Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0171/13.6BEBJA
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
TERRENO SUBMERSO POR ALBUFEIRA
Sumário:Os valores contabilizados a título de amortização de terrenos, incluindo os expropriados e submersos, integrantes da bacia/albufeira de barragem objecto de contrato de concessão, por parte do Estado, tal como os dos terrenos em geral, não são dedutíveis para determinação do lucro tributável, nos termos do art. 17.º do CIRC.
Nº Convencional:JSTA000P27806
Nº do Documento:SA2202106090171/13
Data de Entrada:12/10/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EDIA – EMPRESA DE DESENVOLVIMENTO E INFRA-ESTRUTURAS DO ALQUEVA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo de impugnação judicial com o n.º 171/13.6BEBJA
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “Edia – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 A AT recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso jurisdicional interposto pela sociedade acima identificada, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, e anulou a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foi efectuada relativamente ao ano de 2008, no que respeita às amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, que a AT reconheceu não serem dedutíveis ao resultado fiscal.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«a) A questão que se pretende ver melhor analisada pelo tribunal ad quem no presente recurso é a de saber se as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal;

b) Entende, a FP, que o acórdão recorrido procedeu a uma incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 12.º do DR 25/2009, dos arts 17.º, 29.º e 34.º, todos, do CIRC, pelo que, no nosso entendimento, não deve manter-se;

c) Na verdade, a questão acima identificada assume relevância social fundamental, porquanto, a situação apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, até porque, está em causa questão que revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a casos futuros do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa, em muito, os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

d) Por outro lado a mesma questão assume também relevância jurídica fundamental, uma vez que a questão a apreciar é de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior à comum;

e) In casu, o presente recurso é também absolutamente necessário para uma melhor aplicação do direito, porquanto, o acórdão aqui em crise incorre em erro de interpretação;

f) Desta forma, a necessidade de uma melhor aplicação do direito justifica-se, porquanto, em face das características do caso concreto, existe a possibilidade de este ser visto como um caso-tipo, não só porque contem uma questão bem caracterizada e passível de se repetir no futuro, como a decisão da questão se revela ostensivamente errada, juridicamente insustentável ou suscita fundadas dúvidas, o que gera incerteza e instabilidade na resolução dos litígios;

g) Entendeu o acórdão recorrido que:
«Assim, considerando a especial disciplina prevista relativa aos activos revertíveis adquiridos pelos concessionários, consagrada no art. 13.º do decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, e, bem assim, o conceito de terreno de exploração, os mencionados custos são admissíveis.»;

h) Do teor dos preceitos, nomeadamente, dos arts. 29.º e 34.º do CIRC, as depreciações e amortizações dos activos de uma empresa, para efeitos fiscais, estão associadas ao seu deperecimento;

i) Pelo que, também os terrenos são amortizáveis ou depreciáveis, apenas quando sujeitos a deperecimento, o que não é, claramente, o caso;

j) Ora, para o acórdão recorrido, os terrenos ao serem qualificados como activos fixos intangíveis, por aplicação da IFRIC – 12, podem ser objecto de amortização fiscal, nos termos do art. 12.º, n.º 1 DR 25/2009;

k) Contudo, a nosso ver, esta norma fiscal (artigo 12.º, n.º 1 DR 25/2009) não prevê a aceitação da amortização relativa a aquisições de terrenos submersos;

l) Além disso, o DR 25/2009, que visou operacionalizar o regime fiscal das amortizações previsto no CIRC, estabelece como critério-regra que:
«Podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis e as propriedades de investimento (…)». (In, art. 1.º, do DR 25/2009);

m) E, o art. 10.º do mesmo DR, vem estabelecer que, para
«[e]feitos do cálculo das respectivas quotas de depreciação, é excluído o valor do terreno ou, tratando- se de terrenos de exploração, a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento»;

n) Em ordem ao que antecede, defendemos que as amortizações ou reintegrações relativas aos terrenos, ainda que submersos, não são aceites como custos/gastos fiscais;

o) Acompanhando esta posição, o Douto voto vencido proferido pela Juíza Desembargadora Anabela Russo, no acórdão do TCA Sul n.º 268/15.8BEBJA (relativa à mesma questão e à mesma impugnante – consultável em www.dgsi.pt) refere que:
«[a] lei fiscal não admite que as amortizações e reintegrações, ainda que registadas contabilisticamente, relativas a custos de aquisição de terrenos, e mesmo que se entendesse que fazem parte integrante de uma barragem ou de qualquer outra infra-estrutura (e não fazem, como na tese que obteve vencimento se concedeu), sejam relevadas fiscalmente (…)»;

