Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0538/14
Data do Acordão:05/28/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA
SOCIEDADE COMERCIAL
EXECUÇÃO FISCAL
GARANTIA HIPOTECÁRIA
Sumário:I - Não tendo o Órgão de Execução Fiscal demonstrado/fundamentado, a falta de idoneidade da hipoteca sobre dois veículos automóveis, andou a sentença recorrida ao anular o acto que indeferiu o pedido de prestação de garantia.
II - No entanto, não podia o tribunal recorrido na parte decisória determinar que: “o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, aceite como garantia os bens para tal indicados pelo Reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficará garantido” competindo à Administração Tributária a apreciação das garantais apresentadas, nos termos do disposto no artigo 199.º do CPPT, ou seja, a verificação do mérito ou oportunidade da decisão.
III - Estando em causa, como está o exercício de um contencioso de mera anulação, o tribunal, apenas, deve anular o acto sindicado cabendo à AT tirar daí as devidas ilações, tendo em conta a obrigatoriedade geral das decisões judiciais.
Nº Convencional:JSTA00068743
Nº do Documento:SA2201405280538
Data de Entrada:05/13/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTTRIB99 ART199 N2
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CODIGO DO PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTARIO ANOTADO E COMENTADO 6ED 2011 PAG411-412.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…….., NIPC …….., veio reclamar do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1872201201077309 que lhe indeferiu o seu pedido de prestação de garantia para a suspensão da execução.

Por sentença de 12 de dezembro de 2013, o TAF do Porto, julgou a reclamação procedente.

