21/3;
Da não aplicação do art.º 36º do DL 155/92, de 28/7.

Da aplicação do Decreto-Lei 14/2003, de 31/1
XVII. Os AA outorgaram com o R contratos individuais de trabalho entre o ano 2000 e 2008 (doc. 1 a 21 PI);
XVIII. A 31/01/2003, os Estatutos do R (DL 449-A/99, diploma que apenas foi alterado pelo DL 216/2007, de 29/5) e o Regulamento de Política de Pessoal e Tabela de Remunerações (doravante RPTR), aplicavam-se aos AA,
XIX. Dos contratos e das fichas de admissão dos AA (juntas aos autos), verifica-se que na cláusula referente à retribuição é indicado o valor mensal a receber, só depois separado em parcelas;
XX. Deve entender-se, por isso, que os AA quando outorgaram os contratos de trabalho, ao verificarem que a retribuição mensal era a que ali constava, apenas poderiam ter confiado que essa se manteria durante toda a relação contratual, interpretação que um homem médio faria colocado em igual situação;
Acresce que,
XXI. Aplicando-se os Estatutos do IGFCSS na data da entrada em vigor do DL 14/2003, a atribuição das compensações complementares aos AA ao abrigo do art.º 6.º do RPTR devem integrar-se no conteúdo dos respectivos contratos individuais de trabalho e, por conseguinte, não colidem com a previsão normativa deste diploma sobre a matéria;
Por outro lado,
XXII. O nº 2, do art.º 6.º do DL 14/2003 determina que se devem salvaguardar os direitos adquiridos, i.é., todos os que resultem da vinculação contratual da entidade patronal ou do facto de esta assumir compromissos no momento em que definiu objectivamente as condições de atribuição das compensações ou complementos;
XXIII. Atendendo a que a remuneração de cada um dos AA foi determinada em correlação com as funções para que foram contratados (cfr. contratos de trabalho), entende-se que se trata de direitos adquiridos, na definição do art.º 6, nº 2, do DL 14/2003;
XXIV. As remunerações que cada um dos AA aufere correspondem à concretização de um direito adquirido enquanto trabalhadores, foram sendo pagas com carácter de regularidade e têm por objecto compensá-los ao abrigo dos diversos números do art.º 6.º do RPTR,
XXV. Como tal, integram o conceito de retribuição, como assim foi decidido pela douta sentença n.º 1/2012 (Processo nº 2 JRF/2010), do Tribunal de Contas proferida pela Sra. Conselheira Helena Ferreira Lopes in www.tcontas.pt (pt/actos/acordaos/2012/3s/st001-2012-3s-pdf), transitado em julgado por Acórdão nº 5/2013 – 3.ª Secção – PL, Recurso Ordinário nº 1-JRF/2012, Processo nº 2 JRF/2010-3.ª Secção disponível em http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2013/3s/ac005- 2013-3s.pdf.
XXVI. Entendimento que tem vindo a ser seguido pela jurisprudência do STA, destacando-se o Ac. de 30/3/2017, processo 01211/16 e Ac. de 11/5/2017, processo 01339/16, disponíveis in www.dgsi.pt;
XXVII. A ser assim, como é, as remunerações fixadas contratualmente não consubstanciam uma “decisão discricionária do Réu”, como é referido na decisão;
Destarte,
XXVIII. Considerando a segunda parte do nº 2 do art.º 6.º do DL 14/2003 e a cláusula de salvaguarda do art.º 21º da Lei nº 3-B/2010, de 28/4, o direito de os AA manterem os referidos complementos e, consequentemente, não terem de proceder à restituição de qualquer montante, enquanto direito legitimamente adquirido, contraria o entendimento vertido na douta decisão em recurso.
Acresce que,
XXIX. O sistema remuneratório dos AA coincide com as prestações indicadas na art.º 3.º, nº 1 do DL 14/2003;
Com efeito,
XXX. Os AA continuaram a auferir os montantes fixados nos respectivos contratos muito para além da data da entrada em vigor do DL 14/2003 (pelo menos até ao ano de 2012), podendo e devendo contar, por isso, que tais complementos e benefícios faziam parte da sua retribuição;
XXXI. Perante tal quadro factual, as reposições em causa nos autos, colidem com situações jurídicas já constituídas e representam uma diminuição das remunerações dos AA, incorrendo, por isso, na violação dos direitos adquiridos, dos princípios da irredutibilidade da retribuição, da boa-fé e da confiança jurídica;
Ademais,
XXXII. Atendendo ao que dispõe o art.º 17º, nº 2, 23º e 89º da Lei nº 59/2008, e o art.º 109º da Lei nº 12-A/2008, a transição dos contratos individuais de trabalho dos AA para contrato de trabalho em funções públicas não teve consequências ao nível da sua situação remuneratória;
XXXIII. Foi conferida a todos os trabalhadores a garantia de não verem diminuída a remuneração, salvo nos casos previstos na lei, excepção ou ressalva, o que não sucede nos autos, em conformidade com o princípio da irredutibilidade da retribuição (cfr. art.º 206º RCTFP).
XXXIV. Do descrito quadro normativo, não se extrai a eliminação ou extinção da protecção resultante do nº 2 do art.º 6º do DL 14/2003, enquanto situação configurada como direito legitimamente adquirido pelos AA;
XXXV. Pelo exposto, o pedido de reposição ao abrigo do DL 14/2003 configura uma diminuição ilegal da retribuição dos AA, afectando direitos legitimamente adquiridos, não permitida por lei.

Da aplicação do DL 39/2011, de 21/3
XXXVI. Entendem os Recorrentes que do teor do art.º 5º DL 39/2011 se retira a vontade expressa do legislador em manter o estatuto dos trabalhadores do IGFCSS estabelecido pelas disposições legais aplicáveis em 31/12/2008 e pelos regulamentos internos aprovados até esta data; Com efeito,
XXXVII. O nº 2 desta norma, s.m.o., é uma disposição transitória e não introduz nenhuma inovação na ordem jurídica, antes procede à determinação do alcance da falta de revisão das carreiras, considerando a expressão “continuam a reger-se”.
XXXVIII. Este nº 2, do art.º 5.º interpreta o art.º 6.º do DL 14/2003 ao estipular que se mantêm em vigor, integralmente os regulamentos internos aprovados até 31 de Dezembro de 2008 pelo órgão competente;
XXXIX. A sua natureza interpretativa resulta também do âmbito de aplicação do art.º 2.º do DL 14/2003, atendendo às al. a) e b) do n.º 3, do art.º 2.º da Lei 91/2001 de 30/08,
XL. O que permite concluir, que a situação remuneratória em apreciação não se enquadra no DL 14/2003 e que do DL 39/2011 decorre a integral manutenção dos regulamentos do pessoal do IGFCSS;
XLI. Atendendo, ainda, que as carreiras dos AA não foram objecto de extinção, revisão ou decisão de subsistência, revela-se juridicamente incontornável que os contratos de trabalho continuam a reger-se pelas disposições legais aplicáveis em 31/12/2008 e pelo RPTR;
XLII. O art.º 5º do DL 39/2011 ao aludir à “integralidade dos regulamentos aprovados” apenas pode querer dizer, a todo o RPRT, inclusive o seu art.º 6º, que além das carreiras prevê a composição da remuneração dos trabalhadores. Se assim não fosse, qual seria a utilidade e/ou aplicação do DL 39/2011?
XLIII. Decorre deste Diploma, s.m.o. a efectiva e integral manutenção dos regulamentos do pessoal do IGFCSS, com as legais consequências nos presentes autos;

Da não aplicação do art.º 36º do DL 155/92, de 28/7 e desconsideração do regime de revogação/anulação dos actos administrativos – “Questão nova”
XLIV. As quantias objecto do pedido de reposição não se enquadram nos requisitos cumulativos constantes do nº 4, do art.º 59.º da LOPTC (Lei 98/97, de 26/8); Desde logo,
XLV. Porque respeitam a parte das remunerações auferidas pelos AA, como contrapartida do trabalho efectivamente prestado e pagas pelo R no âmbito de contratos de trabalho, não se tratando, por isso, de pagamentos ilegais, logo indevidos;
XLVI. Como tal, não houve, nem há, dano para o erário público, facto sobre a qual a decisão em recurso nem sequer pronuncia, pelo que,
XLVII. Todas as quantias pagas aos AA não podem ser consideradas indevidas – vide a este propósito douta sentença nº 1/2012 (Processo nº 2 JRF/2010), do Tribunal de Contas (a que se alude na Conclusão XXV das presentes), afastando a obrigação de os AA procederem à reposição de valores, nos termos do disposto no art.º 36.º e ss do DL 155/92, de 28/7.
