Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0537/12
Data do Acordão:06/20/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - Em sede de oposição à execução fiscal, não pode julgar-se verificada a impossibilidade superveniente da lide em face do despacho de extinção da execução sem que esteja demonstrado que o executado foi notificado desse despacho e contra ele não reagiu ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, pois só então pode considerar-se assente a extinção da execução fiscal.
II - A extinção da execução fiscal pelo pagamento não acarreta a impossibilidade superveniente da oposição quando nesta se está a discutir a legalidade da dívida exequenda ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, possibilidade que existe quando aquela dívida não resulte de acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, como pode suceder relativamente às contribuições para a Segurança Social.
Nº Convencional:JSTA000P14328
Nº do Documento:SA2201206200537
Data de Entrada:05/15/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:INST DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL DE LEIRIA, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A……, Lda.” (adiante Executada, Oponente ou Recorrente) deduziu oposição a uma execução fiscal que contra ela foi instaurada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), através da Secção de Processo de Leiria, para cobrança coerciva de dívida proveniente de contribuições para a Segurança Social.
Invocando os fundamentos das alíneas a) e h) do art. 204.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), alegou a Oponente, em resumo, o seguinte:

· as certidões de dívida não cumprem as exigências que a lei lhes impõe;
· a Executada não tem quaisquer dívidas à Segurança Social, pois sempre efectuou os pagamentos legalmente exigíveis;
· embora as certidões de dívida o não refiram, as dívidas aí referidas reportam-se, não a retribuições devidas aos trabalhadores ou aos membros dos órgãos sociais, mas sim a prémios de produtividade, sobre os quais não são devidas contribuições para a Segurança Social;
· acresce que a Segurança Social nunca incluiu os montantes desses prémios no cálculo das prestações que pagou aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais da ora Oponente.

1.2 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em sede liminar, verificando que o órgão de execução fiscal declarou a execução extinta pelo pagamento, indeferiu liminarmente a oposição por impossibilidade superveniente da lide.
Deixou ainda registado que «[a]s partes não foram ouvidas para deduzirem oposição, porquanto são factos manifestos e simples, que constam dos autos e são do conhecimento das partes, pelo que é manifesta a desnecessidade de realização do contraditório – cfr. artigos 3.º, n.º 3, do CPC, ex vi 2.º, alínea e), do CPPT».

1.3 A Oponente não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1. A Recorrente deduziu oposição à execução instaurada pelo IGFSS alegando que as certidões de dívida juntas com a petição inicial não constituíam títulos executivos.

2. Realmente a oponente sempre pagou pontualmente as contribuições e cotizações deduzidas nos vencimentos dos seus trabalhadores e membros dos órgãos sociais.

3. Pelo que a exigência do IGFSS ao pretender que se efectuassem descontos sobre prémios de produtividade era claramente ilegal por inexistência de tais contribuições e ilegalidade da quantia exequenda.

4. Na verdade, os prémios de produtividade à face da Lei não constituem remuneração por não serem prestações nem regulares nem periódicas.

5. Só que, na pendência da oposição, a requerente acordou com o IGFSS em depositar o valor da quantia exequenda (não beneficiou da isenção de juros nem custas) prosseguindo os autos os seus normais termos até final.

6. Caso a requerente obtivesse ganho de causa ficaria com um crédito sobre a Segurança Social e caso perdesse o pleito nada mais teria a pagar.

7. Todavia por despacho do Senhor Coordenador da Secção de Processos foi declarada extinta a execução sem que a requerente tivesse do mesmo sido notificada.

8. O Tribunal declarou extinta a execução indeferindo liminarmente a oposição.

9. Ora, no entender da recorrente foi violado o princípio do contraditório expressamente consagrado no Art. 45.º do CPPT.

10. Devendo assim ser revogada a douta sentença proferida – já que não há fundamento para indeferimento liminar, e substituída por outra.
11. Que ordena a notificação da requerente para se pronunciar sobre o despacho do Exmo. Sr. Coordenador do IGFSS e
12. Só então o Tribunal se poderá pronunciar sobre o prosseguimento ou não da oposição deduzida pela requerente assim se fazendo
Justiça».