p) O modelo da dependência parcial do direito fiscal face ao direito da contabilidade consagrado pelo legislador implica que o ponto de partida para a determinação do resultado fiscal seja o resultado contabilístico, desempenhando a contabilidade uma função instrumental, mas o resultado contabilístico está sujeito a correcções fiscais decorrentes das regras que o CIRC impõe, como resulta do art. 17.º do mesmo diploma legal, que estabelece:
«O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (Sublinhado nosso);

q) Como refere o Professor José Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, 4.ª Edição, Almedina, pg. 577,
o lucro contabilístico está sujeito a correcções, pois determinados proveitos ou custos contabilísticos não são havidos como tal no apuramento do lucro fiscal (…)”;

r) Daí que, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a decisão proferida, porque colide com o princípio da dependência parcial do IRC face às normas contabilísticas;

s) Por outras palavras, existindo norma fiscal, como é o caso, esta prevalece sobre qualquer norma contabilística;

t) Assim sendo, conclui-se que os terrenos submersos que integram a bacia de uma barragem, ainda que objecto de um contrato de concessão, não estão sujeitos a deperecimento, não sendo, por isso, fiscalmente amortizáveis;

u) Em suma, tal como concluiu o aludido voto vencido:
«(s)ó podem originar amortizações ou reintegrações bens que estejam sujeitos a deperecimento (perda de valor). O que não sucede precisamente com os terrenos, face ao artigo 34.º, n.º 1, alínea b), do mesmo código»;

v) Há assim que concluir que, na decisão proferida pelo TCA Sul, a matéria aqui em crise foi tratada de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo, objectivamente, útil, a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema;

w) Acresce que, a questão subjacente ao presente recurso não tem uma natureza meramente casuística, sendo previsível que a sua solução tenha, ou possa vir a ter, repercussões noutras situações, dada a sua abrangência;

x) Entende, assim, a FP, que está em causa (neste processo) a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, bem como que, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, devendo, nestes termos, ser sujeita ao escrutínio da mais alta instância judicial tributária.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente Recurso de Revista ser admitido e, em consequência, ser dado como procedente, por provado, sendo anulado o acórdão recorrido, por ilegal, e substituído por outro que julgue totalmente improcedente a Impugnação Judicial, com todas as legais consequências, assim se cumprindo, por Vossas Excelências, com o Direito e a Justiça!».

1.3 A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido acórdão (() Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/8b8b26288c8a2f428025861500550b10.) pela formação a que alude o n.º 6 do art. 285.º do CPPT, a admitir a revista (cf. fls. 801 e segs. do processo electrónico).

1.5 Foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, com a seguinte fundamentação: «[…]

O recurso de revista previsto no artigo 150.º, n.º 1 do CPTA, consagra um duplo grau de jurisdição jurisdicional, funda-se em critérios qualitativos e tem natureza excepcional, só sendo admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social tenha importância fundamental ou a sua admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Ora, é o que sucede no caso presente.
Assim, diremos e na esteira do já expresso pelo M.º P.º, no Parecer proferido na 1.ª instância, quanto ao cerne da questão “sub judicio”, que corroboramos e cujos fundamentos nos abstemos de repetir, deve a pretensão da recorrente proceder.
As normas fiscais devem prevalecer sobre as normas contabilísticas o que, no caso presente, deve suceder, como decorre do disposto no artigo 34.º, n.º 1 al. b) do C.I.R.C. e como alega a Recorrente.
Adere-se, aqui para todos os efeitos legais à posição defendida no voto de vencido proferido no douto Acórdão do TCA/S, no processo 268/15.8BEBJA, que também se encontra pendente neste STA, em recurso de revista, em situação igual à destes autos só variando o ano do exercício e onde são intervenientes as mesmas partes».