XLVIII. A propósito deste diploma, concretamente da alteração ao art.º 40.º e da revogabilidade dos actos, a decisão recorrida entendeu dela não poder conhecer, com fundamento na circunstância de se tratar de “questão nova”;
Sem prescindir,
XLIX. Atendendo ao que dispõe o art.º 5º e nº 2, do art.º 608º CPC impunha-se ao Tribunal a quo conhecer, apreciar e julgar a questão da revogabilidade dos actos,
L. Matéria que constitui uma real e concreta questão que nos autos foi lhe foi colocada para que dela conhecesse;
LI. Sendo certo que a Recorrida se pronunciou sobre tal questão em sede de Contra Alegações, exercendo, assim, o contraditório;
LII. No caso vertente, a aplicação do regime da revogabilidade dos actos impunha-se ao Tribunal recorrido tendo em vista a solução do litígio, afastando, por essa via, com o devido e merecido respeito, o conceito de “questão nova”;
LIII. Note-se, que os Recorrentes, no recurso para o TCAN, e sobre esta matéria, apenas discordaram da qualificação e aplicação de normas jurídicas, sustentando que deviam ter sido aplicadas outras normas, ou seja, impugnando a matéria de direito;
LIV. O Tribunal está obrigado a aplicar adequadamente o direito aos factos, logo, não se está perante questão nova que impedisse o Tribunal de se pronunciar;
LV. De referir, ainda, que esta mesma questão foi apreciada no douto Acórdão do STA de 11/10/2018, processo 292/13.5BEPRT in www.dgsi.pt (citado na decisão recorrida) não obstante se tratar de processo anterior às alterações que incidiram sobre o 40º do DL 155/92;
Neste contexto,
LVI. Não se trata de questão nova, mas antes da mera aplicação do direito,
LVII. Na certeza de que a matéria da prescrição foi invocada perante o Tribunal da 1.ª instância e cuja decisão declarou a prescrição da obrigação de reposição de quantias com base na aplicação do art.º 40.º do DL 155/92, de 28/7, transcrevendo, aliás, os seus nºs 1 e 2;
LVIII. Contudo, não considerou o nº 3 (alterado pelo DL 85/2016, de 21/12), abstendo-se, somente por isso, de apreciar e julgar o regime da revogação/anulação dos actos, de inquestionável relevância na solução jurídica a conferir aos autos;
LIX. Dado que se tratava, como trata, de pedido de reposição, aquele Tribunal, na sua função de apreciar toda a causa e aplicar o Direito, deveria ter ponderado e aferido da revogação dos actos de processamento das remunerações dos AA;
LX. Não o tendo feito, e considerando, pelos aduzidos fundamentos, não se tratar de “matéria nova” competia ao TCAN, salvo o devido e merecido respeito, proceder à aplicação do direito actualmente em vigor, concretamente os art.º 138º a 141º do CPA (Decreto-Lei 4/2015, de 7/1);
LXI. Apreciando, no mais, que no CPA actualmente em vigor, aos actos de processamento de remunerações, na parte que constitua uma prestação periódica, deverá aplicar-se o disposto quanto aos actos constitutivos de direitos à obtenção de prestações periódicas no âmbito de uma relação continuada, que se prevê que possa ocorrer dentro do prazo de 5 anos, mas apenas com efeitos para o futuro - art.º 168.º, n.º 4, al b),
LXII. O que lhe permitirá concluir que a anulação no prazo de 5 anos apenas será permitida nos termos e efeitos do disposto no art.º 168º, nº 4, al c);
Sem conceder,
LXIII. Os actos administrativos constitutivos do direito à obtenção de outras prestações retributivas, como é também, mas não só, o caso dos autos, apenas poderão ser anulados no prazo de um ano, após o qual não podem dar origem ao dever de repor – art.º 168º, nº 2 CPA;
LXIV. Reforçando-se, desse modo, as garantias de estabilidade e previsibilidade da actuação administrativa no que contende com o disposto no regime de restituição de verbas públicas, revogando-se implicitamente o nº 3 do art.º 40º do DL 155/92;
LXV. Neste estrito âmbito, é no CPA que se encontram previstos os pressupostos da anulação dos actos constitutivos de direitos à obtenção de prestações pecuniárias, limitando-se o DL 155/92 a disciplinar aspectos da execução dessas decisões;
LXVI. E tanto assim é, que o nº 3 do art.º 40º, do DL 155/92 foi alterado pelo DL 85/2016, de 21/12, que nos termos do art.º 6º tem carácter interpretativo, permitindo concluir que o prazo para a revogação de actos administrativos constitutivos de direitos é de um ano;
Atente-se, ainda,
LXVII. Que a ordem de reposição foi emitida após ter decorrido o prazo de um ano para a anulação dos actos administrativos – art.º 168º, nº 2 CPA, ocorrendo, assim, o vício de violação de lei, e como tal deveria ter sido apreciado e julgado;
LXVIII. Por último e sobre esta matéria, impõe-se atender à Recomendação nº 6/B/2016, de 19 de Dezembro de 2016 dirigida pelo Exmº Senhor Provedor de Justiça ao Sr. Ministro das Finanças, disponível em http://www.provedor-jus.pt/, que é apresentada como tendo sido “parcialmente acatada” e que vai ao encontro do entendimento vertido pelos Recorrentes nas presentes alegações de recurso.

Por todo o exposto, a decisão do Tribunal a quo com o respeito que lhe é devido, deve ser revogada, por ter aplicado incorrectamente a lei, o que constitui erro de direito,
Proferindo-se Acórdão que, na procedência do recurso dos AA e na improcedência do recurso do R, julgue a acção totalmente procedente, nos termos peticionados no articulado inicial, Como é de JUSTIÇA.»
*
O recorrido contra-alegou, concluindo:
«I. Nos termos do artigo 150º/1 do CPTA, «das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
II. A questão em análise não tem relevância social, dado que concerne a um reduzido número de intervenientes, e que é reconduzida a uma situação demasiado específica, a reposição das quantias auferidas pelos Recorrentes a título de complemento de função e de prémios de produtividade e mérito no mês de fevereiro de 2008, sem expressão, portanto, no vasto universo que compõe a Administração Pública.
III. Por outro lado, a sua resolução em sede de revista não se revela fundamental para a melhor aplicação do Direito, porquanto resulta claro do nº 5 do artigo 2.º do novo CPA, que «[a]s disposições do presente Código, designadamente as garantias nele reconhecidas aos particulares, aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos administrativos especiais (…)», como é o caso do procedimento de reposição de dinheiros públicos, regulado, em especial, nos artigos 36.º e ss. do RAFE.
IV. Ademais, e por a aplicação do princípio «lex specialis derogat legi generali», na relação normativa entre as normas especiais do RAFE (em particular, o nº 1 do artigo 40º) e o disposto no artigo 168º do novo CPA (o mesmo valendo para o artigo 141º do antigo CPA), é sempre de concluir que aquelas prevalecerão sempre sobre o CPA, pelo que não existe aqui qualquer questão que necessite de clarificação em sede de revista para uma melhor interpretação do Direito.
V. Por fim, também não é controverso, nem necessita de clarificação em sede de revista para uma melhor interpretação do Direito, que o artigo 40º/2 do RAFE remete para o artigo 323.º do Código Civil e que, por conseguinte, uma notificação judicial avulsa é um ato apto a interromper a prescrição da obrigação de reposição destes pagamentos indevidos nos cofres públicos.
VI. Quanto ao prazo de prescrição, o nº 1 do artigo 40º do RAFE deve prevalecer, neste caso, sobre as normas do CPA relativas à revogação e à anulação administrativas, dado que se está perante uma regra constante de lei especial que afasta, claramente, o disposto na Parte IV do CPA.
VII. As normas do CPA apenas serão convocadas para o seio dos procedimentos de reposição de dinheiros públicos na ausência de norma própria no regime especial, o que não se verifica no caso vertente.
VIII. A reposição é devida desde que não tenha decorrido o prazo prescricional previsto no nº 1 do artigo 40º do RAFE, contado desde a data do recebimento das quantias, e esse prazo é de 5 anos, e não de 1 ano, dado que o CPA não derrogou as disposições do RAFE.
IX. Quanto à interrupção da prescrição, o artigo 40º/3 do RAFE determina que o decurso do prazo de 5 anos se interrompe ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
X. E o artigo 323º do Código Civil prescreve que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
XI. Destarte, se as quantias foram recebidas pelos Recorrentes em fevereiro de 2008, e se a Deliberação impugnada, de 30 de janeiro de 2013, lhes foi notificada em fevereiro do mesmo ano, foi assim interrompido o prazo de prescrição».
*
O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 04 de Março de 2020.
*
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte:
«A) Com datas de 1 de março (2), 11 e 14 de fevereiro, 13 de março, 1 de abril, 1 de maio, 2 de outubro, todos do ano de 2000, 1 e 12 de fevereiro, 14 de maio, 1 de julho (3), todos do ano de 2001, 18 de fevereiro e 1 de abril, ambos do ano de 2002, 1 de setembro de 2005, 18 de julho (2) e 11 de dezembro, ambos de 2008, os Autores celebraram com o Réu um contrato individual de trabalho, respetivamente [cf. admissão por acordo; documentos de fls. 46 a 84 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
B) Em 29 de dezembro de 1999, o Conselho Diretivo do Réu reuniu e, sob o assunto “Regulamento de Política de Pessoal e Tabela de Remunerações”, deliberou o seguinte: “(…) A necessidade de ter em conta as condições de funcionamento do mercado de recursos humanos no setor financeiro onde o Instituto irá operar e competir, as práticas remuneratórias aí utilizados e a conveniência de, no caso de funções especificas e de enquadramento, adotar o princípio de que as remunerações devem ser tendencialmente estabelecidas em cada caso, em função da complexidade exigida a cada função individual, tendo em atenção o mérito, o currículo e o valor de mercado do trabalhador que as executa, O Conselho Diretivo, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º e no artigo 23.º dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 449-A/99, de 4 de novembro delibera propor à aprovação do Senhor Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social o seguinte Regulamento de Política de Pessoal no qual se inclui a respetiva tabela de remunerações (…)” [cf. cópia da deliberação de fls. 86 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
C) Em 3 de janeiro de 2000, o Secretário de Estado da Segurança Social exarou despacho sobre a deliberação identificada na alínea antecedente, determinando o seguinte: “(…) Aprovo o Regulamento de Pessoal do IGFCSS, conforme proposto pelo respetivo Conselho Diretivo e na sequência da deliberação por este adotado na sessão de 29.12.99 (…)” [cf. cópia do despacho de fls. 85 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
D) Do Regulamento identificado nas alíneas antecedentes consta, entre o mais, o seguinte: “(…) artigo 6.º Compensações complementares 1. Pelo exercício de funções de Direção ou de Coordenação, enquanto durar esse exercício e tendo em conta a complexidade da função, o mérito do trabalhador e a prática seguida no mercado de trabalho, poderá ser atribuído uma compensação financeira extraordinária até 200 % do valor da remuneração base do nível do trabalhador. 2. Pelo exercício de funções técnicas, administrativas e auxiliares poderão ser atribuídos prémios de produtividade e mérito, de natureza transitória, a atribuir tendo em conta a complexidade das funções, o currículo e o mérito, de montante até 50 % da remuneração base do nível do trabalhador; 3. O Conselho Diretivo poderá, ainda, tendo em atenção a prática seguida no mercado de trabalho, nomeadamente, no setor financeiro, e a especificidade ou elevada qualificação das funções a desempenhar, estabelecer outras formas de compensação complementar ou extraordinária, nomeadamente, inclusão num seguro de saúde em grupo, atribuição de viatura para uso pessoal e opção de compra, nos termos definidos na lei, no final do prazo de amortização, cartão de crédito, senhas de gasolina, subsídio de transporte (…) autorizar o pagamento de comparticipações, correspondentes à taxa Euribor a 6 meses em vigor, para fazer face aos encargos com empréstimos para aquisição de habitação própria permanente, ou para obras. (…) 5. As compensações financeiras e prémios referidos nos nºs 1 a 4 do presente artigo serão objeto de deliberação do Conselho Diretivo na qual se definirão os termos e condições da respetiva atribuição. 6. O Direito à perceção das regalias antes explicitadas cessará no momento em que ocorra qualquer alteração funcional no exercício das funções que originaram a sua atribuição (…) artigo 13.º (horário de trabalho) 4. Os trabalhadores com funções específicas ou de enquadramento poderão ser isentos de horário de trabalho, tendo direito a uma retribuição adicional correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, no caso de em média, não excederem de uma hora o seu período normal de trabalho diário (…) [cf. cópia do documento de fls. 87 e seguintes do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