1.5 Não foram apresentadas contra alegações.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, com a seguinte fundamentação:

«A recorrente apresentara oposição com base em outros fundamentos no disposto no art. 204.º n.º 1 al. h) do C.P.P.T. – ilegalidade da liquidação da dívida exequenda.
Assim, e pese embora não resultar comprovado o referido acordo com a Segurança Social, era, em princípio, de entender que a recorrente continuava a ter interesse na apreciação da referida oposição.
Daí que faz sentido o que alega quanto à necessidade de ser observado o princípio do contraditório, nomeadamente, a fim de que ficasse claro se havia ou não interesse no seu prosseguimento.
Com efeito, a admissibilidade da oposição como meio de defesa judicial da pretensão do executado que pretende impugnar a liquidação da dívida exequenda em situações em que não resulte que estejam assegurados outros meios de impugnação ou recurso, impõe-se quanto mais não seja por orça do princípio contido no art. 97.º n.º 2 da L.G.T., mesmo a entender-se que a situação não obtém tutela directa no disposto no art. 9.º n.º 3 da L.G.T. em que se prevê que o pagamento “não preclude o direito a reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa.
Aliás, nesse sentido decidiu já o S.T.A., por acórdãos de 25-11-09 e de 26-05-2010, proferidos nos processos 753/09 e 24/10, tirados em casos em que semelhante direito foi reconhecido embora quanto a responsáveis subsidiários, com base no previsto no art. 160.º do C.P.P.T.
Neste contexto, a referência efectuada na sentença recorrida de ter sido revogado o acto de reversão contra o oponente revertido só reforça o entendimento que acima se defende».

1.7 Colheram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando julgou extinta a oposição à execução fiscal por impossibilidade superveniente da lide o que, como procuraremos demonstrar, passa por indagar se podemos ter como assente a extinção da execução fiscal e, em qualquer caso, se a extinção da execução fiscal pelo pagamento, em face das concretas circunstâncias da situação sub judice, determinaria a impossibilidade superveniente da oposição.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Na decisão recorrida não se procedeu ao julgamento da matéria de facto, o que se compreende face à natureza liminar dessa decisão.
Em todo o caso, nela se deixaram registados os seguintes factos, como sendo relevantes:

«A oponente foi citada para a execução de que os presentes autos de oposição constituem incidente;

A oponente deduziu a presente oposição em 26.04.2011 (fls. 2 e ss.);

Por despacho do Coordenador da SPE Leiria, de 29.12.2011, foi declarada a extinção do PEF por pagamento (fls. 24)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, perante uma petição de oposição à execução fiscal e em face da informação prestada pela Exequente – de que a execução fora declarada extinta pelo pagamento efectuado pela Executada –, proferiu em sede liminar decisão julgando verificada a impossibilidade superveniente da lide.
A Oponente não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo. Sustenta, em síntese, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, que nunca foi notificada da decisão do órgão de execução fiscal que declarou extinta a execução fiscal e que não efectuou o pagamento da dívida exequenda, mas um simples depósito do montante considerado em dívida que, mediante acordo com o IGFSS, não seria a considerar como pagamento. Por tais motivos, nem o órgão de execução fiscal podia ter declarado a extinção do processo executivo nem a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria podia ter dado como assente a extinção do processo de execução fiscal e, ao fazê-lo sem previamente ouvir a Executada, violou o princípio do contraditório.
Cumpre, pois, apreciar e decidir, sendo que, como deixámos dito em 1.8, a questão de saber se a decisão recorrida fez errado julgamento quando julgou extinta a oposição à execução fiscal por impossibilidade superveniente da lide passa por indagar se podemos ter como assente a extinção da execução fiscal e, em qualquer caso, se a extinção da execução fiscal pelo pagamento, em face das concretas circunstâncias da situação sub judice, determina a impossibilidade superveniente da oposição.