Inconformada com o assim decidido, reagiu a Fazenda Pública, interpondo o presente recurso para o TCA Norte que por acórdão de 27 de Março de 2014, se declarou incompetente em razão da hierarquia, considerando para o efeito, competente a Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, para onde os autos foram remetidos, com as seguintes conclusões das alegações:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal interposta, nos termos do disposto no Art.º 276º do CPPT, do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim, em que não aceitou como garantia a hipoteca voluntária de dois veículos automóveis indicados pela reclamante, com o objectivos de suspensão da execução, face ao pedido de pagamento em prestações da divida exequenda.
B. Questão a decidir em sede dos presentes autos, e como bem entendeu o Tribunal a quo, era “saber se dois veículos automóveis são, ou não, bastantes a constituir garantia idónea no âmbito do processo de execução fiscal 1872201201077309, onde está em cobrança o valor de € 4.397,46, a que acrescem juros de mora respetivos”.
C. Entendeu o Tribunal a quo que “compreende-se que estes não possam ser aceites como garantia única da totalidade da divida, contudo sempre poderá ser aceite ainda que garantindo a divida a titulo parcial”, competindo “à exequente esclarecer qual o valor (parte da divida exequenda) que aceita assim ver garantido, notificando, posteriormente, o exequente para indicar outros bens, que garantam o remanescente.”,
D. concluindo, que (...) julgo a presente Reclamação procedente revogando-se, consequentemente, o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, aceite como garantia os bens para tal indicados pelo Reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficará garantido.”
E. Com o doutamente assim decidido não pode a Fazenda Pública concordar, entendendo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento.
Vejamos,
F. Tendo sido oferecida pela reclamante a constituição de hipoteca voluntária dos dois veículos referidos na PI para efeitos de suspensão da execução, face ao pedido de pagamento em prestações, ao abrigo do art. 199.º do CPPT, a AT, no despacho reclamado, coloca a tónica no ónus probatório - que sobre a reclamante impendia - de demonstrar que não era viável, no caso concreto, a constituição de garantia bancária, caução ou seguro-caução,
G. e, ao que aqui interessa, de não ter demonstrado qual o valor comercial dos veículos automóveis, acrescendo ainda o ónus de uma penhora que sobre um dos veículos incidia, concluindo assim que a garantia apresentada não era idónea para garantir o processo executivo de forma a suspender a execução.
H. É certo que em abstrato até podemos concordar com o Tribunal que a hipoteca de veículos automóveis poderá ser oferecida em garantia de forma a suspender um processo executivo, mas em concreto, nada resulta dos autos, de que os veículos oferecidos em garantia são de valor suficiente para assegurar o crédito exequendo, logo, idóneos para atingir o fim alcançado: a suspensão do processo executivo,
pois,
L. ao contrário do decidido, não se encontram reunidos os pressupostos para aceitar a garantia apresentada como satisfatória para o objectivo pretendido - a suspensão do processo executivo até integral pagamento da divida exequenda, atenta a falta de prova necessária para considerar a garantia apresentada como idónea, uma vez que a reclamante, e como resulta dos autos, não demonstrou o valor dos bens oferecidos em garantia, e era a si e não à AT que competia demonstrar tal valor.
J. Não demonstrando ou sequer indicando tal valor, como não o fez, a garantia apresentada não é idónea, de forma a assegurar o crédito exequendo, quer integralmente quer até parcialmente, como entendeu o Tribunal a quo, uma vez que o mesmo torna-se, porque desconhecido, insuficiente para se tornar idónea a garantia, ainda mais, e como decorre do despacho reclamado, sobre um dos bens apresentados incidia penhora de outra entidade, não se afigurando, então, ilegal o despacho da AT que não considerou tal garantia idónea para suspender a execução fiscal.
K. Pelo exposto, é convicção da Fazenda Pública que se encontra plenamente demonstrado não estarem reunidos os pressupostos para a aceitação da suspensão da execução através da constituição de garantia com os bens oferecidos para o efeito, inexistindo qualquer ilegalidade na conduta da AT, atento o disposto no art.º 52.º da LGT e nos arts. 199.º do CPPT, que se mostram violados pela douta sentença, que determinou a anulação do despacho reclamado.
Sem prescindir,
L. O Tribunal apenas poderia anular o despacho reclamado, por a AT não considerar em abstrato a garantia apresentada, mas já em concreto, nunca poderia, como o fez, determinar a aceitação pela AT, para garantia parcial da divida, quando nem resulta qual o valor dos bens oferecidos, tanto mais que, e em concreto, incide sobre um dos veículos penhora efetuada por um Banco, ónus que desde logo legitima a não aceitação por parte da AT desse bem oferecido em garantia, como já antes referido.
M. A competência para apreciar as garantias a prestar em concreto compete à AT, em matéria de garantias, usando da sua capacidade técnica, juízos de prognose e segundo as regras de “boa administração”, a que está vinculada, se aquela garantia que lhe foi apresentada é a adequada para garantir aquela situação em concreto, tendo em conta a escolha da solução que melhor realize o interesse público, isto é, se é idónea.
N. Não se nos afigura, por isso, legítimo ao Tribunal encarregado de controlar a legalidade de um ato de administração ir ao ponto de apreciar o acto em concreto.
O. Isso representaria admitir que o Tribunal se pudesse substituir sempre à Administração Pública no traçado de todos os elementos do acto por ela praticado.
P. A sindicabilidade contenciosa do agir da Administração Pública pára na fronteira da reserva da administração consubstanciada numa margem de livre decisão administrativa que constitui um limite funcional da jurisdição administrativa, pois as opções do órgão administrativo tomadas nesse domínio revelam da esfera do mérito apenas controlável pela própria Administração e nunca pelos Tribunais.
Q. O contencioso tributário, é um contencioso de mera apreciação da legalidade do acto reclamado, devendo o Tribunal tão só anular o acto parcial ou totalmente, não se pronunciando sequer sobre o conteúdo positivo da decisão a proferir pela AT.
R Ao determinar que outro despacho seja proferido pelo órgão de execução fiscal que aceite como garantia os bens para tal indicados pela reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para apresentar outras garantias para a parte não garantida com aqueles veículos, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por diversa opinião, estar o Tribunal a exceder as suas competências, devendo ser revogada a douta sentença, mantendo-se apenas caso assim se entenda, a anulação tout court do despacho reclamado.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento.

A entidade recorrida não contra alegou.