1.6 Cumpre apreciar e decidir a questão, tal como definida pelo acórdão proferido pela formação a que alude o n.º 6 do art. 285.º do CPPT, ou seja, cumpre verificar se «as amortizações de um terreno, incorporado na bacia de uma barragem objecto de um contrato de concessão, são dedutíveis ao resultado fiscal (conclusão a) das alegações de recurso)», salientando que a questão «é também objecto de recurso de revista já admitido por esta formação preliminar – Acórdão de 6 de Março de 2020, proferido no n.º 268/15.8BEBJA –, ainda pendente de decisão de mérito neste STA, sendo as mesmas as partes no processo, idêntico o decidido pelo TCA-Sul num e noutro dos acórdãos recorridos e de teor idêntico as alegações de recurso num e noutro caso (diferem apenas os períodos de tributação em causa, o facto do acórdão recorrido nos presentes autos ter sido unânime e o outro lavrado com um voto de vencido e a circunstância de a recorrida não ter contra-alegado nos presentes autos)».


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante tem a actividade declarada de “engenharia hidráulica”, identificada pelo CAE 42910 (cfr. fls. 24 do PAT);

B) Em 20/01/2011, a Comissão de Normalização Contabilística remeteu à Impugnante o ofício com a referência 005/11, com o assunto «Aplicabilidade da Interpretação IFRIC 12, Acordos de Concessão de Serviços (IFRIC 12) à EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A.» e do qual resulta que «… independentemente do enquadramento jurídico da EDIA, a Comissão Executiva da CNC entende que, em sede de SNC é apropriado aplicar ao caso vertente a IFRIC 12 (a), por analogia e nos termos dos parágrafos 7 a 10 da NCRFP 4 – Políticas Contabilísticas, Alterações nas estimativas contabilísticas e erros» (cfr. doc. junto com o requerimento de fls. 283 a 285 dos autos);

C) Com data de 15/10/2012, foi remetido à Impugnante o ofício n.º 17078, com o assunto «Pedido de autorização de um método de depreciação diferente do estipulado no decreto-regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro», pelo qual se comunica o despacho da Subdirectora-Geral dos Impostos, de 04/10/2012, proferido por subdelegação de competências, do qual se extrai o seguinte:
«Ao abrigo do n.º 3 do artigo 30.º do Código do IRC, conjugado com o n.º 3 do artigo 4.º do Decreto Regulamentar 25/2009, de 14 de Setembro, poderá ser reconhecido, para efeitos fiscais, um método de depreciação que terá por base o perfil de geração de rendimentos de acordo com o plano apresentado pela EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A. No entanto, há que considerar que nem todos os investimento efectuados pela EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A. são passíveis de depreciação ao abrigo da lei fiscal, pelo que se exclui desta autorização a depreciação fiscal do valor dos terrenos submersos por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento» (cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial (PI) e fls. 29 do PAT);

D) Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI201200216, de 26/10/2012, a Impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção de natureza interna, relativa a IRC de 2008 (cfr. fls. 24 do PAT);

E) Em 16/11/2012, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, de cujas conclusões se extrai o seguinte:
«(…)
CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
3.1 – Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
3.1.1 – Exercício de 2008
3.1.1.1 – Na validação de valores existentes na contabilidade do sujeito passivo, verificámos que amortizou e reintegrou terrenos submersos, no montante total de € 887.485,35. No entanto, a amortização dos terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais e não há qualquer apoio na lei fiscal que permita o seu acolhimento. Os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimento, salvo os terrenos de exploração e os destinados a entulheiras os quais perdem valor, respectivamente, em função do esgotamento ou em função da superfície degradada, pelo que os terrenos em apreço (submersos), não configuram nenhuma daquelas excepções, ou seja, estas amortizações não são aceites como custos para efeitos fiscais por se entender que os mesmos não sofrem qualquer deperecimento, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 33.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (redacção em vigor à data dos factos). Assim, o sujeito passivo estava obrigado a acrescer no campo 207, do quadro 07, da declaração modelo 22 de IRC do ano de 2008, o valor de € 887.485,35. Esta informação tem por base a informação n.º 1888/2012, da Direcção de Serviços de IRC, resultante do pedido de autorização por parte da empresa para utilizar um método de depreciação diferente do estipulado no Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro. A presente omissão constitui infracção aos artigos 17.º e 33.º, ambos do Código do IRC, punível pelo artigo 119.º do Regime Geral das Infracções Tributárias. O documento recolhido na empresa que suporta o valor da correcção faz parte integrante como anexo 1. (…)» (cfr. fls. 14 a 18 do PAT);

F) Em 19/11/2012, foi lavrado despacho de concordância pelo Director de Finanças de Beja, em regime de substituição (cfr. fls. 14 do PAT);

G) Em 21/11/2012, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2012 8610051262, com a demonstração de acerto de contas n.º 2012 00001896884, da qual resulta o valor a pagar de € 15.022,08 e a demonstração de liquidação de juros n.º 2012 00011142725, no valor de € 1.709,80 (cfr. docs. n.ºs 2, 3 e 4 juntos com a PI e fls. 17 e 18 do PAT);

H) Em 04/03/2013, deu entrada no Serviço de Finanças de Beja a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante contra o acto de liquidação adicional de IRC n.º 2012 8610051262, de 21/11/2012 (cfr. fls. 7 a 9 do PAT);

I) Em 20/03/2013, foi lavrada a informação n.º 61/2013, que mereceu o despacho de concordância do Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Beja, e na qual se propõe o indeferimento da reclamação graciosa (cfr. fls. 39 a 42 do PAT);

J) Em 26/03/2013, foi lavrada a proposta n.º 19/2013, pelos serviços da Divisão de Tributação e Justiça Tributária, da qual se extrai o seguinte:
«(…)
4. No que respeita a estes argumentos e a toda a (extensa) exposição da reclamante, (…), dir-se-á que toda a tese, que é coerente e congruente e que poderia ser suficiente se reportada a outros bens, carece no entanto e absolutamente de sentido porque enferma de um vício na sua base nuclear: o caso, o primevo pressuposto errado, é que os terrenos submersos de uma barragem não estão contemplados pelo art. 1.º/1 do DR n.º 2/90 (vigente ao tempo), uma vez que não são elementos do activo imobilizado «sujeitos a deperecimento».
5. E foi exactamente isto que ficou perfeita e bastamente esclarecido na informação n.º 1888/12 da DIRC: «os terrenos submersos não têm relevância em termos fiscais» e «os terrenos pela sua natureza não estão sujeitos a deperecimentos» e «os terrenos em apreço não configuram nenhuma daquelas excepções» (relativas a terrenos que perdem valor em função de esgotamento ou em função de superfície degradada, como os destinados a entulheiras ou terrenos de exploração).
6. Ao contrário do afirmado pela reclamante, este entendimento é válido para o período ex ante e ex post a concessão, porque é um entendimento aplicável (in abstracto) a toda e qualquer situação de terrenos submersos por barragens, independentemente das circunstâncias de espaço e de tempo.
7. Como ali se diz, (porque) é um entendimento resultante da natureza das coisas: da submersão do terreno não resulta necessariamente o seu deperecimento; do mesmo modo, aliás, que a construção de um prédio de habitação não implica o deperecimento do terreno em que assenta.
8. (…).
9. Será igualmente útil esclarecer que este conceito de deperecimento (que é definhar ou desfalecer gradualmente) não é confundível com aqueloutra situação em que é dada a uma coisa uma utilidade diferente da primitiva ou usual, que é exactamente o que se passa com os terrenos submersos: anteriormente, teriam finalidades agro-pecuárias, agora têm a finalidade de suportar/conter as águas emprisionadas (como já atrás se disse, o mesmo se passa com um terreno que antes era uma horta e depois passa a sustentar um prédio de habitação: num caso e outro, o terreno não sofreu qualquer definhamento/degradação da sua natureza, simplesmente, passou a ter uma utilidade bem diferente).
10. Segundo a ordem da natureza e como é facilmente perceptível, a água de uma barragem não produz aquele efeito de deperecimento/definhamento nos terrenos que alaga, não os vai degradando gradualmente, aliás, em circunstâncias normais, o efeito produzido é o contrário: com a matéria orgânica, mineral e outra que arrasta e deposita, enriquece é esses terrenos (quando deixarem de estar submersos).
11. Assim sendo as coisas, como efectivamente são, deixa de fazer sentido discutir-se o método e o período de amortizações – o que, ao fim e ao cabo, é o tema da reclamação e o móbil da reclamante.
12. A finalizar, uma breve nota sobre outro equívoco da reclamante: o destino final dos bens em causa, e o seu arrolamento expresso ou tácito em qualquer tipo de contrato, bem como as regras de contabilização dos mesmos bens como activos, não alteram, como não podem alterar, conforme a ordem natural das coisas, o facto (natural) de serem ou não sujeitos a deperecimento por qualquer agente exógeno.
13. Deste modo, e em conclusão, porque os terrenos submersos não estão abrangidos pelo art. 1.º/1 do DR n.º 2/90 vigente ao tempo, as amortizações consideradas eram indevidas, pelo que se impunha a correcção técnica e o imposto em falta é legal e exigível, bem como os respectivos juros, devendo ser indeferida a presente reclamação.
(NOTA: entre parêntesis, note-se que o DR 25/2009, que revogou e substitui o anterior regime, é bem mais explícito no seu art. 1.º/1, referindo que só «podem ser objecto de depreciação ou amortização os elementos do activo (…) que, com carácter sistemático, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização ou do decurso do tempo» e também o seu art. 10.º/1 nos dá uma achega no mesmo sentido quando nos diz que «no caso de imóveis (…) é excluído o valor do terreno ou (…) a parte do respectivo valor não sujeita a deperecimento» o que nos faz remeter para o que dissemos, designadamente, nos anteriores pontos 9. e 10.)» (cfr. fls. 43 a 47 do PAT);

K) Sob a informação referida na alínea anterior, foi lavrado despacho de concordância pelo Director de Finanças de Beja, em regime de substituição, em 28/03/2013 (cfr. fls. 43 do PAT);

L) Com data de 01/04/2013, foi remetido, por carta registada com aviso de recepção, à Impugnante o ofício n.º 000698, com o assunto «IRC/2008 – AMORTIZAÇÃO DE TERRENOS SUBMERSOS», através do qual se comunicou o projecto de despacho de indeferimento sobre a reclamação graciosa apresentada (cfr. fls. 48 e 49 do PAT);

M) Em 26/04/2013, o Director de Finanças de Beja, em regime de substituição, proferiu despacho do qual resulta que «[a]tenta a notificação efectuada e a ausência de manifestação em direito de audição, não se afiguram quaisquer razões que determinem alteração ao projecto de despacho enunciado na proposta 19/2013 em 26-03-2013, pelo que, com os fundamentos ali referidos, o converto em definitivo indeferindo o pedido» (cfr. fls. 50 e 51 do PAT);

N) Com data de 29/04/2013, foi comunicado à Impugnante, por ofício n.º 000977, o despacho melhor identificado na alínea anterior (cfr. fls. 52 do PAT);

O) A Impugnante enquadrou a generalidade dos bens afectos ao EFMA como activos fixos tangíveis até 01/01/2010, após o que foram reclassificados para activos intangíveis conforme previsto na IRFRIC (International Financial Reporting Interpretations Comittee) 12 (acordo das partes).

[…]

P) Foi assinado documento escrito, designado de “Contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água destinada à rega e à produção de energia eléctrica no sistema primário do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva”, datado de 17.10.2007, no qual surgem como partes o Estado português, na qualidade de concedente, e a Impugnante, na qualidade de concessionária, do qual consta, designadamente, o seguinte:
Cláusula 4.ª