2.2.2 DA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL

Considerou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que a execução fiscal foi declarada extinta pelo pagamento em face do despacho que nesse sentido foi proferido pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo da Leiria do IGFSS.
É certo que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido determina a extinção da execução fiscal, nos termos do disposto nos arts. 264.º, n.º 1 (Diz o art. 264.º, n.º 1, do CPPT: «A execução extinguir-se-á no estado em que se encontrar se o executado, ou outra pessoa por ele, pagar a dívida exequenda e o acrescido, salvo o que, na parte aplicável, se dispõe neste Códi..go sobre a sub-rogação».), e 269.º do CPPT (Diz o art. 269.º do CPPT: «Efectuado o pagamento voluntário, o órgão da execução fiscal onde correr o processo declara extinta a execução».). No entanto, essa extinção não pode ter-se como assente enquanto puder ser objecto de impugnação por parte da Executada, através da reclamação judicial prevista no art. 276.º do CPPT (Diz o art. 276.º do CPPT: «As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância».), sendo que o prazo para a reclamação judicial abre-se com a notificação da decisão, como decorre do disposto no n.º 1 do art. 277.º do CPPT (Diz o art. 277.º, n.º 1, do CPPT: «A reclamação será apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões».).
Ora, no caso, não está demonstrado que o despacho proferido pelo órgão da execução fiscal tenha sido notificado à Executada, motivo por que não pode considerar-se que a decisão da Exequente – de extinção da execução fiscal – tenha formado caso decidido ou resolvido e, por isso, também não poderá dar-se como assente essa extinção em sede de decisão judicial.
Poderia, é certo, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ter contornado essa dificuldade, derivada na falta de comprovativo da notificação à Executada do despacho que extinguiu a execução fiscal, mediante a audição da Oponente sobre o referido despacho e no pressuposto que esta nada viesse a objectar àquela extinção.
Daí que se compreenda a alegação da Oponente, ora Recorrente, quando esgrime com a violação do princípio do contraditório. Na verdade, o facto de se dar como assente a extinção da execução fiscal em sede de oposição quando não está comprovado que a Executada tenha sido notificada do respectivo despacho, constitui uma violação do princípio do contraditório previsto no art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC) (Diz o n.º 3 do art. 3.º do CPC «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».), aplicável ao contencioso tributário ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Trata-se de um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que o associava ao direito de resposta, para se assumir como uma garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa (Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96.)
(Sobre o princípio do contraditório, veja-se seguinte o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 3 de Março de 2010, proferido no processo com o n.º 63/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 24 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32210.pdf ), págs. 445 a 451, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/1f4bfa574b6a7515802576e10040e44b?OpenDocument.).
Ao contrário do que sustenta a Recorrente, a falta dessa audição nunca constituiria violação do princípio do contraditório previsto no art. 45.º do CPPT, como corolário do princípio da participação consagrado no art. 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e concretizado no art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), normas que todas elas apenas são aplicáveis em sede do procedimento tributário, mas antes violação do disposto no art. 3.º do CPC.
É que a oposição à execução fiscal é um processo judicial tributário e não um procedimento tributário.
Concluímos, pois, que não podia a Juíza do Tribunal a quo dar como certa a extinção da execução fiscal – pese embora o despacho do órgão de execução fiscal nesse sentido – sem que se tivesse assegurado de que o mesmo foi notificado à Executada; tendo-o feito, sempre o recurso haverá de proceder com fundamento na impossibilidade de se haver a execução fiscal como extinta.

2.2.3 DA IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA OPOSIÇÃO EM FACE DA EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PELO PAGAMENTO