O EMMP pronunciou-se emitindo parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso, sustentado em desenvolvida fundamentação que se acolhe e que daremos conta infra.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

O Tribunal “a quo” deu como provada a seguintes factualidade:

1. Em 23.10.20120 Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim instaurou contra a sociedade A……., Lda. o Processo de Execução Fiscal 1872201201077309, visando a cobrança coerciva de dívidas de imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2011 no montante de €4 397, 46 - cfr. Fls. 1 e 2 dos autos;
2. Em 04.04.2013 o Executado apresentou junto daquele Serviço de Finanças, dirigindo-se ainda àquele Processo de Execução Fiscal, requerimento no sentido de ser autorizado a proceder ao pagamento da quantia exequenda em 36 (trinta e seis) prestações, alegando como fundamento desta pretensão a sua difícil situação económica; bem como a ser admitida a prestar garantia oferecendo para o efeito a constituição de hipoteca sobre o veículo de matrícula ……. - cfr. requerimento de fls. 3 e seguintes dos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
3. Ainda antes de ter havido qualquer decisão sobre aquele requerimento o Executado veio requerer a substituição do veículo ali indicado, por outros dois, com as matrículas ……. e …….., ambos da marca Opel, aquele do modelo Vívaro e este de modelo Corsa-Cvan, alegando que os seus valores comerciais serão suficientes para assegurar os créditos da Administração Tributária - cfr. requerimento de fls. 26 e seguintes dos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
4. Por despacho datado de 07.05.2013, o Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim, decidiu deferir o pedido de pagamento da quantia exequenda em 36 prestações mensais, no que respeita ao pedido de suspensão da execução, uma vez que o Executado oferece como garantia hipoteca voluntária tal pedido será apreciado e decidido em despacho autónomo - cfr. despacho de fls. 28 dos autos para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para os efeitos legais;
5. Em 03.07.2013 foi lavrado o despacho “(...) o veículo de matrícula …….. está registado em nome do executado sem registo de ónus ou encargos; associado ao veículo de matrícula …….. (...) consta registo de ónus/encargos - penhora 05093 registada em 201.04.04 (…) Nos termos do art. 74º da Lei Geral Tributária e 342º do Código Civil o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos dos contribuintes ou da Administração Tributária recai sobre quem os invoque. Sendo assim caberia ao Executado apresentar todas as provas necessárias de forma a comprovar a absoluta impossibilidade de constituição de garantia bancária, caução ou seguro caução. Afigura-se, assim, não estarem reunidas as condições necessárias para a aceitação da garantia oferecida pelo executado, para efeitos de suspensão do Processo de Execução Fiscal, pelo que proponho o indeferimento do pedido” - cfr. informação prestada a fls. 37 e reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Sobre este despacho veio a incidir a decisão; “Concordo, Proceda-se como proposto” - cfr. despacho do Chefe de Divisão, datado de 10.07.2013, constante de fls. 37 dos autos;
7. Este despacho veio a ser substituído por outro, lavrado pelo Chefe do Serviço de Finanças da Póvoa do Varzim, onde se lê; “(…) verifica-se que, para além de não ter sido indicado valor dos veículos oferecidos, constando apenas na petição apresentada em 2013.04.16 que os valores “comerciais serão suficientes para assegurar os créditos tributários”, sobre o veículo de matrícula …….. consta o registo de ónus a favor do Banco Santander Totta, S, A.. Assim, e porque nos termos do art. 74º da Lei Geral Tributária o ónus da prova e dos factos constitutivos dos direitos da Administração Tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque e por considerar insuficiente não pode a hipoteca oferecido ser considerada como garantia idónea.
Por outro lado, o ofício circulado n.º 60076, de 2010.0729, da DSGCT são reforçadas as regras a observar na consideração da idoneidade e da aceitação das garantias oferecidas bem como a ordem pelas qual as garantias devem ser prestadas, devendo dar-se preferência à constituição de garantias que apresentem maior grau de liquidez, designadamente garantia bancária, caução ou seguro caução ou, secundariamente, hipoteca.
O Requerente também não comprovou a impossibilidade de apresentação de garantias preferenciais.
Face ao exposto, e tendo ainda em conta a orientação comunicada através do ofício 44 659/0405 de 2013.07.11 da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto, as garantias oferecidas não podem ser consideradas idóneas, pelo que indefiro o pedido”- cfr, despacho de fls. 72 dos autos para o qual se remete e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;
8. O despacho identificado em 7 foi notificado ao Executado, aqui Reclamante, em 29.08.2013 - cfr. fls. 73 e seguintes dos autos;
9. Em 03.09.2013 deu entrada a presente Reclamação de Acto do Órgão de Execução Fiscal - cfr. fls. 79 e seguintes dos autos.