Objecto e âmbito da concessão
1- A Concessão tem por objecto, em regime de exclusivo e nos termos do presente Contrato, a gestão e exploração do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 311/2007, de 17 de Setembro, bem como a utilização do domínio público hídrico afecto ao empreendimento de fins múltiplos de Alqueva a que se refere o Decreto-Lei n.º 42/2007, de 22 de Fevereiro, nos termos da alínea a) do n.º 3 e do n.º 4 do artigo 68.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, para fins de rega e exploração hidroeléctrica.
(…)
Cláusula 6.ª
Estabelecimento da Concessão
1- Integram a Concessão:
a) As infra-estruturas relativas às utilizações do domínio público hídrico objecto deste contrato, e que fazem parte do sistema primário do empreendimento, identificado nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42/2007, de 22 de Fevereiro, conforme caracterização constante do Anexo III - Características Principais do Sistema Primário do EFMA;
b) Todas as obras, máquinas, equipamentos e aparelhagens e respectivos acessórios necessários à operação, exploração, manutenção e gestão daquelas infra-estruturas.
2- As infra-estruturas consideram-se integradas na Concessão, para todos os efeitos legais, desde a aprovação dos respectivos projectos de execução.
3- Podem ainda ser afectas ao estabelecimento da presente Concessão outras infra-estruturas que venham a ser integradas no Sistema Primário do EFMA, as quais são objecto de adenda ao presente Contrato.
Cláusula 7.ª
Bens e outros meios afectos à concessão
1- Consideram-se afectos à concessão, cabendo à concessionária o exercício dos direitos da sua utilização e administração, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 21-A/98, de 6 de Fevereiro, os bens imóveis adquiridos por via do direito privado ou mediante expropriação que integrem o domínio público do listado afecto ao EFMA, os recursos hídricos que integram o domínio público hídrico afecto ao EFMA, assim como os bens imóveis que integram o domínio público hídrico afecto ao EFMA.
2- Consideram-se também afectos à concessão, além dos bens que integram o seu estabelecimento, os imóveis adquiridos por via do direito privado ou mediante expropriação para implantação das infra-estruturas e equipamentos necessários ao exercício das actividades objecto da concessão, bem como as servidões ou outros ónus constituídos para os mesmos efeitos.
3- Consideram-se ainda afectos à concessão, desde que directamente relacionados com a actividade objecto de cada contrato:
a) Quaisquer fundos ou reservas consignados à garantia do cumprimento das obrigações da concessionária;
b) Os direitos privativos de propriedade intelectual e industrial de que a concessionária seja titular;
c) A totalidade das relações jurídicas que se encontrem em cada momento necessariamente conexionadas com a continuidade da exploração da concessão, nomeadamente laborais, de empreitada, de locação, de prestação de serviços, de aprovisionamento ou de fornecimento de água, de energia ou de materiais necessários à prossecução das actividades objecto da concessão.
Cláusula 8.ª
Natureza dos bens afectos à concessão
1- A água das albufeiras, os seus leitos e margens, assim como as infra-estruturas que integram o sistema primário do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva integram o domínio público do listado.
2- A concessionária, no exercício dos poderes de administração do domínio público hídrico concedidos, promove, por si ou por terceiros, a valorização dos bens que integram o mesmo.
Cláusula 9.ª
Propriedade dos bens afectos à concessão
1- Sem prejuízo do disposto no n.º 1 da cláusula anterior, enquanto durar a concessão, a concessionária detém a propriedade dos bens afectos à concessão que não pertençam ao Estado.
2- Com ressalva do disposto no número seguinte, no termo da concessão, os bens a que se refere o número anterior revertem, sem qualquer indemnização, para o listado, livres de quaisquer ónus ou encargos e em perfeitas condições de operacionalidade, utilização e manutenção.
3- Os bens afectos à concessão só podem ser alienados, transmitidos por qualquer outro modo ou onerados com autorização do concedente.
4- Exceptuam-se do disposto no número anterior os bens cujo uso os tenha tornado obsoletos, os que sejam alienados ou abatidos por se terem tomado desnecessários ou substituídos e ainda aqueles que tenham um valor contabilístico inferior a € 25.000.
(…)
Cláusula 24.ª
Regime económico e financeiro
1- Pela exploração e utilização privativa do domínio público hídrico para rega é devido pela concessionária o pagamento da taxa de recursos hídricos, fixada nos termos previstos na Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e no Decreto-Lei n.º 313/2007, de 17 de Setembro.
2- Pela exploração e utilização privativa do domínio público hídrico para a produção de energia eléctrica, é devido o pagamento da taxa de recursos hídricos fixada nos termos previstos na Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.
3- O sujeito passivo da taxa de recursos hídricos referida no número anterior é a concessionária ou, no caso da exploração hidroeléctrica de Alqueva e de Pedrógão ter sido cedida nos termos do n.º 1, 2 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 313/2007, de 17 de Setembro, a cessionária de exploração e subconcessionária da exploração da componente hidroeléctrica de Alqueva e de Pedrógão.
4- Caso os volumes afectos a outros usos, e prioritários face à produção de energia hidroeléctrica, sejam ultrapassados, o Concedente deverá promover a reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato por compensação directa à Concessionária.
5- Pelas utilizações privativas do domínio público referidas nas alíneas a) a c) do n.º 3 da cláusula 4.ª cujos títulos de utilização sejam emitidos pela concessionária é devido o pagamento da taxa de recursos hídricos, calculada nos termos do regime económico e financeiro da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.
6- As receitas resultantes da cobrança da taxa de recursos hídricos referida no número anterior, incluindo as respeitantes à subconcessão da exploração da componente hidroeléctrica referida no n.º 3, são afectadas do seguinte modo:
a) 50% para a Concessionária, a quem compete a respectiva liquidação que pode proceder à retenção da percentagem da receita que lhe é afecta;
b) 10% para a administração da região hidrográfica competente;
c) 30% para o bundo de Protecção dos Recursos Hídricos;
d) 10% para o Instituto da Água, I. P.
(…)
8- Nos termos do n.º 8 do artigo 68.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro e para além da taxa de recursos hídricos devida e paga anualmente, é devida pela Concessionária ao Estado uma compensação financeira a título de renda, no montante de 195.000.000,00 €, a qual constitui receita do Estado e deverá ser paga até 30 dias após a outorga do presente contrato.
9- As taxas administrativas devidas pela atribuição dos títulos de utilização a se refere o n.º 3 da cláusula 16.ª constituem receita da EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A.
(...)
Cláusula 26.ª
Prazo
A Concessão tem a duração de 75 anos a contar da data de celebração do presente contrato e caduca com o decurso do prazo, expirando automaticamente às 24 horas do dia que ocorrer o 75.º aniversário dessa celebração, nos termos previstos no artigo 69.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro.
(…)
Cláusula 28.ª
Reversão de bens
1- A Concessionária obriga-se a entregar ao Concedente, no termo da Concessão, os bens que integram a Concessão em adequado estado de conservação e funcionamento, sem prejuízo do normal desgaste decorrente do seu uso para efeitos do contrato de Concessão, e livres de quaisquer ónus ou encargos.
2- No fim do prazo da Concessão cessam para a Concessionária todos os direitos e obrigações emergentes do contrato de Concessão.
3- A reversão dos bens integrantes da Concessão, após o seu termo, é aplicável o disposto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio” (cfr. fls. 319 a 345 dos autos – numeração em suporte de papel, a que correspondem futuras referências sem menção de origem –, cujo teor se dá integralmente por reproduzido).

Q. Os imóveis integrantes da área geográfica do EFMA, que não integravam, na data referida na alínea anterior, o domínio público hídrico, foram expropriados, tendo a recorrente suportado os custos da expropriação (acordo)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR – A AMORTIZAÇÃO DOS TERRENOS EXPROPRIADOS E SUBMERSOS QUE INTEGRAM A ALBUFEIRA OBJECTO DE CONTRATO DE CONCESSÃO

Como resulta do que acima deixámos exposto, a questão que se coloca nos presentes autos – tal como delimitada pela formação de apreciação preliminar da admissibilidade da revista – foi já apreciada por este Supremo Tribunal, pelo acórdão proferido em 28 de Abril de 2021, no processo com o n.º 268/15.8BEBJA (() Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/498a9d766b250ced802586ca004b8a20.), tanto mais que o acórdão recorrido remete para o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que naquele processo foi objecto do recurso de revista.
Assim, porque concordamos integralmente com o aí expendido e tendo presente o disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, remetemos, nos termos dos arts. 663.º, n.º 5, e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do referido acórdão de 28 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 268/15.8BEBJA.
Permitimo-nos apenas salientar os dois seguintes aspectos: no presente processo, porque o imposto em causa se refere ao ano de 2008 (enquanto no acórdão para que remetemos o ano em causa era 2013), não logra aplicação o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro, mas o Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, o que não releva no sentido decisório, como bem o explica o acórdão para que remetemos; no presente processo, ao invés do que sucedeu naquele em que foi proferido o acórdão para que remetemos, o Tribunal Central Administrativo Sul não deu por prejudicado o conhecimento de questão alguma, pelo que não se justifica, na procedência do recurso, a devolução dos autos a esse Tribunal, mas antes a restauração do julgado em 1.ª instância.
Assim, com a fundamentação expendida no referido acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 268/15.8BEBJA, também aqui concederemos provimento ao recurso.

2.2.2 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão, decalcada do sumário doutrinal do citado acórdão de 28 de Abril de 2021, proferido no processo com o n.º 268/15.8BEBJA:

Os valores contabilizados a título de amortização de terrenos, incluindo os expropriados e submersos, integrantes da bacia/albufeira de barragem objecto de contrato de concessão, por parte do Estado, tal como os dos terrenos em geral, não são dedutíveis para determinação do lucro tributável, nos termos do art. 17.º do CIRC.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e manter a sentença, que julgou improcedente a impugnação judicial.


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Custas pela Recorrida [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT].

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Dispensamos a junção de cópia do acórdão para que remetemos, uma vez que as partes dele têm conhecimento e indicamos o lugar onde pode ser consultado.

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Assinado digitalmente pelo relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente acórdão os Conselheiros que integram a formação de julgamento.

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Lisboa, 9 de Junho de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.