E) Entre os anos de 2009 e 2012, o Réu atribuiu aos seus trabalhadores, aqui Autores, entre o mais, as seguintes componentes remuneratórias: - uma prestação adicional por isenção (total ou parcial) de horário de trabalho; - compensações complementares pelo exercício de funções de direção ou coordenação ou pelo exercício de funções técnicas, definida em percentagem do montante correspondente ao nível remuneratório, pago mensalmente, 14 vezes por ano; - comparticipações para fazer face a encargos com empréstimos para aquisição de habitação própria e permanente, ou para obras; - prémios de seguro de saúde em grupo; - subsídio de transporte [cf. admissão por acordo; cf. recibos de vencimento de fls. 121 as 160 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
F) Com data de 21 de outubro de 2010, na sequência de um processo de auditoria integrada aos serviços do Réu, os Juízes do Tribunal de Contas deliberaram, entre o mais, aprovar o relatório n.º 29/2010, do qual se destaca, nomeadamente, o seguinte: “(…) O Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro veio, por um lado, adotar medidas para reduzir a despesa pública com o objetivo de assegurar uma política orçamental sustentada e de consolidar as finanças públicas e, por outro lado, disciplinar a matéria respeitante a benefícios suplementares e regalias atribuídos pelos serviços e fundos autónomos aos seus colaboradores, dado tratar-se, até à publicação deste diploma, de um segmento marcado pela ausência, quer de um modelo coerente e sistematizado, quer do necessário enquadramento legal. (…) Em resposta à primeira questão, O parecer jurídico aponta no sentido de que a revogação incide, apenas, sobre as regalias e benefícios suplementares e não sobre a remuneração base, já que o diploma visou disciplinar a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório; por outro lado, e por força do art.º 6, nº 2 do mesmo diploma, o Regulamento do Pessoal do IGFCSS deve considerar-se parcialmente revogado, permanecendo em vigor as suas disposições sobre direitos remuneratórios (incluindo vencimentos base, subsídios de férias e Natal) e todas as disposições sobre suplementos, prestações sociais e subsídios que não devam ser considerados anómalos. Quanto à segunda questão acima referida, o parecer jurídico, referindo-se ao conceito de direito adquirido constante do Decreto-Lei 14/2003, nomeadamente no seu art.º 6º, nº 2, aponta no sentido de que o mesmo se aplica às retribuições e outros benefícios que determinado trabalhador tenha direito de exigir da entidade patronal, e que implicam, da parte desta, a correspondente obrigação de realizar certa prestação. Nesta linha, o referido parecer exclui do conceito de direito adquirido e, por conseguinte, da possibilidade legal da respetiva manutenção em face daquele preceito, os prémios de mérito e as compensações especiais anuais, uma vez que considera constituírem estas situações de meras expectativas jurídicas, na medida em que a criação do correspondente direito só se efetiva através da prática pela entidade patronal de um ato discricionário (…) Mais tarde, em 9.02.2004, o Presidente do CD do Instituto endereçou ao Secretário-Geral do Ministério da tutela um ofício no qual dava conta de que, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 14/2003, o IGFCSS apenas mantinha em vigor as remunerações acessórias consideradas direitos adquiridos ―isto é, sobre as quais o Conselho Diretivo entende não ter uma capacidade discricionária quanto à sua atribuição (…) Na sequência desta ação inspetiva, foram submetidas a parecer jurídico da Consultadoria Jurídica da Direção-Geral do Orçamento as questões controvertidas referentes a suplementos remuneratórios do pessoal do Instituto. O Parecer Jurídico nº 72/2006, datado de 26 de setembro de 2006, termina com as seguintes conclusões: ―24. Pelo exposto, parece, salvo melhor opinião, existirem certas regalias e benefícios que se poderão continuar a atribuir, tais como seguro de saúde para os trabalhadores com contrato individual de trabalho; subsídio de transporte; subsídio de almoço; diuturnidades no valor unitário de 35,47 em cada 5 anos; suplemento de isenção de horário, equivalente a um a ou duas horas de trabalho suplementar, diário; complemento de função – até 200% do valor da remuneração base do nível do trabalhador, em função do mérito; prémio de produtividade – até 50% da remuneração base do nível do trabalhador, pelo exercício de funções técnicas, administrativas e auxiliares; prémio anual de desempenho, no valor de até cinco vezes a remuneração base do nível do trabalhador, em função do mérito. 25. As restantes regalias que beneficiavam os funcionários do IGFCSS, devem ser consideradas revogadas, por força de uma interpretação global do Decreto-Lei nº 14/2003 e ainda por força da política de contenção já referida. O Parecer em apreço mereceu do Secretário de Estado do Orçamento o seguinte despacho, proferido em 5.01.2007: ―Concordo com os pontos 24 e 25 deste parecer‖. A. Complemento de Função e prémio de produtividade e mérito O complemento de função encontra-se previsto no n.º 1 do artigo 6º do Regulamento de Política de Pessoal, consistindo numa compensação financeira extraordinária até 200% do valor da remuneração base do nível do trabalhador, pelo exercício de funções de Direção ou de Coordenação, enquanto durar esse exercício e tendo em conta a complexidade da função, o mérito do trabalhador e a prática seguida no mercado de trabalho. Assim, à luz das regras instituídas pelo Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, afigura-se que este tipo de remuneração poderá enquadrar-se no conceito de regalias e benefícios suplementares que acrescem à remuneração principal e que aquele diploma visa disciplinar, podendo apenas proceder a sua manutenção nos casos em que o mesmo deva configurar-se como um direito adquirido. De acordo com a definição deste complemento, entende-se que os trabalhadores, logo que ingressem no exercício de funções de direção ou de coordenação adquirem um direito auferi-lo por todo o período em que exerçam tais funções, independentemente de uma avaliação discricionária do seu desempenho anual, podendo apenas ser objeto de decisão discricionária da entidade empregadora a fixação da percentagem do valor da remuneração de base do nível do trabalhador relevante para efeitos de cálculo do complemento. Assim, e tendo em conta o disposto no nº 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 14/2003, os complementos já atribuídos aos trabalhadores à data da entrada em vigor do mencionado diploma poderiam manter-se enquanto os trabalhadores permanecessem no exercício do referido tipo de funções. Nos casos de manutenção do direito ao complemento de função, o seu valor percentual não poderia ser objeto de aumento, ex vi do disposto no nº 3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 14/2003. No que respeita aos colaboradores admitidos posteriormente à data de entrada em vigor daquele diploma legal e aos colaboradores que após tal data foram pela primeira vez nomeados para o exercício das referidas funções de coordenação ou direção, atento o disposto no nº 2 do art.º 3º do Decreto-Lei nº 14/2003, que faz cessar para o futuro quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório 130, são ilegais os complementos de função que aos mesmos foram atribuídos. Relativamente aos prémios instituídos pelo nº 2 do artigo 6º do Regulamento de Política de Pessoal, entende-se que os mesmos são suscetíveis de constituir igualmente direitos adquiridos. Com efeito, constatou-se que existem atos de atribuição inicial de tais prémios aos trabalhadores, mas não existem atos expressos de reavaliação dos montantes concedidos em face, designadamente, da produtividade ou do mérito evidenciado no desempenho anual do trabalhador. Tudo aponta, pois, para que, após a atribuição, se constitua na esfera jurídica do trabalhador o direito à perceção de tal benefício suplementar. À semelhança do que acontece com o complemento de função, parece, pois, de considerar que tais prémios podem manter-se enquanto os trabalhadores se mantiverem no exercício de tais funções. (…) Não pode esquecer-se que a perceção quer de complemento de função, quer de prémio de produtividade e mérito fica circunscrita aos trabalhadores a quem tais benefícios foram atribuídos em período anterior ao da vigência do Decreto-Lei nº 14/2003, encontrando-se as regras que instituem tais benefícios, para todos os efeitos, revogadas por força do disposto no nº 1 do seu artigo 6º.(…) O IGFCSS não se encontrava, assim, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, abrangido por nenhum instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que lhe pudesse permitir aplicar, em favor da manutenção de regalias e benefícios suplementares, as regras constantes dos artigos 3º, nº 1 e 6º, n.ºs 1 e 3 deste Decreto-Lei. B. Comparticipação nos juros do crédito à habitação (…) Há que atentar novamente no que dispõe o artigo 6º do Decreto-Lei nº 14/2003, sendo de referir, por um lado que os preceitos que regulam tal benefício, constantes do Regulamento de Política de Pessoal e do Regulamento de Comparticipação no Crédito à Habitação, devem ter-se por revogados, uma vez que não constam de lei nem de regulamentação coletiva de trabalho, mas sim de Regulamentos aprovados pelo Conselho Diretivo e pelo Ministro da tutela, no caso do Regulamento de Política de Pessoal, contendo, este último, uma referência ao ACTV para o setor bancário mas na estrita medida de adoção da respetiva tabela remuneratória e suas atualizações. Por outro lado, determina o nº 2 que cessam imediata e automaticamente todas as regalias e benefícios suplementares que já tenham sido atribuídos, com exceção dos que correspondam a direitos legitimamente adquiridos. Ora, tendo em conta o que no parecer jurídico objeto de contratação externa é referido, não parece configurar-se, quanto a este benefício, qualquer direito adquirido do trabalhador que haja de ser legalmente protegido para além da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003. (…) Face ao exposto é de concluir: A comparticipação no juro do crédito à habitação é um benefício suplementar previsto no art.º 6º, nº 3 do Regulamento de Política de Pessoal; -Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, cessam imediata e automaticamente as regalias e benefícios, com exceção dos que correspondam a proteção pelos direitos adquiridos, aplica-se às regalias e benefícios suplementares que já tenham sido atribuídos, como determina a mesma norma; Ficou claro que não estão reunidos os pressupostos para o enquadramento dos casos em apreço no conceito de direitos adquiridos, tratando-se antes de situações de simples expectativa jurídica, não lhes sendo aplicável, por conseguinte, a exceção prevista no art.º 6º, nº 2 do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro; desde 2008 também não prevê este tipo de suplemento remuneratório. C - Seguro de Saúde – Grupo Em reunião de 20 de julho de 2000 (Ata n.º 32), o Conselho Diretivo, após a análise das três propostas apresentadas decidiu contratar um seguro de acidentes de trabalho e de saúde à Companhia de Seguros Tranquilidade, atendendo às condições apresentadas e à média etária dos colaboradores do IGFCSS e de seus descendentes. O CD estabeleceu, ainda, ―… que aderirão ao seguro de acidentes de trabalho todos os colaboradores do IGFCSS (quadro função pública e quadro de contrato individual de trabalho) e o IGFCSS suportará a adesão dos colaboradores do contrato individual de trabalho e de seus descendentes diretos ao contrato em grupo do seguro de saúde, conforme previsto no nº 3 do art.º 6º do regulamento de pessoal do IGFCSS aprovado pelo Secretário de Estado da Segurança Social (…) No caso vertente, tratando-se de um contrato anual, renovável, em que o pagamento do prémio ocorre uma vez por ano, deveria o Instituto ter feito cessar tal contrato a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003, impedindo a sua renovação, nos termos contratualmente admitidos, logo no ano de 2003. Ao invés, o Instituto manteve em vigor o referido contrato, tendo procedido ao pagamento dos prémios de seguro de 2003 a 2009, em desconformidade com o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 3º e nos nºs 1 e 2 do artigo 6º, todos do Decreto-Lei nº 14/2003. No que respeita a esta matéria, pronunciou-se o Conselho Diretivo do Instituto em sede de contraditório, referindo o seguinte, relativamente à possibilidade de cessação do contrato de seguro por ocasião das suas renovações anuais, posteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro: ― O facto é que a renovação anual dá-se apenas em relação à Seguradora que subscreve a apólice e não em relação aos colaboradores abrangidos pela apólice, para quem este direito deve considerar-se adquirido porque não está dependente de um ato discricionário da entidade patronal. O direito atribuído pelo Conselho Diretivo em 20.07.2000 deve manter-se independentemente do prestador de serviços que haja sido selecionado (…)‖ I.2 RECOMENDAÇÕES (…) Ao Conselho Diretivo do IGFCSS No que concerne à Gestão de Pessoal 11. Em termos de remunerações e outros benefícios ao respetivo pessoal, cumprir a legislação em vigor, designadamente quanto: a) à cessação de regalias e benefícios não permitidos nos termos do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, nem pela Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro, abstendo-se de conceder ex novo novas regalias e benefícios suplementares; b) ao cumprimento do dever de comunicação integral de todos os benefícios e regalias suplementares, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 14/2003. (…)” [cf. páginas 121 a 155 acessíveis em http://www.tcontas.pt/pt/actos/rel_auditoria/2010/2s/audit-dgtc-rel029-2010-2s.pdf, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; constante do processo administrativo];
