Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0550/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
Sumário:As nulidades da sentença ou do acórdão são típicas e únicas, e o seu respectivo conhecimento exige arguição do interessado. Não se verificando o tipo arguido, pode ocorrer erro de julgamento, mas nunca vício da sentença que seja indutor da sua nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P22629
Nº do Documento:SA1201711300550
Data de Entrada:06/19/2017
Recorrente:INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A…………, na qualidade de recorrida no recurso de revista, vem imputar várias nulidades ao acórdão que concedeu provimento a tal recurso e julgou totalmente improcedente o pedido anulatório que ela tinha formulado.

Segundo alega, o acórdão é nulo por omissão e excesso de pronúncia [artigo 615º, nº1 alínea d)] do CPC, ex vi 1º do CPTA], por oposição entre fundamentos e decisão [alínea c)] do mesmo artigo], e, ainda, por insuficiência de fundamentação de direito [alínea b)] do mesmo artigo].

2. O recorrente, IFAP, não reagiu a essas imputações.

3. Cumpre, pois, apreciar e decidir as nulidades apontadas ao acórdão.

II. Apreciação

1. Nos termos do nº1 do artigo 615º do CPC [aplicável ex vi artigo 1º do CPTA], a sentença - ou, neste caso, o acórdão [ver artigo 685º do CPC] - é nula, além do mais, quando «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» [alínea b)], «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível» [alínea c)], e quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [alínea d)].

As nulidades da sentença ou do acórdão são típicas e únicas, e o seu respectivo conhecimento exige arguição do interessado. Não se verificando o tipo arguido, pode ocorrer erro de julgamento, mas nunca vício da sentença que seja indutor da sua nulidade.

2. Relativamente ao vício da citada alínea b), a recorrida A………… entende, em síntese, que «a fundamentação do acórdão recorrido é de tal forma genérica que não permite saber qual o fundamento concreto que permite sancionar a redução do subsídio» que lhe foi atribuído, e que, por isso, «o acórdão é nulo por insuficiência de fundamentação de direito».

Mas não tem razão.

Consta dos pontos 6 a 8 da parte II do acórdão toda a fundamentação jurídica em que se estriba a sua decisão. Fundamentação jurídica no direito comunitário e no direito nacional [ver ponto 6], concretização dos deveres, princípios, e regras de dele dimanam, e dos quais decorre a legítima consagração no Manual Técnico do critério do «1º preço de venda/preço de entrada», aplicável à subcontratação [ver ponto 7], e, por fim, a aplicação deste critério ao caso dos autos [ver ponto 8].

A fundamentação jurídica do acórdão mostra-se, pois, bastante e concretizada, improcedendo a alegação da sua mera generalidade e insuficiência.

3. Relativamente ao vício da referida alínea c) a recorrida A………… entende, em síntese, que face à factualidade provada nos autos «o acórdão só poderia decidir no sentido de não se encontrar verificada qualquer irrazoabilidade dos preços de subcontratação da B…………, Lda.».

É sabido que a contradição entre os fundamentos e a decisão, sancionada com a nulidade do acórdão, verifica-se quando há um vício real na lógica-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso.

A substância da presente imputação feita pela recorrida ao acórdão é, pois, de erro de julgamento e não de contradição sancionável com a nulidade.

4. Por fim, quanto ao vício da citada alínea d), a recorrida A………… entende, e novamente em síntese, que o acórdão omitiu pronúncia sobre a matéria levada às «conclusões 1ª, 2ª e 17ª das suas contra-alegações», e se excedeu na sua pronúncia, porque o acto sobre o qual se pronunciou não coincide com o acto impugnado nem quanto ao seu objecto nem quanto ao fundamento, porque se pronunciou com base em matéria de facto que não integra a dada por provada, e, ainda, porque decide de direito com base no Manual Técnico aprovado pelo Presidente do IFAP, o qual não tem, diz, qualquer força jurídica.

E também aqui carece de razão.

Desde logo, e quanto à alegada «omissão de pronúncia», porque o objecto do recurso jurisdicional é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, e não da recorrida, a não ser que esta tenha requerido e obtido a ampliação do mesmo. Daí, não fazer sentido invocar - independentemente da sua existência ou não - a omissão de pronúncia de questão suscitada nas contra-alegações, pois são as questões suscitadas pelo recorrente que o acórdão deverá tratar, embora tendo em conta o contraditório feito, a essas questões, nas contra-alegações.

Sendo certo que as conclusões invocadas, das contra-alegações, e cuja falta de conhecimento a recorrida pretende que gere a «nulidade do acórdão», não têm conteúdos geradores de «questões» novas - conclusão 1ª - Nos presentes autos o douto acórdão a quo pronuncia-se sobre a existência ou não de relações especiais entre a recorrida e o fornecedor «B…………, Lda.» à luz do nº4 do artigo 63º CIRC, para o qual remete o Ponto 6.2. do «Manual Técnico de Beneficiário / Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER [Investimentos] e FEP»; conclusão 2ª - Dado que em sede de revista o Venerando STA só pode pronunciar-se sobre violação de lei substantiva ou processual, não pode pronunciar-se, como pretende o recorrente, sobre a validade de uma norma constante de um Manual Técnico elaborado pelo recorrente; e conclusão 17ª - Não consta da fundamentação do acto impugnado nem se mostra provado nos autos que a «B…………, Lda.» se limitou a ser um intermediário da prestação de serviços, sem que a sua actuação tenha trazido àqueles bens e serviços, quaisquer mais-valias que justificassem a diferença.

Mas a recorrida entende também que o acórdão se excedeu no conhecimento de «questões» de que não podia tomar conhecimento, nomeadamente porque conheceu de um acto diferente do impugnado quanto aos seus fundamentos e ao seu objecto.

Dificilmente se entende esta alegação da recorrida, uma vez que o acto que foi impugnado se encontra perfeitamente identificado logo no primeiro ponto do «Relatório» do acórdão, consta expressamente e em todo o seu texto do ponto 23 da matéria provada, e é visando, sempre, a decisão e os fundamentos desse acto que é construído o arrazoado jurídico que desagua na sua confirmação. E não se vislumbra que esse arrazoado tenha descambado para o conhecimento de quaisquer outros fundamentos, ou outra decisão, que não essa, identificada e provada.

Também se terá excedido, na perspectiva da recorrida, e de forma a gerar vício de excesso de pronúncia, já que decidiu com base em matéria de facto que não consta do provado, e porque decidiu com base num Manual sem qualquer força jurídica.

A matéria de facto que a recorrida diz não integrar o provado, é a respeitante aos vários pontos do texto do acto impugnado - decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP - e que o acórdão em causa usou, e trabalhou, no afã de apreciar a legalidade do acto.

E o facto da «decisão» tomada ter como causa jurídica próxima o estipulado no ponto 6.2 do «Manual Técnico do Beneficiário - Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER [Investimento] e FEP - não configura, de forma alguma, um excesso de pronúncia.

Se a recorrida entende que este Manual carece de força jurídica para poder ser utilizado como texto regulamentador da situação em causa, então deverá arguir um erro de julgamento de direito, mas não a nulidade do acórdão. Isto porque o tribunal sempre poderia, eventualmente, ter errado na sua aplicação, mas o que certamente não fez foi conhecer de «questão» cujo conhecimento não lhe era permitido.

III. Decisão

Em face do exposto, decidimos julgar improcedentes as nulidades apontadas ao acórdão de folhas 326 a 347 dos autos.

Custas pela ora requerente, e recorrida no âmbito do recurso de revista.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.