3 – DO DIREITO
Para se decidir pela anulação do acto reclamado considerou a sentença de 1ª Instância o seguinte: (destaca-se o trecho da fundamentação de direito)
(…) Pretende o Reclamante ver anulado o despacho reclamado, que indeferiu o pedido de prestação de garantia, tal como o Executado pretendia, através de hipoteca a constituir sobre dois veículos automóveis, sendo substituído por outro que defira o seu requerimento.
Questão a resolver: saber se dois veículos automóveis são, ou não, bastantes a constituir garantia idónea no âmbito do Processo de Execução Fiscal 1872201201077309, onde está em cobrança o valor global de €4 397, 46 a que acrescem juros de mora respectivos.
Dispõe o art. 199º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, relativamente a garantias que caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente”, o seu nº2 diz-nos que: “A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no art. 195º com as necessárias adaptações,”.
Atendendo à situação concreta, releva ainda o nº4 do mesmo preceito, que tem o seguinte teor:
“Vale como garantia para os efeitos do n.º 1 a penhora já feita sobre os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido ou a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado no prazo previsto no n. º 6”.
Importa ainda atender ao disposto no art. 215º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no seu n.º 4, segundo o qual: “O direito de nomear bens à penhora considera-se sempre devolvido ao exequente, mas o Órgão de Execução Fiscal poderá admiti-la, nos termos da lei, nos bens indicados pelo executado, desde que daí não resulte perigo.”

Conforme resulta da factualidade apurada, o Reclamante, ofereceu como garantia a hipoteca voluntária a constituir sobre dois veículos automóveis, com as matrículas …… e …… ambos da marca Opel e dos modelos Vivaro e Corsa-C Van, respectivamente.
Sobre o veículo de matricula …….. existe uma penhora, activa, registada a favor do Banco Santander Totta, S. A..
Esclarece a Fazenda Pública que o Executado não indicou os valores dos veículos oferecidos como garantia, sendo que sobre um deles incide um ónus. Por outro lado a DSGCT fornece indicação relativamente à preferência a dar à modalidade da garantia a prestar pelos executados, sendo que deve ser dada prevalência àquelas que apresentem maior grau de liquidez, designadamente a garantia bancária, a caução ou o seguro-caução, sendo só secundariamente indicada a hipoteca.
Daqui se extrai que a Fazenda Nacional não aceita estes bens como garantia da quantia exequenda, independentemente do seu valor, apesar de um dos veículos estar já onerado com uma penhora anterior, nada é dito relativamente ao seu valor ou ao valor da penhora em causa.
Esta posição da Fazenda Nacional, credora, neste Processo de Execução Fiscal, de €4 397, 46, bem se compreende uma vez que compete assegurar que as dívidas obterão quitação, contudo terá de assumir uma posição razoável nessa sua tarefa.
Note-se que a penhora a realizar no âmbito do Processo de Execução Fiscal cuja suspensão não se determine poderá tornar inviável a possibilidade da empresa se manter em laboração, o que não é desejável visto importar prejuízos maiores e de âmbito mais enraizado na comunidade, neste momento em particular, tão atingida por situações de tal natureza, Ainda que a todos cumpra a tarefa de assegurar um funcionamento responsável por parte de todos os agentes económicos, nunca poderá ser resultado sequer tolerado, a possibilidade de ver as empresas suspender o funcionamento quando há ainda a possibilidade de outras alternativas, ao que acresce o facto da quantia exequenda não ser de relevante monta, não esquecendo que o plano de pagamento prestacional foi deferido pelo que, desde Maio do ano em curso o Executado se encontra a efectuar pagamentos mensais - pelo menos não há notícia nos autos que tal não esteja a acontecer - o que indicia que a Exequente virá a receber o valor em dívida na íntegra.
Porém, atendendo à pertinência dos motivos que servem de fundamento à posição assumida pela Exequente, designadamente o facto da quantia exequenda não estar devidamente garantida pela hipoteca a constituir sobre os veículos indicados pelo Executado, compreende-se que estes não possa ser aceites como garantia única da totalidade da dívida, contudo sempre poderá ser aceite ainda que garantindo a divida a título parcial. Note-se que, tendo o executado a faculdade de nomear bens à penhora, ao Órgão de Execução Fiscal compete admiti-los, ou não, contanto que daí não resulte qualquer prejuízo, ou seja, desde que da sua aceitação não possa resultar a possibilidade vir a ser-lhe impossível obter a satisfação da quantia exequenda.
A ser assim, ainda que tenha de se proceder à constituição de hipoteca ou penhora de outros bens da Executada, tal poderá ocorrer, mas tão só naquele que será o valor remanescente face ao que é garantido pela hipoteca sobre aqueles dois veículos automóveis, sendo que estes bens sempre poderão ser admitidos a constituir garantia de cumprimento da divida exequenda.
Assim, sendo estes bens os indicados pelo Executado a servirem de garantia à quantia exequenda, compete agora à exequente esclarecer qual o valor (parte da dívida exequenda) que aceita ver assim garantido, notificando, posteriormente, o exequente para indicar outros bens, que garantam o remanescente.
Decisão
Destarte, considerando o exposto, julgo a presente Reclamação procedente revogando-se, consequentemente, o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, aceite como garantia os bens para tal indicados pelo Reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficará garantido (...).