Seja como for, isto é, ainda que se pudesse dar como assente (como caso decidido ou resolvido) a extinção da execução fiscal – e não pode – a extinção da execução fiscal pelo pagamento não acarretaria necessariamente a impossibilidade superveniente da liquidação, pelo menos sem que antes se averiguasse da origem das dívidas exequendas.
Na verdade, quanto às consequências do pagamento voluntário efectuado pela Executada sobre a oposição à execução fiscal por ela deduzida, há que ter em conta o seguinte:
Inicialmente, a jurisprudência adoptou a posição de que, efectuado o pagamento voluntário da quantia exequenda e do acrescido por quem quer que fosse, a oposição devia ser julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, uma vez que a oposição fica sem objecto, que era a execução fiscal (A impossibilidade superveniente da lide ocorre ou porque se extinguiu o sujeito, ou porque se extinguiu o objecto, ou porque se extinguiu a causa – cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, III volume, pág. 368.). O entendimento que lhe subjazia era o de que, porque esse pagamento, nos termos do disposto nos já referidos arts. 264.º, n.º 1, e 269.º do CPPT, leva à extinção da execução fiscal, a oposição (cuja finalidade é a extinção ou a suspensão da execução fiscal) ficava sem objecto. Aliás, é por isso que no n.º 5 do art. 203.º do CPPT (O art. 203.º, n.º 5, do CPPT, dispõe: «O órgão da execução fiscal comunicará o pagamento da dívida exequenda ao tribunal tributário de 1ª instância onde pender a oposição, para efeitos da sua extinção».) se impõe ao órgão de execução fiscal a comunicação da extinção da execução fiscal (embora a lei fale do pagamento da dívida exequenda, quer-se referir à extinção decorrente do pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sendo que até seria mais curial que falasse da extinção da execução, independentemente do motivo que lhe esteja subjacente) ao tribunal onde a oposição estiver pendente.
Mas, desde sempre, a jurisprudência admitiu uma excepção nos casos em que na oposição à execução fiscal estava em discussão a legalidade da liquidação subjacente à dívida exequenda. Na verdade, embora por regra a execução fiscal tenha como única finalidade a extinção ou a suspensão da execução fiscal, há situações em que a oposição à execução fiscal tem por objecto a impugnação judicial do acto de liquidação, como, designadamente, aquela a que se refere a alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT, quando «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» (ou seja, quando a dívida exequenda não tem origem em acto administrativo ou tributário prévio que defina a obrigação). É que, nestes casos, a oposição à execução fiscal assume uma verdadeira natureza de impugnação judicial (Neste caso, sob as vestes da oposição à execução fiscal o que está em causa é «uma forma processual de impugnação do acto tributário» (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, 2009, p. 343).), sendo até que o n.º 2 do art. 204.º do CPPT prescreve que a oposição passe a seguir as regras processuais da impugnação judicial, a menos que a questão seja exclusivamente de direito.
Será, em regra, o caso em que estejam em cobrança dívidas à segurança social. Na verdade, por via de regra, as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar (mediante aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações), numa figura próxima da autoliquidação.
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. cit., III volume, anotação 37 c) ao art. 204.º, págs. 496/497.), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 511/76, de 3 de Julho, cumpre às entidades patronais que sejam contribuintes do regime geral as obrigações de entrega das folhas de ordenados ou salários e de pagamento das contribuições correspondentes, determinadas pela incidência das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações, dentro dos prazo legais, sendo que na falta de pagamento, é extraída certidão das folhas de ordenados ou salários para execução (arts. 2.º, n.º 1, e 9.º). «Era assim, o próprio contribuinte que tinha de calcular as contribuições devidas, aplicando as percentagens legais às remunerações, não havendo qualquer acto praticado por uma autoridade pública declarativo de uma obrigação de pagamento da quantia referente às contribuições, pelo que não pode falar-se, nos casos em que não há cobrança coerciva, da existência de um acto de liquidação» (Idem.).
Nessas situações, com carácter de autoliquidação, apenas poderá configurar-se o acto de extracção da certidão confirmativa da existência da dívida como «acto de liquidação» para os efeitos previstos na alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT. Na verdade, nesses casos, não pode o contribuinte reclamar graciosamente nem impugnar judicialmente, sendo que apenas poderá questionar a legalidade do acto tributário em sede de oposição à execução fiscal (Neste sentido, o seguinte acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 7 de Dezembro de 2004, proferido no processo com o n.º 749/04, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Julho de 2005 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2004/32240.pdf), págs. 1808 a 1812, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d14b5ab43579fc9780256f70005b8d00?OpenDocument..)
Ora, não pode excluir-se que seja precisamente essa a situação dos autos. Na verdade, estão em cobrança coerciva dívidas por contribuições para a Segurança Social, não sendo de excluir que as mesmas não tenham origem em qualquer acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, mas que tenham sido apuradas em face das declarações apresentadas à Segurança Social pela ora Recorrente, ou seja, numa situação em que se «permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento, sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio, definidor da obrigação» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 37 c) ao art. 204.º, pág. 496.).
Se assim for, não subsistirão dúvidas de que o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, ainda que determine a extinção da execução fiscal, não acarreta a impossibilidade superveniente da lide na oposição à execução fiscal, pois esta terá então como escopo a discussão da legalidade da dívida exequenda.
Também por este motivo, não poderia manter-se o despacho recorrido.
Finalmente, uma breve nota suscitada pela invocação que foi feita no parecer do Ministério Público a jurisprudência desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
