Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:071/18.3BCLSB
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23869
Nº do Documento:SA120181127071/18
Data de Entrada:11/12/2018
Recorrente:A........
Recorrido 1:LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


I. RELATÓRIO
A……… apresentou, no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), acção pedindo a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do artigo 39.º, n.º 1, al. b), do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol ou, subsidiariamente, a sua desaplicação mediante a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso.

O TAD julgou a acção procedente.

A Demandada recorreu para o TCA Sul e este concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão do TAD e julgando improcedente o pedido formulado na acção.

É desse Aresto que o Autor recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Autor intentou, no TAD, acção pedindo a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral do art.º 39.º (A qual tem a seguinte redacção:
“Suspensão de dirigentes e delegados dos clubes
1. A sanção de suspensão aplicada a dirigentes e delegados de clubes consiste:
a) no impedimento de estar presente na zona técnica dos recintos desportivos em que se disputem jogos oficiais, tal como definida no n.º 1 do artigo 34.° do Regulamento das Competições, desde duas horas antes do início de qualquer jogo oficial e até 60 minutos após o seu termo;
b) na inibição de intervenção pública em matérias relacionadas com as competições desportivas.
2. Sem prejuízo do estabelecido, do número anterior, os dirigentes e delegados suspensos mantêm o direito de representar os seus clubes durante o período de suspensão no âmbito das relações associativas com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol.
3. A sanção de suspensão aplicada a dirigentes e delegados dos clubes cumpre-se, salvo o disposto ao n.º 1 do art.º 41.°, a partir da data em que a decisão que a aplicar se torne executória.”) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP) ou, subsidiariamente, a sua desaplicação mediante a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao seu caso.
Em concreto, alegou que a referida norma era ilegal por violação dos artigos 19.° e 24.° da LBAFD, 10.°, 11.°, 29.° e 53.°/b) do RJFD, 7.° e 152.° do CPA, e inconstitucional por violação dos artigos 26.°, 30.°, n.º 4 e 37.° da CRP.

O TAD julgou a acção procedente com uma fundamentação de que se destaca:
“ …
O caso das normas regulamentares que proíbem e sancionam certos comportamentos não são as únicas capazes de imediatamente se projectarem na esfera jurídica dos seus destinatários sem necessidade de mediação. …..
Por isso, se se aceita que a norma do n.º 2 do artigo 39.° do RD aqui em causa, não tem por si mesma um alcance proscritivo, como sustenta a Demandada, a verdade é que a sua exequibilidade não depende da intermediação de ato de aplicação. ….
....
Aqui chegados, e de acordo com os elementos apreciados, cremos não existirem dúvidas de que ao inibir os dirigentes e delegados de clubes, que tenham sido disciplinarmente suspensos da sua atividade, de qualquer intervenção pública em matérias relacionadas com as “competições desportivas” existe uma lesão material imposta pela norma ao artigo 37.° da CRP, interpretado à face do direito ao livre desenvolvimento da personalidade previsto no artigo 26.° da CRP.
Aceita-se que a suspensão de dirigentes ou delegados de clubes implique a impossibilidade de frequentarem determinados espaços ou praticarem determinados atos, mas não a de expressarem livremente a sua opinião sobre quaisquer factos. Com o devido respeito por opinião contrária, tal proibição não pode deixar de cair no conceito de censura constitucionalmente proibida.
Com efeito, ainda que se alcance a bondade da pretensão - evitar acirrar ânimos e comportamentos de dirigentes e adeptos contrários ao espírito desportivo - a verdade é que tal desiderato não pode ser levado a cabo com a inibição, total e absoluta, de intervenção pública em matérias relacionadas com as “competições desportivas”, uma espécie de “lei da rolha”.

Nestes termos, procede, pois, o pedido principal formulado pelo Demandante, ou seja, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral da alínea b) do n.º 1 do artigo 39.° do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP) …. “

A LPF recorreu para o TCA Sul e este, concedendo provimento ao recurso, anulou a deliberação do TAD.
Com efeito, depois de afirmar que a fundamentação da decisão recorrida não era obscura nem ininteligível e que, por isso, esta não era nula, que o Autor era parte legítima e que não ocorria a inutilidade superveniente da lide, analisou se a mesma fizera correcto julgamento quando declarara que o art.° 39.°/1/b) do RD era uma norma imediatamente operativa e, com esse fundamento, julgou procedente o pedido. Tendo dado a essa questão o seguinte tratamento:
“…
O Recorrido veio através da presente acção impugnar o art.° 39.°, n.º 1, al. b), do RD, pedindo a declaração de ilegalidade dessa norma, alegando que tem dois processos disciplinares instaurados contra si, que tal norma é directamente operativa e que o pode prejudicar.
Dos autos não resulta provado que os invocados processos já tenham terminado e que os interesses invocados pelo Recorrido tenham deixado de existir.
….
Vem o Recorrente invocar um erro decisório porque o art.° 39.°, n.º 1, al. b), do RD, não é uma norma directamente operativa, sendo meramente descritiva da natureza e dos efeitos de uma sanção, carecendo de um acto de aplicação para que projecte os seus efeitos na esfera dos destinatários. Igualmente, diz o Recorrente que, porque o Recorrido não tem qualquer sanção disciplinar por cumprir, nem é alvo de nenhum processo disciplinar que esteja a correr, da mera vigência da norma não decorrem quaisquer prejuízos para o Recorrido.
….
Como decorre do que ora se transcreve, a decisão arbitral recorrida não deu por provado, de forma especificada, que existissem dois processos disciplinares - com os n.ºs 56- 16/17 e 73-16/ 17 - que corressem em determinada data contra o Recorrido, motivando o correspondente julgamento de facto com a indicação da prova, constante do processo, que assim levasse a julgar.
…..
Por conseguinte, atendendo ao teor da decisão recorrida, ter-se-á de concluir que não está provado nos autos que inexistam processos disciplinares a correr contra o Recorrido, como clama o Recorrente.
….
Nos termos do art.° 73º, n° 1, do CPTA, a "declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de norma imediatamente operativa pode ser pedida por quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo, independentemente da prática de ato concreto de aplicação...".
Portanto, é pressuposto para o referido pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral que a norma impugnada seja imediatamente operativa, isto é, que a norma produza efeitos imediatos na esfera jurídica dos interessados independentemente de um acto concreto de aplicação. …
Assim, da simples leitura da indicada norma é manifesto que a mesma não tem aplicabilidade directa, pois depende da prévia aplicação de uma sanção de suspensão, efectivada através de acto administrativo. Igualmente, da aplicação conjugada dos art.°s 32.°, al. c), 39.°, n.º 3, 128.° a 140.°, 145.°, 250.°,256.° e 262.° do RD, para que o citado art.° 39.°, 1, al. b), do RD seja aplicado, é necessária a intermediação de uma decisão punitiva, tomada no âmbito de um processo disciplinar.
Logo, no caso em apreço, é manifesto que o art.° 39.°, n.º 1, al. b), do RD, não é uma norma imediatamente operativa, pois os seus efeitos só se podem produzir mediatamente, por via da prolação de um acto administrativo que a aplique, determinando a sanção de suspensão e concomitantemente a inibição de intervenção pública em matérias relacionadas com as competições desportivas. ….
Em suma, o recurso procede quando se invoca o erro decisório, por se ter julgado que o art.° 39.°, n.º 1, al.ª b), do RD, continha uma norma imediatamente operativa e que, por isso, estavam verificados os pressupostos exigidos pelo art.° 73.°, n.º 1, do CPTA, para a formulação do pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. ….. ficando prejudicado o conhecimento das demais alegações, relativas ao erro decisório por o art.° 39.°, n.º 1, al. b) do RD, não violar o art.° 53.° do RJFD, ou por o Tribunal arbitral recorrido ter-se pronunciado pela inconstitucionalidade orgânica da norma invadindo a competência do TC.”

3. É deste Acórdão que o Autor recorre pugnando pela admissão da revista para que se conheçam das seguintes questões:
(1) por um lado, se uma norma que, como a impugnada pelo recorrente, proíbe uma conduta específica (a livre expressão pública) a cidadãos que se encontram ou venham a encontrar em condições determinadas (suspensos por decisão disciplinar) produz os seus efeitos de forma imediata ou se, pelo contrário, a produção dos seus efeitos se pode dizer dependente do acto que coloca os administrados na condição a que a mesma se aplica;
(2) e, por outro, se as custas processuais determinadas ao abrigo da legislação específica do TAD em matéria de jurisdição arbitral necessária, que conduz a valores manifestamente superiores aos da jurisdição estadual, ofendem os princípios da proporcionalidade, acesso à justiça e igualdade são questões que, pela sua relevância jurídica e social, se revestem de importância fundamental, sendo a resposta às mesmas claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”.

4. A questão central destes autos é, como se viu, a de saber se o art.° 39.°, n.º 1, al. b), do RD é uma norma imediatamente operativa ou se, pelo contrário, os seus efeitos só podem operar após prolação de um acto administrativo que aplique a sanção nela prevista, maxime a inibição de intervenção pública em matérias relacionadas com as competições desportivas.
O TAD e o TCA proferiram decisões opostas sobre essa matéria.
Todavia, tudo parece indicar, até pela solidez da sua fundamentação, que a decisão do TCA é a única a merecer acolhimento, tanto mais quanto é certo que o TAD não explicou com a clareza necessária como é que uma norma com o grau de generalidade da al.ª b, do n.º 1, do art.º 39.º do RD pode ser aplicada sem intermediação de um acto administrativo.
Por ser assim a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
Acresce, por outro lado, que a identificada questão não se reveste de importância jurídica ou social fundamental e, por isso, a importância da mesma não é de molde a justificar a admissão do recurso.
Finalmente, a circunstância dos valores das custas no TAD serem superiores aos valores das custas na jurisdição estadual depende de legislação específica que este Tribunal não pode alterar. Razão pela qual essa disparidade não pode ser fundamento de revista.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Porto, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.