G) Em 22 de novembro de 2010, o Réu recebeu o relatório de auditoria melhor identificado na alínea antecedente [cf. admissão por acordo];
H) Em 17 de maio de 2012, na sequência da solicitação efetuada pelo Tribunal de Contas no âmbito do processo nº 79/2010, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer com número 7/2012, do qual consta, entre o mais, o seguinte: “(…) a publicação do Decreto-Lei nº 14/2003 determinou a revogação de todas as disposições gerais e especiais não constantes de lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, bem como todos os regulamentos e atos, que contrariem as suas disposições. É claro que quaisquer regulamentos e atos que, não obstante a revogação decretada, mantenham ou reponham prestações abrangidas pelo âmbito de previsão nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 14/2003, estarão eivados do vício de violação de lei (…) Ora, no caso do regulamento interno do IGFCSS – Regulamento de Política de Pessoal e Tabela de Remunerações – já constatámos que as disposições aí contidas, que permitem a atribuição de determinadas «compensações complementares» se têm por revogadas, por terem caído sob a alçada do Decreto-Lei n.º 14/2003. Operando a revogação (artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 14/2003), tais disposições desapareceram do ordenamento só podendo ressurgir em caso de repristinação. No entanto, a repristinação, enquanto renascimento de uma lei revogada em consequência da revogação ou da caducidade da lei que a revogara, constitui um efeito que só se verifica se for expressamente previsto por uma disposição repristinatória. Ora, o Decreto-Lei nº 39/2011 não revoga, expressa ou tacitamente, qualquer precito do Decreto-Lei nº 14/2003, nem, em momento algum, se enuncia qualquer efeito repristinatório (…) Concluímos, portanto, que do Decreto-Lei nº 39/2011 não repôs em vigor as disposições regulamentares aqui implicadas, que se consideram abrangidas pela revogação decretada pelo Decreto-Lei nº 14/2003. (…) 4.ª - Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 3º e 6º do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, foram revogadas todas as disposições gerais e especiais não constantes de lei ou de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho que prevejam a atribuição de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, bem como todos os regulamentos e atos que os contemplem; 5.ª - Cessam, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 6.º do mesmo diploma, todas as regalias e benefícios complementares que, não estando suportadas em lei ou em instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, já tenham sido atribuídas, com ressalva dos direitos adquiridos; 6.ª - O IGFCSS, enquanto instituto público, encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 14/2003, assim como os titulares dos seus órgãos de direção e gestão e respetivos trabalhadores quer exerçam funções na modalidade de relação jurídica de emprego público, quer as exerçam na modalidade de contrato individual de trabalho; 7.ª - As «compensações complementares», cuja atribuição a trabalhadores do IGFCSS está prevista no artigo 6º do Regulamento de Política de Pessoal e Tabela de Remunerações, adotado por deliberação do seu Conselho Diretivo e aprovado por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social de 13 de janeiro de 2000, revestem a natureza de «regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório», estando abrangidas pela proibição e pela revogação determinadas pelos artigos 3º, nº 2 e 6.º do Decreto-Lei nº 14/2003; 8.ª - As prestações já atribuídas ao abrigo do Regulamento indicado na conclusão anterior, antes da vigência do Decreto-Lei nº 14/2003, enquanto direitos que se constituíram na esfera jurídica dos respetivos beneficiários, merecem a proteção da confiança; 9.ª – As «compensações complementares», referidas na conclusão 7.ª, não foram repostas pelo artigo 5º, nº 2. do Decreto-Lei nº 39/2011 de 21 de março (…)” [cf. parecer de fls. 692 a 706 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
I) Em 24 de julho de 2012, o Réu recebeu o ofício emitido pelo Tribunal de Contas, com a referência MP/RF/TC nº 79/2010, de 23 de julho, sob o assunto “Auditoria integrada ao Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, I.P. – Relatório de auditoria nº 29/2010 – 2ª Secção – processo nº 05/09”, mediante o qual se comunicava o teor do parecer identificado na alínea antecedente ―(…) [cf. ofício de fls. 692 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
J) Por ofício de 05 de setembro de 2012, do Presidente do Conselho Diretivo do Réu, dirigido ao Senhor Procurador-Geral Adjunto e ao Tribunal de Contas, com a referência 001075 CD, sob o assunto “Auditoria integrada ao Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, I.P. – Relatório de auditoria nº 29/2010 – 2ª Secção – processo n.º 05/09”, foi solicitado o seguinte: “(…) Sobre o complemento de função e prémio de produtividade e mérito previstos no Regulamento de Pessoal, (nºs 1 e 2 do artigo 6º do Regulamento de Política de Pessoal) que consistem numa compensação financeira extraordinária até 200% do valor da remuneração base do nível do trabalhador, pelo exercício de funções de Direcção/Coordenação ou técnicas, respetivamente, enquanto durar esse exercício e tendo em conta a complexidade da função, o mérito do trabalhador e a prática seguida no mercado de trabalho, entende o Relato de Auditoria que a sua atribuição posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, é ilegal. Porém, na sentença nº 1/2012, proferida no Processo nº 2 JRF/2010 do Tribunal de Contas, numa situação idêntica em que o Relato de Auditoria que deu origem ao processo de infração financeira, foi entendido que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 14/2003 não abrange os suplementos à retribuição principal como sejam os prémios de produtividade/complemento de retribuição definidos por um acréscimo percentual à remuneração base. Verifica-se que esta decisão judicial contraria o entendimento do Relato de Auditoria. Deste modo, e por outra via, é compaginável com o entendimento do Conselho Consultivo da PGR a manutenção das atribuições patrimoniais atribuídas depois da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003 a título de complemento de função e prémio de produtividade e mérito com exclusão das suas atualizações (na vigência da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, e do nº 1 do artº 15° da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, conjugado com os efeitos do art.º 117.º, nº 10, da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro). No que tange à comparticipação do empréstimo para habitação própria a quatro trabalhadores do IGFCSS, o Conselho Diretivo do Instituto vai proceder à notificação dos trabalhadores para que estes efetuem a reposição dos valores indevidamente pagos. Finalmente, quanto seguro de saúde, pese embora o Relato de Auditoria se louve no Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 90/2003, a questão não está em saber se estamos perante uma mera expectativa ou num direito adquirido, mas antes sobre o valor jurídico da cláusula do regulamento interno que prevê o referido benefício. Ora, existe abundante jurisprudência nesta matéria que qualifica situações idênticas como cláusula contratual para todos os efeitos legais não estando abrangida pelo Decreto-Lei nº 14/2003. Em concreto, dispuseram neste sentido os seguintes arestos: Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/07/2007 (P. 4178), de 24/09/2008 (P.6574) e de 23/11/2011 (P. 2674) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2011 (P. 3074) e de 20/06/2012 (P. 2674) disponíveis em www.dgsi.pt e Parecer nº 90/2003, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, publicado em Diário da República, lI Série, nº 170, de 5 de setembro (…)Também neste ponto, impõe-se uma decisão sobre se os referidos benefícios podem constituir atribuições patrimoniais alicerçadas em disposições de natureza contratual, às quais não se aplica o disposto no referido diploma (…) pelo que se solicita informação sobre se o entendimento expresso neste ofício merece acolhimento do Senhor Procurador Geral Adjunto.” [cf. ofício de fls. 707 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
K) Com data de 18 de outubro de 2012, o Conselho Diretivo do Réu deliberou, entre o mais, o seguinte: “(…) O Conselho Diretivo delibera, nos termos e para os efeitos do artigo 84° do Código de Procedimento Administrativo, a medida provisória de processamento dos pagamentos devidos aos trabalhadores em conformidade com a decisão constante em 1 - a), b), d) e f) do projeto de deliberação de 13/09/12, já notificada aos trabalhadores a 27/09/2012. Não obstante as pronúncias realizadas por alguns trabalhadores em exercício do direito de audiência prévia, entende o Conselho Diretivo que, até à comunicação aos trabalhadores do cálculo das quantias devidas em concreto a cada um, tal como decorrem do projeto de deliberação de 13/09/12 e da resposta às referidas pronúncias dos mesmos, é necessário o processamento, provisório, dos pagamentos devidos, em conformidade com decisão constante em I - a), b), d) e O do projeto de deliberação de 13/09/12, porquanto é imperioso impedir que os valores indevidamente pagos continuem a ser processados até à notificação final da decisão de 13/09/12 que se mantém (…)” [cf. cópia de deliberação de fls. 709 a 711 do processo administrativo apenso, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
L) Com data de 30 de janeiro de 2013, o Conselho Diretivo do Réu deliberou, entre o mais, o seguinte: “(…) O conselho diretivo reitera o entendimento expresso na deliberação de 13/09/2012 relativamente aos seguintes aspetos: A situação remuneratória dos trabalhadores do IGFCSS, I.P., que se mantêm em carreiras não revistas e que são os trabalhadores admitidos para o quadro específico previsto no nº 2 do artigo 3º do DL n.º 449-A/99, de 4 de novembro, e mantido pelo DL nº 216/2007, de 29 de maio, ao abrigo do regime de contrato individual de trabalho, e a partir de 01.01.2009, os admitidos para o quadro de pessoal em regime de contrato de trabalho em funções públicas, nos termos do referido relatório, deve respeitar o disposto no DL nº 14/2003, de 30 de janeiro. Desta forma, a interpretação do Conselho Diretivo, a partir dos referidos relatório e parecer, que são enquadráveis no DL nº 14/2003, de 30 de janeiro, os montantes correspondente a: Nível remuneratório com as respetivas alterações e atualizações; retribuições por isenção de horário de trabalho; comparticipações de encargos com empréstimos para aquisição de habitação própria permanente (…) complemento de função e prémio de produtividade e mérito atribuídos antes da entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro, cujo abono se mantém como direito adquirido, nos termos do ponto B) seguinte, sem prejuízo de posteriores reduções; Seguro de saúde de grupo até à entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro, não podendo o mesmo ser alvo de renovação (…) III - Relativamente à reposição das verbas indevidamente pagas a título de CF/PPM por efeito da Lei nº 43/2005, de 29 de agosto (…) o Tribunal de Contas confirmou que o valor dos suplementos a considerar é o correspondente ao do novo nível à data da entrada em vigor da referida Lei, não sofrendo alteração a percentagem atribuída (…) IV – No que respeita à reposição dos valores que foram indevidamente pagos a título de aumento ou atribuição de CF/PPM após a entrada em vigor do decreto-lei 14/2003 e até setembro de 2012, devem os mesmo ser notificados, para querendo, se pronunciarem em audiência prévia, a fim de proceder à reposição dos valores apurados, conforme lista anexa (…) já foi efetuada notificação judicial avulsa para interrupção da prescrição, em 15.06.2011 (…) V – Relativamente à reposição das verbas indevidamente pagas a título de comparticipação no crédito à habitação, considera o Conselho Diretivo o seguinte (…) VI – No que diz respeito à reposição dos prémios correspondentes ao Seguro de Saúde que foram indevidamente pagos após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003 e até 31/12/2009, devem os trabalhadores ser notificados para audiência prévia (…) a fim de proceder à reposição dos valores apurados durante o período conforme lista anexa à presente deliberação [cf. cópia de deliberação de fls. 161 a 174 e respetivos anexos de fls. 176 a 179 do processo físico; fls. 647 a 656 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] – 1º ATO IMPUGNADO;
M) Por ofícios datados de 15 de fevereiro de 2013, do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Réu, com as referências 000188 CD a 000215 CD, sob o assunto “(…) notificação (…)”, foi comunicado aos Autores o teor da deliberação identificada na alínea antecedente [cf. ofícios de fls. 183 a 230 do processo físico; fls. 657 a 730 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido; admissão por acordo];
N) Com data de 28 de março de 2013, o Conselho Diretivo do Réu deliberou, entre o mais, o seguinte: “(…) Impacto dos pareceres emitidos pela Secretaria-Geral do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social e da Direção-Geral do Emprego Público no valor atribuído a título de Isenção de Horário de Trabalho; Atendendo aos diversos pareceres recolhidos junto da Secretaria-Geral do Ministério da Solidariedade e Segurança Social e da Direção Geral da Administração e do Emprego Público, e não obstante o teor das pronúncias efetuadas pelos trabalhadores aos quais foi notificada a deliberação de 22/11/2012 sobre o assunto em epígrafe, o Conselho Diretivo reitera o entendimento expresso nessa mesma deliberação, nos seguintes termos (…) 5. Ora, atento o facto da remuneração da Isenção de Horário de Trabalho (IHT) ser, neste instituto, calculada por referência à retribuição do trabalho extraordinário levantaram-se dúvidas acerca da eventual aplicabilidade do supra enunciado artigo 32º da Lei que aprovou o OE para 2012, ao valor abonado aos trabalhadores do IGFCSS, a título de IHT (…) 8. Contudo, na sequência da análise efetuada ao parecer referido no ponto anterior, o CD entendeu que, ainda assim, permaneciam dúvidas quanto à aplicação da nova fórmula à retribuição do IHT porquanto esta traduzia uma redução remuneratória incidente sobre relações Jurídico-laborais já constituídas e em prejuízo de direitos que se consideram adquiridos e consolidados, pelo que consequentemente, foi solicitado novo esclarecimento junto da Secretaria-Geral do MSSS no que especificamente se refere à aplicação do artigo 32º da Lei que aprovou o OE para 2012 às abonações a título de IHT já atribuídas. 9. A Secretaria-geral, por ofício remetido a 20/11/2012, veio em resposta informar que solicitou, sobre o assunto, parecer à Direção-Geral da Administração e Emprego Público, sendo que esta entidade, fundamentalmente reiterando e sentido do parecer da Secretaria-Geral mencionado no ponto 6 supra, entende que a fórmula de cálculo constante do supra citado artigo 32º se aplica ao cálculo do montante devido aos trabalhadores de IGFCSS aos quais o suplemento de IHT se aplica (…) Face ao supra exposto, evidencia-se a conclusão de que a redução do valor atribuído a título de isenção de Horário de Trabalho aos trabalhadores do instituto resulta e deve ser implementada por força da Lei, designadamente face ao teor das normas do orçamento de estado dos anos de 2012 e 2013 referentes a reduções do pagamento do trabalho extraordinário (artigo 32.º da lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro e artigo 45º da Lei n º 66-B/2012 de 31 de dezembro) (…) Nestes termos, o Conselho Diretivo, delibera o seguinte: (…) Tornar definitiva a medida provisória de processamento dos pagamentos referentes a isenção de horário de trabalho em conformidade com a decisão constante do projeto de deliberação de 22/11/2012, já notificado aos trabalhadores em 03/01/2013. A medida provisória havia sido notificada aos trabalhadores em 18/1/2013, na sequência da deliberação de 17/1/2013 (…)” [cf. cópia da deliberação de fls. 231 a 244 do processo físico, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] – 2º ATO IMPUGNADO;
O) Com data de 12 de setembro de 2013, o Conselho Diretivo do Réu deliberou, entre o mais, o seguinte: “(…) Atendendo às conclusões vertidas no relatório nº 29/2010 do Tribunal de Contas no âmbito do processo de auditoria integrada ao IGFCSS, I.P. (processo nº 05/2009-AUDIT) e às conclusões do parecer nº 7/2012, de 17 de maio, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, designadamente: A) O parecer do conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República, notificado ao conselho diretivo deste instituto a 24/07/2012, mantém as conclusões do Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas, defendendo que o Decreto-Lei nº 39/2011, de 21 de março, não repôs as compensações complementares proibidas pelo Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, a partir da sua entrada em vigor, sem prejuízo da manutenção destas prestações como direitos adquiridos no caso das mesmas terem sido atribuídas aos trabalhadores antes da referida entrada em vigor. B) A proteção dos direitos adquiridos prevista no Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, aplica-se apenas às regalias e benefícios suplementares que já tenham sido atribuídos, como determina o nº 2 do artigo 6º do referido diploma. Tendo em consideração o âmbito de aplicação daquela norma, verifica-se não estarem reunidos os pressupostos para o enquadramento no conceito de direitos adquiridos de componentes remuneratórias como os prémios de produtividade e de mérito ou as contribuições para o crédito à habitação quando não atribuídos antes de 31 de janeiro de 2003, tratando-se antes de situações de simples expectativa jurídica, não lhes sendo aplicável, por conseguinte, a exceção prevista na referida norma. C) De referir também que, conforme entendimento refletido no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 39/2011, de 21 de março, não alterou qualquer das conclusões da auditoria supra referida. O referido parecer analisa o artigo 5º do decreto-lei nº 39/2011 e retira do disposto no nº 2 - quando este dispõe que as carreiras do IGFCSS que ainda não tenham sido objeto de extinção, revisão ou de decisão de subsistência continuam a reger-se ainda pela integralidade dos respetivos regulamentos internos que o mesmo só pode ser entendido como mantendo o que existe na ordem jurídica no momento da sua entrada em vigor, ou seja, mantendo a aplicação dos regulamentos internos na parte em que os mesmos não tenham sido já revogados (e por isso tenham deixado de existir na ordem jurídica) por força do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro. O Conselho Diretivo reitera o entendimento expresso nas deliberações de 13/09/2012 e de 30/01/2013. (…) II - DECISÕES ANTERIORES A) Tornou definitiva a decisão de suspensão do pagamento das seguintes componentes remuneratórias: a) Valores resultantes da atribuição de complementos de função e prémios de produtividade e mérito após a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003, de 30 de janeiro, incluindo os atribuídos aos trabalhadores admitidos após aquela data; b) Valores resultantes do aumento do complemento de função ou do prémio de produtividade e mérito atribuído após a entrada em vigor do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro; c) Valores resultantes da atribuição de comparticipações em empréstimos à habitação após a entrada em vigor do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro. B) Relativamente aos valores abonados a título de aumento do complemento de função e de prémio de produtividade e mérito resultantes da atualização das tabelas salariais, considerada proibida pela Lei 43/2005 e suas extensões, no período compreendido entre setembro de 2005 e fevereiro de 2008, objeto de deliberação do Conselho Diretivo de 10.05.2011 e 09.06.2011, na deliberação de 30/01/2013 o Conselho Diretivo tomou a decisão final de pedir a respetiva reposição, encontrando-se esta a decorrer. C) Tornou-se ainda definitiva a decisão de reposição dos valores abonados resultantes da concessão de comparticipações em empréstimos à habitação após a entrada em vigor do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro. IlI -DECISÕES PENDENTES Cumpre agora, na sequência das suas anteriores deliberações de 13/09/2012 e de 30/01/2013, ao Conselho Diretivo tomar decisão final sobre a reposição: a) dos valores abonados resultantes de aumento ou atribuição de Complemento de Função ou Prémio de Produtividade e Mérito decidida após a entrada em vigor do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro, pagos até setembro de 2012; b) dos valores pagos a título de prémios correspondentes ao seguro de saúde, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003 até 31/12/2009 (…) V - DECISÃO FINAL Assim, com os fundamentos de facto e de direito supra referidos bem como com os constantes das deliberações de 13.09.2012 e 30.01.2013, o conselho diretivo delibera o seguinte: 1 - Tornar definitiva a decisão de solicitar as reposições dos: a. valores abonados resultantes de aumento ou de atribuição de Complemento de Função ou Prémio de Produtividade e Mérito decidida após a entrada em vigor do Decreto-Lei 14/2003, de 30 de janeiro, pagos até setembro de 2012; b. valores abonados resultantes de aumento percentual de Prémio de Produtividade e Mérito resultante de promoção na vigência do nº 10 do art. 117º da LVCR, pagos desde 01.01.2009 até 31.05.2011; c. valores pagos a título de prémios correspondentes ao seguro de saúde, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 14/2003 até 31/12/2009 (…) (…)” [cf. cópia de deliberação de fls. 709 a 711 do processo físico; fls. 859 a 862 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
P) Por ofícios datados de 24 de setembro de 2013, do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Réu, com as referências 001011 CD a 001041 CD, sob o assunto ―(…) Notificação da deliberação do Conselho Diretivo de 12/09/2013‖, foi comunicado aos Autores o teor da deliberação melhor identificada na alínea antecedente [cf. ofícios de fls. 712 a 732 do processo físico; fls. 863 a 921 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
Q) Em 15 de junho de 2011, C…………, J…………, O………… e P…………, correspondentes aos aqui 3º, 11º, 15º e 16º Autores, respetivamente, assinaram a “Nota de Notificação Avulsa” efetuada por intermédio de solicitador de execução, conforme havia sido requerido pelo Réu [cf. cópia das notas de notificação de fls. 733 e seguintes do processo físico; requerimento de notificação judicial avulsa e termos de entrega a fls. 185 a 209 do processo administrativo, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]».
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2.2. O DIREITO
Consignou-se no Acórdão recorrido, de molde a enquadrar a questão em análise:
«Os Autores instauraram, em primeira instância, ação destinada a invalidar, designadamente, a deliberação, de 30.01.2013, do Réu que ordenava a reposição dos montantes por estes auferidos a título de aumento (quanto aos trabalhadores do Réu que celebraram contrato de trabalho antes da entrada em vigor do DL nº 14/2003) ou de atribuição e aumento (quanto aos trabalhadores do Réu que celebraram contrato de trabalho após a entrada em vigor do DL nº 14/2003) de complemento de função (designação corrente de compensação financeira extraordinária) e de prémio de produtividade e mérito, e a título de comparticipação no juro do crédito à habitação e nos prémios do seguro de saúde.