É certo que, recentemente, a jurisprudência passou a distinguir também, para não considerar verificada a impossibilidade superveniente da oposição à execução fiscal em situações de pagamento da dívida exequenda, as situações em que o pagamento é efectuado pelo responsável subsidiário, dentro do prazo de oposição, para beneficiar da isenção de juros de mora e custas nos termos do art. 23.º, n.º 5 da LGT (Diz o art. 23.º, n.º 5, da LGT, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2011): «O responsável subsidiário fica isento de juros de mora e de custas se, citado para cumprir a dívida constante do título executivo, efectuar o respectivo pagamento no prazo de oposição».). Nessas situações, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender (Vide os seguintes acórdãos desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 25 de Março 2009, proferido no processo com o n.º 985/08, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 2009 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32210.pdf), págs. 472 a 475, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/daf480dd8ec60a5c8025758b004dcf67?OpenDocument;
– de 7 de Outubro 2009, proferido no processo com o n.º 714/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1497 a 1500, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/daf480dd8ec60a5c8025758b004dcf67?OpenDocument;
– de 25 de Novembro de 2009, proferido no processo com o n.º 753/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1895 a 1899, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/159db76d2379204e802576810054265f?OpenDocument;
– de 26 de Maio de 2010, proferido no processo com o n.º 24/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 883 a 888, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad10ff1afd8ea2be80257735003bd1b0?OpenDocument;
– de 4 de Maio 2011, proferido no processo com o n.º 982/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 711 a 713, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ad10ff1afd8ea2be80257735003bd1b0?OpenDocument;
– de 7 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 421/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1430 a 1432, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c5168e1dda2b68a780257911003a1c6e?OpenDocument;
de 21 de Setembro de 2011, proferido no processo com o n.º 560/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1560 a 1562, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d618591fa2f21fb28025791900546620?OpenDocument.),na Sequência da posição assumida por JORGE LOPES DE SOUSA (Ob. cit., III volume, anotação 11 ao art. 160.º, págs. 114 a 116.), que a inutilidade/impossibilidade da lide faz sentido nas situações em que seja o devedor originário a pagar a dívida, mas não já naquelas em que o processo de oposição é o único meio processual que os oponentes/revertidos dispõem para atacar a legalidade do despacho de reversão, por violação do disposto nos arts. 23.º e 24.º da LGT e 153.º do CPPT, devendo o art. 9.º, n.º 3, da LGT (Diz o art. 9.º, n.º 3, da LGT: «O pagamento do imposto nos termos de lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei».), ser interpretado no sentido de incluir a própria oposição à execução como forma de atacar a ilegalidade do acto que ordenou a reversão contra os legais representantes da sociedade executada a título principal.
Pelo que, sendo o pagamento da dívida efectuado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de juros moratórios e multa nos termos do art. 23.º, n.º 5, da LGT (ou seja, dentro do prazo da oposição), esse pagamento não implica a preclusão do seu direito de impugnar o despacho de reversão, não podendo extinguir-se a instância de oposição com fundamento em inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Convém, no entanto, ter presente que esta doutrina não logra aplicação nos casos, como aquele de que ora nos ocupamos, em que o pagamento foi efectuado pelo responsável originário, nem nos casos em que o pagamento foi efectuado por um outro responsável subsidiário ou pelo próprio responsável subsidiário oponente, mas para além do prazo para deduzir oposição.
Nesses casos, continua a justificar-se a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, como, aliás, tem vindo a afirmar o Supremo Tribunal Administrativo em jurisprudência recente (Vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo com o n.º 532/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 1479 a 1483, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/09526f36ecbf31a78025764e0039531f?OpenDocument;
– de 9 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 946/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2037 a 2040, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d9389fb8696e19db802576950032ef40?OpenDocument.).
Mas, no caso sub judice não há situação alguma de reversão, pelo que, contrariamente ao que parece supor o Procurador-Geral Adjunto, não pode retirar-se argumento algum da jurisprudência referida no seu parecer.
Note-se, aliás, que a referência que na sentença é feita à revogação do despacho de reversão como motivo para extinguir a execução fiscal só pode entender-se por lapso, uma vez que aquela decisão foi determinada pelo pagamento e a Executada é a devedora originária, em nome de quem foram extraídas as certidões de dívida, não havendo notícia nos autos de qualquer reversão que, seguramente, nunca poderia ser efectuada contra a Oponente e ora Recorrente.

2.2.3 CONCLUSÕES

O despacho recorrido não pode pois manter-se, devendo o processo ser devolvido à 1.ª instância, a fim de aí prosseguir, se nada mais a isso obstar, pelo que, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Em sede de oposição à execução fiscal, não pode julgar-se verificada a impossibilidade superveniente da lide em face do despacho de extinção da execução sem que esteja demonstrado que o executado foi notificado desse despacho e contra ele não reagiu ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, pois só então pode considerar-se assente a extinção da execução fiscal.
II - A extinção da execução fiscal pelo pagamento não acarreta a impossibilidade superveniente da oposição quando nesta se está a discutir a legalidade da dívida exequenda ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, possibilidade que existe quando aquela dívida não resulte de acto administrativo ou tributário prévio definidor da obrigação, como pode suceder relativamente às contribuições para a Segurança Social.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí prosseguirem, se nada mais a isso obstar.

Sem custas.

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Lisboa, 20 de Junho de 2012. – Francisco Rothes (relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves.