Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0771/14.7BEALM
Data do Acordão:03/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
CONTABILIDADE ORGANIZADA
IRS
Sumário:I - Nos termos do n.º 5 do artigo 28.º do CIRS (redacção em vigor em 2012), o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 [regime simplificado ou contabilidade organizada] é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do n.º 4 do mesmo artigo, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
II - Quando o sujeito passiva declara, no início da actividade, que pretende submeter-se às regras do regime da contabilidade organizada, é esse o regime que se aplica até declaração do sujeito passivo em sentido diverso, não podendo a Administração Tributária substituir-se a ele na escolha daquele regime, nem exigir uma declaração expressa do sujeito passivo aquando do momento da prorrogação.
Nº Convencional:JSTA000P27317
Nº do Documento:SA2202103100771/14
Data de Entrada:01/23/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1. A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada de 9 de Maio de 2018, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A………., com os sinais dos autos, do acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado da liquidação de IRS do exercício de 2012 no montante de € 2.704,86, apresentou recurso jurisdicional, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
I. Decidiu o Tribunal “a quo” pela procedência da presente Impugnação por concluir que a Impugnante teria, no ano de 2012, de ser tributada em sede de IRS no regime da contabilidade organizada e não no regime simplificado de tributação, atento o disposto no art.º 28.º do CIRS, decisão com a qual, com o devido respeito, não se concorda;
II. Considera o Tribunal recorrido que “(…) não apresentou qualquer declaração a requerer a passagem para o regime simplificado de tributação” e, como “o enquadramento em qualquer um dos regimes tem a validade de três anos, renováveis, quando a Impugnante deixou de reunir as condições para, automaticamente, se manter no regime da contabilidade organizada e não apresentou qualquer declaração de alterações, deveria manter-se neste regime até apresentar uma declaração de alterações para ser enquadrada no regime simplificado de tributação”;
III. Optou a Impugnante, no ano de 2006, ano de início de atividade, pelo regime da contabilidade organizada, mas ficou enquadrada nesse regime por imposição legal, não por opção. Opção que, face à redação do art.º 28.º do CIRS à data valia apenas por um ano, tendo de ser renovada até ao fim do mês de março do ano em que o contribuinte pretendesse utilizar a contabilidade organizada, tendo assim cessado no final desse ano;

IV. Não tendo feito essa opção, no ano de 2007 cairia no regime simplificado, o que apenas não sucedeu atentos os limites quantitativos estabelecidos, que a obrigaram a permanecer no regime da contabilidade, por imposição legal. Situação que se manteve até que, no ano de 2011 não atingiu o limite que impunha o regime da contabilidade, inexistindo qualquer opção válida por esse regime;

V. Não tinha, assim, a Impugnante de vir fazer opção pelo regime simplificado como referido pelo Tribunal “a quo”, pois apenas estava enquadrada no regime da contabilidade por imposição legal, atentos os limites legalmente fixados e aferidos anualmente;

VI. Pois pelo n.º 2 do art.º 28.º do CIRS ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que não tenham optado e não tenham ultrapassado os limites. E pelo n.º 5 do artigo, na redação do ano de 2006, apenas no regime simplificado existia um período de permanência mínimo de três anos, sendo que, pelo n.º 3 do artigo, se o sujeito passivo pretendesse utilizar a contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento teria de apresentar declaração de alterações até ao fim do mês de Março do respetivo ano;

VII. Também afirma, a Douta Sentença, que a Autoridade Tributária entende que a opção pelo regime da contabilidade tem de ser efetuada todos os anos, mas tal não é a posição da Autoridade Tributária, não se suportando o afirmado em qualquer elemento que conste nos Autos;

VIII. Ao decidir pela procedência da presente Impugnação, por decidir que a Impugnante estava, no ano de 2012, enquadrada no regime da contabilidade, independentemente de opção válida e sem que tivesse obtido rendimentos que impusessem que se mantivesse nesse regime, ao contrário do que ocorreu nos anos anteriores, fez a Douta Sentença errada análise dos factos e aplicação do Direito, tendo violado o disposto no art.º 28.º do CIRS.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente Impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.


2. Não foram produzidas contra-alegações.


3. O recurso foi inicialmente endereçado ao TCA Sul, que, por decisão sumária da relatora, de 9 de Janeiro de 2020, declarou aquele tribunal incompetente para conhecer do recurso e competente para o efeito o Supremo Tribunal Administrativo.

4. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


5. Observadas as formalidades do n.º 2 do artigo 657.º do CPC, vêm os autos à conferência para decisão.



II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A impugnante optou em 01/01/2006 pelo regime da contabilidade organizada (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor junto aos autos);
2. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2006 de € 197.181,67 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
3. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2007 de € 201.154,93 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
4. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2008 de € 191.890,30 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
5. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2009 de € 181.091,71 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
6. A impugnante apresentou um volume de negócios em 2010 de € 181.661,85 (facto que se extrai do processo instrutor junto aos autos e admitido pela AT – fls. 42);
7. No exercício de 2011 a Impugnante apresentou um volume de negócios de € 136.098,49 (cfr. doc. junto a fls. 32 do processo instrutor);
8. No exercício de 2012 o Impugnante teve um volume de negócios de € 111.353,40 (cfr. doc. junto a fls. 32 do processo instrutor);
9. Em 31/05/2013 a Impugnante apresentou uma declaração modelo 3 de IRS, da qual constava o Anexo C, relativo aos rendimentos da Categoria C/Regime de Contabilidade organizada (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
10. Em 11/06/2013 a Impugnante foi notificada de uma incompatibilidade entre o Anexo entregue e a opção em Cadastro (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
11. A Impugnante apresentou uma nova declaração de IRS (facto que se extrai da informação de fls. 40 do processo instrutor);
12. Em 11/07/2013, foi efectuada a liquidação nº 2013 5004964828, referente ao IRS de 2012 do Impugnante da qual consta o apuramento de IRS no montante de € 2.704,86 (facto que se extrai da informação de fls. 40 e 41 do processo instrutor junto aos autos e fls. 58 do mesmo processo);
13. Em 07/08/2013 o Impugnante reclamou graciosamente da liquidação de IRS referente ao exercício de 2012 (cfr. doc. fls. 51 e segs. do processo instrutor);
14. Por despacho de 21/10/2013 foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante (cfr. doc. de fls. 69 do processo instrutor);
15. A Impugnante deduziu recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida em 29/11/2013 (cfr. doc. de fls. 23 do processo instrutor);
16. Por despacho de 24/04/2014 foi indeferida o recurso hierárquico apresentado pelo impugnante (cfr. doc. de fls. 39 a 44 do processo instrutor);
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
a) Não ficou provado que a Impugnante tivesse apresentado declaração de alterações de IRS no sentido de passar a ser tributada pelo regime simplificado de tributação;


2. De Direito
2.1. A única questão que vem suscitada nos presentes autos é a de saber se existe erro de julgamento do TAF de Almada ao considerar que o sujeito passivo que faz uma opção expressa pelo regime de contabilidade organizada em 2006 (data em que apresentou a declaração de início da actividade) e relativamente ao qual não se prove que tenha apresentado declaração de alterações no sentido de passar a ser tributado pelo regime simplificado, se deve considerar ainda abrangido pelo regime da contabilidade organizada no exercício fiscal de 2012, independentemente de os seus rendimentos permitirem a respectiva tributação pelo regime simplificado.

2.2. A questão assim formulada não é nova e constitui actualmente jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativa – como dá nota o acórdão de 3 de Julho de 2019 (proc. 0361/13.1BELRS) e as decisões para as quais o mesmo remete –, no sentido de que “nos termos do n.º 5 do art. 28.º do CIRS, o período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 [regime simplificado ou contabilidade organizada] é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da al. b) do nº 4, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido” e aduz-se ainda nesse aresto que “não pode a Administração Tributária substituir-se ao sujeito passivo do imposto nessa opção”.
Ora, é precisamente esse o entendimento (a interpretação jurídica das disposições do artigo 28.º do CIRS) que foi acolhido na sentença recorrida e que aqui se tem de reiterar.

2.3. Com efeito, vertendo aquela interpretação para o caso dos autos verifica-se que: i) existiu uma opção expressa da Impugnante pelo regime de contabilidade organizada no momento em que apresentou a sua declaração de início de actividade, o que significa que aquela era uma opção validamente expressa [artigo 28.º n.ºs 1, 3 e 4, al. a) do CIRS] (ponto 1 da matéria de facto assente); ii) não se provou ter existido declaração expressa da Impugnante no sentido de mudar para o regime de contabilidade organizada (facto não provado); iii) deste modo, por efeito do disposto no n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, a permanência do regime de contabilidade organizada, que à data era de 3 anos, prorrogou-se sucessivamente em cada triénio, mantendo-se válida em 2012, atenta a inexistência de declaração da mesma em sentido de querer mudar para o regime simplificado.
A interpretação proposta pela AT nas suas alegações de recurso não tem sustentação, pois o disposto no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS apenas permite dizer que o regime simplificado é o regime supletivamente aplicável aos sujeitos passivos que não indiquem de forma expressa (em nenhum momento) o regime a que pretendem submeter-se e se comprove que não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000. Sempre que exista uma declaração expressa do sujeito passivo a optar pelo regime de contabilidade organizada, como sucedeu aqui, é esse o regime aplicável até que o sujeito passivo emita uma declaração expressa em sentido contrário.
De resto, não tem qualquer fundamento legal a alegação de que o contribuinte teria uma obrigação de apresentar anualmente uma declaração com aquela opção quando preenchesse os requisitos para poder ser tributado pelo regime simplificado.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 10 de Março de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.