Estes complementos de remuneração encontravam-se previstos nos nºs 1 a 6 do Regulamento de Política de Pessoal e Tabela de Remunerações (RPTR, doravante), aplicável aos trabalhadores do IGFCSS, IP, elaborado pelo Réu, e aprovado em janeiro de 2000, pelo Secretário de Estado da Segurança Social.
A deliberação impugnada, de 30.01.2013, ordenou a reposição das quantias recebidas pelos Autores, a título desses complementos, com fundamento no disposto nos nºs 1 e 2 do artigos 3º e no artigo 6º do Decreto-Lei nº 14/2003, diploma que veio disciplinar a atribuição de regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, em dinheiro ou em espécie, que acrescessem à remuneração principal dos titulares de órgãos de administração ou gestão e de todos os trabalhadores das entidades abrangidas por este diploma, entre os quais, os Institutos Públicos com autonomia administrativa e financeira e com receitas próprias, de que é exemplo o Réu (cfr. nº 3 do artigo 2º do DL nº 13/2003 e Estatutos do Réu aprovados pelo DL nº 449-A/99, de 4 de novembro).
O DL nº 14/2003 expressando a intenção legislativa de adoção de medidas no sentido da redução da despesa pública com o objetivo de assegurar uma política orçamental sustentada e de consolidar as finanças públicas portuguesas, no quadro da participação de Portugal na união económica e monetária, veio a determinar, com efeitos a 31 de janeiro de 2003 (data da sua entrada em vigor), a revogação de todas as normas ou regulamentos (como é o caso do RPTR) que, na falta de lei ou de instrumento de regulamentação colectiva, atribuíssem regalias e benefícios suplementares aos seus trabalhadores, determinando a cessação automática e imediata de todas aquelas que já tivessem sido atribuídas (cfr. artigo 3º, n.ºs 1 e 2 e artigo 6º, n.ºs 1 e 2).
Os Autores, uns vinculados ao Réu por contrato de trabalho celebrado antes de 31 de janeiro de 2003, outros a este vinculados por contrato de trabalho celebrado após 31 de janeiro de 2003, insurgiram-se em primeira instância contra a deliberação impugnada invocando, em síntese, a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, a violação do princípio da boa-fé e da confiança jurídica, na medida em que aceitaram a celebração dos contratos de trabalho celebrados com o Réu na expectativa de verem cumpridas as obrigações neles consagradas e a prescrição da obrigação de reposição das quantias auferidas há mais de 5 anos nos termos do nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28.07.
Na sentença recorrida pode ler-se, designadamente, o seguinte:
“Neste regulamento (RPTR)…..previam-se, entre o mais, as seguintes prestações remuneratórias:
1. Compensação financeira extraordinária (correntemente designada por complemento de função) e prémio de produtividade e mérito (previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 6º do regulamento de política de Pessoal, atribuídas por deliberação do Conselho Diretivo: A primeira, pelo exercício de funções de direcção ou de coordenação, enquanto durar o exercício das mesmas e em função do mérito do trabalhador e a política seguida no mercado; A segunda, pelo exercício de funções técnicas, administrativas e auxiliares, a título de prémio de produtividade e mérito, de natureza transitória e tendo em conta a complexidade das funções).
2. Comparticipação no juro do crédito à habitação (nos termos do regulamento aprovado pelo Conselho Diretivo em 8 de março de 2001, em conformidade com o previsto no nº 3 do artigo 6º do Regulamento de Política de Pessoal, os empregados com contrato de trabalho sem termo, ao abrigo do contrato individual de trabalho têm direito à comparticipação correspondente à taxa Euribor a seis meses, em vigor, para fazer face a encargos com empréstimos para aquisição de habitação própria permanente).
3. Comparticipação através do Seguro de Saúde – Grupo (nos termos do nº 3 do artigo 6º do Regulamento, em reunião de 20 de julho de 2000 (ata nº 32), o Conselho Diretivo, após a análise das três propostas apresentadas decidiu contratar um seguro de acidentes de trabalho e de saúde à Companhia de seguro Tranquilidade, atendendo às condições apresentadas e à média etária dos colaboradores do IGFCSS e de seus descendentes).

Ora, no que diz respeito ao primeiro suplemento remuneratório, o Réu, na sequência do que fora expendido pelo Tribunal de Contas, concluiu que “os trabalhadores, logo que ingressem no exercício de funções de direcção ou de coordenação adquirem um direito (…) a auferi-lo por todo o período em que exerçam tais funções, independentemente de uma avaliação discricionária do seu desempenho anual, podendo apenas ser objeto de decisão discricionária da entidade empregadora a fixação da percentagem do valor da remuneração de base do nível do trabalhador relevante para efeitos de cálculo do complemento”.
Significa isto, portanto, que a atribuição, quer do complemento de função, quer do prémio de produtividade e mérito, em data anterior a 31 de janeiro de 2003, foi considerado como um direito legitimamente adquirido pelos trabalhadores, o que, inelutavelmente, impunha a sua manutenção (artigo 6º, nº 2, parte final, do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro).
(…)
Todavia, o aumento de valor percentual ocorrido após aquela atribuição, enquanto direito adquirido, revelava-se ilegal à luz da proibição expressamente estabelecida no artigo 6º, nº 3, do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro.
Ora, tendo presente o quadro normativo que supra se explicitou, esta conclusão revelava-se, no caso concreto, inevitável.
Na verdade, tendo-se constatado que aqueles complementos foram atribuídos antes da entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro, e que o seu pagamento não dependia de uma qualquer decisão “discricionária” do Conselho Diretivo do Réu, então a sua manutenção impunha-se por se ter legitimamente constituído um direito adquirido na esfera jurídica de cada um desses trabalhadores (…).
No entanto, a contrário, é manifesto que esse direito adquirido já não existe quanto ao aumento percentual desses complementos e que ocorreram em data posterior à entrada em vigor do DL 14/2003, de 30 de janeiro.
Portanto, não há aqui que discutir se a reposição dos valores pagos a título de complemento de função ou de prémio de produtividade e mérito viola ou não o princípio da irredutibilidade da retribuição, uma vez que mesmo que estas prestações se inscrevessem no conceito jurídico de retribuição, a redução (proibição de aumento) e, consequente reposição, eram, no caso concreto, imposta por uma norma imperativa, artigo 6º, nº 3, do DL 14/2003 e consequente Lei nº 43/2005, de 29 de agosto, cuja vigência foi prorrogada até 31 de dezembro de 2007 pela Lei nº 53-C/2006, de 29 de dezembro).
Em suma, os trabalhadores com contrato de trabalho (em funções públicas ou individual de trabalho), celebrado antes da entrada em vigor do DL 14/2003 (31 de janeiro de 2003), têm direito a manter os valores recebidos a título de complemento de função e de prémio de produtividade e mérito de acordo com a percentagem fixada nessa altura, exceto, claro está, no que diz respeito aos aumentos ocorridos em data posterior.
A contrário, os trabalhadores com contrato de trabalho celebrado após 31 de janeiro de 2003 não detêm qualquer direito adquirido à manutenção dos suplementos ilegalmente atribuídos, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 2, do citado Decreto-Lei (…).
Isso no tocante ao primeiro complemento.
No que diz respeito ao segundo e terceiro complemento (comparticipação nos juros do crédito à habitação e do seguro de saúde) atribuído antes do DL nº 14/2003 (…) constitui direito legitimamente adquirido pelos trabalhadores com contrato de trabalho celebrado previamente a essa data.
(…)
Naturalmente que os trabalhadores detentores de contrato de trabalho celebrado em data posterior à entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro (H…………, I…………, K………… (2008) e U………… (2005), não terão qualquer direito legitimamente adquirido, uma vez que a sua atribuição era ilegal, por as normas do regulamento interno do Réu se deverem ter por revogadas à data em que estes celebraram os seus contratos de trabalho, nos termos do disposto nos artigos 3º, nº 2 e 6º, nº 1, do mencionado Decreto-Lei.
Isto é, a atribuição dos complementos remuneratórios a que nos fomos referindo ao longo da presente decisão deixou, a partir de 30 de janeiro de 2003, de ter qualquer tipo de suporte normativo (Lei ou Instrumento de Regulamentação Coletiva).”
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O acórdão recorrido, na sequência dos recursos de apelação interpostos, respectivamente, por AA e Réu, negou provimento ao recurso dos AA e concedeu provimento ao recurso interposto pelo Réu, revogando assim a sentença de 1ª instância na parte em que esta, por prescrição, anulou o segmento da deliberação do Réu proferida em 30.01.2013, que determinou a reposição das quantias auferidas pelos AA a título de complemento de função e de prémios de produtividade e mérito no mês de Fevereiro de 2008.
Os AA insurgem-se contra o assim decidido nos termos constantes das respectivas alegações/conclusões que supra se enunciaram.
Cumpre agora decidir da bondade daquela decisão, sendo que, tal como sucedeu com o acórdão recorrido, seguiremos de perto o decidido por este Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão proferido em 11.10.2018, in proc. nº 0292/13.5 BEPRT, por não vislumbramos motivo para discordar com o ali decidido, sendo que o mesmo versa sobre a mesma matéria que ora se discute.
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Seguir-se-á também a sequência metodológica seguida no acórdão recorrido.
(i) DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 14/2003 DE 31.01 (conclusões XVII a XXXV)
E neste segmento recursivo, o que esta em causa prende-se em apurar se o pedido de reposição em causa configura, sob diversos prismas, uma diminuição ilegal da retribuição dos AA e, afecta direitos legitimamente adquiridos.
Dispõem os artigos 3º e 6º do DL 14/2003, na parte que ora interessa:
“Artigo 3º - Sistema Remuneratório
1 – O sistema remuneratório dos titulares de órgãos de administração ou de gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo anterior é composto pela remuneração principal, respectivos suplementos, prestações sociais e subsídios de refeição, desde que previstos na lei ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
2 – É proibida a atribuição aos titulares de órgãos de administração ou gestão e restante pessoal das entidades referidas no artigo anterior de quaisquer regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório, em dinheiro ou espécie, diretos ou indirectos, que acresçam às componentes remuneratórias referidas no número anterior, designadamente as seguintes:
(…)
c) Seguros dos ramos “Vida” e “Não vida”, exceptuando os obrigatórios por lei;
(…)
Artigo 6º Situações existentes
1 – Ficam revogadas todas as disposições gerais e especiais não constantes da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, bem como todos os regulamentos e atos, que contrariem o disposto no presente diploma.
2 – Cessam imediata e automaticamente com a entrada em vigor do presente diploma todas as regalias e benefícios suplementares ao sistema remuneratório previstos no nº 2 do artigo 3º que já tenham sido atribuídos, com exceção dos que correspondam a direitos legitimamente adquiridos.
3 - São proibidos o aumento ou a renovação das regalias e benefícios suplementares, constantes de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho ou de contrato escrito, que correspondam a direitos legitimamente adquiridos.”