DECIDINDO NESTE STA:
Como se constata do excerto da sentença reproduzido esta julgou procedente reclamação deduzida contra o despacho do Sr. Chefe do SLF da Póvoa de Varzim, que indeferiu pedido de prestação de garantia mediante hipoteca sobre dois móveis sujeitos a registo (automóveis), e determinou a sua substituição por outro que aceite como garantia os bens para tal indicados pela recorrida, pelo valor real que vier a ser apurado, notificando-a, posteriormente, para prestar outras garantias quanto ao valor que não ficar garantido.
É este último segmento decisório da sentença que merece a maior oposição da recorrente e a nosso ver nesta parte assiste-lhe razão sendo por isso de conceder parcial provimento ao recurso, como deixaremos devidamente explicado. No mais afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente, como destaca também o Sr. Procurador Junto deste STA, devidamente ponderados os ditames legais.
O quadro legal (essencial) :
Os artºs 196º do CPPT, determina a possibilidade de pagamento em prestações e outras medidas.
O artº 198º do CPPT, determina que: “ No requerimento para pagamento em prestações o executado indicará a forma como se propõe efectuar o pagamento e os fundamentos da proposta”.

O artº 199º do CPPT, determina no seu nº 1 que: “caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente” e,
no seu nº 2 que: “A garantia idónea referida no número anterior poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações”. :
De onde retiramos que:
A garantia pode ser constituída por qualquer meio que assegure os créditos do exequente excepto se for de aplicar o Código Aduaneiro Comunitário.
A garantia há-de ser adequada a satisfazer o interesse do exequente, mas sem onerar ou afectar de forma grave os interesses legítimos do executado.
A garantia tem de ser idónea para assegurar os créditos do exequente e isenta de condições ou limitações.
A idoneidade da garantia afere-se pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, estar salvaguardada a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos; o que tem levado este STA a afirmar que a Administração Tributária tem uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não idónea (vide desde logo o acórdão por nós relatado em 18/12/2013 no recurso 01731/13 assim sumariado na parte que agora nos interessa):
I – (…)
II - O juízo sobre a idoneidade da garantia há-de resultar da avaliação que for efectuada em concreto sobre a susceptibilidade desta assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, aferindo a Administração Tributária designadamente, da suficiência e solidez da garantia oferecida e da capacidade e idoneidade do garante e já não do juízo que for efectuado relativamente à forma jurídica através da qual a sociedade garante assumiu a sua obrigação perante o devedor/executado.
III - O nº 2 do art. 199º do CPPT, ao fazer depender a hipoteca da concordância da Administração tributária, significa maior liberdade de apreciação do pedido, que implica deveres acrescidos de fundamentação, devendo a recusa alicerçar-se em razões objectivas, que hão-de assentar fundamentalmente na insuficiência dos bens objecto da garantia, bem como o respeito pelo princípio da proporcionalidade.
IV – (…)

Sobre esta matéria (meios de constituição de garantia - Idoneidade da garantia) pode ver-se Jorge Lopes de Sousa (Código do procedimento e de processo tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, III volume, páginas 411/412)

No caso dos autos, a recorrida ofereceu a constituição de hipoteca que abstractamente é considerada meio idóneo para assegurar os crédito do exequente como é jurisprudência pacífica deste STA (Vide o Acórdão de 11 de Julho de 2012, proferido no recurso nº 0730/12, disponível no sitio da Internet www.dgsi.pt).
E, como se refere neste acórdão do STA a liquidez da garantia prestada para efeitos de suspensão da execução fiscal não constitui critério do qual deve depender a apreciação da sua idoneidade.
Assim sendo, na situação em análise e como destaca o Mº Pº no seu parecer, não tem fundamento legal uma das razões invocadas pela AT para indeferir o pedido de prestação de garantia, a saber, o facto da recorrida não ter cumprido o ónus probatório de demonstrar que não era viável, no caso concreto, a constituição de garantia bancária, caução ou seguro - caução.
O despacho de indeferimento da prestação da garantia não poderia deixar de ser anulado, como bem decidiu a sentença recorrida.
De facto, como resulta do probatório e dos autos a recorrida pediu a prestação de garantia através de hipoteca sobre os veículos …… e ……., que considerou terem valor comercial bastante para a prestação da garantia, no montam de € 5.162, 79 (fls. 32 dos autos).
A AT limitou-se a indeferir a prestação de garantia, também, pelo facto da recorrida não ter demonstrado o valor comercial dos bens, sendo que em relação ao veículo …… se verifica o ónus de uma penhora, razões que, só por si, não são suficientes para indeferir o pedido de prestação de garantia.
Mas, aceitando-se que a recorrida deveria indicar o valor comercial dos bens, tal valor seria meramente indicativo, não desonerando o credor /FP de promover a avaliação ou determinar o valor dos mesmos, como, de resto fez, resulta de fls. 32 dos autos, devendo, ainda, indicar o valor garantido pela penhora do veículo …...
Com efeito alí se refere que: (…) Consultada a base de dados “AnexovalorAvalVeículos” fornecida pela DSGCT, verifica-se que o valor do veículo ……. terá o valor comercial de € 9.800,00, e ainda: (…) Simulando a penhora dos referidos veículos na aplicação SIPE, o valor associado às matrículas …….. e ……. é de €3.185,94 e de €2.356,17, respectivamente.
Tendo presente tais elementos é nossa convicção e entendimento que o Órgão de Execução Fiscal não demonstrou/fundamentou, a falta de idoneidade da hipoteca sobre os dois veículos, pelo que bem andou a sentença recorrida ao anular o acto que indeferiu o pedido de prestação de garantia.
No entanto não podia o tribunal recorrido na parte decisória determinar que: “o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que, aceite como garantia os bens para tal indicados pelo Reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficará garantido” competindo à Administração Tributária a apreciação das garantais apresentadas, nos termos do disposto no artigo 199.º do CPPT, ou seja, a verificação do mérito ou oportunidade da decisão.
Estando em causa, como está o exercício de um contencioso de mera anulação, o tribunal, apenas, deve anular o acto sindicado cabendo à AT tirar daí as devidas ilações, tendo em conta a obrigatoriedade geral das decisões judiciais.

Assim sendo procede nesta parte o recurso e falece quanto ao mais.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida na parte em que determina que o órgão de Execução Fiscal aceite como garantia os bens para tal indicados pelo Reclamante, mas pelo valor que vier a ser apurado como o valor real de tais bens, notificando-o posteriormente para prestar outras garantias no que respeita ao valor da quantia exequenda que exceda aquele que assim ficará garantido mantendo-a quanto ao mais (na parte em que revogou/anulou o acto sindicado).

Custas a cargo da recorrente por atenção à parte em que decaiu
Lisboa, 28 de Maio de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - Dulce Neto.