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No que concerne a esta questão, consignou-se no acórdão recorrido:
«Seguindo de perto o que foi decidido no acórdão do STA, de 11.10.2018, proferido no processo nº 0292/13.5 BEPRT, em situação similar, cabe referir que os contratos que foram celebrados antes de 31.01.2003 – data da entrada em vigor do DL 14/2003 - foram-no na vigência do RPTR, e que os complementos que foram contratualmente concedidos (a saber, complemento de função e prémio de produtividade e mérito, comparticipação no juro do crédito à habitação e nos prémios de seguro de saúde) são perfeitamente legais pois que concedidos à luz do regulamento interno fixado (artigo 6º do RPTR) e aprovados nos termos do estatuto do IGFCSS. Como se escreve nesse aresto: “Tais complementos encontram nesses contratos o seu título constitutivo, perfilando-se como direitos dos trabalhadores perante a entidade patronal, e implicam, da parte desta, a correlativa obrigação de realizar a respetiva prestação. E aqueles complementos, enquanto o contrato que os prevê vigorar, constituem direitos adquiridos dos respectivos trabalhadores. E enquanto direitos legitimamente adquiridos estavam salvaguardados da cessação imediata – a partir de 31.01.2003 – ordenada pelo nº 2 do artigo 6º do DL nº 14/2003, não podendo, porém, ser aumentados nem renovados, pois que o proíbe o nº 3 do mesmo artigo.”
Mais se decidiu nesse acórdão que a manutenção desses complementos ou benefícios relativamente a tais trabalhadores não pode ser imposta ao abrigo do princípio da irredutibilidade da remuneração, com a seguinte fundamentação que se adota para a situação presente: “Porém, não subscrevemos a tese dos recorrentes segundo a qual a manutenção das regalias ou benefícios complementares em referência é imposta, também, à luz do «princípio da irredutibilidade da remuneração». É que, mesmo concedendo que elas se integrem no conceito jurídico de remuneração, ao abrigo dos artigos 258º, nº3, e 260º, nº3 alínea a), do Código do Trabalho [Lei nº7/2009, de 12.02, versão aplicável], constata-se que, segundo as principais leis do trabalho, esse «princípio» impõe ao empregador a proibição de diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho» [artigos 129º, nº1 alínea d), do CT; 89ª da RCTFP, aprovado pela Lei nº59/2008, de 11.09; 72º nº1 alínea d), da LGTFP, Lei nº35/2014, de 20.06]. Ora, é claríssimo que o legislador, através do DL nº14/2003, quis terminar com as regalias e benefícios complementares em causa. Tratar-se-ia, assim, de uma diminuição «prevista na lei», e salvaguardada, portanto, da violação do dito princípio. É pois, com base no regime de proteção dos direitos legitimamente adquiridos, e não com base no princípio da irredutibilidade da remuneração, que devem ser respeitadas as cláusulas contratuais, vigentes a 31.01.2003, e relativas a prémios de produtividade e mérito e a comparticipações no crédito à habitação.”
Contudo, o regime de proteção dos direitos legitimamente adquiridos não tem aplicação aos aumentos das quantias atribuídas a título de CF e PPM ocorridos por decisão discricionária do Réu ao abrigo do artigo 6º, nºs 1, 2 e 5, do RPTR após a entrada em vigor do DL 14/2003 no tocante aos trabalhadores com contrato anterior a este diploma. Isto porque se trata de um aumento discricionário, com o qual os AA não podiam legitimamente contar e proibido pelo nº 3 do artigo 6º do DL nº 14/2003.
As conclusões do presente recurso dirigem-se fundamentalmente à sentença recorrida na parte em que esta considerou válida a deliberação impugnada no segmento em que ordena a reposição das quantias auferidas a título de complementos de remuneração (complemento de função e prémio de produtividade e mérito, comparticipação no juro do crédito à habitação e de comparticipação através do seguro de saúde) no tocante aos trabalhadores detentores de contratos celebrados em data posterior à entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro.
Isto porque a sentença recorrida, quanto aos trabalhadores detentores de contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor do DL nº 14/2003, de 30 de janeiro, anulou a deliberação (dando razão aos Autores) quanto à ordem de reposição das parcelas relativas à comparticipação no juro do crédito à habitação e à comparticipação através do seguro de saúde, apenas não a anulando quanto à ordem de reposição dos aumentos do complemento de função e de prémio de produtividade e mérito, que ocorriam periodicamente por decisão discricionária do Conselho Diretivo do Réu.
Com respeito aos trabalhadores detentores de contratos celebrados com o Réu após a entrada em vigor do DL nº 14/2003, vistos os contratos juntos à petição inicial, verifica-se que todos eles distinguem a retribuição base mensal, da remuneração complementar, correspondente a uma dada percentagem daquela retribuição base – cfr. contratos de fls. 54 a 71 dos autos em suporte papel), pelo que estes Autores não podiam desconhecer que a sua retribuição compreendia essas parcelas. De resto, no artigo 27º da p.i., como acima já referimos, os Autores admitem que, desde o início de cada um dos contratos, o Réu sempre procedeu ao processamento do pagamento mensal da retribuição como sendo vencimento base e CF e/ou PPM.
Improcede, assim, o alegado nas conclusões XL e XLI.
Quanto às comparticipações no juro do crédito à habitação e através do seguro de saúde, ainda que não constassem da minuta de todos os contratos outorgados (mas que, pela sua natureza, consubstanciam benefícios que não podem ser confundidos com a remuneração base), a matéria de facto sugere que tenham sido efetivamente atribuídas aos Autores.
Sucede que os contratos de trabalho que foram celebrados depois de 31.01.2003 – data da entrada em vigor do DL 14/2003 – foram-no numa altura em que o artigo 6º do RPTR já estava revogado (cfr. artigo 6º, nº 1, do DL nº 14/2003), e em que era “proibida a atribuição de quaisquer regalias ou benefícios suplementares ao sistema remuneratório”.
Assim, e tal como decidido no acórdão do STA supra citado, as cláusulas contratuais posteriores a 31.01.2003, que atribuem aos trabalhadores do IGFCSS o direito a receber os complementos ou benefícios enunciados (CF, PPM e comparticipação no juro do crédito à habitação e de comparticipação através do seguro de saúde) violam a lei e são, portanto, ilegais, o mesmo acontecendo com as prestações a tal título efectivamente atribuídas.
Assim, contrariamente ao que defendem os Autores os complementos e benefícios previstos no nºs 1 a 3 do artigo 6º do RPTR não podem integrar-se no conteúdo dos respectivos contratos individuais de trabalho, quer porque o artigo 3º do DL 14/2003 o proíbe, quer porque essas disposições do RPTR já estavam revogadas, pelo respetivo artigo 6º, nº 1.
Não se verifica qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, pois, face ao disposto no artigo 3º da Lei nº 14/2003, esta nem chegou a constituir legalmente a retribuição dos Autores, nem existe qualquer afetação dos seus direitos legitimamente adquiridos, pois os trabalhadores não podiam legitimamente contar com tais complementos e benefícios como fazendo parte da sua retribuição já que não podiam desconhecer o disposto na Lei nº 14/2003 (sendo o disposto no artigo 21º da Lei nº 3- B/2010, de 28/04 manifestamente inaplicável in casu)».
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O assim decidido não enferma dos erros de julgamento que lhe são assacados pelos recorrentes, remetendo-se, no mais, para tudo quanto a este respeito se consignou no Acórdão proferido por este STA em 11.10.2018, in proc. nº 0292/13.5BEPRT, que aqui nos dispensamos de transcrever, em situação em tudo igual à dos presentes autos.
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(ii) DA ERRADA INTERPRETAÇÃO DO DECRETO-LEI Nº 39/2001 DE 21.03 (conclusões XXXVI a XLIII)
Consignou-se a este propósito no acórdão recorrido:
«Insurgem-se os Autores, nas conclusões LXI a LXXII, contra o excerto da sentença onde se escreveu:”…as normas do regulamento interno do Réu que foram revogadas pelo DL 14/2003, de 30 de março, não se podem considerar repristinadas pela entrada em vigor do artigo 5º do DL nº 39/2011, de 21 de março.”
Sem razão.
Também quanto a esta questão se transcreve o seguinte excerto do acórdão do STA supra citado, proferido em situação similar, cujos fundamentos de direito se adotam:
“Não pomos em dúvida que as carreiras dos trabalhadores desses oito contratos cabem no universo de carreiras previsto no nº1 do artigo 5º do DL nº39/2011. Ou seja, pertencem a carreiras do IGFCSS [ver parágrafo 3º do anterior ponto 3] que ainda não foram objecto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, pelo que, nos termos do nº2 do mesmo artigo 5º, tais carreiras continuam a reger-se pela integralidade dos respectivos regulamentos internos aprovados, até 31.12.2008, pelo membro do Governo responsável pela área do trabalho e da segurança social ou pelo órgão estatutário competente.
Mas isto não significa, não pode significar, a não ser que essa fosse a vontade clara, expressa, do legislador, que se pretendeu «repristinar» uma norma que tinha sido revogada há mais de oito anos, e que, além do mais, ia contra toda a filosofia financeira, e orçamental, vigente na altura! Bastará atentar, a respeito, no teor do nº3 do artigo 5º [DL nº39/2003] supra citado [penúltimo parágrafo do ponto 3], e na proibição geral decorrente do artigo 24º da «Lei do Orçamento de Estado» para 2011 [Lei nº55-A/2010, de 31.12].
De facto, os ora recorrentes insistem neste ponto, que foi vontade expressa do legislador manter o estatuto dos dirigentes e trabalhadores do IGFCSS aprovado pelo Secretário de Estado da Segurança Social em 13.01.2000. Mas este modo de interpretar o nº2, do artigo 5º, do DL nº39/2011, vai além da letra da lei, já que esta, ao manter «a integralidade dos regulamentos internos» aprovados até 31.12.2008, naturalmente que se refere às suas normas em vigor, e que, por isso mesmo, continuam a reger as referidas carreiras. A repristinação de norma revogada há tanto tempo, e, sublinhe-se, ao arrepio da filosofia orçamental, e financeira, do legislador, exigia da parte deste uma declaração expressa. E não a há. O que há, isso sim, e de forma extremamente clara, é a vontade expressa do legislador de 2003 em acabar com «as regalias e benefícios complementares à remuneração».
Resulta, pois, que a cessação imediata e automática de todas as regalias e benefícios suplementares - salvaguardados os direitos legitimamente adquiridos - conjugada com a determinação prevista no nº1 do artigo 6º do DL nº14/2003 - de «revogação de todas as disposições gerais e especiais não constantes de lei ou de instrumento de regulamentação colectiva do trabalho, bem como de todos os regulamentos e actos, que contrariem o disposto» no diploma - só poderá significar, no que respeita aos contratos de trabalho celebrados a partir de 31.01.2003, que é proibida a atribuição das regalias ou suplementos em causa, ainda que previstos no respectivo contrato.”
Improcede o alegado nas conclusões LXI a LXXIII».
Mais uma vez, importa manter o assim decidido, por se mostrar conforme com o decidido no Ac. supra referido de 11.10.2018, remetendo, no mais, para tudo quanto ali se deixou consignado.
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(iii) DA NÃO APLICAÇÃO DO ARTº 36º DO DL Nº 155/92 DE 28.07 E DESCONSIDERAÇÃO DO REGIME DE REVOGAÇÃO/ANULAÇÃO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS – QUESTÃO NOVA (conclusões XLIV a LXVIII)
No que respeita a este alegado erro de julgamento, decidiu-se no acórdão recorrido:
«Alegam os Autores que a sentença padece de erro ao julgar que as quantias cujo pedido de reposição está em causa foram pagas indevidamente.
Sem razão, pois os complementos ou benefícios que foram contratualmente concedidos são, como já supra se referiu, ilegais, por proibidos pelo DL 14/2003. Como tal, indevidos. E indevidos também ao abrigo do nº 4 do artigo 59º da Lei nº 98/97, de 26.08. Pelo que o Réu tinha o direito de pedir a sua reposição e os Autores o dever de a efectuar.
Contudo, vão os Autores mais longe na sua alegação, pois, dizem, somente agora, nesta sede recursiva, não ser aplicável à ordem de reposição em causa o preceituado no artigo 36º e sgts do DL nº 155/92, de 28.07, mas antes o regime da revogação/anulação dos atos administrativos.
Veja-se, que, na petição inicial, os Autores não suscitaram estas questões, nem invocaram a invalidade da deliberação impugnada por errada aplicação do artigo 36º do DL nº 155/92 ou por ilegal revogação de atos constitutivos de direitos. E a sentença recorrida, porque nada foi invocado a este título, nenhuma pronúncia emitiu sobre estas questões ou causas de invalidade.
Assim, a matéria alegada nestas conclusões de recurso não foi invocada pelos ora Recorrentes em 1ª instância, e também não foi apreciada na decisão sob recurso. Razão pela qual assume a natureza de questão nova que não pode agora ser conhecida.
Tenha-se em consideração que os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação. Eles constituem meios judiciais de refutar o acerto do decidido, tendo o recorrente de alegar e concluir os fundamentos por que a decisão recorrida sofre dos vícios que lhe imputa e que conduzem à sua anulação ou revogação. São, assim, meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Não cabe, pois, ao tribunal de recurso o conhecimento ex novo de questões que não foram suscitadas em primeira instância.
Veja-se a este respeito, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; ALBERTO DOS REIS, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359, bem como, entre outros, a título ilustrativo o acórdão do TCA Sul de 23/11/2017, Proc. nº 22/17.2BELSB, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, bem como o acórdão deste TCA Norte de 03/11/2017, Proc. nº 0309/12.0BEPRT, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn.
Vejamos a argumentação dos Recorrentes.
Os Recorrentes alegam que “a decisão declara a prescrição da obrigação de reposição de quantias com base na aplicação do artigo 40º do DL 155/92, transcrevendo, aliás, os seus nºs 1 e 2. Contudo não considera o nº 3 da norma, alterado pelo DL 85/2016, de 21/12 (…) Em consequência, a decisão não aprecia o regime da revogação dos atos, de inquestionável relevância na solução jurídica a conferir aos presentes autos”.
Como os próprios Recorrentes reconhecem, a presente ação foi apresentada em juízo no ano de 2014, ou seja, em data anterior a todas as alterações legislativas que incidiram sobre o artigo 40º do DL 155/92, que consistiram na introdução de um nº 3 (pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro) e na posterior alteração da redação desse nº3 (pelo DL 85/2016).
O art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de julho, na sua redação original, dispunha:
“Prescrição
1 - A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”
O art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2005), que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2005, deu nova redação a este preceito, introduzindo-lhe um nº 3, de natureza interpretativa, nos seguintes termos:
“Regime da administração financeira do Estado
O artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, passa a ter a seguinte redação, tendo o nº 3 ora introduzido natureza interpretativa:
«Artigo 40º
1 - ......................................................................................
2 - ......................................................................................
3 - O disposto no nº 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de novembro.»
A este nº 3 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”, tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.
Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C.Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).
E não se vê que outro alcance ou sentido normativo possa ter este nº 3, introduzido pela Lei nº 55-B/2004, a não ser o de que a previsão legal do nº 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou condicionada pelo regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (neste sentido, pode ver-se o Ac. do STA, de 30.10.2007, proferido no Rec. 86/07).
Quer isto dizer que a Administração quando está, por via de um ato de reposição, a exigir quantias indevidamente recebidas pelo particular, só deixa de beneficiar do prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 155/92 se estiver em causa o regime de revogação dos atos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (anterior a 2015), pois, como estes só podem ser revogados no prazo de um ano, se a revogação do ato pelo qual lhe foi ilegalmente reconhecida a quantia ocorrer decorrido este lapso de tempo, a quantia indevidamente recebida pelo particular já não lhe poderá ser exigida.
A questão da ir (revogabilidade) dos atos inválidos é diferente da da prescrição (no caso, prevista no nº 1 do artigo 40º do DL 155792), tanto que o legislador se viu na necessidade de evidenciar essa distinção, dizendo que um regime não prejudica o outro, pelo que carecia de ser invocada pelos Autores.
Como se escreveu no acórdão deste TCAN, de 26.19.2012, proferido no processo nº 01584/09.3BELSB: “Os fundamentos da prescrição e da regra geral da revogabilidade dos atos administrativos são muito diversos, A prescrição envolve uma reacção contra o desinteresse e a inércia do titular do direito, que deixa decorrer o tempo sem exigir o cumprimento da dívida. A revogação justifica-se pela necessidade de ajustamento da ação administrativa à variação do interesse público, ou na revogação de atos ilegais por exigências de legalidade.”
No caso concreto, os Autores, afirmando que corria o prazo prescricional de 5 anos previsto do nº 1 do artigo 40º do DL 155/92, pediram, na primeira instância, que fosse declarada a prescrição do dever de reposição das quantias pagas aos Autores há mais de 5 anos (cfr. artigos 134º a 142º da p.i.).
Na sequência do peticionado pelos Autores, o tribunal a quo veio julgar prescrito o dever de reposição das quantias pagas aos Autores nos termos por estes peticionados.
Contudo, só nesta sede recursiva vêm suscitar a questão da ir (revogabilidade) dos atos. Tratando-se de questão nova, nos termos já supra explicitados, não pode este tribunal dela agora conhecer.
Noutra perspetiva, na parte atinente à prescrição, os Autores obtiveram vencimento total da sua pretensão, pelo que não podem pôr em causa o que foi decidido a este respeito na sentença recorrida (cfr. artigo 141º do CPTA “a contrario”).
Mantém-se, assim, incólume o decidido na sentença recorrida sobre a prescrição».

E, mais uma vez, o assim decidido é para manter, sendo que, relativamente às questões novas suscitadas em sede de recurso de apelação e agora em sede de recurso de revista, não podem as mesmas ser apreciadas porque não invocadas em sede de petição inicial ou, ulteriormente, em tempo próprio, de molde a que a sentença de 1ª instância delas estivesse obrigada a conhecer.
É jurisprudência firmada neste STA que os recursos jurisdicionais são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que, em regra, neles não se podem conhecer questões que não tenham sido submetidas ao exame do tribunal de que se recorre, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Com efeito, os recursos não servem para se introduzir uma questão nova no processo, tentando-se lograr, não apenas uma decisão nova, mas também uma decisão sobre matéria nova.
Sendo os recursos jurisdicionais meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não se pode por isso neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão objecto do recurso, salvo quando se trate de questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado – neste sentido, entre muitos outros, cfr. os Acórdãos do STA, proferidos nos recursos nºs 0708/12, 01460/13 e 01407/15, de 26.09.2012, 13.11.2013 e 03.11.2016, respectivamente.
(Neste sentido, cfr. também, na doutrina, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição, Almedina, págs. 103-104 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, Almedina, pág. 157).
Ora, in casu, o que se verifica é que os AA/recorrentes apenas em sede de alegações de recurso de apelação, invocaram o regime da revogação/anulação dos actos administrativos impugnados.
Esta alegação, não se confina a uma mera aplicação do direito a que o julgador está obrigado a analisar e decidir, uma vez que configura a invocação de ilegalidades/vícios novos, que não sendo de conhecimento oficioso, não podem ser conhecidos no âmbito do recurso de apelação, nem do recurso de revista, pelo que inexiste o alegado erro de julgamento imputado ao acórdão recorrido.
E também se mostra acertado o juízo vertido no acórdão recorrido no que respeita ao prazo prescricional, onde se consignou:
«O Réu insurge-se contra a sentença recorrida, imputando-lhe erro de julgamento, na parte em que esta considera que a notificação aos Recorridos (Autores) do teor da deliberação do Conselho Diretivo do Réu de 30.01.2013 não constitui facto interruptivo da prescrição.
E com razão.
Contrariamente ao decidido na sentença sob recurso aplica-se in casu a doutrina que dimana do acórdão deste TCAN de 14.12.2012, proferido no processo nº 00178/06.0BECBR, no qual se defendeu que a norma do nº 2 do artigo 40º do DL nº 155/92 deve ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas o conhecimento por parte do destinatário de qualquer ato da administração que exprima direta ou indirectamente a intenção de obter a reposição (…).”, o qual se passa a transcrever na parte útil:
“Determina o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho:
“1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”
Por seu turno o artigo 323º, do Código Civil, regulando a interrupção da prescrição, dispõe no seu n.º1, sob a epígrafe “Interrupção promovida pelo titular” (com sublinhado nosso):
“A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”
Esta norma do Código Civil, destinada a regular relações jurídicas entre privados deve ser interpretada em termos adequados a uma relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição de quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos tribunais, a reposição, e não em termos estritamente literais que seriam, no caso, inadequados.
Isto sendo certo que a Administração não recorre aos tribunais para obter a reposição de quantias que pagou, o particular é que tem de ir a Tribunal impugnar o acto que ordenou a reposição quer estejamos no domínio de um contrato, como melhor veremos adiante, quer não exista contrato.
Daí que, tendo em conta o disposto no n.º1 do artigo 9º, do Código Civil, a norma em apreço deva ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima directa ou indirectamente a intenção de obter a reposição.
Impõe-se aqui dar relevo a dois aspectos da norma em análise, resultantes das expressões sublinhadas:
1º - Qualquer acto é apto a interromper a prescrição. Não importa assim que seja um acto final ou intermédio de qualquer procedimento administrativo. Assim como não releva que tenha sido praticado pelo órgão competente ou não. Nem o tipo de procedimento em que o acto foi praticado.
2º - A expressão da intenção de obter a reposição pode ser directa ou indirecta.”
Tendo-se interrompido o prazo de prescrição em fevereiro de 2013 (quando foi notificada aos Autores a deliberação impugnada, de 30.01.2013), conclui-se que ainda não tinham decorrido os cinco anos do aludido prazo relativamente às quantias recebidas pelos Autores em fevereiro de 2008, ao contrário do decidido.”
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Atento tudo quanto se deixou exposto, importa negar provimento ao recurso, mantendo na ordem jurídica o decidido no acórdão recorrido.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo dos recorrentes
Lisboa, 18 de Novembro de 2021. - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Maria Cristina Gallego dos Santos.